Capitulo 11
CAPÍTULO 11 -
— Vem que eu te dou carona — Bia me olhou, sorrindo, e eu podia sentir o olhar furioso de Ana Clara, mas eu não estava nem aí.
Para o meu azar, na hora em que eu ia saindo, Rosely chamou:
— Marina, chama o teu irmão Matias pra vir também... — Rosely parou e olhou mais à frente. — Ah, esquece. Lá vem ele e o Germano. — Apontou para a direção de onde eles vinham.
— Agora é que você não vai mesmo, Marina. Olha o seu apaixonado chegando. Quando ele souber a história que você “dormiu com outro” vai ficar fulo, afinal, ele te espera faz tempo. Tem paciência de Jó — falou Ana Clara, cheia de maldade, referindo-se à brincadeira de antes.
Ela falava e ria, vingando-se ou querendo mostrar a Bia que ela não tinha chance comigo. Eu tinha vontade de matar essa menina. Eu me sentei no varão da bike e Bia no selim. Nesse momento, Germano achou que podia segurar o meu pulso.
— Aonde vai, Marina?! Já tá tarde. Quem é esse cara? — Ele não sabia que Bia era uma menina.
— Vai pro inferno, Germano! Não te devo explicação, você não é nada meu. Vamos logo.
Saímos, mas dava para ouvir as vaias da turma e meu irmão explicando quem era "esse cara", que na verdade era uma linda garota.
Fizemos todo o caminho até minha casa comigo bem grudadinha na cintura dela, sentindo o seu perfume e ouvindo as batidas do seu coração, que só não batia mais alto que o meu. Eu estava tão nervosa depois de tantos dias sem ela nem olhar na minha cara e de repente ela me aparecia só com gentilezas. Fiquei com medo de estar sonhando, mas, sonho ou não, eu não ia perder a chance de ficar a sós com ela.
Assim que chegamos, enquanto eu abria meu portão com o maior cuidado para não acordar meu pai, Bia foi entrando em sua casa para guardar o skate. Larguei a bicicleta em qualquer lugar. Não quis entrar, se me vissem, não iriam deixar eu voltar e, por nada perderia a chance de estar perto da minha vizinha gata, mesmo estando nervosa e com medo até da minha sombra, mesmo assim eu queria ficar perto dela.
Em silêncio, fechei novamente o portão e fiquei uns segundos esperando a Biatriz voltar. Eu a vi empurrando uma vespa vermelha toda equipada. Ela trazia dois capacetes e me ajudou a colocar um. Depois foi sua vez. Eu estava curiosa e queria muito perguntar o motivo de ela fingir não me conhecer e de repente mudar da água para o vinho.
— Por que fingiu que não me conhecia? Ou que pelo menos me via e fingia não ver durante esses dias todos? Lá na quadra, quase não falou comigo ― eu perguntei enquanto ajustava a cinta jugular do capacete e me atrapalhva toda. Ela me ajudou e nossas mãos se tocaram. Paramos o movimento e, olhando para mim, ela respondeu:
— Você estava com suas amigas. Como você não falou nada também, fiquei na minha.
— E antes, por que me ignorou? Sabe, quando saiu, eu estava aqui na calçada e você nem olhou pra mim.
— Minha mãe me passou um sermão dos diabos. Disse para eu não confundir as coisas, que você não era como a maioria das meninas com quem eu convivo e como não queria brigas com sua mãe. Falou que tinha um monte de meninas legais, que seu pai nunca iria me permitir ser sua amiga e que você não estava interessada em ter amizade com pessoas como eu. Entende? Essas coisas de mãe — ela explicava enquanto afivelava a correia do capacete na minha cabeça.
— Mas por que ela fez isso? A gente não estava fazendo nada demais. Que mal há em sermos amigas? Eu tenho várias amigas que namoram outras meninas, faz parte, cada um gosta do que gosta, ora bolas. — Eu estava com muita raiva. Desafivelei o capacete, colocando-o em minhas pernas e sentei na calçada.
— Eu não sei, sua mãe foi lá em casa naquele dia muito triste porque fez você chorar. As duas conversaram muito e, quando ela foi embora, dona Luíza soltou os cachorros em cima de mim. ― Bia sentou ao meu lado na calçada, colocando o capacete no chão.
Eu não conseguia entender, afinal eu não era nenhuma criança, tampouco inocente. O fato de nunca beijado ou até me permitir que algum garoto se esfregasse em mim não fazia de mim inocente e sim uma adolescente atrasada nas coisas. Outra, minha mãe devia ter comentado algo, pois a mãe da Bia não ia falar de graça. Mas por quê? Minha mãe, tadinha, devia estar só preocupada com minha explosão de sentimentos, diferente de meu pai, que às vezes demonstrava um certo receio de alguns assuntos relacionados à sexualidade das pessoas.
Eu estava tão perdida nos meus pensamentos que me assustei quando Bia tocou meu braço repetindo a pergunta:
— Então aquele é o candidato a namorado?
— O quê? Desculpe, eu não estava aqui. O que você disse?
— Aquele lá na quadra é o candidato a namorado?
— Digamos que ele pensa que é.
— Eu o vi te secando, parece que tem o apoio da turma. Ele também é bem bonitão, não que seja meu tipo, mas vocês dois formam um casal muito lindo. Quantos anos ele tem?
— Dezenove... Sei lá a idade daquele lunático, eu não estou interessada nele nem em ninguém. Se as meninas quiserem, podem ficar com ele e façam bom proveito. Vem, vamos lá para a quadra antes que meu pai me veja aqui do lado de fora.
Levantamos da calçada onde estávamos, sentamos na moto e partimos para a quadra. Só que fomos para o outro lado, onde as meninas não estavam. Dava para ver tudo, mas elas não nos viam.
— Por que não se apresentou como Biatriz? É esse seu nome, não? — perguntei de repente.
— Sim, é. Meu irmão sempre faz isso, me apresenta como BB, porque é assim que ele me chama. Como me visto com roupas masculinas, as garotas logo pensam que sou um garoto. Onde a gente morava, é normal garotas se vestirem como eu, porque é assim que me sinto confortável, gosto desse tipo de roupa. É muito comum por lá arranjarmos namorada sem ter que nos importar com o que temos entre as pernas, pois o mais importante é o que sentimos e o que tem aqui dentro do peito, entende? Já aqui, deu pra ver que não é tão normal assim. Não vou mudar pra agradar ninguém. ― Ela não tirava os olhos de mim e seu sorriso me fascinava.
Fiquei tão maravilhada com o que ela disse que nem notei o rapaz do carrinho de lanche trazendo o pastel com o caldo de cana. Bia colocou a luva na mão, separou os pastéis e abriu o saquinho dos canudinhos, examinando se eram de papel ou outro material ecologicamente correto. Satisfeita, sorriu, arrumou tudo nos nossos pratos e começou a comer enquanto me observava. Tirei meu celular do bolso dos shorts.
— Me dá um tempo? Vou mandar uma mensagem pro meu irmão. Enquanto isso... coma só o seu. — Fazendo gracinha, ela deu um gole generoso no meu caldo de cana, com a cara mais lavada do mundo. Joguei uma ameixa na cara dela, mas ela desviou. Desbloqueei o celular e mandei a mensagem:
Marina:
Oi, Matias.
Estou aqui do outro lado perto do pastel com caldo de cana. Não vá sem mim. 22:05
Matias:
Tá fazendo o que aí sozinha?
As meninas estão todas aqui, te esperando.
O Germano guardou até uma cadeira pra você.
22:10
Marina:
Não importa, não diga a ninguém e quando for, me avisa.
22:15
Matias:
Tá com quem?
22:17
Marina:
Com a Biatriz.
22:20
Matias:
Lascou, a Ana Clara tá quase secando os olhos de tanto olhar, com o vento que faz.
Olhando pra ver se ela tá chegando.
22:25
Marina:
Kkkkk coitada.
22:29
— Avisei meu irmão que estou aqui, eu não posso chegar sem ele. Parece que tem uma plateia esperando por nós duas. Enfim, onde moravam? Minha mãe disse que era na Califórnia.
— Sim, em Palms Square. Bem em frente ao parque principal. Moramos oito anos lá, mas eu e meus irmãos nascemos no Rio, somos cariocas — disse, toda orgulhosa. — Sabia que, se meu avô Luís me visse assim, provavelmente me expulsaria também?
— Mas por quê? Só por que se parece com um menino?
— Não, porque sou lésbica como minha mãe — soltou a bomba olhando pra mim. Fiquei sem ação.
— Olha, se for muito para você e quiser me ignorar, eu vou entender, mas prefiro que me ignore sabendo quem eu sou do que mentir. Espero que seja como sua mãe, mente aberta.
— Como você sabe que é lésbica? Não... você... espera, vou perguntar de outro modo. Como a gente pode ter certeza de que é lésbica? — Eu parecia uma idiota. — Ou melhor, quando percebeu que estava olhando para as meninas, e não, meninos?
— Desde sempre. Nunca me encaixei nos padrões, mas foi quando eu vi que tinha ciúmes das minhas amigas quando elas arranjavam um namorado. Então eu meio que criei coragem e contei para as minhas duas mães, que não ficaram nem um pouco surpresas. Logo em seguida, me declarei para uma menina que eu estava a fim. Depois, quando entrei na adolescência, passei a ficar com as meninas, nada sério. Teve uma que namorei por um mês. Daí, não namorei mais, só fico e dou um tempo. Namorar é muito complicado. A pessoa quer ser dona da outra. Não é?
— Não sei, nunca namorei — confessei, meio encabulada.
— Mentira! Nunca? Nunquinha? Afinal, o que tá acontecendo com os rapazes desta cidade? ― De uma forma que eu achei linda, ela tirava a casca do pastel em pequenos pedaços e comia, mas não desviava os olhos de mim.
— Com eles, eu não sei. O problema sou eu, não consigo gostar de ninguém.
Até o dia que vi você, pensei, mas claro que não disse.
— Valha-me Deus! Alguma coisa não tá certa. Te acho a maior gatinha e meu irmão também estava a fim de ficar contigo, mas aí tua amiga deu em cima dele e ele foi conferir.
— Sei lá, nunca ninguém mexeu comigo a ponto de eu querer ficar. Então eu espero. Minha mãe diz que a qualquer momento eu me apaixono. E você e Ana Clara? É namoro ou amizade?
— Nenhum dos dois, ela pensava que eu era um garoto. Quando viu que sou Maria, e não João, foi pior. Acho que aquela garota é maluquinha. Ela e o tal Germano fariam um lindo casal, não acha?.
― Perfeito. Os dois são pegajosos, pelo que vejo, e olhe que eu mal conheço ela. Não somos amigas justamente por isso, por ela ser muito espaçosa.
Rimos em cumplicidade e o clima ficou leve. Comemos em silencio, depois falamos de tudo. Eu estava tão envolvida na conversa que não vi o tempo passar, só quando meu celular vibrou foi que me dei conta.
— Fala, Matias — atendi.
— Estou indo deixar a Rosely. Passo pra te pegar ou te espero na rua?
— Me espera na rua e nada de barulho. Papai pode acordar.
— Vamos, então, já tá tarde.
— Deixa só eu pagar aqui.
Em dez minutos, eu e Bia seguimos em rumo às nossas casas. Na calçada, trocamos números e ficamos aguardando meu irmão chegar.
Logo nos despedimos e fui tomar banho para dormir. Estava leve, em paz, gostei de cada segundo que passei ao lado da Bia. Era muito fácil gostar dela, ela não tinha frescura. Além de ser muito carismática, tinha um humor na veia, de tudo fazia brincadeira. Incrível como eu me sentia, podia dizer com toda certeza que ninguém iria acabar essa amizade, nem mesmo meu pai.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]