Segunda-feira - 17h30min

Receita Federal - Avenida Luís Viana Filho

Alice havia recebido uma notificação para comparecer à sede da Receita Federal. Nos primeiros instantes, pensou tratar-se de um erro, pois o que ganhava por ano não alcançava o valor mínimo necessário para fazer seu imposto de renda. Ligou para o número que estava no documento e confirmou tratar-se de sua pessoa. 

O horário marcado era após seu expediente então não precisaria pedir para sair mais cedo do serviço. Como era início de semana e havia passado os dias anteriores em Boa Vista de São Caetano, bairro onde sua namorada residia, iria do trabalho para a casa de seus pais em Patamares. A sede era caminho.

Ao chegar na recepção e identificar-se, um jovem a conduziu até a sala 313, localizada no 3º andar. Rubens, o estagiário, depositou uma bandeja com uma garrafa térmica, açúcar, alguns copos descartáveis e água mineral. A vista da janela mostrava o trânsito que começava a engarrafar e um metrô que passava ou no sentido centro da cidade ou no sentido aeroporto.

Trinta minutos após sua chegada e alguns copos de café depois, dois homens e uma mulher adentraram a sala. Um homem aparentava ter descendência asiática, estatura baixa, olhos pequenos, usava óculos e portava uma pasta que atiçou a curiosidade da jovem. O outro homem era o oposto. Negro, de estatura alta, careca, trajando um conjunto social justo em seus braços devido a musculatura. A mulher também era negra. Os cabelos cacheados tinham as pontas descoloridas, olhos castanhos profundos e um sorriso apaziguador.

— Boa tarde, Alice. Me chamo Simone, sou responsável pelo departamento da alfândega e esses senhores são Raul Matos, delegado da Polícia Federal, e Lin Shion, da Interpol. Sei que não compreende a necessidade de sua vinda até aqui, mas iremos explicar. Temos conhecimento de que a senhorita trabalha no antiquário Dragão D'Ouro que, atualmente, pertence ao senhor Yumi Chian em sociedade com Aklan Zion, um alto investidor turco investigado por sonegação de impostos, lavagem de dinheiro e contrabando de obras preciosas.

— Certo… Ainda não compreendo o que eu tenho a ver com isso tudo. Só trabalho lá há cinco meses.

— Olhe essas fotos e diga se esses rostos lhe são familiares. 

Ao observar as fotos que Lin espalhava pela mesa, Alice ficou horrorizada. Todos os homens que apareciam eram ‘clientes’ e alguns faziam serviço de transportadora. O que a deixou mais chocada foi que nas fotos havia a identificação aliado aos crimes cometidos e suas sentenças. Dentre eles, alguns eram foragidos internacionais. 

A expressão de surpresa no rosto de Alice fez com que as três autoridades se entreolhessem. A jovem pegava foto por foto enquanto um filme passava diante de seus olhos. Uma foto chamou sua atenção. Uma das poucas mulheres que via na loja; Ana Martha Medeiros de Fernandes. 

Quando a conheceu, em seu terceiro dia de trabalho oficialmente, Ana Martha foi ao antiquário e se apresentou como advogada. Pediu que ela assinasse alguns termos de sigilo e confidencialidade. Na época, Alice acreditou ser porque seu patrão trabalhava com peças raras. Uma informação sobre entrega ou carregamento vazar poderia ser prejudicial. Ao virar a foto, Alice lê em voz alta a extensa ficha criminal da ‘advogata do sindicato’. Se pergunta porque aceitou aquele emprego e em qual enrascada se meteu sem saber.

Simone e Raul observam a jovem enquanto Lin insere um programa espião no aparelho telefônico de Alice e faz uma rápida varredura em mensagens e conversas em busca de algo que possa associá-la. Não encontrando nada suspeito, acena para que seus colegas interajam com a moça.

— O que vocês querem de mim?

— Seu auxílio. - Simone respondeu prontamente. - Sabemos que Chian está para receber uma encomenda muito valiosa; o primeiro Livro de Tombo da biblioteca de Alexandria, no Egito.

— Por que um livro de tombo seria tão valioso, além do fator histórico?

— Ele é feito de ouro, senhorita. Tem algumas pedras preciosas entre suas páginas e está sendo aguardado no mercado do crime. Há um leilão esperando a aterrissagem do avião que irá trazê-lo. O que precisamos é ter acesso a um documento que fica no escritório de seu patrão. O senhor Chian é um homem de costumes antigos e tradicionais. Possui inúmeros registros das aquisições efetuadas por ele, sendo legais ou não. Queremos uma cópia do documento de concessão desse objeto.- Lin pausou sua fala. - Se nossas suspeitas estiverem certas, este documento foi forjado e o antigo dono foi assassinado a mando de Aklan Zion. Essa é a prova que precisamos para prender toda a organização.

— Vocês são A Polícia. Para entrar para a Interpol tem que ser extraordinariamente bom. Polícia federal então... Não quero e nem vou me envolver nisso. Quero ir embora e esquecer qualquer coisa que escutei aqui… E irei me demitir.

Não era uma tentativa de defender seus patrões. Era o medo que rondava Alice. Quando se preparava para sair da sala, Lin entregou algumas fotos onde mostravam homens rondando a casa de seus pais e de Suelen, sua namorada. Seus pais estavam no supermercado enquanto dois homens fingiam comprar  . 

— Nesse momento tem dois homens em um carro há poucos metros daqui aguardando sua saída. Sabe os documentos que você assinou acreditando ser termos confidenciais? Eram procurações. Você se tornou uma laranja no esquema. É preciosa para eles, mas não hesitam em sumir contigo se suspeitarem de algo. Você sairá daqui e continuará sendo protegida por um de nossos agentes. Caso lhe questionem, diga que você foi vítima de fraude e chamamos para averiguação de dados. Dentro desse envelope tem uma certidão de nada consta e a explanação sobre sua situação cadastral.

O céu completamente escuro foi a visão de Alice ao sair do prédio. Segurava o envelope como se a manutenção de sua vida dependesse disso. Quando passava em frente ao posto de gasolina, escutou um barulho que a assustou. Antes que pudesse ter qualquer reação, dois homens a pegaram, colocaram no carro e saíram cantando pneu.

—Olá, Alice.

Fim do capítulo