Patrícia conversava em uma chamada de grupo com Diana, Beatriz e Bruna. Após discutirem um pouco sobre a militância de oposição que faziam à eleição do governo facista, a influencer mudou de assunto para se despedir das amigas com um astral mais leve.

 

--E foi tudo tão lindo, intenso, romântico, quente, cênico! – andava de um lado a outro pela sala – Nosso amor finalmente se mostrou ali, nas dunas do Rio Grande do Norte! – lembrava – Com medo de morrer, me atirei do bugue e rolei ensandecida areia abaixo! – sorria – Buscando me salvar, minha Gail saltou do bugue e rolou atrás de mim! – deu um pulinho – E ao final, nos beijamos e rolamos pelas areias sem pensar em nada!

 

--Você saltou do bugue, criatura louca??? – Diana perguntou surpreendida – Aí sim, podia ter morrido ou se quebrado toda!

 

--E o pior foi que a outra ainda pulou atrás! – Beatriz comentou e depois riu – Eu hein! Não creio, duas loucas!

 

--Eu tô passada! – Bruna chocou – E nem sabia que você queria ela!

 

--Não sabia porque não é antenada! – Patrícia respondeu de pronto – Aliás, esse amor só aconteceu agora porque a senhora também me empatou bastante no Congresso do ano passado, tá? – colocou uma das mãos na cintura

 

--Eu?? – Bruna não entendeu – Mas se eu nem sabia...

 

--Voltando a esse ano e às dunas e tal! – Diana interferiu na discussão – Vocês não se machucaram, ficou tudo assim, numa boa? – queria saber

 

--Ah, a gente se arranhou toda, né? Mas não passou disso! – fez um gesto despreocupado – E com o corpo quente como tava, nem senti! – riu brevemente

 

--E vocês ficaram se beijando e rolando ali na frente de todo mundo? – Beatriz estava pasma – A boca cheia de areia, eu hein...

 

--Amiga, tinha areia em toda parte, não só na boca! – Patrícia esclareceu – E isso deixou a coisa apenas mais picante! – riu assanhada

 

As outras acabaram rindo também. – Você é doida! – Diana exclamou – E depois disso, vocês voltaram pro bugue e aconteceu o que? – estava curiosa

 

--Ué, -- sentou-se na poltrona – a gente fez o passeio até o final, curtiu a natureza, romantizou... – contava – Depois voltamos pro hotel dela e fizemos amor a noite inteirinha! – gesticulava – Pena que a cama quebrou, caiu um quadro da parede e a TV de tela plana ficou torta, mas minha amada logo providenciou conserto e o quarto ficou tinindo!

 

--Gente! – Beatriz exclamou surpreendida – Acho que você arrumou a mulher ideal! – achou graça – “Tão doida quanto!” – pensou

 

--Nós passeamos bastante, ela me apresentou a mil lugares e pessoas, conheci o projeto social dela e amei... – continuava contando – Vivemos momentos super românticos, emocionantes... – suspirou – Foi o must! – gesticulou

 

“Imagino!” – Bruna pensou – Mas e agora que você voltou? A coisa fica como?

 

--Eu ainda tenho que ficar no Rio por causa de alguns contratos. Pelo menos até o final do ano... – passou a mão nos cabelos – Depois, quem sabe se não me mudo pra Natal? – mordeu o lábio inferior – Ela me disse que a casa tá de portas abertas!

 

--É, que coisa! – Diana riu novamente – Tô vendo que lá pro final do ano você casa!

 

--Ai, eu quero ir na festa! – Beatriz logo falou

 

--E eu! Nunca fui pra Natal! – Bruna afirmou logo em seguida

 

--Calma, gentem! – levantou-se novamente – Casar é coisa muito séria e quero ter certeza de que ela saiu mesmo daquela vida bandida! – andava pela sala – Comigo ali juntinho tava tudo lindo. Vamos ver como vai se comportar agora que voltei pra cá! – parou diante da janela – Depois de toda essa coisa intensa e louca que nós vivemos fiquei pensando nisso. Esse amor precisa passar por uma prova de fogo!

 

--E que prova seria essa? – Diana perguntou sem entender – Você me deixa perdida, sabia? Primeiro fala como se tivesse com todas as certezas do mundo, que encontrou o amor espalhafatoso que tanto queria e agora me sai com essa, de prova de fogo?

 

--Não tente entender, amiga! – Patrícia respondeu de imediato – Eu sou assim mesmo. Meu processo é todo elaborado na crítica! – deixou o enigma no ar

 

Diana, Beatriz e Bruna ficaram sem entender.

 

***

 

Zorayde, Sayruci e Latifah estavam na mansão dos Ajami. Conversavam na sala da mulher mais velha.

 

--Então eu tenho sediado as reuniões do grupo aqui. – Zorayde contava – Aquela bomba pode até ganhar as eleições, mas nossa oposição vai ser constante! – olhava para as duas mulheres – Eu sei que existe uma contradição enorme em ser uma capitalista de esquerda, mas... – gesticulou – Ter dinheiro não é defeito, né? O importante é saber usar e eu nem tenho mais tanto assim!

 

Sayruci achou graça. – Também tenho minhas ações, maama, e sou dona de um restaurante. – cruzou as pernas – Estou na mesma situação da capitalista de esquerda.

 

--Eu acho tudo isso uma coisa bizarra, sabe, gentem? – Latifah comentou – Esse sistema tá longe de ser o melhor, ferra com a maior parte das pessoas no mundo e arrasa com a natureza, mas quando a gente vive bem às custas disso é tão difícil romper... – passou a mão nos cabelos – Será que conta pra galera lá de cima se a gente fizer umas gracinhas por lá e cá pra aliviar o peso da pobreza? – questionava-se – Khadija anda toda trabalhada numa caridade, assim, tipo mamys, e até papys tem feito suas boas ações, mas não sei... – fez um gesto afetado – Eu não tenho vontade de doar tudo pros pobres e viver bangolando pela rua pedindo esmola! Já pensou, viver toda fedida por livre arbítrio? – revirou os olhos – Ai, não, não curto! No way!

 

A morena achou graça novamente. – São realmente questões complicadas, mas não acho que se precise chegar a esse ponto, meu bem. – respondeu calmamente – E ninguém deve ficar querendo fazer barganha com Deus. – olhava para as outras – Acho que o importante é termos sempre uma vigilância pra que nossos negócios não oprimam a vida das pessoas, que respeitem as leis e não socializem prejuízos. Também é importante saber viver apenas com o que se precisa e dividir o que se tem pra alivar o sofrimento dos outros. – dizia sua opinião – Não ser escrava do que é material, não ser escrava das coisas que passam...

 

--É verdade... – Zorayde concordou pensativa – E mesmo que muitos militantes ainda me olhem com desconfiança, eu vou continuar do lado das lutas que buscam os interesses da maioria e não os de um punhado de gente egoísta como um dia fui!

 

--Gentem, eu tô amando esse papo cabeça entre três gerações? – sorria empolgada – Mamys, adorei essa visita inesperada! – olhava para a mãe – Aliás, daqui a pouco a gente tem que gravar pro meu canal pra deixar tudo registrado! Os followers vão curtir horrores!

 

Sorriu. -- Eu queria rever vocês, queria rever a cidade, rever o Parque... – passou a mão nos cabelos – Mas logo volto pra Natal porque Vera ficou sozinha pra cuidar de tudo e Abigail já tem o tempo naturalmente muito ocupado. – pegou a bolsa – Também queria resignificar uma coisa, já que é exatamente isso que temos feito nos últimos tempos. – tirou uma bolsinha de dentro

 

--E eu concordei plenamente, além de adorar revê-la! – Zorayde sorriu

 

--Qual é o babado, que só eu não sei? – Latifah perguntou curiosa – Resignificar o que, mamys?

 

--Isso! – Sayruci tirou um bracelete de ouro de dentro da bolsinha – A única joia que não vendi.

 

--Que bracelete fashion super mega fodástico! – exclamou empolgada – Essa peça eu não conhecia! – olhava admirada

 

--Esse bracelete foi uma herança que recebi de maama e entreguei à Sayruci quando fez quinze anos. – Zorayde lembrava – Foi comprado em uma das mais tradicionais joalheirias do mercado de Al-Hamidiyah, na Síria. – olhou para a neta – Mas não por um ato de opulência e sim para comemorar a vida. – contava a história que as outras não sabiam – Maama quase morreu quando nasci e o bracelete foi encomendado sob medida. Carrega os símbolos do feminino, da fé, da saúde e do amor. – pausou brevemente – Maama me disse tudo isso quando me presenteou com ele.

 

--E quando eu o recebi não dei valor, porque entendi como só mais um símbolo de uma tradição que tanto me oprimia. Usei no aniversário e depois o guardei. – olhava para a joia – Hoje, no entanto, especialmente ao saber dessa história que maama contou, vejo esse bracelete como um símbolo de tudo que deve nos unir pela eternidade. – estendeu a joia para a filha – E te entrego com o coração repleto de todos os meus melhores votos pra que sua vida seja plena de tudo que é precioso!

 

--Aim... – emocionou-se ao receber a joia – Mesmo que não fosse ouro, mesmo que fosse um treco de lata com papel alumínio, – olhava para a peça – seria um tesouro pra mim! – olhou para as outras – Mas sabendo que é de ouro e comprado na terrinha, ainda ganha um glamourzinho extra, né? – riu brevemente junto com elas -- Olha, não por isso aqui! – mostrou a joia – Mas amo vocês e morro de orgulho de ter uns cromossomos como herança de cada uma! – sorriu emocionada

 

--Venham cá, meninas! – Zorayde se levantou com os braços abertos. Sayruci e Latifah levantaram-se também e a abraçaram – Amo vocês! – beijou a testa de cada uma – Hum!!! -- sorria

 

--Também amo! – Sayruci sorria – Muito!

 

***

 

Abigail e Rita conversavam na recepção do hotel.

 

--E tu aprovasse os segurança, mulher? Os cabra são bom? – olhava para a amiga

 

--Eles foram muito bem nesse período de experiência e ontem mesmo não deixaram um grupo de hóspede entrar aqui fazendo farra. Tava tudo bêbo e querendo confusão! – Rita informou – Serafim me disse que ele mais Jonas tão trabalhando sem aperreio no turno da noite.

 

Ficou satisfeita com o que ouviu. – Então eu vou contratar de vez, não sabe? – Abigail decidiu – Era só isso que faltava pra esse hotel ficar todo nos trinque!

 

--Ah, mas o hotel tá bom demais! – Rita respondeu de imediato – E agora que virei gerenta e tô ganhando bem, tô até pensando em adotar uma criança, já que não posso ter filho. – desabafou – Meu marido faz gosto! – sorriu

 

--E eu também faço gosto! – sorriu para a amiga – Ói, se precisar de ajuda com advogado, me fale que converso com Érica, visse? Ela há de esclarecer!

 

--Agradecida, amiga! – segurou as duas mãos da outra – E quero você mais Jailson pra ser os padrinho, não sabe?

 

--Ave Maria! – exclamou emocionada – E eu vou aceitar com muita honra! – abraçaram-se

 

--Pois as senhoras fiquem sabendo que já carreguei as mala de Mandonna, Ivete Zagalo, Shykira, daquela funkeira Catitta... E as bicha tem mala! – exagerava -- Cada uma viaja bem com umas cem! – Duarte dizia enquanto empurrava o carrinho de bagagens – Tudo se hospedaram aqui no hotel e me deram cada gorgeta, que Ave Maria! – mentia

 

--Jura?? – a mulher perguntou interessada – Sou fã de todas elas! Em que quarto ficaram, hein?

 

--De repente a gente faz um upgrade, amiga! – outra mulher comentou empolgada – Já pensou dormir no mesmo quarto que a Mandonna um dia dormiu?

 

--Pia, pra isso! – Rita interrompeu o abraço – Lá vai Duarte contando causo pras hóspedes!

 

--Mas não deixa de ser um bicho firuleiro! – Abigail comentou balançando a cabeça contrariada – Oxe!

 

Após fazer o check in das novas hóspedes, Jailson contornou o balcão e se aproximou das duas mulheres.

 

--Bom dia, homi! – Abigail cumprimentou animada – E como foi o menino com o brinquedo novo?

 

--Tinha que ver a alegria dele com o presente, não sabe? – Jailson respondeu satisfeito – Agora que ganho um salário decente, pude comprar o brinquedo que ele tanto queria! – sorriu – Graças a Deus e a você, Bigail! – demonstrava gratidão

 

--Graças a Deus, isso sim! – benzeu-se – E os tempo de miserê se foram de nossas vida, se Deus quiser!

 

--Amém! – Rita se benzeu

 

--Amém, nós tudo! – o homem se benzeu também – Mas, ói, Bigail... na verdade, eu precisava te dizer uma coisa que aconteceu hoje. Tem nem meia hora... – pensava em como dizer – Ela chegou sem reserva e se hospedou pra ficar por uma semana! – informou receoso – Eu que fiz o check in... – admitiu -- Rita tinha ido pra reunião com os fornecedor e você chegou do banco agora, né? Não tive com quem me aconselhar e fiquei sem saber o que fazer... – confessou -- Hóspede, né? Tem que tratar bem e receber. – gesticulou envergonhado

 

“Não me diga que aquela uma teve a coragem de aparecer aqui?” – Rita pensava revoltada

 

--Oxe, homi, mas você tá falando de quem? – Abigail não entendeu

 

--Certamente de mim! – uma voz feminina se fez ouvir

 

O coração disparou. “Não acredito!” – Abigail fechou os olhos brevemente, respirou fundo e virou-se de frente para a mulher – Viesse fazer aqui o que, galega? – olhou para a outra

 

--Te ver! – Moema respondeu sedutora ao se aproximar – Ainda não almocei e simpatizo com a comida vegana daquela sua amiga. – sorriu – Por que não almoçamos no Al-Nabati e conversamos um pouco? – propôs

 

A potiguar engoliu em seco. “E a bicha tá mais gostosa do que nunca, ô, Pai Santo...” – pensou atordoada – Tá, a gente almoça. – concordou sentindo-se encurralada

 

Rita e Jailson se entreolharam preocupados.

 

--Depois eu volto a conversar com vocês. – Abigail olhou rapidamente para os amigos – Venha, Moema. – fez sinal para a loura e se dirigiu para o restaurante

 

Moema sorriu vitoriosa e piscou para os amigos da potiguar.

 

--É uma bicha descarada! – Jailson resmungou de cara feia – Tomara que Bigail ponha-lhe pra correr! – cruzou os braços – Ela se acha!

 

--Tomara que Bigail tenha juízo dessa vez! – Rita desejou preocupada

 

***

 

Moema e Abigail haviam acabado de almoçar e saboreavam um drinque não alcoólico de água de coco, laranja, couve e morango.

 

--Amei a refeição! – a loura exclamou sorridente – E esse drinque, hum... – bebeu mais um gole – Drink Refresh, adorei!

 

--Say é muito boa no que faz. – bebeu um gole também – E é uma amiga da porr*!

 

--Imagino que seja. – bebeu outro gole com os olhos fixos em Abigail

 

“Eu não tô gostando dessa troca de olhares...” – Sayruci pensou ao observar com discrição – “Deus queira que Abigail não caia na lábia dessa mulher novamente!” – desejou

 

--Você ainda me deve uma resposta, galega. – a autora se debruçou sobre a mesa – Depois de um ano que descobri tua patifaria, viesse fazer aqui o que? – perguntou à queima roupa – Pensa que eu esqueci de tudo só porque o tempo passou? – seu tom carregava um pouco de mágoa

 

Ficou um pouco sem graça mas disfarçou. – Eu sei que você não esqueceu de nada. – afirmou resoluta – Nem do que foi ruim, -- estendeu a mão e tocou no braço da outra – e nem do que foi bom! – sorriu sedutoramente – Tampouco eu esqueci! – olhava nos olhos

 

Abigail sentiu-se um tanto perturbada e se afastou da mesa. – Sentisse falta da vida boa que eu te dava, disso não duvido! – acusou – Mas de mim? – riu brevemente – Ninguém sente falta de uma baranga! – lembrava de como a outra a classificou

 

Afastou-se da mesa também e cruzou as pernas. – Eu entendo que pense assim e não está errada de todo. – abaixou a cabeça brevemente – Depois de você estive com outras mulheres, não vou mentir. – calou-se por uns intantes – E foi somente aí que aprendi a te dar valor. – olhava para a outra – Não por questões materiais, já que elas também me deram mimos e regalias... – gesticulou brevemente -- Mas porque nenhuma delas me viu como uma pessoa. – os olhos marejaram – Eu não era mais que um corpo bonito pra se aproveitar! Só você viu a mulher e me tratou como uma rainha...

 

Do lado de fora, um homem estaciona seu carro. Ouvindo rádio em alto volume, mesmo sem saber fez com que a música fosse ouvida pelas mulheres.

 

Eu te amei,

Me entreguei,

De um jeito que ninguém jamais se entregou...

 

--Você representava na minha mente e no meu coração tudo que um dia eu quis e perdi... – os olhos da potiguar marejaram também – Tudo que um dia sonhei pra mim quando pensava no amor... – confessou com muita verdade

 

Amor igual ao meu,

Jamais vai encontrar...

 

--Eu sei que errei! – a loura aproximou a cadeira para ficar mais perto da ex – Mas vim aqui pra te pedir perdão e uma chance de recomeçar! – falava com emoção

 

Amar como eu te amo,

Ninguém vai te amar,

Porque você...

 

Abigail sentia-se perdida naquele olhar.

 

Ficava sussurrando junto ao meu ouvido,

Mentiras misturadas com o seu gemido...

 

--Eu acreditei que você me amasse... – Abigail derramou uma lágrima sentida

 

E eu acreditava na sua palavra.

Leviana!

 

--E eu acreditei que tava sendo esperta e que te daria um golpe! – segurou as mãos da outra – Mas os únicos golpeados foram os nossos corações! – derramou uma lágrima também – O seu e o meu!

 

Fazendo mil loucuras comigo na cama,

Queria acreditar que você ainda me ama...

 

--Eu quase me matei depois de tudo! – confessou – Foi por um triz!

 

--Eu sinto tanto! – Moema chorava contidamente – E morro de saudades de você!

 

E, apesar de tudo, eu sinto a sua falta.

Leviana!

 

--Mas eu não posso te culpar! – Abigail derramou mais lágrimas – Hoje eu vejo que não amei você na verdade. Amei uma ilusão!

 

--Não foi ilusão, Bigs! – usou o apelido que um dia a dedicou – A iludida fui eu, não você! – buscava convencê-la

 

Eu te amei (eu te amei),

Me entreguei (me entreguei),

De um jeito que ninguém jamais se entregou...

 

--Amei o que você representava pra mim, -- continuava afirmando -- fosse por me lembrar aquela que foi meu primeiro amor, fosse pra mostrar pra mim mesma que eu podia ter alguém do meu lado que atendia todos os padrões de beleza que sempre me foram cobrados e que eu também, muito erradamente, cobrava das outras mulheres! – admitiu – Eu tava iludida!

 

Amor igual ao meu,

Jamais vai encontrar...

 

--Não diz isso... – Moema pediu chorando – Eu te amo! – declarou-se

 

Amar como eu te amo,

Ninguém vai te amar,

Porque você...

 

--Eu fui exatamente como os homi que sempre critiquei a vida inteira! – Abigail chorava contidamente – Paguei por companhia, por amor, por sex*, mesmo sem ter ido a puteiro nenhum! Fiz isso por pura ilusão e vaidade! – olhava para a outra – E você quis se vender...

 

Ficava sussurrando junto ao meu ouvido,

Mentiras misturadas com o seu gemido...

 

--Eu mentia pro meu coração e você mentia pra mim, galega! – desvencilhou-se dela devagar – Mas o tempo em que eu acreditava, em que eu precisava dessas bestagem acabou! – afirmou convicta

 

E eu acreditava na sua palavra.

Leviana!

 

--Eu não acredito que tudo tenha passado pra você! – Moema insistia

 

Fazendo mil loucuras comigo na cama,

Queria acreditar que você ainda me ama...

 

--Morro de saudades, sinto sua falta! – a loura chorava

 

E, apesar de tudo, eu sinto a sua falta.

Leviana!

 

--Cuide da vida, mulher. – Abigail limpou os lábios com o guardanapo e se levantou – Porque da minha já cuidei e graças a Deus encontrei alguém que me ama pelo que sou e que eu também amo pelo que ela é. – pensava em Patrícia – Desejo de verdade que você se encontre e tome vergonha na cara! – fez um gesto de cabeça e foi embora

 

Moema ficou pasma. “Eu não acredito!” -- pensou

 

Leviana,

Leviana...

 

Sayuci observou a amiga partir mas não foi abordá-la. Sabia que ela precisava de um tempo sozinha.

 

Leviana,

Leviana!

Reginaldo Rossi – Leviana [1]

 

A morena percebeu que Moema estava sem chão. Não esperava ter sido rejeitada. “Nem todo dia é dia santo, meu bem!” – Sayruci pensou satisfeita – “Como diria minha caipira: toma, papuda!”

 

***

 

Depois da conversa que tivera com Moema, Abigail deixou o hotel inteiramente sob a responsabilidade de Rita e se dedicou unicamente ao trabalho social de amparo às ex prostitutas. Não desejava rever a loura e queria sentir-se útil e ocupada para não ter tempo de pensar em suas próprias dores.

 

“Quando ela for simbora, apareço lá no hotel.” – Abigail pensava – “Tem muito o se fazer aqui na Casa da Paz!” – olhava para as jovens diante de si – Pois então, meninas. – falava com carinho – Depois que aqueles homi tentaram levar vocês pra ficar mais eles no antigo Morada, vocês fosse encaminhada pro Conselho Tutelar. – lembrava – E o que veio depois?

 

Uma psicóloga voluntária acompanhava a conversa.

 

--Foi tudo muito confuso, mas por fim nós foi dada pra viver junto com voínha, que mora em Filinho Tubarão. – Quézila contava – Fiquemo mais ela por uns tempo, mas depois paínho pediu pra nós voltar e ela mesma quis que nós voltasse mais ele. Tava dando certo, não.

 

--E tão logo voltemo a viver com paínho, voltemo a cair na vida de novo. – Gilvane dizia – Ele pedia dinheiro pra nós e da onde nós ia tirar?

 

--Parece que é uma sina de nós duas! – Quézila afirmou com tristeza – Eu não me vejo sendo outra coisa que não puta. – confessou – O que é ruim, porque eu me sinto sempre avexada, triste, aperreada... tenho pesadelo...

 

--Eu me sinto igual... – a irmã confessou também

 

--Oxe, que ninguém tem uma sina dessa, menina! – Abigail discordou com delicadeza – Nenhuma mulher nasceu pra vender o corpo pra ninguém! – tentava convencê-las – Vocês não vão mais viver assim! Pra isso nós tamo aqui. Pra ajudar!

 

--A culpa, a baixa auto estima e a tensão pós traumática são reações normais às pessoas que se prostituem, especialmente em condições tão duras quanto vocês, meninas. – a psicóloga respondeu com carinho – Já foi até feito um estudo mostrando que a situação de prostitutas de rua é tão traumática quanto a de soldados que voltam da guerra. – explicava – Mas nós vamos cuidar de vocês e ajudá-las a superar essas dores! – garantiu – Tenham paciência, porque nada vem da noite pro dia, mas vocês vão conseguir!

 

--Vocês não tão sozinha, meninas! – Abigail afirmou resoluta

 

--E não tão mesmo! – outra voz de mulher se fez ouvir

 

“Meu Deus!” – o coração acelerou – Paty! – levantou-se e olhou para a amada – Que surpresa maravilhosa! – sorriu

 

--Boa tarde a todas! – sorriu para as mulheres e acenou – Aceitam uma nova voluntária? – Patrícia perguntou sorrindo

 

--Ei, eu bem vi você na televisão! – Gilvane reconheceu surpreendida – Não é a Paty Golezzo? – sorriu

 

--A própria... – Abigail respondeu embevecida – “Eita, que hoje tá sendo um dia de intensas emoções!” -- pensou

 

***

 

--Então... – Abigail se sentia desnorteada – Moema só apareceu no hotel porque tu botasse lenha na fogueira? – não conseguia entender – Mas que diacho de bixiga é essa, dá pra me explicar?

 

--Calma, amor! – Patrícia tentava esclarecer – Depois de tudo que aconteceu entre nós, depois de tanto amor, de tanto queimor, eu precisava de uma certeza! – explicava-se – A gente precisava de uma prova de fogo!

 

As duas mulheres conversavam na casa de Abigail, em Praia do Meio.

 

--Prova de fogo?? – riu por achar absurdo – Oxe! Pensasse que é da Jovem Guarda, mulher? – cruzou os braços contrariada – Conversa é essa?

 

--Tente me entender! – tentou abraçá-la mas a potiguar não deixou – O seu caso com aquela Moema era coisa séria, pra casar e de repente tudo se desfez! Eu tinha que ter certeza de que não restava mais nada e eu era a única mulher no seu coração! – argumentava – Eu não queria viver com uma fantasma loura, gostosa e de 1,75 m a nos infernizar!

 

--E desde quando tava infernizando? – retrucou de imediato – Desde quando? – não concordava com aquele ponto de vista – Tivesse outras em seu passado e eu não fui futicar nenhuma delas modos de te procurar, não sabe?

 

--Nunca fui noiva, é bem diferente! – contra argumentou

 

--E fizesse como, me diga? – ainda não entendia – Como fizesse pra Moema ir parar no Dos Sonhos?

 

--Eu criei um perfil falso no LivradasFuça, procurei por ela, encontrei e passei uns tempos botando pilha. – confessou – Pra ela vir te procurar, que você tava sozinha aqui em Natal... – gesticulou brevemente – É uma longa história, mas funcionou e ela veio!

 

Riu novamente por achar absurdo. – Não confiasse em mim nem um pouco, não foi? – perguntou magoada – E ainda me fizesse reviver uma dor que eu não precisava sentir de novo! – acusou

 

--Mas o importante é que você superou! – aproximou-se da outra – Você disse não, você não quis saber! – sorria – E agora eu tô convencida que esse amor é forte e veio pra ficar! – sentia-se segura – Era só o que faltava!

 

--Era? – perguntou irônica – Que pena, porque agora quem não tá convencida sou eu! – afirmou intempestivamente

 

--Como assim?? – a carioca chocou

 

--Pra mim terminou! – controlava-se para não chorar – Não quero saber de viver com uma mulher que precisa inventar uma prova de fogo pra saber se eu presto pra ficar com ela ou não!

 

--Ah é, então é isso? – também se controlou para não chorar – Se você prefere assim, não serei eu a ficar aqui te implorando uma chance pro nosso amor! – foi até a porta da sala e a abriu – Espero que não se arrependa por isso! – afirmou melodramática

 

--Não vou me arrepender! – Abigail fez pose de durona

 

Patrícia lançou-lhe um último olhar e saiu batendo a porta.

 

***

 

--E ela me jogou fora da vida dela como se eu fosse um traste qualquer! – Patrícia chorava fazendo escândalo – Um naco de carne carioca, usada e abusada, passada e repassada, mastigada e cuspida nas sarjetas de Natal, ahahahah!! – gritava

 

--Minha Nossa Senhora, Ave Maria! – Vera tentava consolar a amiga – Eu não tô entendendo o que aconteceu até agora, uai!

 

Estavam na casa de Vera e Sayruci.

 

--O que aconteceu foi que ela disse adeus!! – chorava -- Ela disse adeus, nem chorou, já sem nenhum sinal de amor... – recitava – Ai, meu Deus, e eu ainda gosto dela, mas ela já não gosta tanto assim! – fazia um drama musical -- Ahahahah!

 

--Eu hein! – a caipira tinha pontos de interrogação na cabeça – “Eita, mulher complicada!” -- pensava

 

--Ô, vida bandida, misericórdia, Senhor! – em sua casa, Abigail berrava deitada no colo de Sayruci – Custei tanto a encontrar um amor e quando encontro, tudo se dana, aiii! – chorava

 

--Mas se dana por que, criatura? – a morena tentava entender – Paty veio te ver, fez uma surpresa boa, até trabalhou com você na Casa da Paz e de repente vocês terminam? O que aconteceu afinal? – acariciava a cabeça da outra

 

--Aconteceu que ela queria uma prova de fogo, ahahahah!!! – chorava – Não confia, não bota fé! – fazia um drama -- Me queimou e saiu queimada, ahahah!!! – berrava ensandecida

 

--Mas que coisa! – Sayruci continuava na mesma – “Que prova de fogo é essa, gente?” – pensava

 

--O amor faz a gente enlouquecer! – Patrícia continuava gritando e chorando melodiosamente – Faz a gente fazer coisas pra depois se arrepender!! – dramatizava – Mas eu precisava de uma prova de fogo, ahahah! – olhou para Vera com o rosto banhado em lágrimas – Ela não entendeu nada!!

 

--Nem eu, uai! – Vera respondeu agoniada – Será que você podia se acalmar e me explicar os trem direito? Tô dando conta, não, fi!

 

--Que prova de fogo é essa que você tanto fala? – Sayruci insistia – Olha, eu vou pegar um copo de água com açúcar pra você beber e ficar mais calma! – decidiu

 

--Não, não me deixe! – a potiguar gritou agarrada na cintura da outra – Enfiaram uma peixeira nesse coração doído, meu Santo Antônio da Tibaia! – chorava

 

--Assim fica difícil... – a morena suspirou

 

--Mas eu me decidi! – Patrícia levantou-se de um pulo – Abigail é página virada na minha vida! – secou o rosto com as mãos – Vou até dar uma força pra Casa da Paz, mas pra mim acabou! – gesticulou com raça – É o fim!

 

--Mas... – Vera se levantou também – Não decide nada de cabeça quente, criatura! – aconselhou – E eu até agora fiquei sem entender o que aconteceu!

 

--Chega! – Abigail se levantou de repente – Nunca fui mulher de resfulengo com danação e nem de vem cá minha nêga com quem não merece! – gesticulou com fé – Patrícia Gomide ou Paty Golezzo acabou pra mim! – decidiu

 

--Querida... – Sayruci tentava manter-se lúcida – Será que você poderia traduzir pra mim o que é que está acontecendo entre vocês? – perguntou com cuidado – Primeiro foi aquela Moema que apareceu do nada e agora esse seu término brusco com a Paty! – tentava ordenar os fatos – E você com essa história de prova de fogo!

 

--Não tem o que explicar, não, mulher! – secava o rosto com as mãos – Eu sei muito bem o que eu senti! – dramatizou -- Fui eu quem se fechou no muro e se guardou lá fora! – recitava -- Fui eu quem num esforço, se guardou na indiferença!

 

--Hein?? – Sayruci continuava sem entender – “É ela que tá enlouquecendo ou sou eu?” -- pensou

 

--Fui eu que numa tarde, se fez tarde de tristezas! – Patrícia recitava olhando para Vera -- Fui eu que consegui ficar e ir embora! – mirou um ponto no infinito -- E fui esquecida, fui eu!

 

--Ave Maria! – a caipira começava a ficar com medo – “Endoidou de vez!” -- pensou

 

--Fui eu que em noite fria, se sentia bem e na solidão sem ter ninguém. Fui eu! – Abigail falava aleatoriamente

 

--Noite fria em Natal? – Sayruci perguntou – “Deixa ir pra Foz no meio do ano para saber o que é isso!” -- pensou

 

--Fui eu que em primavera, só não viu as flores e o sol nas manhãs de setembro! – Patrícia gesticulava enquanto falava

 

A caipira não sabia o que dizer.

 

--Eu quero sair, eu quero falar! – Patrícia andava pela sala da outra

 

--Eu quero ensinar o vizinho a cantar! – Abigail se dirigia até a porta

Vanusa – Manhãs de Setembro [2]

 

--Agora chega! – Sayruci deteve a outra – Você não vai atrás de ninguém pra cantar! – guiou a outra em direção ao banheiro – Você vai tomar um banho, lavar a cabeça, distrair os pensamentos e depois a gente faz uma meditação pra desestressar e você ficar relaxada pra dormir em paz! – aconselhou

 

--E você dorme aqui mais eu, Say? – pediu como criança

 

--Durmo, querida. – respondeu com brandura

 

--E você já falou muito! – Vera conduziu Patrícia até o banheiro – Toma uma banho, lava os trem todo aí e depois a gente assiste um filme de comédia pra rir das bobeira e dormir de alma leve! – propôs

 

--Ai, amiga, posso dormir aqui? – pediu melosa – Tô sofrendo tanto...

 

--Pode. – fez um carinho na cabeça da outra – “É Patrícia e Abigail! Duas bicha doida!” -- pensava

 

***

 

O hotel da família Hafeez estava maravilhosamente decorado para a festa que por muito tempo seria notícia em Foz do Iguaçu e arredores. Ao lado da piscina, arranjos florais de todas as cores enfeitavam o ambiente. Um púlpito ornado com flores brancas havia sido montado para a realização da cerimônia e, pouco mais distante, um pequeno palco abrigava uma banda e um DJ que se preparavam para começar no horário marcado.

 

Mesas com guloseimas aguardavam na parte coberta e diversas cadeiras brancas estavam posicionadas para receber os convidados. Luminárias coloridas do Oriente Médio contrastavam suas luzes com lâmpadas coloridas que acendiam e apagavam.

 

Perto das 18h os convidados chegavam e ocupavam seus lugares.

 

--Quem poderia imaginar isso? Latifah e Ihab, que virou Khadija! – Telminha comentou satisfeita – Eu sempre soube que Latifah comungava do lado arco íris da força, só faltava a pessoa certa aparecer!

 

--Sempre soube?! – a namorada da jovem perguntou supreendida – “Eu nunca soube e nem nunca levei a menor fé na militância da Latifah!” – pensou

 

--Amor, quê que é isso?? – Cláudia perguntou em choque – Chiquerérrimo! – olhava para todos os lados

 

--Olha... – Valéria balançava a cabeça admirada – Sayruci e a família dela não deixam de me surpreender!

 

--Amiga, olha que desbunde! – Veruska exclamou ao se sentar – Eu nunca vi coisa igual!

 

--Claro, né, amiga? A gente nunca esteve em casamento de diva! – Natasha respondeu de pronto

 

--Ave Maria, que coisa chique, espia! – Abigail comentou com Rita – Nem no auge de minha peruísse em São Paulo vi uma coisa assim! – reparava admirada

 

--Coisa linda, não sabe? – Rita respondeu

 

Jailson apenas olhava admirando tudo.

 

--Amei! – Patrícia exclamou – E vou fazer uma live no meu canal! Esse casamento vai ser o must! – sorriu empolgada para Diana e Bruna

 

--Amiga. – Diana se aproximou da carioca para fofocar – Gail não tira os olhos daqui. – prestava atenção

 

--Hum... – a influencer fez um tipo – Depois eu penso se vou falar com ela!

 

--Pia pra lá. – Rita cochichou com a amiga – Paty e aquelas outra ali cochichando e olhando pra você!

 

--Humpf! – fez um bico – Depois eu penso se ela merece receber um tantinho de minha atenção! – Abigail jogou os cabelinhos

 

--Socorro, Vera se deu foi bem! – Paulinho comentou cochichando – Essa gente é muito rica que chega dói!

 

--Amor, eu estive pensando... – cochichou com o marido também – E se a gente se mudar pra Natal, hein? – propôs – A prima tá morando lá e ao que tudo indica, montada na bufunfa!

 

***

 

Um garçom servia drinques de verão e Patrícia e Abigail seguraram o mesmo copo.

 

--Ah, desculpe. – a carioca desistiu da bebida – Pode se servir. – ofereceu formalmente

 

--Pelas caridade, fique você com a bebida. – retrucou gentilmente – Melhor, que vou de água de coco. – serviu-se com outro copo

 

--Sendo assim... – Patrícia pegou o drinque e agradeceu ao garçom que se retirou – Tudo bem com você? – bebeu um gole

 

--Graças a Deus sim e com você? – perguntou igualmente

 

--Tudo bem... – passou a mão nos cabelos – E o hotel, a Casa da Paz?

 

--Tudo muito bem, não sabe? – bebeu um gole – Aliás, preciso te agradecer pela força que você dá promovendo os dois. O último vídeo ficou muito massa! – elogiou – Como todos os que você faz... – olhava para a outra

 

--Ah, então... – sorriu melosa – Você viu? – observava a outra – “Será que ainda resta algo desse amor?” – pensou esperançosa

 

--Nunca deixei de te acompanhar, galega. – bebeu um gole e desviou o olhar – “Oxe, como eu morro de saudade dessa mulher...” – pensou

 

--Sabe que eu... – pensava em como falar – Confesso que morri de saudades de Natal? – abaixou os olhos rapidamente – Da cidade, do povo da cidade...

 

--É mesmo, sentisse? – perguntou ao olhar para a loura – Acho que... o povo da cidade também sentiu falta de você.

 

Gastaram uns segundos caladas sem saber o que dizer.

 

--Tô doida pra cerimônia começar? – Patrícia falou o que primeiro lhe veio à mente – Vera me contou como vai ser e achei tão... – suspirou – Romântico! – bebeu um gole do drinque olhando para a ex – Casamento com transmissão ao vivo no canal da Latifah e no meu! -- sorriu

 

--E... – pensava em como falar – Você... não pensa em... casar desse jeito assim? – a potiguar olhou para a amada – Num hotel, bem decorado, uma ruma de troço chique espalhado por todo canto... – jogava a indireta

 

--Ah, pensar em penso... – fazia um charme – Mas nunca ninguém me pediu, né? – fez um beicinho

 

--Então... – preparava-se para falar – Eu... – o som da música interrompeu sua fala

 

I could stay awake just to hear you breathing, (Eu poderia ficar acordada só para ouvir você respirar),

Watch you smile while you are sleeping, (Ver o seu rosto sorrindo enquanto você dorme),

While you're far away and dreaming... (Enquanto você está longe e sonhando)...

 

--Melhor a gente voltar pros nossos lugar, não sabe? – Abigail se despediu e as duas tomaram seus assentos

 

I could spend my life in this sweet surrender, (Eu poderia passar minha vida nessa doce redenção),

I could stay lost in this moment forever, (Eu poderia me perder neste momento para sempre)...

 

Nesse momento, Khadija surge de braços dados com os pais e os três seguiram caminhando lentamente em direção ao púlpito, onde uma senhora os aguardava sorridente. A noiva usava um vestido rosa de duas peças. A primeira sendo um vestido justo, busto meia taça e todo trançado nas costas e a segunda, uma saia bem rodada, presa por uma faixa branca de cintura. Os cabelos estavam presos em um belo coque.

 

--Lindaaaa! – Natasha e Veruska deram um pequeno chilique

 

Well, every moment spent with you, (Todo momento que eu passo com você),

Is a moment I treasure... (É um momento que eu valorizo)...

 

O casal Nahim se posicionou no lugar dos padrinhos e Khadija parou diante do púlpito aguardando. Quando Latifah surgiu, a jovem Nahim perdeu o fôlego.

 

Don't wanna close my eyes, (Não quero fechar meus olhos),

I don't wanna fall asleep, (Não quero pegar no sono),

'Cause I'd miss you, baby... (Porque eu sentiria a sua falta, amor)...

 

O vestido de Latifah era todo de renda na parte do tórax, margeando perfeitamente os contornos de seu corpo de modo sensual e sem qualquer vulgaridade, enquanto a saia, também rodada, prendia-se na cintura com uma faixa branca onde caracteres árabes foram bordados em linha dourada. Seus cabelos estavam cacheados e parcialmente presos em uma trança bem jovial. Usava o bracelete que recebeu da mãe.

 

--Divaa! – Natasha e Veruska gritaram ensandecidas

 

--Oxe! – Abigail reparou o escândalo

 

And I don't wanna miss a thing, (E eu não quero perder nada),

'Cause even when I dream of you... (Porque mesmo quando eu sonho com você)...

 

Latifah se aproximava tendo e o pai e a avó por companhia, um de cada lado. Seu olhar estava preso no da amada.

 

The sweetest dream will never do, (O sonho mais doce nunca vai ser suficiente),

I'd still miss you, baby, (Eu ainda sentiria a sua falta, amor),

And I don't wanna miss a thing... (E eu não quero perder nada)...

 

--Eu não entendo... – Cláudia cochichou com a esposa – Por que Latifah veio com eles? Cadê Sayruci e Vera?

 

--Algo me diz que saberemos em breve! – Valéria respondeu desconfiada

 

Lying close to you, (Deitado perto de você),

Feeling your heart beating, (Sentindo o seu coração bater),

And I'm wondering what you're dreaming, (E imaginando o que você está sonhando),

Wondering if it's me you're seeing, (Imaginando se sou eu quem você está vendo),

Then I kiss your eyes and thank God we're together... (Então beijo seus olhos e agradeço a Deus por estarmos juntos)...

 

Latifah parou ao lado de Khadija e Samir e Zorayde se posicionaram no lugar dos padrinhos também.

 

--Eu tô tão feliz, amore! – Khadija chorava contidamente – Vejo toda beleza da minha vida refletida nos seus olhos maravilhosos!

 

And I just wanna stay with you, (E eu só quero ficar com você),

In this moment forever, forever and ever... (Neste momento para sempre, para todo o sempre...)

 

Latifah derramou algumas lágrimas. – “Foste sempre meu espelho. Quero dizer que para me ver, tinha que te olhar” – recitou o que uma vez ouvira da mãe

 

Don't wanna close my eyes, (Não quero fechar meus olhos),

I don't wanna fall asleep, (Não quero pegar no sono),

'Cause I'd miss you, baby... (Porque eu sentiria a sua falta, amor)...

 

--Eu te amo! – Khadija declarou antes de se beijarem

 

And I don't wanna miss a thing, (E eu não quero perder nada),

'Cause even when I dream of you... (Porque mesmo quando eu sonho com você)...

Aerosmith – I Don’t Want to Miss a Thing [3]

 

O DJ lentamente mudava a música até que outra canção se fez ouvir. Latifah e Khadija aguardavam de mãos dadas.

 

No primeiro instante,

Vi que era amor,

No momento em que a gente se encontrou.

No segundo instante, vi que era você,

Já te amo tanto sem te conhecer...

 

Sayruci e Vera surgiram de braços dados. A morena usando um vestido branco cintado e longo, bem decotado no busto e com abertura na saia até a altura da coxa, enquanto a caipira vestia um terninho preto cintado e sapatos de salto da mesma cor. Como fazia desde que recebera o presente, Sayruci usava no pulso esquerdo o terço que ganhou de Vera quando a conheceu.

 

--Espia a prima! – Socorro se admirou – Primeira vez que vejo essa mulher bonita, uai!

 

--Tô vendo... – Paulinho babava reparando em Sayruci – “Vera se deu bem, puta que pariu!” -- pensou

 

É que nos meu sonhos você era linda,

Pessoalmente é mais linda ainda,

Nosso amor veio de outras vidas,

Eu vou te amar nas outras vidas que virão...

 

As duas caminhavam em direção ao púlpito. Sorriam para Latifah e Khadija.

 

--Eu adorei essa ideia! Mãe e filha casando juntinhas! – Patrícia comentou empolgada – Ah, mas esse vídeo vai bombar!

 

--É um casalzão da porr*! – a potiguar exclamou para Rita e Jailson

 

É que você nasceu pra ser minha,

Vamos dividir uma casinha,

Uma cama, dormir de conchinha,

Deus abençoou a nossa união...

 

Sayruci e Vera pararam ao lado de Khadija e Latifah.

 

E os anjos cantam nosso amor, ohh, ohh, ohh...

 

--Tá feliz, mamys? – perguntou emocionada

 

E os anjos cantam nosso amor, ohh, ohh, ohh...

 

--Muito, meu bem! – respondeu sorrindo – Muito!

 

E os anjos cantam nosso amor, ohh, ohh, ohh...

Jorge & Mateus – Os Anjos Cantam [4]

 

Os irmãos de Sayruci ficaram satisfeitos em perceber a felicidade da irmã como nunca testemunharam. E pela primeira vez, sentiam que os Ajami haviam se tornado uma família de fato.

 

--Olha, eu não canso de me surpreender com esses patrões! – Margô comentava com Maristela – Dona Latifah casando com o ex Ihab e dona Sayruci casando com uma mulher, tudo isso com seu Samir e dona Zorayde apadrinhando! – balançou a cabeça pensativa – Dona Salma e seu Rachid tão numa felicidade, olha isso!

 

--Não tente entender! – Maristela comentou despreocupada – O importante é viver bem! – olhou para a colega – E aproveitar, porque raramente a gente é convidada pruma festa dessa!

 

***

 

As pessoas se acabavam de dançar na festa enquanto Salma dava uma entrevista para a revista Glamour Watch.

 

--E como uma família tão tradicional como a Nahim encara essa realidade? – a repórter perguntou curiosa – Seu filho sendo uma mulher trans e se casando com Latifah Ajami Hafeez ao mesmo tempo em que a mãe dela comemora sua união com outra mulher?

 

--Ah, meu bem, não confundamos as coisas! – Salma falava afetadamente – Ser tradicional não necessariamente significa ter a cabeça fechada! – olhava para a câmera – Não foi o próprio apóstolo Paulo quem nos disse que devemos aprender tudo e reter só o que for bom? Então? – jogou os cabelinhos – A pluralidade faz parte da vida, o mundo é plural, é ou não é? – sorria – Nós não temos e nunca tivemos o menor problema com tudo isso! Nossa cabeça é aberta, opened, arreganhada! – gesticulou -- O importante é ser feliz! – soprou um beijo

 

--Bem... – Rachid se aproximou de Samir – Não foi exatamente como nós pensávamos, mas... – abriu os braços brevemente – Eles casaram! – sorriu

 

--O que foi ótimo! – o outro respondeu de pronto – Casaram por amor e ao mesmo tempo fortaleceram nossos negócios! – sorriu satisfeito -- E com isso, os Kahlain estão cada vez mais perto de serem superados!

 

--Verdade. – ajeitou a gravata – Mas... me diga também uma coisa... – aproximou-se mais – Você achou que valeu a pena isso de... ficar com Zorayde? – fofocava – Sei que é bom pros negócios manter os vínculos entre os Ajami e os Hafeez, mas digo... – pausou brevemente – Afinal de contas, ela é mais velha que você!

 

Samir percebeu que Zorayde o chamava com o dedo indicador enquanto dançava. – Já ouviu dizer que panela velha é que faz comida boa? – afrouxou a gravata – Com licença! – correu para dançar com a amada

 

--Hum... – Rachid observou a interação entre o casal – “Acho que Salma e eu precisamos dar uma apimentada em nosso casamento!” – considerou

 

--Sabe qual é a melhor parte de um casório? – Vera perguntou no ouvido da amada enquanto dançavam agarradinhas

 

--Qual? – Sayruci sorriu

 

--A lua de mel! – sorriu também

 

--Safadinha! – segurou-a pelo blazer e a beijou

 

--Eu não vejo a hora da gente viajar! Nossa lua de mel no nordeste vai ser um arraso! – Khadija beijou a amada repetidas vezes – E a gente vai postar tudo no nosso canal! – abraçava-a pela cintura

 

--Tudo?! Ui, que bandidona essa minha esposa! – beijou-a também – As visualizações vão superar até os vídeos mais hots do Sexy Host! – brincou

 

--Tudo é maneira de dizer, né, minha diva irrestível? – respondeu divertida – Nossa intimidade eu não divido com NINGUÉM! – enfatizou a última palavra

 

--Ai, que possessiva! – segurou o rosto da outra com as duas mãos e a beijou com paixão

 

--É... parece que tá todo mundo casando, né? – Patrícia jogou a indireta ao se aproximar de Abigail – Reparou?

 

--Reparei... – olhou para a outra – Ói, deixe te perguntar... – sorria – Eu tô pensando em fazer um passeio nas catarata amanhã. Quer ir comigo, galega? -- convidou

 

--Ah... – não esperava por aquele convite – Vou, ué. -- sorriu

 

--Muito bom! – sorriu satisfeita – Deixe eu cuidar disso agora. – sacou o celular da bolsinha e acessou a internet

 

“Ela não quer casar mesmo...” – a carioca pensou decepcionada – “Mal joguei o assunto me veio com essa de passeio nas cataratas...” – prestava atenção na outra – “Mas, fazer o que? Estraguei tudo com a minha insegurança...”

 

***

 

Abigail chegava correndo no ponto de embarque das lanchas para o passeio pelas cataratas e observou que uma delas acabava de partir.

 

--Ave Maria, que diacho que me atrasei! – gesticulou agoniada

 

“Ela fez tanta questão desse passeio e nem veio...” – Patrícia pensava entristecida enquanto ocupava um assento na lancha – “Puta merd*, não quero ficar triste! Deixa eu aproveitar o passeio!” – contemplava a paisagem

 

--Homi, -- abordou um funcionário da empresa de turismo – quando vai sair o próximo barco? – perguntou preocupada

 

--Daqui a dez minutos, mas a senhora tem que esperar na fila. – indicou o local para a potiguar – Nem sei como a senhora fez pra passar na frente do pessoal, mas tá todo mundo ali reclamando. – informou – Aliás, eu tava vindo pra lhe falar sobre isso mesmo!

 

--Dá pra esperar, não! – segurou o homem pela camisa – Eu quero um passeio privê pra agora! – pediu nervosamente

 

Estranhou a atitude. – Dona, mas não é assim! – tentava se desvencilhar – Tem até um passeio privê saindo agora, mas é de um casal do Rio Grande do Norte e eu não creio que...

 

--Onde que eles tão? – interrompeu o homem – Diga que eu negocio com eles agora! – pediu impaciente – “E gente da terrinha? Ah, mas eu levo eles no bico!” -- pensou

 

***

 

O barco de Patrícia fazia o trajeto de volta quando uma voz conhecida chama sua atenção.

 

--Paty, minha galeguinha! – Abigail ficou de pé gesticulando – Não te esqueci, não! Atrasei porque parte de meu plano atrasou um pouco, visse? – falava bem alto

 

Sorriu e se levantou. “Plano?” – pensou ao constatar que a potiguar vinha em um barco em direção contrária, no qual havia apenas um casal de turistas e um funcionário da empresa – E que plano é esse, criatura? – perguntou bem humorada e falando alto também

 

--Senhora, não pode ficar de pé! – Patrícia e Abigail foram advertidas em seus respectivos barcos

 

--Pedido de casamento! – os barcos se aproximavam – Eu queria te pedir diante das catarata, não sabe? – várias gotas molhavam seu rosto – Quer casar comigo, meu amor? – Abigail perguntou esperançosa

 

--Ai, eu quero, quero e como quero! – Patrícia se jogou aparvalhadamente na água

 

--NÃO!!! – as pessoas gritaram com medo

 

--Mulher, se segura aí que vou te buscar! – Abigail se jogou também

 

--Meu Deus!! – no barco da potiguar, o piloto da embarcação se desesperou

 

--Ave Maria! – o casal de turistas exclamou apavorado

 

--Gail, vem! – gritava dramaticamente – Se eu morrer, que seja nos teus braços molhados nessas cataratas de meu Deus!

 

--Tô indo! – tentava se aproximar – Se é pra morrer assim, a gente morre por amor! – fazia um drama também

 

--Dá a volta, dá a volta! – um guia de turismo pediu aos pilotos das duas embarcações

 

--Pronto! – Abigail agarrou no colete salva vidas de Patrícia – A caixinha das aliança tão enfiada aqui dentro de minhas calcinha pras água não levar, não sabe? – abraçou-a

 

--Vem amor, me abraça! – meteu a mão na calcinha da outra

 

--Ui, mulher, não me futique assim que o povo percebe! – Abigail sentia os dedos da outra roçando – Disfarce!

 

Achou graça. -- Não é isso, sua doida! – sacou a caixinha das alianças -- Põe a aliança no meu dedo porque se a gente morrer, já morre casada! – pediu

 

Fez como pedido. -- Casada e molhada! – tascou-lhe um beijo na boca

 

--AÊÊÊÊÊÊ! – os turistas bateram palmas

 

--Ô, gente, isso é sério! Elas podem morrer! – o guia de turismo estava com medo – Vai pessoal, pega essas mulher! – pedia para os pilotos das duas lanchas

 

Abigail e Patrícia foram resgatadas pelo piloto que havia conduzido a potiguar.

 

--Ave Maria! – a autora rolou para dentro do barco

 

--Gentem, que experiência forte! – Patrícia fez o mesmo – Nunca pensei em ser pedida em casamento com tamanho estilo! – comentou orgulhosa

 

--Vocês são doidas ou o que? – o piloto ralhou – Vão ser multadas por isso, sabia? Não pode se jogar na água, não, gente!

 

--Homi, tu não entende! – Abigail tentava se ajeitar no assento – É muito amor! Amor que abunda por todo canto e por toda parte!

 

--E um queimor! – Patrícia sentou-se ao lado da amada e novamente se beijaram

 

***

 

Margô criava um perfil fake no LivrodasFuça. Buscou na internet uma foto que lhe agradasse e se decidiu pela imagem de uma desconhecida usando um véu. Escolheu uma data de nascimento aleatória, assim como informou outros dados sem a menor veracidade.

 

--E agora, o nome? – pensava – Qual irei escolher? – falava sozinha

 

Na casa ao lado, podia ouvir a música que tocava.

 

La solitudine fra noi,

Questo silenzio dentro me,

È l'inquietudine di vivere la vita senza te...

Laura Pausini - La Solitudine [5]

 

--Isso, esse vai ser o nome! – decidiu ao digitar – Solitudine! – parou para pensar – Melhor, vai ficar assim: Yasmim Solitudine! – sorriu – Isso! É o que vai ser! – concluiu a criação do perfil

 

Em seguida, entrou no site da Academia Lésbica e criou o perfil da autora.

 

--Será que alguém vai gostar do meu conto? – falava consigo mesma – Ah, mas se não gostar, o importante é se expressar, né? – abriu um documento Word que havia salvo – Agora vamos copiar e colar pra postar o capítulo! – fez todo o procedimento e postou o primeiro capítulo que havia escrito – E seja lá o que Deus quiser!

 

Quem são essas mulheres que usam de imaginação e (muitas) palavras para nos fazer rir e chorar, sentir e sonhar? Quem são elas, onde vivem, do que se alimentam, o que esperam da vida e por que escrevem?

Esta história é uma obra de ficção que trata sobre A AUTORA, esta personagem muitas vezes conhecida, certas vezes anônima e em alguns casos mítica. Visa voltar o olhar d@s leitor@s para o outro lado da tela, debater as nossas contradições humanas e fazer pensar até que ponto estamos de fato dispost@s a ir além das aparências e combater o que mais nos oprime, que é o preconceito.

Baseada em nenhuma escritora deste ou de qualquer outro site ativo ou inativo, A AUTORA é apenas mais um fruto da imaginação... de uma autora.

 

--Agora é ir postando e esperar ver o que as meninas dirão! – Margô sorriu – E quem sabe um dia, fico igual dona Sayruci! – sonhou esperançosa

 

***

 

A área da piscina do Hotel dos Sonhos fora toda decorada com motivos bem regionais. Para proteger do sol, tendas foram armadas com tecidos coloridos e o ambiente fora recheado por peças artesanais em palha e argila, com destaque para a argila azul típica do estado. Arranjos de flores e frutas davam um toque especial e a piscina estava completamente ladeada por flores coloridas e de diversos tamanhos. Uma banda de músicos aguardava o momento certo de começar a tocar e um padre estava pronto para dirigir a cerimônia.

 

--Mulher, eu tô num aperreio doido! – Abigail desabafou enquanto era maquiada por Latifah – Ave Maria, que o coração tá em tempo de sair pela boca, não sabe?

 

--Amore, fica relax que essa tua festa vai ser um arraso! – pintava os olhos da potiguar – As melhores maquiadoras do planeta, ou seja, Khadija e euzinha, tamos dando uma repaginada em você e na tua wife to be! – prestava atenção ao que fazia – No mais, acredite que mamys conseguiu ser foda até com decoração regional nordestina, que é uma tendência nova na vida dela! – comentou afetada – Tá tudo um escândalo! – sorria

 

--E tá mesmo! – Rita concordou empolgada – Até meu marido ficou besta quando viu a decoração!

 

--Rita, será que os cabra da banda vão tocar direito? – Abigail perguntou preocupada – Que eles não se atreva de dar nota errada no meu casamento!

 

--Honey, quem morre de véspera é peru! – Latifah observou ao terminar de maquiá-la – E cê nem gosta disso, né? Teu negócio é uma boa chuleta! – brincou e riram

 

Em outro cômodo, Patrícia se preparava.

 

--Eu queria agradecer vocês por terem dado um break na viagem de lua de mel pra abrilhantar meu casamento e além de tudo me maquiar! – Patrícia dizia – Ai, amiga, tô tão emocionada! Tão nervosa!

 

--Não tem o que agradecer, bobinha! – Khadija respondeu de pronto – Nunca que a gente ia perder um babado fortíssimo como esse casamento! – comentou afetada – Cês vão arrasar! Nada menos que duas musas divando nesse dia super especial! – sorriu – E tudo em transmissão ao vivo nos nossos respectivos canais!

 

--Paty, aquele padre que a amiga da Gail arrumou é tão fofo! – Diana comentou ao entrar no cômodo – Tava conversando com ele lá fora e o cara é super cabeça aberta. – reparou na outra – Uau, tá gatíssima! -- sorriu

 

--Ai, meu Deus, o padre já chegou?? – arregalou os olhos – Então eu tô atrasada?? – desesperou-se

 

--Garota, escuta aqui, -- pegou o lápis para contornar os lábios da outra – em casamento com duas noivas não tem essa de se estressar com horário! – Khadija deu sua opinião – Diva nem usa relógio, baby! A gente é orientada pelo magnetismo da Terra! – brincou e elas riram

 

E na área da piscina, Sayruci cuidava de tudo.

 

--Eu acho que tô tão nervosa hoje quanto no dia do nosso próprio casamento! – Sayruci prestava atenção nos detalhes – Organizar evento é assim, a gente não pode relaxar! – olhou para a piscina – Vou falar com Duarte que tem que ajeitar aqueles arranjos ali! -- observou

 

--Deixa que eu vejo isso, Sayzinha. – tranquilizou-a – Além do mais, já tô com tudo pronto! – Vera exclamou animada – Quando Jailson der o sinal, decolo com o drone e começo a filmar.

 

--Mas, respeitando a legislação, viu, amor? – Sayruci logo advertiu – Olha a distância segura!

 

--Confia na caipira, Sayzinha! – beijou-a nos lábios – Pode confiar, eu sempre respeito! – sorriu – Agora deixe ver aquele trem na piscina. – foi cuidar do problema

 

--Desestressa, filha, que tá tudo lindo e vai ser um estouro! – Zorayde comentou descontraída – Não vejo a hora de forrozar até o dia amanhecer!

 

Achou graça. – Maama, deixa eu lhe perguntar: – cruzou os braços – e Samir? Não veio porque?

 

--Ele preferiu ficar em Foz pra competir com a família Kahlain num evento de verão. – bebeu um gole de água de coco – Aí eu disse a ele: Ah, é? Então fique praí que eu vou sozinha curtir o casamento de Abigail e reencontrar minhas meninas. – contou a história – E aqui estou eu! – as duas riram

 

--Inacreditável! – Sayruci achava graça – “É... As coisas mudam!” – pensou – E ele, como reagiu?

 

--Reagiu me ligando todo dia pelo QQOV?. – respondeu de pronto – Mas amanhã nem vou atender, porque Latifah e Khadija me convidaram pra fazer passeio de bugue e tô dentro!

 

Sayruci achou graça novamente. – Se pedirem o passeio com emoção preparem-se, porque é a maior loucura que há!

 

--Ai, eu vou querer isso aí! – Zorayde comentou excitada – Mas olha, agora sou eu a perguntar: por que sua lua de mel com Vera só durou duas semanas? – queria saber

 

“Realmente, as coisas mudam!” – pensou satisfeita com as mudanças – Nossos negócios aqui ainda são novos, não podemos nos afastar por muito tempo. – esclareceu – A própria Abigail vai ficar pouco tempo fora com Patrícia também. – olhou para Vera, que havia acabado de resolver o problema dos arranjos – Mas isso não importa, porque com minha caipira a vida é uma eterna lua de mel... – sorriu

 

Zorayde entristeceu um pouco ao ouvir aquilo. – Eu não canso de te pedir perdão por ter adiado tanto essa felicidade na sua vida...

 

--Isso é passado, maama. Deixe-o ficar onde deve estar. – pediu com carinho

 

--Ói, Vera!! – Jailson apareceu gesticulando – As noiva!

 

--Opa! – a capira tirou o celular do bolso da calça e acionou o drone que aguardava posicionado ao fundo – Agora é a vera! – brincou com o próprio nome

 

O padre se dirigiu ao púlpito montado de frente para o meio da piscina e aguardou, enquanto os convidados ocuparam seus lugares. Abigail surgiu no lado esquerdo, pouco após a extremidade da piscina. Patrícia apareceu do lado direito, na direção da extremidade oposta.

 

“Gentem, ela tá maravilhosa!” – a carioca sorriu embevecida

 

Abigail usava um vestido branco de renda renascença, todo feita à mão, com muitos babadinhos na saia. Havia encomendado em uma cooperativa de costureiras com a qual vinha trabalhando.

 

“Ave Maria, minha galega tá linda!” – a potiguar pensou ao suspirar

 

Patríca usava um vestido cintado, com busto tomara que caia, e delicada estampa floral em tons pastéis.

 

E os músicos começaram a tocar e cantar.

 

Que falta eu sinto de um bem,

Que falta me faz um xodó...

 

As duas noivas caminhavam lentamente na direção uma da outra. Os olhares não se desviaram em momento algum.

 

Mas como eu não tenho ninguém,

Eu levo a vida assim tão só...

 

Abigail pensava em quantas vezes havia sido rejeitada e em quantas outras havia rejeitado. E em todos os casos pela mesma razão: aparência.

 

Eu só quero um amor,

Que acabe o meu sofrer...

 

Patrícia lembrava de quantas vezes desejou alguém para lhe venerar ao invés de amar.

 

Um xodó pra mim do meu jeito assim,

Que alegre o meu viver...

 

Abigail sentia-se feliz por finalmente entender que o essencial, e mais importante, “é invisível aos olhos”¹.

 

Que falta eu sinto de um bem,

Que falta me faz um xodó...

 

Patrícia decidiu amar e esquecer de todas as dores que um dia tanto lhe torturaram.

 

Mas como eu não tenho ninguém

Eu levo a vida assim tão só...

 

--Habibem, -- Khadija segurou a mão da esposa – produzimos duas divas poderosérrimas! – sorriu orgulhosa

 

--É como eu sempre disse, amore! – olhou para a amada – Somos uma dupla fantástica! – beijaram-se apaixonadas

 

Eu só quero um amor,

Que acabe o meu sofrer...

 

Patrícia e Abigail se encontraram diante do púlpito e deram-se as mãos com os olhos marejados.

 

Um xodó pra mim do meu jeito assim,

Que alegre o meu viver.

Dominguinhos – Eu Só Quero Um Xodó [6]

 

--Queridas, queridos, querides, -- o padre iniciou sua falação – estamos aqui hoje comungando deste sentimento maravilhoso que une Patrícia Gomide e Abigail Trindade, -- olhava para as noivas -- sentimento esse que representa a maior e mais bela herança que o Senhor Deus Todo Poderoso nos deixou como uma sementinha plantada em nossos corações, que é o Amor! – sorriu – O Amor da mãe e do pai para com seus filhos, -- olhava para os convidados -- o Amor fraterno que une irmãos, cosanguíneos ou não, o Amor sensual que também tempera o relacionamento dos casais... tudo é Amor e como tal, não se pode condenar. Assim entendo, assim percebo que Cristo Jesus nos ensinou. – pausou brevemente – “Erro lamentável é supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante às respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas”²! -- exclamou

 

(NOTA DA AUTORA: ¹ Antoine de Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe.

²Citação extraída do livro No Mundo Maior. Obra de André Luiz psicografada por Francisco Cândido Xavier)

 

“Esse padre é arretado!”—Abigail pensou satisfeita

 

“Meu casamento é tão especial que até o padre defende a causa!” – Patrícia estava radiante

 

--Quisera eu ter aprendido isso antes... – Zorayde falava sozinha

 

***

 

--Eu nunca imaginei de ver Bigail casando assim com tanta pompa. – Jailson comentou – E fico feliz, não sabe? – sorria – Essa esposa dela tem tudo a ver.

 

--Duas bicha doida! – Rita respondeu divertida – Mas duas mulher de muito bom coração e que gosta de fazer o bem pros outro.

 

--Eu sempre achei que Abigail prestava muita atenção em mim! – Duarte exclamou – Desde meus tempos de gerente, eu dava uma atenção diferenciada às pessoas e suas necessidades, tratava todo mundo muito bem, de forma justa e ela com certeza aprendeu comigo. – falava como se discursasse – O meu exemplo de chefia, adorado por todos, certamente ensinou a ela que...

 

--Menos! – Jailson e Rita o interromperam ao mesmo tempo

 

Fez um bico. “O tempo passa e ele nunca deixa de ser um bicho firuleiro!” – Rita pensou

 

“Ele tem sorte, porque se fosse por mim, nunca tinha sido recontratado!” – Jailson pensou fazendo cara feia

 

--Sayzinha e agora, acontece o que? – Vera perguntou com o drone na mão – Filmei a cerimônia do casório, troca de alianças e o discurso delas, mas as duas sumiram e não sei o que vem depois.

 

--Também não sei, amor. – a morena respondeu intrigada – Na verdade, acho que ninguém sabe porque Rita, Jailson, Latifah, Khadija, aquelas amigas da Patrícia e até a Érica, a advogada de São Paulo, me perguntaram a mesma coisa.

 

--Uai? – ficou sem entender

 

E de repente, uma música diferente começa a tocar, interpretada por uma cantora espalhafatosa.

 

Quiero encontrar la manera,

De lograr tu amor...

 

Abigail surge com um vestido amarelo cheio de babados enormes. Usava sapatos de saltos imensos de mesma cor.

 

--Gente! – Sayruci arregalou os olhos

 

He de cambiar mi esperanza,

Por tu corazón...

 

Patrícia aparece usando um vestido vermelho estilo rabo de peixe. Nos cabelos, um imenso enfeite em forma de flor.

 

--Então tá então! – Vera achou estranho mas recomeçou a filmagem com o drone

 

Y navegar por tus mares,

Sentirme dueña de ti...

 

As recém casadas se abraçaram e começaram a dançar de forma dramática.

 

--Puta que pariu, tava bom demais pra ser verdade! – Bruna comentou sem entender – Que doideira é essa?

 

--É aquela coisa do amor escandaloso, gente. – Diana lembrava – Não tentem entender. – acabou achando graça

 

Beatriz tinha pontos de interrogação na cabeça.

 

Beber de tus manantiales,

Llenarme de ti...

 

--Eu gosto de verdade dessa sua amiga! – Zorayde comentou admirada – Das duas!

 

Sayruci achou graça.

 

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras...

 

--Tá vendo, cabrocha? Mirame nos zóio! – Abigail reclinou o corpo de Patrícia – Pia só! – espremeu os olhos

 

--Na tua mão eu pio igual pinto lixo! – respondeu fazendo caras e bocas – Piu, piu, piu!

 

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras...

 

--Sabe que eu gostei desse número? – Khadija comentou afetada – Casamento performático!

 

--Filmar também pra jogar no nosso canal! – Latifah pegou o celular – Vai bombar!

 

Como me muero de ganas,

De que me digas que si,

Mírame, mírame y dime que si...

 

Patrícia fez Abigail rodopiar e a abraçou por trás. – Dime que si, amor da minha life! – mordeu o beicinho

 

--Si, si, si! – respondeu com raça

 

Entre la tierra y el cielo,

Mas no se puede pedir...

 

As duas se afastaram brevemente e rasgaram as saias dos respectivos vestidos, exibindo saias menores na altura dos joelhos.

 

--Gostosa! – Patrícia gritou

 

--Apetitosa! – Abigail respondeu

 

Mas pasión, mas deseo,

Mas ansias de ti...

 

Novamente se abraçaram e começaram se esfregar uma na outra, cheias de remelexo.

 

--Ave Maria! – Rita achou estranho

 

“Que bixiga de dança de lagartixa é essa?” – Jailson pensou

 

Y refugiarme en tu cuerpo,

Hasta el amanecer,

Satisfacer mi locura,

De la cabeza a los pies...

 

--Beija-me, amor! Beija-me mucho! – Patrícia pediu languidamente

 

--Mulher, é agora! – tascou-lhe um beijo com fé

 

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras,

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras...

 

Interromperam o beijo quase sem ar e abraçaram-se com força, rodopiando juntas e ensandecidas.

 

--Isso não vai dar certo... – Sayruci ficou preocupada

 

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras...

 

E no meio de tanto rodopio, as duas se soltaram e o tornozelo de Patrícia se enrosca no fio do microfone, fazendo com que a mulher caísse na piscina.

 

--AHAHAHAHAH!!! – gritou aparvalhada

 

--Meu Deus!! – muitos exclamaram preocupados

 

Mírame, mírame a los ojos,

Mírame y veras...

 

--Fique calma, mulher! – Abigail tirou os sapatos – Vou te salvar! – jogou-se na piscina

 

--Mas que diacho! – Vera fez o drone pousar e interrompeu as filmagens.

 

Entre la tierra y el cielo mas y mas te deseo,

Esto es una locura que no me queda duda,

Ya no me queda duda...

Paulina Rubio - Mirame a Los Ojos [7]

 

--Ya no me queda dudaaaaaaa! – Abigail se abraçou à amada cantando como doida

 

--Ya no me queda dudaaaaaaa! – Patrícia cantava igualmente empolgada

 

Vera desplugou o microfone e desmembrou os cabos. – Pronto, cabou-se o risco!

 

--Todo mundo na piscinaaaaa! – Zorayde gritou e se jogou também

 

--Maama? – Sayruci ficou pasma

 

Latifah e Khadija se entreolharam, deixaram as bolsinhas sobre a mesa e se jogaram também.

 

--Solta a franga, gentem! – Latifah gritou

 

--Libera geral! – Khadija foi na onda

 

--Mas... – Sayruci não sabia o que fazer – Gente...

 

--Uhu!!! – Diana, Bruna e Beatriz pularam juntas

 

--Gerente Rita. – Jailson perguntou à amiga fingindo formalidade – E nós? – sorriu

 

--Se a dona do hotel fez que pode, né? – sorriu para o amigo

 

--Ah! – Sayruci sentia-se perdida – Mas...

 

--Ai, eu quero também, ui! – Érica se jogou de cabeça

 

--Espere por mim! – Carmem pulou atrás – “Aqui eu não preciso ser a contadora certinha!” -- pensou

 

--Até vocês?? – Sayruci estava boquiaberta

 

--Sayzinha, -- Vera se aproximou da amada – tá todo mundo na piscina! – sorria – “Eu já tô até descalça.” -- pensou

 

--E eu absolutamente não sei o que fazer! – passou a mão nos cabelos

 

--Eu sei! – segurou-a no colo sem que esperasse

 

--Ai, não!! – fechou os olhos sorrindo – Não!! – mordeu o lábio inferior

 

--Simbora nóis! Uhuu! – a caipira gritou antes de pular com a amada no colo

 

--Que loucura, amor! – Khadija olhava para esposa – Adoro essa coisa animal! -- sorria

 

--Ah, é? – perguntou insinuante – Então vem, cachorra! – segurou o rosto da outra com as duas mãos e a beijou

 

--Doida! – Sayruci abraçou a esposa pelo pescoço – Eu não esperava esse desfecho nesse casamento! – achava graça

 

--Nem eu! – abraçou-a pela cintura – Mas se tá na chuva, – puxou-a pela cintura – é pra se molhar! – beijou-a com paixão

 

“Ai, minha caipira...” – pensou derretida

 

Rita se beijava com o marido e Jailson se beijava com a esposa. Duarte não se jogou por não saber nadar.

 

“Maldita hora que Samir não veio!” – Zorayde pensava – “Nem tenho em que dar uns pega nessa hora!” – mergulhou

 

--Tá vendo, amor, o que tu faz com o povo todo? – Abigail perguntou apaixonada – Influenciasse todo mundo a se jogar e se render ao amor aquático em nosso casamento! – falava com voz sexy

 

--Oh, amor, não diga mais nada! – Patrícia pediu fazendo um drama de amor – Cala-me com um beijo de teus lábios carnudos e molhados! – pediu afetada

 

--Oxe, cabrocha, não me provoca!! – abraçou-a com força e beijou-a antes de submergirem

 

Fim do capítulo