Capitulo 35
O comboio de ônibus semileito no total de quatro seguia tranquilamente pela estrada na noite fria e escura. O clima gelado não permitia que eu abrisse a janela, mesmo assim a galera estava insana, gritavam, cantavam e bebiam, os meninos encontraram uma maneira de estocar bebidas dentro das garrafas usadas em academias. Uma turma lá no fundão tocava uma música do Jota Quest e outra gritava desafinada: “E se quiser saber para onde eu vou aonde tiver sol é para lá que eu vou ”.
Desde o momento que entrei no ônibus bateu um arrependimento, eu devia ter ficado, mas se eu tivesse desistido meu grupo perderia pontos e eu não iria prejudicar ninguém.
Logo na saída do ônibus, em frente à minha casa, quando eu subi todas as cadeiras estavam ocupadas, Ana Clara tinha reservado a minha com sua mochila, para ninguém sentar, quando fui passando no corredor ela gritou:
— Bia, guardei teu lugar! Vem senta, aqui do meu lado. ― Ana Clara dava pancadinhas no assento acolchoado da cadeira vazia demonstrando unhas perfeitas e bem cuidada.
— Não vai dar fica para uma próxima, mas valeu assim mesmo. Eu vou sentar lá no meio com a Claudete. — Ouviu-se uma gritaria de vaias e palmas, eu não dei muita importância.
Ainda teve um gaito que gritou lá do fundão:
— Bota quente nessa mulherada louca e maravilhosa meu chapa. Eu sento contigo Clarinha, vamos nos aconchegar gata.
— Vai sonhando, Valdir. Vai sonhando. Nasce outra vez, quem sabe? — Clara respondeu de nariz em pé.
— Um dia você cai na minha, gata selvagem.
— Só se você se vestir com vestido e usar batom. — Gritou um outro e todos começaram a gargalhar.
Uma algazarra imensa se fez ouvir, todos dizendo suas gracinhas.
Claudete, uma garota gordinha de cabelo liso, estudava na minha sala era muito tímida, não falava e não sentava perto de ninguém, não se enturmava, as garotas mais descoladas do colégio fofocavam com desdém que o motivo de Claudete ser assim era porque se sentia inferior as patricinhas pelo simples fato de ser filha do zelador do colégio e estudava lá porque a diretoria fez uma caridade, outros diziam que era uma ex-moradora de rua que foi resgatada pelo zelador. Para mim não fazia diferença quais as suas origens, gostava das pessoas e pronto.
Fui tranquilamente até onde Claudete estava, ao seu lado ninguém quis sentar, talvez por ela não se enturmar ou não ter um papo interessante, o fato é que ela ficava sempre sozinha, então resolvi mudar isso. Sempre fui popular e líder de alguma coisa, não era muito difícil fazer amizades.
Puxei mais o capuz do casaco cobrindo toda minha cabeça, uma blusa xadrez amarrada na cintura que cobria parte do bermudão de duas cores que usava e uma bota cano longo alistar completava minha vestimenta. No caminho outra menina ofereceu assento, mas eu já tinha decidido.
— Posso sentar aí, Claudete? Ou está reservado para alguém? — A menina se assustou com a minha intromissão e ficou olhando.
— Pó-pode... É alguma pegadinha? — Claudete perguntou receosa.
— Por quê? É tão estranho eu querer sentar aqui?
— Você é a garota mais popular, toda menina aqui quer se sentar contigo e por que quer se sentar do meu lado? Estão preparando um trote para mim, olha... Desses babacas aí espero qualquer coisa, mas você eu te tenho em outra conta.
— Justamente por isso, eu não estou a fim de ficar com ninguém, quero só me divertir com minha turma. Como eu tenho uma namorada ciumenta e as meninas são maldosas, aqui é o melhor lugar. Posso ficar na janela? — Claudete, mesmo sem ter muita confiança, permitiu a passagem, eu prontamente me sentei na poltrona ao lado da janela. — E tem mais, — chamei mais uma vez sua atenção — não troque de lugar com ninguém, mesmo que lhe ofereçam dinheiro.
— Alguém vai tentar? Me diga, aí fico preparada. E o que eu faço se for o coordenador do ônibus que mandar eu trocar de lugar para agradar alguma patricinha? — Ela parecia apreensiva, não queria problemas, não mais do que já tinha.
— Se eu estiver dormindo, você me acorda para pedir qualquer coisa, inventa.
— Pode deixar, daqui ninguém me tira. — Claudete falou e eu vi determinação em seu olhar.
Um sorriso confiante finalmente surgiu no rosto de Claudete, que se manteve firme, então a viagem que transcorreu sem incidentes.
De tanto admirar a noite estrelada lá fora, acabei cochilando por um milagre todos ali dentro também tinham adormecido cansados, o silencio era sentido na pele, acordando apenas quando Claudete me chamou, estava amanhecendo, os primeiros raios de sol surgiam pintando o céu de rosa e vermelho, apesar o frio intenso. Descemos e nos encaminhamos para o espaço reservado às barracas, este ficava em frente ao mar, numa área descampada e meio deserta.
— Vamos separar as tarefas de acordo com suas habilidades, quem sabe pescar, colher frutas e tirar cocos no pé? Caçar alguém sabe? — O coordenador do colégio perguntou e uma galera levantou as mãos. E ele continuou — Aqui, vamos fazer todas as tarefas serão igualmente divididas para não haver reclamação ou um aluno se escorando no outro. Dez de vocês vão ficar encarregados de cozinhar, 10 da limpeza e 10 da organização do acampamento escolham a tarefa onde vocês acham que podem fazer melhor. Os que vão para a caça, pesca e coleta de frutas, se organizem se alguma das meninas quiser trocar com os meninos podem trocar, mas aviso só troquem se forem boas nessas tarefas, se for só para ficarem namorando escondido é melhor não trocar. Cada tarefa no acampamento vai valer nota e folga na prova final de educação física. Vamos ler os nomes e cada um siga seu grupo.
Rapidamente foram erguidas as barracas, uma ficou só para mantimentos e fogão portátil, era o nosso restaurante, e a outra serviria de vestiário feminino e mais uma de vestiário masculino. As outras de dormitórios banheiro não tinha, cada um deveria usar a imaginação, e não deixar vestígios exposto ao ar livre.
Na hora da divisão eu pedi ao meu monitor que me colocasse junto da galera que ia ficar na barraca da turma "C" eu e a Claudete trocamos com duas meninas que estavam de olho nos garotos da minha turma. Quando foi dito os lugares houve uma confusão, minha turma querendo que eu voltasse e como não houve consenso os monitores misturaram todas as turmas para acabar com a rivalidade.
Em seguida todos os monitores confiscaram nossos celulares, lacravam no saco plástico com o nome do dono e a turma e guardavam dentro da mochila do coordenador, essa parte foi cruel, não tive tempo nem ao menos de avisar que já tinha chegado e estava com saudades, fiquei com tanta raiva que se pudesse, voltava no mesmo ônibus.
Depois de tudo organizado e de termos feito uma refeição há base de pão e carnes assada na noite anterior, fomos fazer uma grande fogueira, para isso, foi separado um grupo de garotos para pegar gravetos e outra turma de garotos foi pescar. Como estava uma manhã tranquila e o sol ainda não estava escaldante, eu fui junto, amo pescar. Ficamos nas pedras conversando a maior parte dos alunos do 3° ano tinha mais de dezoito por isso traziam bebidas, agora tomavam uma cachacinha com limão que estava dentro de um mini isopor que Roberto, o garoto do 3º- C, tinha levado.
Um peixe mordeu minha isca e puxei, era de um tamanho considerável. Gordinho e com umas riscas amarelas e verde com vermelho no corpo, não conhecia esse tipo de peixe. Os meninos também foram pegando e fomos enchendo nossos baldes.
Quando a cachaça acabou resolvemos voltar a noite ia caindo as primeiras estrelas já despontava, cada um com seu balde. Ao nos aproximamos, as meninas que tinham ficado responsáveis pela comida correram para ver o que havíamos trazido e Ana Clara, que por sinal não fazia parte desse grupo já que o dela era o grupo da organização dos alimentos e limpeza, com toda sua arrogância, segurou meu braço olhando dentro do balde.
— Olha só o seu! Vem, faço questão de limpar e preparar a sua comida, vem! — Sorria satisfeita como se ela soubesse cozinhar um simples ovo quem dirá limpar peixe, ela achava que eu iria seguí-la. Ah, mas ela estava muito enganada.
— Pode ficar, ou melhor, junte com o da galera. Vai ser mais peixe na fogueira. — Depois diminui o tom de voz, só para ela ouvir — Pára de me cercar, eu não gosto disso. Trate de apagar minhas fotos do seu celular, eu tenho namorada e gosto demais dela para olhar outra garota, se insistir nessa perseguição eu vou falar com o monitor. Certo?
Sai de perto sem olhar para trás e fui lá pros lados onde estavam tocando violão, juntou mais uma galera e começou o jogo do "EU NUNCA".
— Vamos começar o jogo, todo mundo pega um copo. Valdir, faça as honras da casa, encha o copo de cada um até a tampa. Rubens, distribua uma banda de limão. Vai ser feita uma pergunta, quem " Nunca” não bebe, quem “já” bebe uma dose. Vamos sortear o primeiro a perguntar, todo mundo atenção, todos botem seu nome aqui dentro desse copo. O primeiro a fazer a pergunta é o Rodrigo. Vai lá meu chapa.
— Eu nunca fiquei com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. — Disse Rodrigo e todos viraram o copo e tomaram uma dose.
— Eu nunca fiquei com ninguém no banheiro. — Foi a vez do Claudio, metade da roda bebeu menos a Claudete.
— Eu nunca usei droga. — Uma menina disse.
Só quem não bebeu foi a Claudete.
— Eu nunca transei. — Metade da roda bebeu.
— O nome sorteado é o da Biatriz, arrebenta meu brother.
— Eu nunca beijei a namorada de um amigo... Sem pegar nos peitos dela. — A gargalhada foi geral e todos os meninos beberam.
Pediram que eu fizesse outra pergunta.
— Eu nunca beijei um homem. — A maioria dos garotos bebeu, também o que serviu de chacota para os outros.
Ficamos acordados até quase 2 horas da manhã, o cansaço nos dobrou ao meio e fomos dormir.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 22/05/2022
Ana Clara sem noção viu.
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