Capitulo 11
ELISA
Devo ter dormido por umas três horas, no máximo. Tinha que fazer minhas malas. Era segunda-feira, não teríamos aula no colégio Ives Freitas, pois este estava completando cinquenta anos de existência. Como tradição, hoje à noite seria realizada uma pequena cerimônia no colégio em que pais e alunos compareciam para prestigiar a escola. Confesso que já estava cansada de tanta festa, mas como herdeira dos Freitas eu não poderia faltar. Meus pais haviam voltado para casa mais cedo para cuidarem dos preparativos.
Coloquei minhas coisas no porta-malas do carro de Becca. Pus meus óculos escuros para me proteger do sol e esconder as olheiras das horas de sono perdidas. Muitos de meus colegas também já estavam de saída. Procurei ansiosamente por Ágata e a encontrei na garagem, ela estava checando sua motocicleta antes de cair na estrada.
-- Bom dia! -- Disse.
Os olhos de Ágata também se escondiam por trás de óculos escuros. Ela sorriu para mim.
-- Bom dia, Elisa.
Ficamos paradas uma de frente para outra, sem saber o que dizer, parecendo duas bobas.
-- Não ia embora sem se despedir, não é?
-- Pensei em procurar por você antes de ir, mas imaginei que estivesse ocupada - Respondeu Ágata, sem graça.
- Para você, nunca.
Ela enrubesceu.
-- Ah, você vai para a cerimônia hoje no colégio? -- Perguntei.
-- Na verdade, não estou muito afim, mas meu tio quer que lhe faça companhia.
-- Eu também tenho que ir para ficar ao lado de meus pais. Sabe, esse é um grande evento para minha família...
Nesse momento, Becca apareceu pedindo para que eu me apressasse.
-- Já estou indo, Becca. -- Falei.
-- Estou lhe esperando no carro, não demora. -- Disse ela, impaciente.
-- Tenho que ir. - Disse à Ágata.
-- É melhor tomar cuidado acho que sua amiga ainda está bêbada -- Alertou Ágata. Não sabia se ela estava brincando ou falando sério, por via das dúvidas, respondi:
-- Não se preocupe vou prestar atenção em como Becca dirige. E isso serve para você também, Ágata. Dirija com cuidado.
-- Sempre -- Disse ela, confiante.
Ouvi Becca gritar por meu nome.
-- Desculpe, Ágata. Tenho mesmo que ir. -- Falei, hesitante.
Foi então que Ágata se aproximou de mim e me puxou para um beijo rápido, mas intenso.
-- Cuide-se -- Disse ela.
-- Tudo bem -- Respondi ainda meio zonza pelo beijo. Segui meio cambaleante para o carro. E sai para os perigos da estrada com Becca.
***
Não tivemos problemas na estrada. Becca não estava de bom humor, pois parecia não ter dormido quase nada e isso era uma das coisas que mais a deixava irritada. Eu pretendia tirar minha habilitação em breve, logo eu estaria dirigindo meu novo carro. Tentei prestar atenção na estrada, embora meu pensamento sempre ficasse voltando a Ágata. Pela primeira vez na vida, eu estava compartilhando com alguém um sentimento profundo. Uma paixão avassaladora, como diziam. Doía admitir as dificuldades que poderíamos enfrentar para ficarmos juntas, mas ainda era cedo demais para saber qualquer coisa. E para falar a verdade, eu preferia não sofrer por antecedência.
Naquele dia, no caminho de volta para casa tomei a decisão de que não poderia mais esconder de Becca o que estava acontecendo. Ela estava ao meu lado desde sempre, nunca houve segredo entre nós. Até agora.
Aproveitei para dormir a tarde inteira. No início da noite, meus pais se aprontaram cedo e foram para o colégio sem mim. Eu lhes disse que chegaria a tempo e que iria com Becca. A cerimônia foi marcada para começar às dez da noite, já passava das nove quando Becca chegou. Eu estava muito ansiosa, não pela cerimônia, mas pela proximidade da chegada dela. Talvez aquele não fosse o momento mais propício para contar a ela, principalmente porque não saberia qual seria a sua reação. Mas eu estava decidida a falar com ela e o mais cedo possível. O peso de mentir para minha melhor amiga era difícil demais de ser carregado.
Becca chegou dando graças a Deus que sua mãe estava viajando e não iria comparecer a cerimônia. Todos os anos em que tia Drica ia, ela sempre arranjava uma maneira de ser o centro das atenções. Becca estava com pressa e pediu para entrar no carro imediatamente. Quando chegamos ao colégio, ela estacionou e antes de descermos do carro eu lhe disse que precisava lhe contar algo.
-- Você não pode deixar isso para depois, Lisa?
-- Desculpe, Becca. Isso não pode esperar.
Ela me olhou curiosa.
-- O que aconteceu?
-- Becca, eu menti para você. Ou melhor, eu ocultei algo importante. -- Minha boca tremia e minha garganta estava seca. Por que é tão difícil dizer algo muito importante a quem amamos?
-- Deve ser por isso que você anda tão estranha. Eu não sou idiota, Lisa. Sei quando você está escondendo algo de mim. Fica calma e me diz o que está acontecendo. Tem alguma coisa a ver com Ágata, não é?
-- Como você sabe? -- Perguntei.
-- Lisa, porque ultimamente tudo tem a ver com aquela garota. Me diz o que foi dessa vez?
-- Becca, eu... eu estou apaixonada pela Ágata.
Eu conhecia Becca durante toda a minha vida, mas nunca a havia visto tão chocada.
-- O que-que? -- Balbuciou ela. -- Você não pode está falando sério. Como... como isso foi acontecer? Você tem certeza disso. Pensa bem, Lisa. Você pode está confundindo as coisas...
-- Becca, eu não tenho muitas certezas na vida, mas eu posso lhe garantir que estou apaixonada.
-- Apaixonada por uma garota, Lisa? -- Perguntou ela, horrorizada.
-- Acho que a gente não escolhe por quem se apaixona, Becca.
-- Agora eu entendo por que você estava fazendo aquelas perguntas estranhas sobre lésbicas... Quando aquela garota apareceu, algo me dizia que as coisas nunca mais seriam as mesmas. Lisa, me conta essa história direito, não vá me dizer que você... que vocês tiveram algum tipo de intimidade.
-- Nós não trans*mos se é isso que você quer saber.
Becca arregalou os olhos diante de minha resposta sincera. E falou:
-- Mas você... você. Espera, ontem de manhã, quando você apareceu com aquele roxo no pescoço...
Becca se calou, e ficou pensativa.
-- Como fui idiota. Você estava escondendo isso de mim. E eu sou sua melhor amiga, Lisa. Há quanto tempo isso vem acontecendo? Há quanto anda mentindo para mim?
Contei para Becca tudo o que aconteceu nesses últimos três meses, desde que Ágata apareceu. Não omiti nada, embora Becca tenha se sentido um pouco incomodada com alguns detalhes, ela escutou com paciência.
-- Lisa, por que não me contou isso desde o começo... sua vida dá um giro de trezentos e sessenta graus e você só me conta agora.
-- Desculpe, Becca. Eu estava com medo da sua reação. De você nunca mais me olhar do mesmo modo...
-- Lisa, de todas as pessoas do mundo era em mim que você devia confiar. -- Disse ela, triste.
-- Você está chateada comigo?
-- Por ter mentido para mim, estou. Sobre o que você me disse, estou confusa. É muita coisa para assimilar de uma vez só. Me dá um tempo, Lisa. -- Pediu ela.
-- O tempo que você precisar -- Respondi.
-- Melhor sairmos desse carro, a cerimônia já vai começar.
Becca entrou na frente e não me esperou. Respirei um pouco de ar puro, a noite parecia linda. Se eu pudesse ficava ali fora, mas como eu precisava entrar, pus a minha melhor máscara e coloquei um sorriso nos lábios. Naquela noite, eu devia mais do que nunca ser a Rainha do Yves Freitas.
***
Durante a maior parte da cerimônia fiquei ao lado de meus pais. A história do Yves Freitas foi contada desde seu início, devia ser a milésima vez que eu ouvia aquela história. Depois tivemos várias apresentações de alunos. A cerimônia acontecia no auditório do colégio, e da tribuna de honra onde eu estava, avistei Ágata sentada ao lado do professor Bóris. Não tiramos os olhos uma da outra. Becca sentava na frente, mas não parecia está prestando muita atenção em nada. Na verdade, a flagrei olhando para Ágata algumas vezes.
Quando a comemoração estava no final, observei as pessoas deixando seus lugares e se reunirem para conversar, tentei não perder Ágata de vista. Fiquei pasmada quando vi que Becca se aproximou de Ágata e sumiu com ela por uma porta que dava para um dos corredores do colégio. Imediatamente, me desvencilhei das pessoas que atulhavam o salão e sai correndo na direção delas. Quando enfim consegui encontrá-las me deparei com uma cena nada agradável.
-- Becca! -- Gritei -- O que está acontecendo aqui?
Becca estava vermelha. Transtornada, ela tentava bater em Ágata enquanto lançava uma enxurrada de impropérios. Ágata apenas se defendia, ela era mais alta e mais forte e não parecia ter problemas para conter minha amiga.
-- É tudo culpa dessa garota, Lisa. Ela não tinha o direito de fazer isso com você. -- Gritou Becca.
-- Ela não fez nada comigo, Becca. Para com isso.
-- Você não vê o que ela quer, Lisa. Ela está roubando você de mim. Ela só quer usar você... -- Virando para Ágata -- Você não vale nada, garota. Eu disse para você ficar longe da minha amiga. Ela é minha e não sua, entendeu?
-- Becca, tenha calma. Nada do que você está falando faz sentido. -- Disse eu, tentando remediar a situação.
-- Elisa, é melhor você levar sua amiga daqui antes que alguém apareça e a veja nesse estado --- Disse Ágata, sua tranqulidade naquela situação me assombrava.
-- Você tem razão. -- Respondi -- Becca, querida. Vamos para casa.
-- Me deixa! - Disse Becca se desvencilhando de meu braço.
-- Não, Becca. Você vem comigo.
Insisti mais um pouco até que Becca pareceu voltar a razão e decidiu me acompanhar. Pedi desculpas a Ágata que disse:
-- Não se preocupe comigo, Elisa. Melhor cuidar da sua amiga. Depois conversamos.
Ela me lançou um olhar compreensivo. Eu não esperava que nada daquilo acontecesse e fiquei pensando se havia sido uma boa ideia ter contada a verdade para Becca.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]