Capitulo 10
CAPÍTULO 10 –
MARINA
Já estava há um bom tempo sentada na calçada com a minha mãe, como eu fazia todos os dias. No finalzinho da tarde, as famílias colocavam cadeiras na calçada e ficavam conversando enquanto as crianças andavam de bicicleta ou corriam na calçada, supervisionadas pôr suas babás, às vezes pela própria mãe.
Na nossa rua, por ser uma rua tranquila, os carros que passavam normalmente eram dos moradores. Todo o nosso condomínio foi projetado, portanto só nas avenidas principais é que o trafego era intenso, ou na época de pré carnaval, onde acontecia a maior micareta do Brasil, o carnaval fora de época. Aliás, nosso condomínio era uma cidade projetada da mesma forma que Brasília, só que a minha foi projetada uma cidade em forma de condominio de luxo, feito para grandes eventos, pois bem no final da minha rua tinha uma pracinha e um playground, onde meus irmãos gêmeos brincavam no final da tarde.
Ficávamos por ali até às 18:00 horas. Às 19:00, horário que todos obedeciam religiosamente na minha casa, era o horário para jantar, terminar as tarefas do colégio, tomar banho e dormir, então, às seis horas da tarde, todos já estavam em casa.
Depois da refeição, todos se espalhavam, Marcelo e Mateus iam namorar, Matias ia mexer no computador, Marcos dava umas voltas e eu ia passear um pouco de bicicleta com minhas amigas.
O real motivo de ficar ali hoje era pra ver se minha vizinha saía em algum momento.
Vinte minutos de espera e ela e o irmão, Bernardo, saíram, cada um com um skate, que puseram no chão e deslizaram rua abaixo. Minha vontade era de ir atrás, mas não fui. Fiquei com vergonha da minha mãe e do resto da vizinhança sentada ali.
Pouco tempo depois, eles voltaram com pão e uma sacola de plástico com outros ingredientes dentro que não dava pra ver com clareza o que eram. Bernardo entrou e Bia ficou escorada no portão. Não me olhou. Em momento algum ela olhou pra mim. Senti uma coisa ruim, um aperto no peito, e fiquei pensando: por que ela não me olhava? Afinal, ainda outro dia ela tinha sido tão bacana e agora essa frieza? O que teria acontecido para ela ficar assim?
O Bernardo voltou e os dois jogaram o skate no chão e fizeram uma aposta. Bateram os punhos fechados um no outro e desceram rua abaixo novamente, sem nem olhar para traz.
Eu fiquei quase sufocada com o choro querendo me rasgar o peito. Eu não tinha feito nada! Por que toda essa frieza? O que havia acontecido?
— Olha quem vem lá, florzinha! — Tomei um susto quando olhei para onde minha mãe apontava.
Vinham chegando Rosely, Betânia, Ana Clara e Margarida. Vieram todas de bicicleta.
— Vamos dar um giro pela quadra? — chamou Rosely.
— Claro, deixa eu pegar minha bike.
— Vou andando, a gente se encontra lá — Betânia falou e Ana Clara gritou que ia junto.
Desceram, ficando só Rosely e Margarida me esperando.
— O que deu nelas? Parece até que vão tirar o pai da forca — questionei, confusa.
— Vamos andando que vou te contando. Você já viu os novos vizinhos que chegaram?
— Claro, a dona Luíza e minha mãe são comadres. Minha mãe é madrinha da irmã mais velha deles, a Geruza, que mora em São Paulo. São netos do velho Luís. O que eles têm a ver com a pressa das meninas?
— Pois bem... — Ela ia iniciar, mas então a ficha caiu. — Pera aí, vocês são parentes? É isso mesmo? Olha, a Betânia tá ajudando a cunhada dela a ficar com um dos garotos, o do cabelo preto, e a Ana Clara está marcando em cima daquela garota de cabelo colorido. A gente até pensou que fosse um menino no começo, aí, quando ela se apresentou, vimos que tudo era um mal entendido. Ela é gente fina. O moreno se apresentou como B e ela se apresentou como Bia, irmã do B. A garota chegou agora e já deixou sua marca. Na primeira vez que chegou na quadra, ficou com duas meninas e, de lá pra cá, todo dia é uma garota diferente.
O ar me faltou, a garota em quem eu não parava de pensar estava passando o rodo em geral. Era melhor eu sossegar o facho e tentar ser só sua amiga... Bem, isso se ela quisesse ou se as peguetes dela dessem um tempinho.
A quadra estava lotada, era sempre assim aos sábados e domingos. Demoramos um pouco olhando o jogo que tinha na quadra e descemos para a rampa de skate.
De longe, eu pude ver as manobras da Bia, indo no alto e dando duas voltas e meia ao redor de si mesma em um perfeito 900°, esse era o nome do salto que ela fazia. Eu sabia, pois havia visto numa revista de skate. Ela era perfeita. Estava usando uma regata preta e um blusão de moletom com capuz, com um gorro cobrindo toda cabeça. Shorts de tactel preto com listra verde limão na lateral, um allstar de cano longo e várias correntes no calção.
As pessoas presentes, em sua maioria, eram meninas como eu que íam à loucura com as manobras dela e do irmão. Verdade seja dita, eles eram bons demais! No outro lado da rampa estava Glaucia, irmã da Lara, namorada da Betânia, e Ana Clara, ambas babando.
Não aguentei e saí dali na mesma hora em que Bia olhou para mim. Ela estava sorrindo e nem liguei, fui atrás de uma mesa.
Encontramos uma mesa e, quando íamos fazer nossos pedidos, uma avalanche de gente se sentou nas cadeiras desocupadas. Ao meu lado, Bia enfiav* uma cadeira de qualquer jeito. Ana Clara ficou duas cadeiras depois, Bernardo e Glaucia sentaram juntos e assim começaram as apresentações. Bia era quem falava:
— Esse é o meu irmão, Bernardo, e eu sou a dor de cabeça dele. Moramos na rua da Marina. Somos netos do Seu Luís.
— E esse monte de roupa aí? E a fera no skate é o meu bebê, somos irmãos desde que nascemos. Não temos nada parecido, apenas dividimos as mesmas mães e temos o mesmo sangue.
— Mães? — Margarida quis saber.
— Sim, temos duas. Somos uma família homoafetiva.
Não sei o que as outras pensaram, pois ficaram todas olhando para Bernardo e Bia ao mesmo tempo, no entanto, em momento algum, ele falou que ela era menino e, se alguém entendeu assim, foi porque quis.
Como eles não entraram em detalhes sobre o fato de serem uma família homoafetiva e terem duas, mães ninguém insistiu. Betânia, por ser a mais sensata, mudou logo de assunto.
— Marina é nossa bebê. Da turma, ela é mais nova.
Achei desnecessário o comentário de Betânia. Mais desnecessário ainda foi o ousado olhar que Bia me lançou, avaliando meu corpo e parando no meu bumbum avantajado dentro de uma bermuda social no meio da coxa.
— Você parece ser maior de idade. Com esse corpão de Camila Pitanga, engana qualquer um — pontuou Bia, bem baixinho.
— Exagerada... Todo mundo me acha parecida com a cantora Iza, até minha irmã. Mas eu me pareço é comigo mesma — rebati no mesmo tom.
— Pois você é cega ou não tem espelho. Quando eu te vi a primeira vez, fiquei impactada. Sabia que te conhecia e que já tinha visto seu rosto em algum lugar, claro que era da novela.
— Minha mãe disse que, quando vocês vinham de férias, nós duas éramos um grude só. Disse que a gente dormia junto na mesma cama e, quando você ia embora, eu ficava até doente. Não consigo lembrar. Você lembra? — perguntei em um quase sussurro.
A gente falava bem baixinho, sem perceber que nos isolamos dos outros na mesa ou que nos olhavam, curiosos para saber o que tanto cochichávamos. Só percebi isso quando Bia se levantou e gritou:
— Galera, por favor, me deem os parabéns, sem perguntas.
Depois que todos a parabenizaram, ela explicou o motivo: essa garota, gostosa para “Carvalho”, foi a primeira mulher com quem dormi.
A gargalhada foi geral, menos para mim, que fiquei passada de vergonha, e para Ana Clara, que me olhava com despeito.
Então Bernardo resolveu explicar:
— Marina tinha uns seis meses e viemos conhecer. Nossa mãe e a dela são amigas de infância e todos os anos nós vínhamos passar férias na casa da tia Fabiana. Naquele ano, veio só eu e a BB. A Geruza e a Daniela ficaram com nossa mãe Jenny em Lyon, onde morávamos. Ficamos hospedados na casa da tia Fabiana. Depois disso, viemos todos no final do ano e mais um monte de vezes. E quando nossas mães se separaram, fomos morar no Rio de Janeiro, não lembra? — perguntou Bernardo a Bia.
— Não lembro de nada. Quantos anos eu tinha?
— 2. 3. 4. 5. 6... A gente vinha nas férias, passava o mês todo — ele fava enquanto tomava água na garrafinha.
De repente, a Bia se levantou. Achei que ela fosse embora.
— Como a conversa tá boa e eu não quero ir embora agora... — ela disse —, eu preciso de uma bike emprestada para levar meu skate e pegar a moto. Marina, me empresta ou me dá uma carona? — ela me pediu, já em pé com o skate na mão.
Meu coração bateu emocionadamente. Imagine eu sentada na garupa da bike enquanto ela pedalava, eu abraçada a sua cintura, sentindo o seu cheiro, era a glória, pensei comigo mesma.
— Eu te levo. Se a Marina for agora ,o pai dela não deixa ela voltar — Ana Clara se intrometeu.
Aí que vontade de matar Ana Clara!, pensei.
— Que isso, pode ficar, Ana Clara. Até parece que você está preocupada se meu pai vai brigar ou não. — Tomei a frente, já me sentando na garupa e sendo puxada pela mão da Bia.
As meninas todas chiaram como o som que uma cobra faz com a minha resposta. Em seguida, fizeram a dança de uma cobra naja com a mão para o lado de Ana Clara, que deu de ombros, fazendo-se de superior.
Fim do capítulo
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