Capitulo 39
CAPÍTULO 39
Eu a olhava, disfarçadamente, para que minha flor não visse o quanto eu estava sofrendo em vê-la ali, muito machucada, com o rosto quase irreconhecível. Tudo porque queria viver a vida que escolheu para si. Minha filha era uma garota de coragem, que não ia se dobrar a nada e a ninguém, isso me fez um bem danado; saber que tinha ensinado cada filho a ser valente, independente, corajoso e justo, agora tinha chegado minha vez de ser mais valente que meus filhos.
Tomaria as rédeas da minha vida e nunca mais me curvaria as vontades de mais ninguém, seja ele homem ou mulher, faria o que deveria ter feito muitos anos atrás.
A primeira coisa a fazer quando estivesse de volta em casa e Marina tivesse se recuperado, seria pedir o divórcio oficialmente e acabar com esse casamento de conveniência.
Segundo tomar todas as providências para que Alberto ficasse impossibilitado de ganhar a guarda de qualquer um dos filhos, jamais deixaria um deles aos cuidados do pai.
Por último, minha vida amorosa que estava estagnada, era muito nova para ter encerrado e matado as emoções. Queria ser amada e amar outra vez, queria sorrir e admirar as coisas simples, para isso tinha tempo, ia deixar essa porta aberta para as possibilidades que surgissem. Nunca mais ia me negar a uma emoção mais forte. O caminho ia ser longo e doloroso. Alberto não aceitaria as coisas assim com tanta facilidade, mas enfim a vida que segue.
No corredor do hospital.
Avisto minha filha sentada de cabeça baixa, os pés em cima da cadeira, uma bermuda toda rasgada, uma blusa gola polo vermelha e um boné dos Los Angeles Lakers branco com vermelho.
— Oi minha linda, a Fabiana disse que você pode entrar agora. — Fiz um carinho nela enquanto falava.
— Como é que ela está, mãe?―Seus olhos verdes, como mar aberto, agora pareciam ter resquício de fogo brando na cor vermelho claro, denunciando seu choro silencioso e comprovado pelas pálpebras inchadas e a voz embargada.
— Muito magoada e revoltada, os ferimentos não foram profundos, mas o braço e as luxações por todo o corpo vão demorar um pouco para voltar ao normal, o coagulo na cabeça, a médica disse que foi no couro cabeludo nada tão grave, graças a Deus. Vai lá, tudo que ela não precisa nesse momento é ver que está com pena da situação dela, lembre-se que sua namorada é uma guerreira, tem coragem que muita mulher adulta não tem. — Beijo minha cópia e vou me sentar ao lado de Virgínia que ouvia a conversa com olhos assustados.
— Eu não consigo entender, por que o papai fez isso? Na verdade eu não entendo é como ele pode ser tão cruel minha irmã. ― Se afastou para o lado abrindo espaço para mim poder sentar ao seu lado.
— Não sei, minha filha, acho que seu pai tem problemas para aceitar as escolhas dos filhos, talvez ele tenha sentido que falhou na educação da Marina, homens como seu pai, acreditam que as mulheres nasceram para ser submissa aos homens, e que só o homem pode ter uma família com mulher e filhos, na cabeça dele mulheres como eu ou minha filha, não eram para existir. Gente assim tem um modelo de vida e nenhum outro deve existir, a não ser aquele aceito por eles. Quando alguma coisa sai fora do seu entendimento, eles não sabem como reagir e, às vezes, querem impor sua visão através da violência, entendeu? ― Massageava meu pescoço que estava duro com a tensão dos acontecimentos, sentindo um alívio na região acima dos ombros, olhando a garota que estava pensativa analisando tudo que eu tinha dito e quem sabe o que se passava na cabeça dela, era tão difícil entender a mente dos adolescente.
— Marcelo acha que ele é um ditador, estou começando a concordar com ele. — Conclui e sorri. — Vire de costas, eu dou essa massagem.
Me virei de costas e as mãos da garota apertavam no local certo ora com força ora com pancadinhas, o certo é que o alivio foi instantâneo.
—Onde aprendeu dar massagens tão bem assim? ― Estava impressionada, Virginia sorriu de uma forma mágica, com um sorriso aberto muito parecido com o da mãe.
― A mamãe quando está tensa, obriga a gente a dar massagem nela, e fomos obrigados a aprender, lá em casa todos somos ótimos com isso. A senhora acha que ela vai pedir o divórcio?
―Não sei… eles são casados há muito tempo, isso conta muito, nesses casos a gente pensa nos filhos. Acho que ela vai tentar entender o porque de ele fazer isso, mas acredito que no final, sim, ela vai pedir, uma coisa é a gente aguentar tudo, outra coisa é permitir que maltratem nossos filhos, e sua mãe não vai perdoar seu pai. Isso te incomoda ou te deixa triste? Saber que seus pais vão se separar. ― Seus olhos negros me fitaram com uma vivacidade rara diante a pouca idade dela e me respondeu com uma sinceridade crua.
— Não, me incomoda ver ele agredir minha mãe, ou espancar minha irmã, não ouvindo ninguém, ele empurrou a mamãe e ela caiu, ele ficou cego, isso não é normal acho que é doença.
— Seu pai acha que está corrigindo sua irmã no seu direito de pai.
— Mas está errado, se a Marina pudesse ser de outro jeito ela seria, mas é assim que ela é. — Diz, fico olhando a garota ainda quase criança, mas com pensamentos de uma pessoa adulta, e concordo com Fabiana, quando esta afirmava que Virginia era precoce.
— Está certa meu bem, ninguém deve ser espancado por aqueles que devem protegê-los, seu pai está doente. Precisa de tratamento. — Desabafo.
Virgínia se aconchegou próximo a meu corpo e passei o braço no seu corpo abraçando, enquanto apreciava o andar dançante de Fabiana se aproximando no momento em que observava e minha filha entra no quarto. Fabiana sentou ao meu lado e pegou Virgínia em seu colo, a outra mão entrelaçou os dedos em minha mão e encostou a cabeça em meu ombro.
Senti o perfume dela antes mesmo de ver seu corpo entrando. Seu perfume me acalmava, muito embora eu estivesse morta de vergonha por estar daquele jeito, toda machucada na frente dela, mesmo sabendo que não tinha culpa de nada era assim que eu me sentia.
— Oi amor, que barra hein? Queria que fosse em mim, dói muito? — Ela se aproximou beijando minha cabeça próximo ao local do curativo e da atadura enrolada.
— Estou com tanta vergonha de você me ver assim, toda machucada. — Falo suave e continuo. — Bia, eu tive tanto medo, tanto medo que até agora não entendo porque não me defendi. Eu devia ter corrido, mas minhas pernas paralisaram e fiquei só num canto em pé olhando-o me bater, tudo que fiz foi gritar chamando minha mãe. — Acabei confessando ainda sentindo o mesmo pavor como se a qualquer momento ele fosse entrar no hospital, e ver que a Bia estava abraçada a mim e bater outra vez em mim e nela, senti ânsias de vômito com o pensamento, Bia sentiu meu tremor e me abraçou mais forte com cuidado para não me machucar nas partes do corpo que tinham hematomas, ficamos caladas um tempinho, de repente ela perguntou.
— Mas por que ele fez isso, assim do nada, de graça? Foi chegando sem motivo algum, e te batendo? — Perguntou querendo entender.
— Eu estava no portão me despedindo da Vivian. ― Ao ouvir o nome da garota eu senti todo seu corpo ficar tenso, fingi não ter percebido e com jeitinho fui contando mesmo sabendo que ela não estava gostando de saber que a prima da Bethânia tinha ido na minha casa. ― Ela já estava indo embora quando ele chegou. Me falou um monte de ofensa e me arrastou pelo braço, quando entramos em casa já foi logo me batendo.
— Pelo que eu sei, na mensagem você me falou que ia só dar uma volta na quadra, que volta foi essa tão longa que demorou até quase meia noite? — Foi logo soltando minha mão e levantando, mas eu não deixei ela se afastar. Segurei sua mão, mesmo ela já tendo saído da cama.
— Anda, senta aqui que eu te explicarei tudo, minha ciumenta. — Puxei devagarinho a mão dela para que viesse.
— Não, obrigada, estou bem em pé.
— Não está não, vem, anda. Eu não posso fazer força para te trazer de volta, tudo em mim dói. — Exagerei na dor que no momento nem ali estava devido aos medicamentos, mas parece que deu certo.Ela veio e sentou outra vez, sem me abraçar, eu é que encostei nela e passei seu braço por cima do meu ombro. Me encostei em seu peito e comecei a falar. — Nós fomos todos para a quadra, mas lá tinha chegado um circo, todo mundo quis assistir. Eu fui, voto vencido e fomos assistir ao espetáculo, quando terminou viemos direto para casa. Uns amigos da Vivi vieram conosco e Vivian veio junto, por isso ela ainda estava lá. — Falei quase tudo, só não falei do quase beijo para não a deixar mais chateada, mas eu falaria sim, não ia esconder um fato tão sério.
— Por que ela não foi junto com a prima, você sabe? Pois eu sei e vou te dizer, ela está a fim de você, dá pra ver como ela te olhava naquele dia que ela passou o dia contigo.
— Ela não passou o dia comigo, passou na minha casa junto a nossas amigas. Se ela estiver a fim de mim o problema é dela, eu não estou a fim dela. Eu tenho você, minha branquinha zangada. Desmancha essa tromba, vai. — Fui cheirando seu braço já que beijar era impossível, dado a minha boca está muito inchada.
— Eu não consigo entender como uma pessoa vai na casa da outra chamar ela para sair, sabendo que ela tem namorada, que na hora não podia estar junto. Ela sabia, não sabia? Sabia que eu tinha ido dormir mais cedo.
— Sabia sim, a Betânia tinha dito e, além do mais, a Vivi estava com a gente, eu não sai sozinha com ela. Pára com isso minha vida, vocês vão se entender quando se conhecerem, ela é bacana à beça.
— Eu a detesto, por causa dela que você está aqui. — Colocou na outra toda culpa.
— Não seja injusta Bia, estou aqui porque o homem que consta nos meus documentos que é meu pai é um doente e covarde, não porque a Vivian estava comigo. — Não queria que ela tivesse má impressão, porque o pior eu ainda ia dizer.
— Acho um absurdo seu pai ser tão homofônico a esse ponto, ele numa vai aceitar a nossa relação, mas também eu não acho certo essa menina ficar dando em cima de você quando não estou perto.
— Ela não deu em cima de mim.
— Deu sim, você que não percebe. Vou logo avisando, se eu notar qualquer coisa diferente eu a coloco no lugar dela.
— Eu já fiz isso, não se preocupe, eu já falei para ela que você e o ar que respiro. — Notei que ela sorriu quando eu falei isso.
— Em que momento do passeio maravilhoso, você teve que dizer a verdade a ela? — Ela me perguntou já desconfiada.
— No momento em que ela tentou me beijar. Como eu impedi, fui muito franca com ela, que me pediu desculpas e depois disse que estava apaixonada por mim.
Ufa! Graças a Deus eu falei, aquilo estava me deixando mal.
— Eu não falei! Eu sabia que ela ia tentar uma coisa dessas, você é que é muito crédula, confia nas pessoas, e eu fico como? Uma fulana chega, chama minha namorada para sair e ainda tenta beijar ela e depois diz que está apaixonada, isso é demais para mim! — Tentava tirar o braço, mas não deixei.
— Não fique assim toda enciumada, não tem motivos, tudo que eu quero está em você, pode ser a garota mais linda e morrer de amor por mim, eu só morro de amor por você e além do mais a senhora deveria ficar orgulhosa de ter uma namorada que só tem olhos para você. Agora venha cá minha ciumenta linda... — Digo e ela se sentou novamente. — Vida, vai para casa tentar dormir. Amanhã você tem prova, além da dor no corpo e da vergonha, não tem nada grave é só que aqui... Me dá tua mão... Aqui parece que tem uma lagoa, está vendo? — Depois de circular a mão na lateral da cabeça sentiu um pouco mole e se apertasse de leve se mexia um líquido por baixo do couro.
— Amor o que é isso aqui? Eu estou sentindo. É grave?
— Não, eles acham que é só um coágulo leve, mas não podiam me liberar sem ter certeza.
— A tua doutora é bem legal e joga no nosso time, ela falou. — Enquanto falava passava a ponta do dedo por cima do curativo do olho.
— Mesmo? Ela foi muito cuidadosa comigo, foi ela quem tirou minha roupa e quando viu os hematomas na minha costa os olhos dela encheram de lágrimas. Falando nisso tire umas fotos toma aqui meu celular ou melhor faz um vídeo bem de pertinho dos hematomas que eu não posso ver e de todo resto, que eu vou enviar agora para os meninos, eles devem estar curiosos.
Beatriz tirou o celular debaixo do travesseiro onde eu estive deitada e começou a filmar, quase não conseguia fixar a câmera com os olhos rasos d’agua. Quando terminou mostrou para mim o trabalho, fiquei horizada com as manchas retas em minhas costas, que mesmo que minha pele fosse marrom, a mancha ficava evidente. Selecionei o vídeo em seguida e mandei para os irmãos na legenda estava escrito:
“Apesar de tudo. Estou bem, só uns cortes. Ele ainda está aí? Se estiver diga a ele que vou procurar um advogado e vou tirar o nome dele do meu, vou ser uma filha sem pai. E que nunca mais quero ele diga para ninguém que é meu pai” — E enviei.
As lágrimas rolaram pelo olho que estava aberto. As emoções trouxeram novas dores.
— Minha cabeça está doendo.
Bia preocupada chamou:
— Enfermeira vem aqui, por favor. — Gritou com a metade do corpo para fora da porta e outra metade dentro do quarto chamando a moça que saiu do quarto da frente.
— Algum problema, mocinha? — Enquanto ela perguntava tirava a pressão do pulso e examinada o soro.
— Estou com dor de cabeça. — Digo e passo as mãos na lateral da cabeça na altura da testa.
— Vou colocar uma injeção de Dipirona aqui no soro, assim evito de lhe furar desnecessariamente. — Terminou o serviço, arrumou o lençol e saiu.
— Pare de chorar, isso que faz sua cabeça doer. Eu fico com dor se cabeça se eu chorar. — Beatriz disse ao ver meu olhar incrédulo.
— A que horas é sua prova?
— É para estar lá às onze horas, às doze fecha o portão, mas assim que acordar eu venho para cá e daqui eu vou fazer a prova. Quando terminar eu venho de novo.
Enquanto conversavamos, dona Luíza e minha mãe chegam com Virgínia a tira colo.
— Não senhora, amanhã às oito o médico de plantão vem me ver e se não tiver nada demais eu recebo alta. Só minha boca que dói um pouco, parece que eu mordi, no resto está tudo bem.
— Vamos filha, deixa a Marina descansar. — Luíza chamou Bia. — Fabiana, eu venho daqui há pouco com suas coisas.
— Não precisa, mande os meninos. Você fica em casa e cuide da Bia, amanhã ela tem prova e precisa descansar.
— Tem certeza de que vai ficar bem? — Acariciou o rosto da amiga enquanto falava.
Luíza estava realmente preocupada com a tensão psicológica sofrida ao longo dos anos por minha mãe, que segurou em seu pulso e beijou a palma de sua mão em agradecimento e num gesto de carinho, que não foi despercebido por Bia e eu na cama, que apertamos a mão uma da outra como se confirmasse sem palavras o que estávamos vendo.
— Amanhã eu venho assim que acordar. Fica bem e durma logo. — Bia disse antes de ir.
— Tá bem, trate de dormir logo também, preciso que feche sua prova e vá logo para faculdade. Preciso ser bancada por uma médica, é meu sonho. — Digo, todos riram e minha namorada me deu um selinho e saiu enquanto sua mãe se despedia da minha.
Fim do capítulo
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