Facínora por May Poetisa
Facínora
No dia que perdi a minha mãe, jurei retaliação, a pessoa que eu mais amava, foi vítima de feminicídio. Quando criança não compreendia tantas mudanças, começava a fazer amigos e logo tinha que me despedir, ela sempre tentava me mostrar o lado bom.
- Meg, você vai gostar da nova cidade, é linda! É sempre bom conhecer novos lugares.
Só fui descobrir o real motivo na adolescência, pedi para fazer uma atividade escolar na casa de uma ‘crush', terminamos o trabalho, resolvemos assistir um filme e foi com ela que troquei meu primeiro beijo. Fiquei radiante, subi as escadas do apartamento que estávamos morando toda feliz e pronta para contar tudo para dona Maria, que sempre foi a minha melhor amiga. Porém, ela estava chorando e fazendo as malas com muita pressa, me aproximei para dizer que não queria mudar outra vez, mas, me calei quando vi o rosto dela com hematomas e rapidamente comecei a dobrar as roupas. Naquela noite, durante a viagem, ainda sem saber qual seria nosso novo endereço, ela revelou que vivíamos fugindo do meu pai, que já tinha enfrentado vários tipos de violência, que estava cansada de tanta humilhação e que tentava me proteger. No dia que me tornei oficial da polícia, nós paramos de fugir, ela tinha muito medo, por conta dos riscos da profissão, mas, garanti que era o que eu queria e que fazia questão de cuidar de nós duas, consegui por alguns anos. Mas, o infeliz nos achou. Soube por alguns contatos, que ele tinha deixado seu estado, também fui informada sobre sua índole duvidosa, que ele tinha passagem por conta de tráfico, vivia metido em confusão e colecionava multas de trânsito. O que eu ainda não sabia é que tratava-se de um facínora. Redobrei os cuidados, fiquei ainda mais vigilante, mudei meus horários, para conseguir levar e buscar minha mãe na escola, ela era professora de ciências. Infelizmente, num dia que fui chamada para dar apoio em outra cidade, ela decidiu ir na missa com uma amiga e não me avisou, as duas foram assassinadas na igreja, junto delas, ele fez mais cinco vítimas, todas mulheres, após todo o malfeito, se entregou e foi preso. Minha vida virou um inferno, acabei caindo em depressão, me sentindo culpada, mesmo não tendo culpa alguma e precisei ficar afastada do trabalho, por orientação médica. A minha namorada, ficou ao meu lado durante todo esse pesadelo, ela diz que é uma mulher de sorte, por ter tido a sogra como cupido, ela desenvolveu por um tempo um projeto social com os alunos da minha mãe, que uns cinco meses atrás fez questão de me apresentar para adorável Laura, a dona Maria sempre foi incrível, a minha sexualidade nunca foi um problema para ela, antes de partir me apresentou uma companheira e tanto. Viver sem a presença materna se tornou um martírio, nós éramos inseparáveis. Tudo piorou quando o criminoso do meu genitor escapou do presídio, a Laura me pediu para não fazer nenhuma besteira, todavia, fui tomada pelo ódio, no meu entendimento, ele não merecia viver, lembrei de tudo que passamos, da falta que minha mãe sentia da família, que deixou para trás no interior da Bahia, com receio do que ele poderia fazer com nós duas.
Assim que desconfiaram do paradeiro dele fui avisada e decidi fazer justiça com as minhas próprias mãos, sendo a responsável pela sua morte. Procurei no casebre que tinham indicado, estava vazio, resolvi aguardar e alguns minutos depois ouvi barulhos. Espiei da janela, era ele voltando da floresta com um machado e lenha. Fiquei de tocaia e na primeira oportunidade que tive atirei, uma única vez, não queria que fosse rápido, quis ver ele sofrer, apanhei a sua ferramenta e com muita raiva, sem dó dei nele duas machadadas; mais ruim do que eu imaginava, nem mesmo chorou, não lamentou, sequer pediu perdão, pelo contrário, teve a capacidade de dizer:
- Maria mereceu, por ter me abandonado, você deu sorte de não ter tido o mesmo fim.
Fiquei perplexa com as suas palavras, senti meu celular vibrar, mas, não atendi. Ouvi que um carro tinha estacionado e em seguida passos se aproximando, fiquei sem reação.
- Meg, a gente vai assumir daqui, vamos tacar fogo nesse lugar, não vamos te abandonar nisso, vá embora agora (falou o meu amigo que tinha passado o endereço).
Não me orgulho do que fiz, não queria me igualar a laia daquele infeliz, nem me considerava uma pessoa vingativa. Antes de entrar no meu carro, dei conta que ainda estava segurando o machado e vi o local sendo tomado pelas chamas. Cumpri meu juramento, consegui retaliar, essa atitude não vai trazer ela de volta, mas, ele teve o que mereceu. Só preciso aprender a seguir em frente e o meu maior receio é perder a Laura.
Será que um dia vou superar tudo isso? Deixei a fúria me guiar, me joguei de cabeça na minha escuridão, nas profundezas do que sou, a cólera despertou um monstro, rompi a linha tênue entre ética e moral. O que me tornei? Como vou lidar com tudo isso?
A tragédia aniquilou a minha sanidade. É possível seguir em frente, como se nada tivesse acontecido? Acabei me perdendo. Como posso obter a paz?
Certa vez, li em algum lugar, que não é apenas vingança e sim a terceira lei de Newton, que para toda ação, existe uma reação. A minha dor, intensificou meu rancor.
Fim do capítulo
"Agosto Lilás" é uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.Denuncie! Ligue 180 ou 190
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Cristiane Schwinden
Em: 25/08/2022
eita, forte hein?
Resposta do autor:
Muito né pesado! Essa imagem toda impactante, gostei bastante de participar.
HelOliveira
Em: 16/08/2022
Apesar não concordar com a violência, meu pano vai pra Meg, não justifica mas a crueldade do indivíduo em tirar a vida da mãe deixa muitas pessoas transtornada e ela tem consciência foi ao extremo mas teria meu perdão, torcendo para que ela consiga se perdoar.
Muito bom o texto
Resposta do autor:
Olá! Hel, como vai?
Então, a violência nunca é o melhor caminho, mas, em alguns casos é tão complexo.
Muito obrigada pela leitura e por ter deixado seu comentário. Beijos e abraços, May.
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kasvattaja Forty-Nine
Em: 06/08/2022
Olá! Tudo bem?
A palavra ''facínora'', querida Autora, por si só já é assustadora e o seu significado mais ainda. Não gosto de violência nem em ficção, no entanto você ''mandou bem'' no seu texto.
Esperemos os próximos capítulos.
É isso!
Post Scriptum:
''A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora. ''
Benedetto Croce,
Filósofo.
Resposta do autor:
Olá! Tudo em ordem e contigo?
Verdade a palavra não ajuda rs
Obrigada pela leitura. Beijinhos!
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brinamiranda
Em: 06/08/2022
A violência é cruel até nas narrativas de ficção.
Parabéns, gostei demais...
Resposta do autor:
É mesmo, tão densa e até complicado de relatar nos romances, pior ainda nas notícias, entrevistar as pessoas chorando, citando tanta dor, é puxado. Te agradeço por ler e comentar. Também gostei bastante do seu, fiquei com pena da Clarisse, coitada no auge. Parabéns pela criatividade, ao citar a imagem como um desenho na cena do crime. Bom final de semana. Beijos e abraços, May.
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Alex Mills
Em: 06/08/2022
Eta que a Meg atravessou a linha, e agoraaaaa?
Mulér, acredita que eu fiquei imaginando a mulher com corpo humano e a cabeça da minha cachorra? O nome dela é Meg ahahahah fiquei imaginando minha cachorra cometendo um crime.
Agora é ver o que a Meg - humana- vai fazer!
Resposta do autor:
Alex, muito obrigada pela leitura e por ter deixado seu comentário.
Um caminho sem volta né mesmo nome sobrou para dog hahahaha
Bom final de semana! Beijocas, May.
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Lea
Em: 06/08/2022
O ser humano é cruel,nojento,lixo!!
*
Mas uma filha que perde a mãe,pq um indivíduo acha que tem algum direito sobre a vida do outro.
*
O meu pano para a Meg pode ser de qualquer cor
*
Boa tarde May!
Resposta do autor:
Lea, como vai?
E o pior que Infelizmente acontecem casos assim né terrível!
Gostou da Meg? Pretendo continuar narrando sobre ela nas imagens 2 e 3, na última acho que vou fechar com um poema, gênero textual que aprecio bastante.
Bom final de semana! Beijinhos, May.
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