Sayruci, Vera, Latifah, Khadija e Abigail aguardavam o momento para realizar sua ceia de natal. Após uma oração emocionada, as mulheres se abraçaram e trocaram votos de felicidade.

 

--Ave Maria, que essa emoção toda me deu uma fome! – a potiguar exclamou sorridente – Fiquei até com dó de Say porque a bichinha trabalhou que nem uma condenada hoje depois de já labutar um tanto naquele restaurante, não sabe? Mas pelo menos dei minha contribuiçãozinha cuidando das louça e providenciando os ingrediente natureba!

 

--Eu também ajudei! – Vera exclamou empolgada

 

--Fiz tudo com o maior prazer! – a morena respondeu com sinceridade – E ficou fácil com vocês duas à disposição pra tudo que eu precisava. – olhou para a caipira e Abigail

 

--E nós deixamos tua casa o must, Gail! – Latifah comentou afetada – Decoração natalina super fashion e conectada com as tendências mais alucinantes! – estalava os dedos

 

--Pode falar, amiga! – Khadija olhava para a potiguar – Ficou um escândalo, né? – gesticulou afetada

 

--E não é? – a potiguar concordou

 

BLIM BLOM! – o interfone tocou

 

--Mas quem pode ser a essa hora, uai? – Vera estranhou

 

--Eu hein! – Abigail estranhou também – Deixe ver! – foi atender

 

--Enquanto isso vamos cair dentro, gentem? – a jovem propôs cheia de fome

 

--Latifah! – Sayruci ralhou – Tem que esperar a dona da casa, eu hein? – franziu o cenho

 

--Oh, não, ativou o modo mamys! – brincou revirando os olhos

 

--Ô, gente, diz que é uma tal de Zorayde. – anunciou para as outras – Alguém conhece?

 

--Maama?? – a morena chocou

 

--Vóvys?? – Latifah não entendeu – Gentem, mas ela foi viajar, sumiu no mundo, como pode aparecer aqui e justo na véspera de natal? – pôs as mãos na cintura

 

--Ói, vou deixar subir! – a potiguar decidiu – E se for impostora a gente encesta ela, visse?

 

--Eu vou me esconder atrás da porta! – Khadija decidiu – Vem Vera, fica de tocaia comigo aqui! – chamou – Se for impostora, a gente detona a bandida! – gesticulou afetada

 

--Simbora! – concordou

 

Sayruci e Latifah se entreolharam com pontos de interrogação na cabeça.

 

--Pronto, a mulher vem aí! – Abigail anunciou – Vou tratar de abrir a porta logo, aí vocês olha bem pra ver se é ou se não é! – destravou o segredo – Eu, como não conheço...

 

Segundos depois, a porta do elevador se abriu e uma figura modesta sai de dentro dele. Parou na porta do apartamento e olhou para a morena. – Filha? – chamou humildemente – Minha neta? – olhou para a jovem – Boa noite a todas. – cumprimentou as demais

 

--Maama?? – Sayruci arregalou os olhos

 

--Vóvys?? – Latifah estava pasma

 

--Pode sair daí que é quente! – Abigail sinalizou para Vera e Khadija que saíram de trás da porta

 

“Minha sogra tá diferente!” – Vera pensou

 

“Dona Zorayde??” – Khadija se surpreendeu

 

A mulher trajava uma blusa branca de alças finas, calças jeans e sandálias baixas. Nos cabelos, uma faixa branca e azul como tiara. Uma bolsinha tiracolo de couro guardava seus pertences pessoais.

 

--Será que... – não sabia o que fazer com as mãos – Tem espaço pra uma velha solitária? – olhava para as mulheres – Não quero atrapalhar sua ceia de natal e se a resposta for negativa eu vou entender!

 

Abigail reparou na postura humilde da outra e imediatamente concordou. – A casa tá às ordem, mulher! E tem comida suficiente pra mais uma. – concordou

 

--O que faz aqui, maama? – Sayruci não conseguia entender – “Parece outra pessoa!” – pensou admirada

 

--Vóvys, tá tudo bem? – a jovem perguntou preocupada – Depois de sumir por aí, solta, sem rumo, dust in the wind, aparecer assim e aqui? Do nada? – gesticulou – Como pode, gentem?

 

--Acho que eu e seus demais milhares de seguidores saberiam onde encontrá-las agora, Latifah. – a mulher respondeu timidamente – Você contou tudo no vídeo que postou ontem. – explicou – Aí foi só localizar o endereço de Abigail e isso um detetive que conheci conseguiu fazer. – pausou brevemente – Será que... posso? – olhou novamente para a filha

 

--Se a dona da casa deixou, por que eu haveria de negar, maama? – respondeu com brandura

 

--Entra, mulher! – Abigail chamou para dentro e fechou a porta – Vamo todo mundo enchendo o bucho primeiro e vocês conversa sobre a vida depois! – sugeriu – Vem comer, que tá na hora! – seguia abraçada aos ombros de Zorayde – E de mais a mais, você tá é com cara de fome, não sabe? Simbora que saco vazio não guenta de pé!

 

***

 

Após a ceia e conversas amenas, Abigail achou que era hora de dar espaço à família Ajami. – Vera, Khadija, vem as duas aqui mais eu recolher essas louça? – pediu – Enquanto isso, quem tem que conversar, converse! – fez sinal para as outras duas

 

--Deixa com a caipira! – Vera concordou ao começar a recolher os pratos

 

--Eu ajudo, amore! – Khadija também concordou

 

--Mas... – Sayruci queria ajudar

 

--Vocês têm que conversar! – Abigail fez sinal negativo com o dedo – Abaixe o fogo aí, sente a rabichola no sofá e abra o verbo!

 

Dentro de poucos minutos, toda a louça havia sido recolhida e as três mulheres ficaram sozinhas na sala. Cada uma ocupava um sofá.

 

--Gostei dessa sua amiga. – Zorayde afirmou com sinceridade

 

--Mas e então, maama? – foi direto ao assunto – Será que poderia me explicar isso?

 

--Também tô doida pra saber, gentem! – Latifah cruzou as pernas e apoiou o queixo em uma das mãos

 

--Monas, será que daqui a gente ouve, hein? – Khadija perguntou colando o ouvido na parede da cozinha

 

--Oxe, pia pra isso! Que fuxico, mulher! – a potiguar ralhou antes de fazer a mesma coisa

 

--Eu hein! – Vera fez um bico e começou a lavar a louça

 

--Shhh!! – Khadija fez sinal de silêncio – Não faz barulho, honey!

 

Abigail também cobrou silêncio gesticulando.

 

A caipira deu um suspiro profundo. “Bando de fuxiqueira!” – pensou revirando os olhos

 

--Vocês devem estar estranhando tudo, mas eu vou me explicar. – Zorayde começou a falar receosamente – E peço que tenham paciência pra me ouvir porque preciso muito desabafar com vocês. – as outras duas permaneceram caladas – No dia em que voltava de uma audiência estressante e tensa com meus outros filhos, eu vinha no carro tomada por pensamentos mesquinhos quando um acidente inesperado quase me tirou a vida e isso me fez pensar bastante. Percebi então o quando eu era só, pequena e tão distante daquela que um dia fui e vocês sequer sonharam em conhecer! – gesticulou – Cheguei a conclusão de que fui uma esposa submissa, extremamente apegada à tradição e às aparências, o que acabou me transformando em uma... – envergonhava-se ao falar – mãe horrível! – os olhos marejaram – Fui uma verdadeira destruidora de sonhos e fiz tudo aquilo que um dia tanto condenei... – olhava para Sayruci – Fui o seu pior pesadelo... – derramou uma lágrima – Quando deveria ter sido seu refúgio, como toda mãe deve ser. – secou o rosto com as duas mãos

 

Sayruci derramou algumas lágrimas também e nada comentou.

 

“Gentem, tô passada!” – Latifah controlava as emoções

 

--Coitada de Say... – Abigail comentou

 

--Não fui uma avó melhor do que isso, mas felizmente você teve Sayruci pra te proteger de mim. – olhou para a neta – Além de ter uma personalidade mais difícil de se controlar.

 

--Humpf! – Khadija fez um bico – Tenta controlar diva pra ver no que dá!

 

Vera acabou achando graça da fofoca das outras duas.

 

--Aí, com a dolorosa constatação de tudo isso, decidi fazer uma coisa que desejei na juventude mas não pude, já que me casei aos 18 anos. – esfregava as mãos uma na outra – Viajei por esse país, conheci a pobreza de perto, vi misérias, comi poeira nas estradas, senti fome, sede, dormi ao relento... – abaixou a cabeça e sorriu – Acho que... acabei encontrando algo da minha essência original.

 

--E que essência seria essa, maama? – secou os olhos com as mãos

 

Latifah só prestava atenção

 

--Fui criada em São Paulo dos 5 aos 17 anos. – levantou a cabeça – E na época da minha adolescência começava o movimento de rebeldia da juventude que eclodiu com tudo que aconteceu em 1968. – contava – Eu fiz parte daquilo, integrei o movimento feminista, pacifista e esquerdista... – lembrava do passado – Viemos morar em Foz por minha causa. Pra me afastar da militância que eu encampava mais e mais.

 

--A senhora se envolveu na militância rebelde da década de 50?? – Sayruci ficou pasma – “Taí, por essa eu nunca esperaria!”

 

--Gentem!! – Latifah chocou – Então esse look rebelde é um verdadeiro back to 50’s? – achou o máximo – Ai, vóvys amei!! – bateu palminhas

 

--Tô passada! – Khadija comentou com Abigail

 

--A véia é da fuzarca! – a potiguar respondeu

 

--Mas isso não é o mais importante agora. Podemos conversar sobre essas coisas depois. – fez um gesto despreocupado – O que eu queria que vocês soubessem, é que me decidi a dividir a quase totalidade das ações em meu nome pra todos os meus filhos, com a partição maior pra você, – olhava para a morena – pois foi a que eu mais prejudiquei e tolhi ao longo do tempo. – pausou brevemente – Vou ficar apenas com o mínimo que me permita viver com conforto. – esfregava as mãos nas pernas – E... – pensava em como falar – Li todos os seus contos... – confessou – Porque eu queria te entender e me aproximar de você... – emocionou-se mais uma vez

 

Sayruci novamente chocou.

 

--Agora eu vou recomendar pra ela ler os meus conto, não sabe? – Abigail cochichou

 

--Recomenda sim, amiga, ela vai amar! – Khadija concordou

 

--Eu não acredito nisso... – Vera resmungou consigo mesma reparando nas duas fofoqueiras

 

--E até visitei o seu canal, Latifah, mas você posta muita informação e eu não pude acompanhar... – sorriu para a neta – É demais pra mim... E junto com Khadija parece que a produção ainda aumentou!

 

--Tá tranqui, vóvys! Já curti de ver esse revival que você deu aí! Amei! – respondeu de pronto

 

--Desculpe, filha, eu não sei fazer melhor que isso. – ajoelhou-se na frente da outra – Mas sou sua maama, tenho muito orgulho de você, aprendi a te aceitar como é, aceito seu relacionamento e tudo que eu mais quero na vida é uma coisa só: -- segurou as mãos dela – o seu perdão! – chorava contidamente

 

--Ai... – Abigail e Khadija suspiraram

 

--Gentem... – Latifah ficou emocionada

 

--Por favor, Sayruci, eu não posso reverter todo mal que lhe causei, mas eu preciso muito do seu perdão! – pedia com muita humildade – Eu te amo! E digo a verdade mesmo que te seja impossível acreditar nisso agora! – controlava-se para não chorar mais – Eu não era eu mesma e também não te deixei ser você mesma por muito tempo, mas na minha cegueira achava que fazia o certo. É verdade, filha! Também fui convencida de que a homossexualidade requeria tratamento médico! Eu acreditei de coração puro no melhor intuito de te proteger do que eu achava que você deveria ser protegida! – dizia toda a verdade

 

A morena chorava também. -- Depois de tudo que vivemos, de repente a senhora me aparece falando essas coisas e me pedindo perdão! – desvencilhou-se da mãe com cuidado e se levantou – Eu fico aqui pensando em cada vez que tive um sonho podado, em cada palavra dura, em cada emoção infeliz que a senhora me despertou... – andava de um lado a outro na sala – Porque a senhora conseguia ser pior que o baba, muito pior, por ser bem mais presente do que ele... – chorava – A senhora não me acolheu quando soube que Samir me agredia... – lembrava – A senhora me internou e me fez perder tempo da minha vida numa clínica infernal e isso não durou mais apenas por causa de Vera e Latifah! – descarregava o que sentia

 

Zorayde se levantou cabisbaixa. – Eu não tenho o que dizer em relação a todas essas lembranças dolorosas que você tem. – afirmou com muita tristeza – Errei e errei muito! – pausou brevemente – Não sei se no seu lugar eu perdoaria...

 

Latifah acompanhava controlando-se para não chorar.

 

–Não é fácil, maama! Muito pelo contrário! – secou os olhos com as mãos – Mas é ainda mais difícil viver com mágoa da própria mãe! – parou diante da mulher -- Eu quero virar essa página para sempre! – decidiu – Não sabe o quanto eu sonhei com esse momento! O quanto eu esperei, idealizei, fantasiei, pensando como seria se acontecesse... – confessou – Não é fácil, eu ainda me sinto meio perdida, mas... – derramou uma lágrima – A senhora não podia ter me dado um presente de natal melhor!

 

--Então... você me perdoa? – o coração acelerou

 

--Não há mais o que perdoar! – abraçou-a com força

 

--Lindo, lindo, lindo!! – Latifah se levantou aplaudindo – AH! – deu um gritinho e começou a chorar – Ai, como é o must ver isso! – gesticulou afetada – Três gerações de divas se entendendo, gentem, que emoção! – afirmou afetada

 

--Perdoa a vovó, filha? – Zorayde olhou para a neta – Também falhei com você!

 

--Own!! Tá tudo perdoado e dominado, vóvys! – abraçou as outras duas mulheres beijando suas bochechas – E vai dar meia noite agora, olha que divino!

 

--Ave Maria, que fiquei emocionada, não sabe? – Abigail deixou de fofocar

 

--Ai, eu amei! – Khadija também interrompeu a fofoca – Será que um dia minha mamys vai acordar também? – secou os olhos com as costas da mão

 

--E por que não? – Vera não ouvira coisa alguma porém deduziu que sua amada estava feliz – Os fogos estão pipocando no céu, minha gente! – abriu os braços -- Feliz natal!

 

Abigail e Khadija se abraçaram com a caipira. – Feliz natal! – disseram em coro

 

--Maama, quero que entenda uma coisa! – Sayruci segurou o rosto da mulher com as duas mãos – Já que está disposta a ser você mesma, saiba que a apoiarei se quiser correr atrás de tudo que sempre desejou! – olhava nos olhos – E isso inclui absolutamente TUDO!

 

Zorayde entendeu o que a filha queria dizer e sorriu.

 

Depois de muitos anos desconectadas, as mulheres da família Ajami finalmente puderam sentir dentro de si o verdadeiro sentido do Natal. Seus corações estavam prontos a serem pequenas manjedouras onde o menino Jesus poderia nascer e viver em Paz.

 

***

 

--Por que você não foi na sessão de fotos com Khadija, filha? – Zorayde perguntou à neta – Gosta tanto dessas coisas e deixou a outra sozinha! – estranhava

 

--Eu amo esses babados, vóvys, mas ela precisava se sentir a dona da situação, entendeu? – a jovem explicou – Já tava na hora de Khadija ter coragem de divar sem mim. – passou a mão nos cabelos – Além do mais, Natasha e Veruska são muito show e vão dar uma força. – mexia no celular

 

--Sem contar de que Vera está junto filmando tudo com o drone. – Sayruci complementou ao se sentar no sofá – Amanhã elas chegarão aí cheias de novidades. – sorriu

 

As três mulheres estavam no apartamento onde Vera e Sayruci moravam.

 

--Gentem, pára tudo! – Latifah se levantou animada – Todo mundo se agitando porque a gente vai sair agora! – gesticulou – Right now!

 

--Como assim, menina? – Sayruci não entendeu – Latifah, eu acabei de chegar do restaurante. Tô morta! -- retrucou

 

--Sair? – Zorayde se ajeitou no sofá

 

--Hoje é a última sexta do ano e vai rolar uma festa alucinante na RedLights! – lia a notícia no celular – Vão tocar os sucessos mais fodásticos dos anos 50 aos 2000! – olhou para as duas – Estão intimadas a ir e não aceito um não como resposta! – sorria

 

--Ah! – a morena ficou sem saber o que dizer

 

--Mamys, você pega no restaurante às 11h, tá? Dá tempo de dormir! – argumentou – Sem contar de que nem precisa mais trabalhar nele! – fez um gesto despreocupado – “Com a grana que vai receber das ações da vóvys...” – pensou

 

--Oba, eu quero! Será que vai rolar um Elvis?  – Zorayde se levantou animada mas parou para pensar – Só não tenho roupa apropriada... – observou sem graça

 

--Vai na tua vibe, vóvys! – respondeu de imediato – E confia em mim que vou nos deixar poderosérrimas!

 

Sayruci acabou rindo. – Fazer o que, né? – respondeu divertida

 

***

 

Latifah, Sayruci e Zorayde se encaminhavam para a pista de dança. O lugar estava lotado e elas se desvencilhavam de cotoveladas, empurrões e cantadas inconvenientes.

 

--Esse pessoal tá tão louco que até em mim tão querendo passar a mão! – Zorayde comentou ao dar um tapa na mão de um rapaz

 

--Nossa, que lugar cheio! – Sayruci sentia um pouco de medo – E eu que nunca fui habituada com esses tumultos!

 

--Gentem, se solta! Deixa aquela franga louca ciscar sem medo! – Latifah seguia na frente animadamente – E façam carinha de diva porque daqui a pouco vou começar a filmar pro meu canal! – preparava o celular no pau de selfie

 

Chegando no meio da pista, uma música conhecida começa a tocar.

 

Abra suas asas,

Solte suas feras,

 

--Ah, não podia ser melhor!! – Latifah levantou os braços em êxtase – Solta a franga, mamys! – gritou

 

Caia na gandaia,

Entre nessa festa...

 

Sayruci deixou rolar e começou a dançar.

 

E leve com vocêêêê,

Seu sonho mais lououououco...

 

--Solta a franga, vóvys! – gritou

 

Eu quero ver esse corpo,

Lindo, leve e solto...

 

Zorayde fechou os olhos e se soltou também.

 

A gente às vezes,

Sente, sofre, dança,

Sem querer dançar...

 

As três gerações dançavam juntas.

 

Na nossa festa,

Vale tudo,

Vale ser alguém,

Como eu...

 

Cada uma das três apontou para si mesma.

 

Como você...

 

Apontaram uma para outra.

 

Dance bem,

Dance mal,

Dance sem parar...

 

As três dançavam fazendo passinhos.

 

Dance bem,

Dance até,

Sem saber dançar...

As Frenéticas - Dancin' Days [1]

 

E em pouco tempo, outras pessoas acompanhavam os passos.

 

“Eu nunca pensei um dia viver isso!” – Sayruci pensava tomada pela mais singela felicidade – “Obrigada, meu Deus!” – sorria enquanto dançava – “Feliz 2018!”

 

***

 

Abigail estava no restaurante onde Sayruci trabalhava. Conversavam em uma mesa do estabelecimento.

 

--Eu sei que você não pode ficar de muito trololó porque tá no trabalho, mas eu vim pra te propor negócios! – foi direto ao ponto – E daí você pensa e depois me diz o que acha, visse?

 

--Negócios? – ficou curiosa – E o que seria? – cruzou as pernas

 

--Então... – ajeitou-se na cadeira – Aquela conversa tua mais tua mãínha lá em casa no dia de natal... – pensava em como dizer – Eu ouvi uns pedaço, assim, por um descuido... – gesticulou

 

--Sei. – respondeu divertida – “Mal sabe ela que Vera me contou da tremenda fofoca que rolou na cozinha!” – pensou com vontade de rir

 

--E teve uma hora que ela te disse que ia te passar umas ação. – olhava para a morena – Também tenho as minha, mas eu gastei um pouco demais naquela fase bandida que vivi, não sabe? Inda tô com um saldo mais ou menos... saindo do vermelho. – explicava-se – Então acontece que ainda vai demorar um tantinho pra eu ter condições de investir em alguma coisa.

 

--E aí você quer que eu invista no seu lugar? – concluiu

 

--Não tão simples assim... – tentava esclarecer – Na verdade, no primeiro momento a proposta é até essa, e eu vou te pagar centavo a centavo com juros, mas te queria como minha sócia! – debruçou-se sobre a mesa – Tanto no negócio que eu quero investir quanto no projeto social que pretendo levar até o fim da vida!

 

--Continue. – debruçou-se sobre a mesa também

 

--Já pensasse em morar em Natal? – sorriu

 

--Hum... – parou para pensar – Na verdade nunca, mas não seria nada mal! – considerou ao sorrir

 

--Então escute meus plano que você vai ficar até besta! – afirmou enfática

 

Ao ouvir tudo que Abigail tinha em mente, Sayruci pensou que suas joias e os dividendos das ações que estava para receber gerariam recursos suficientes para o investimento inicial. – Eu vou conversar com Vera, porque afinal de contas somos casadas e decidimos tudo juntas, mas te adianto que simplesmente amei a ideia!

 

--Ave Maria! – bateu uma palma – Converse com tua caipira, vá seduzindo a bicha e me responda o quanto antes, não sabe? – pediu empolgada – Algo me diz que vai ser um projeto da gota!

 

--Com certeza, querida! – em outro plano, Quitéria acompanhava a conversa com satisfação – E eu sabia que um dia ainda te veria nesse caminho! – sorriu

 

***

 

Sayruci e Latifah conversavam pelo QQOV?.

 

--Ai, mamys, hoje eu queria um conselho seu... – a jovem pediu – Eu ando me sentindo tão confusa, tão lost in my mind!

 

--Por que, meu bem? – preocupou-se – O que aconteceu?

 

--Nada ruim, fica relax. – respondeu de pronto – São coisas que têm me deixado meio de cara.

 

--Como o que?

 

--Saí com Khadija numa night e conheci um boyzinho todo gato, gostoso, do jeito que eu gosto! – contava – A gente ficou, eu tava louca de vontade mas na hora H... broxei! – confessou – Ele foi um fofo e tals, mas eu fiquei passada. – desabafou – Nunca na história desse país Latifah Ajami Hafeez passou por uma dessa!

 

--É mesmo? – ouvia desconfiada

 

--E tem mais... – pausou brevemente – Vez por outra Khadija me chama pra estudar na biblioteca, sabe, mamys? Tipo assim, de pegar uma cultura?

 

“Latifah numa biblioteca??” – ficou pasma -- Ela sempre foi estudiosa e imagino que dê força pra que você leve seu curso à sério. – Sayruci comentou

 

--O que? – perguntou afetada – Khadija às vezes pensa que é você e fica em cima de mim, marcando pra eu estudar, pra eu ler e tals... Tem que ver, que sargenta!

 

Achou graça. – Fico feliz que alguém esteja fazendo meu papel por aí!

 

--Mas não é esse o foco, mamys! O ponto é que tem um carinha lá que fica todo serelepezinho quando ela chega. – continuava contando – Todas as vezes que chegamos juntas eu percebi isso, daí. – pausou brevemente – E me irrito com esse talzinho! – admitiu – Na verdade, detesto ele e nem sei porque!

 

--Ou seja, você sente ciúmes dele. – concluiu

 

--É... deve ser... – assumiu – E essa é minha dúvida atroz, mamys! Por que isso, se nunca fui dessa onda de sentir ciúme de amiga? – queria entender – Isso tem me deixado muito loka! – reclamou – E por que me parece que eu só quero ficar com ela, mais do que com qualquer outra amiga? – não se entendia – Tava pensando um dia desses e constatei que passo a maior parte do meu tempo livre com ela! – pausou brevemente – Dependendo, até do tempo não livre também, daí! – sentia-se agoniada – Acredita que também nem tenho mais nem vontade de pegar ninguém? Tô super broxada!

 

--Já pensou que tudo isso seja porque você passou a ver Khadija como mais que uma amiga? – sugeriu

 

--What?? – levou um impacto ao ouvir – Mas, mamys, eu não sou lésbica! – protestou – Além do mais, ela é tão parecida comigo! Não são os opostos que se atraem??

 

--Julio Cortázar escreveu em sua Antologia Pessoal a seguinte passagem: “Foste sempre meu espelho. Quero dizer que, para me ver tinha que te olhar”. – citou

 

Não entendeu. – Mamys, eu nunca me senti atraída por mulheres na vida! Never!

 

--E quem está falando de atração, querida? – Sayruci respondeu calmamente – Falo de amor!

 

Latifah ficou sem saber o que dizer.

 

***

 

Na calada da noite, Abigail dormia agitada por um sonho curioso.

 

“Esperava por alguém no restaurante onde Sayruci trabalhava.

 

--E cadê essa mulher, meu Pai? – Abigail olhava para o relógio

 

E de repente, eis que a amada surge usando um vestidinho cândido. Aproximava-se saltitando como coelha.

 

Quando,

Você vem com essa cara...

 

--Ave Maria... – a potiguar suspirou embevecida – Chegou minha Paty! – reparava na outra – Carinha de safada... – espremeu os olhinhos

 

De menina levada,

Pensando besteira...

 

Puxou a cadeira e se sentou. – Demorei, amor? – perguntou insinuante – Ficou com... – apertou os próprios seios – Fome?

 

Me dá,

Um arrepio na pele...

 

-Ô! – reparava na outra – “Essa galega me atiça, não sabe?” – pensou excitada

 

Dá água na boca,

De ficar com você...

 

--Deixa eu me refrescar! – abriu alguns botões do vestido criando um imenso decote – Ui! – abanou-se

 

“Essa mulher é puro descaramento!” – pensou excitada

 

Você não tem um pingo de vergonha,

E toda sapa sonha,

Ter alguém assim...

 

--Então vamos pedir? – Paty caprichava nos olhares – Quero dois pedaços fartos de maminha e brusqueta! – afirmou provocante – Um brusquetão daqueles!

 

--Ave Maria! – lambeu-se esfomeada

 

Realizando,

Minhas fantasias,

Taras e manias,

Você vem pra mim...

 

A refeição foi servida a ambas e Patrícia começa a comer com elegância.

 

Uma lady na mesa...

 

De repente, o cenário muda e as duas se encontram nuas numa cama.

 

--Oxe? – Abigail se espantou com a mudança

 

Uma louca na cama,

Na maior safadeza,

Você diz que me ama...

 

Patrícia cavalgava sobre Abigail, rebol*ndo sensualmente. – Ai, eu te amo! – mordeu o lábio inferior – Hum!

 

Me fazendo a cabeça,

Coquetel de loucura...

 

--Galega, tu é uma pinga fogo! – a potiguar delirava de prazer com o lábios da outra percorrendo seu corpo

 

Quando você começa

Ninguém mais te segura...

 

--E mexe, se avexe, me arrocha, cabrocha, -- Patrícia puxava Abigail pelos cabelos -- se abre, se mostra pra mim! – pedia insinuante

 

--Me agarra, me lanha, me arranha! -- Abigail pedia excitada -- Não muda, que eu quero você sempre assim, ói!

Elymar Santos – Taras e Manias (com pequenas adaptações) [2]”

 

--Oxe, mulher... – Abigail rolava sozinha na cama – Tu é tão fofa, macia, hum... – mordeu o travesseiro – Parece até que tem pena de ganso, não sabe? – rolou para a beirada -- AI! – gritou ao cair da cama –Ai! – sentou-se lentamente – Ave Maria! – passou a mão nos cabelos – Desde aquele Congresso, vira e mexe são esses sonho me deixando doida! – falava sozinha – Enquanto isso aposto que ela nem lembra que eu existo! – levantou-se devagar – Hum, doeu. – esfregou a mão no joelho

 

***

 

No Rio de Janeiro, Patrícia agitava-se em um sonho performático.

 

“Patrícia usava um vestido vermelho fogo cheio de babados e sapatos de salto da mesma cor. Abigail vestia uma saia florida, blusa branca cheia de babados, sapatos de salto na cor verde fosforecente e usava um arranjo na cabeça à la Carmem Miranda.

 

--Ó, Abigail Raimunda, por que esse amor não desabrocha? – perguntava dramaticamente – Por ventura não poderei eu ser tua cabrocha?

 

--Queres saber por que, Patrícia Severina? Pois te digo o que me rói no peito! – lançou um olhar enigmático – Não sei quantas partilham de teu leito!

 

Joelma, a chefa de Patrícia, cantava com os colegas de trabalho:

Aiaiaiai...

Beija, me beija,

Me beija, me beija,

Me beija agora...

 

--Logo te digo, desejo de minh’alma! – segurou-a pelo braço – Meu leito é vazio e a cama calma! – Patrícia confessou

 

--Será que posso acreditar no que essa boca diz? – Abigail espremeu os olhinhos – Ou seria só pra me fazer feliz?

 

Aiaiaiai...

Beija, me beija,

Me beija, me beija,

Me beija agora...

 

--Chega de tantos devaneios! – Paty segura a outra pelos cabelos da nuca – Vem, e satisfaça meus anseios! – pediu sôfrega

 

--Então deixemos de tanta palhaçada! – Abigail puxou-a pela cintura com força – Venha e me dê uma beiçada! – preparou-se para beijá-la

 

Aiaiaiai...

Beija, me beija,

Me beija, me beija,

Me beija agora...

Joelma – Me Beija Agora [3]

 

BI BI BI BI BI BI BI.

 

--DONA PATRÍCIAAAA!! – Joelma berrava”

 

--Ah! – a jovem acordou sobressaltada – Gentem! – pôs a mão no coração – Será possível que nem em sonho eu pego essa mulher? – acalmava-se do susto

 

BI BI BI BI BI BI BI. – o alarme de um carro havia disparado na garagem do prédio

 

--Nunca mais tive sossego desde aquele Congresso! – passou a mão nos cabelos – Enquanto isso, duvido que ela fique pensando em mim! – lamentou – Que merd*, viu?

 

BI BI BI BI BI BI BI. – e o alarme infernizava na madrugada

 

***

 

--Querido, olha isso!!! – Salma abordava o marido com o celular na mão – Repara nessa foto! – mostrou ao homem

 

--Ah! – ficou pasmo – Essa é dona Zorayde? – não acreditava – E Sayruci? – olhou para a esposa

 

--Ambas soltando todas as frangas com Latifah numa danceteria de São Paulo! – afirmou enfática

 

--Minha nossa! – passou a mão na cabeça calva – E como você soube disso, da onde veio essa foto?

 

--Das publicações de Latifah! – deixou o celular em cima da mesa – Tenho dado uma espiadinha no que ela posta desde que... – pausou brevemente – Nosso filho saiu dessa casa. – suspirou

 

--Eu não sei o que acontece naquela família! – Rachid comentou estranhando – Sabia que ouvi dizer que Samir está frequentando um programa de reabilitação para homens? Dizem é pra homens que batem ou batiam nas mulheres. – fofocou – Parece que ele anda até contribuindo com instituições que ajudam mulheres vítimas da violência.

 

--Eu sei o que tá acontecendo com aquela família, meu bem! Eles estão progredindo, andando pra frente, sendo felizes! – andou um pouco pela sala – Enquanto isso, nós, todos certinhos, temos o que? – gesticulou – Muito dinheiro pra curtir uma velhice solitária quando ela chegar?

 

Pensou no que ouviu. – Está pensando em...? – olhava para a esposa

 

--Você não? – olhou para ele também

 

***

 

--Você é realmente difícil de entender, viu, amiga? – Latifah circulava de calcinha e sutiã pelo quarto – Hoje a night vai ferver, carnaval pegando fogo em Foz e você com essa cara de enterro? – olhava para o closet para escolher a roupa que iria usar – Nem parece que teus pais se conectaram com a vida, que tá tudo lindo, cê voltou pra sua casa, pra sua empresa... – considerou – O que mais uma diva poderia querer? – pegou um vestido e o colocou em cima da cadeira – Só mesmo beijar muuuito essa noite! – piscou para a outra

 

--Mas eu tô feliz, amiga! – levantou-se da cama – Amei recuperar minha família e meu trabalho de volta, foi tudo emocionante, lindo, fofo... – gesticulou – Eu só não tô muito no clima do carnaval... – olhou pela janela

 

--Isso eu já percebi, ó! – estalou os dedos – Cê tirou a roupa, sentou naquela cama, desconectou da real e ainda nem se mexeu pra escolher o modelito dessa night! – reparava na outra – De repente parece até que inventou uma vergonha de ficar só de calcinha e sutiã na minha frente! – comentou – Relaxa que tá mais gostosa do que nunca! – fez um gesto despreocupado

 

Sorriu com o comentário e continuou olhando para fora. – Sempre tive vergonha de ficar só de roupa íntima na sua frente, honey. -- assumiu

 

As duas jovens estavam no quarto de Latifah.

 

--Jura? – perguntou afetada – E por que? – cruzou os braços olhando para a outra

 

--Porque... – virou-se de frente timidamente – Não sou mulher de todo, né, amore? – cobriu a virilha com as duas mãos – Eu não tive coragem de encarar a cirurgia e... sinceramente nem sei se quero. – pausou brevemente – Aí fica essa coisa disforme... – sorriu constrangida

 

Aproximou-se da outra e segurou uma das mãos dela. – Vem cá. – conduziu para que se sentassem na cama – Se você não quer fazer a cirurgia, não faça. Deixa ele aí. – apontou discretamente para a virilha da outra – Você tem que ficar do jeito que se sentir melhor, amiga! E não tem isso de coisa disforme, pára com essas neuras! – aconselhou – Se algum bofe andou te dizendo isso na hora H...

 

--Ninguém falou... – interrompeu a outra e logo se calou – Desde que voltei dos Estados Unidos, não estive com ninguém. – assumiu – Aliás, faz tempo que não vou pra cama com alguém. – confessou

 

--Ai, não mente pra mim, bandida! – deu-lhe um tapinha no braço – E por acaso não te vi pegando os gatinhos pela night quando a gente sai? – lembrava – Uma diva não mente pra outra, fique sabendo! – gesticulou

 

--Não é mentira. Foram só beijos e nada mais.

 

--Gentem! – exclamou surpreendida – E por que isso? Cê anda com medo de ser rejeitada na hora H? – queria entender – Pois eu duvido muito que vá acontecer! – sorriu – É só deixar o bofe saber que você é trans pra evitar problemas.

 

Íris de cor,

Borboletas embrulham,

Só pra você, oferto o mais belo de mim,

Só pra você, fiz essa canção...

 

--Não é bem por isso... – abaixou a cabeça – Mas é porque... – respirou fundo para ter coragem de assumir – Eu me apaixonei por você! – levantou a cabeça e olhou nos olhos da jovem

 

Latifah estremeceu ao ouvir.

 

É amor, emoção,

Sons de trovão...

 

--No início era só admiração, vontade de ser igualzinha a você... mas depois virou amor. – falava com muita humildade – Eu sei que você não... – abaixou a cabeça novamente – Que você não quer nada comigo e vou respeitar se quiser se afastar, mas eu precisava te dizer. – confessou – E esse meu desânimo que você percebe é porque não aguento mais te ver ficando com esses carinhas. – os olhos marejaram – Eu morro de ciúmes e acabo me pegando com alguém pra não pensar, mas não dura nem quinze minutos... – pausou brevemente – Meu coração é só seu!

 

Peguei minha caixa de giz,

Estendi a mão, se deixa ir...

 

A jovem se emocionou com aquelas palavras. – Eu nunca na minha vida me apaixonei! – começou a falar – Tinha ficado a fim, com tesão, interessada, amarradona, mas não aquela paixão conectada no amor, sabe? – passou a mão nos cabelos – Quer dizer... eu nunca soube o que era isso de me apaixonar até você aparecer! - Khadija levantou a cabeça surpreendida – Mas só me toquei disso naquele dia que você tentou se matar. – tocou o rosto da outra com carinho – Quando pensei em minha vida sem você fiquei sem chão! – pausou brevemente – E demorei a aceitar... mas também tô completamente apaixonada!

 

--Ai... – gem*u

 

Deixa eu colorir suas paredes brancas...

Desvendar as dobras do seu coração de papel...

 

--Apesar de tudo era como se minha vida fosse simplesmente aquele branquinho básico? – a jovem dizia

 

Mel, veneno, mortífero, ingênuo,

Menina, você veio do céu...

 

--Me deixaria ser a sua cor? – Khadija perguntou receosa – Você, que traz minha esperança nos olhos?

 

Deixa eu colorir suas paredes brancas,

Desvendar as dobras do seu coração de papel...

 

--Eu nunca estive com uma mulher. – confessou – Cis ou trans. – aproximou-se da outra – Mas pra tudo tem uma primeira vez, né? – segurou-a pelos cabelos da nuca e a beijou com carinho

 

“Gentem, que beijo de diva!!!!!!!” – Khadija pensou embevecida ao retribuir

 

Deixa eu entrar, florir, fluir uma chance,

Se deixa ir, eu...

 

Latifah começou a despir a outra enquanto se beijavam e se movimentou para que se deitassem na cama.

 

--Ah... – Khadija gem*u ao sentir os lábios da amada explorando seus seios – Ai, como eu sonhei com isso! – ficou excitada

 

Deixa colorir,

Colore com a caneta do meu eu,

Deixa fluir,

Teu corpo estampado no meu,

Não vou cair,

No medo de não caber no teu verso,

Então eu meço, imerso, incerto...

 

Percebendo a excitação da outra, a jovem seguiu beijando seu abdômen até chegar na borda da calcinha.

 

--Será que você... – movimentou-se de costas se afastando – Não vai estranhar ver isso? Uma mulher com p*nis? – cobriu a virilha com as mãos

 

Deixa sorrir,

Teus traços são o meu melhor hotel,

Deixa sentir,

Tua voz é como leve cordel...

 

--Quer saber? – ajoelhou-se e removeu delicadamente as mãos dela de frente da virilha – Pois eu simplesmente acho essa ideia muito excitante! Adoro paradas ousadas! – puxou a calcinha da outra para baixo e se admirou com o que viu – E circuncidado, gentem? – sorriu e piscou para a outra – Curti! – segurou o sex* da parceira e se abaixou para prová-lo

 

Não vou fugir,

Se em ti encontro meu pincel,

Pra colorir, sorrir sem ser cruel...

 

--AH! – gem*u alto – AH! – deitou-se na cama fechando os olhos – Ai, Latifah, habibem... ai... – gemia – Eu te amo!

 

Deixa eu colorir suas paredes brancas,

Desvendar as dobras do seu coração,

De papel, mel, veneno, mortífero, ingênuo,

Menina, você veio do céu...

Majur (ft Hiran) - Náufrago [4]

 

***

 

Samir descia as escadas empolgado com a notícia de que Zorayde o esperava na sala.

 

--Nossa, mas que visita maravilhosa! – prestava atenção nos degraus  – Eu andava muito preocupado com a senhora e cheguei a pensar que... – ficou surpreso ao dar de cara com a ex sogra – “Meu Deus!” – pensou – “Como Zorayde está diferente! Parece até que rejuvenesceu!” – admirou-se

 

--Acredito que esteja surpreso de me ver nestes trajes. – a mulher usava um vestido preto de bolinhas brancas e tênis brancos – Mas tudo isso faz parte da guinada que dei em minha vida. – sorriu – Pensei que Latifah tivesse lhe dito algo a respeito.

 

--Ah. – sorriu sem graça – Ela me disse que vocês se encontraram no final do ano mas não entrou em detalhes... – falava a verdade – Disse que quando a senhora passasse aqui, eu iria ver. – não sabia o que dizer – Já jantou? Eu posso pedir a Margô que providencie algo leve e...

 

--Não precisa, Samir. – interrompeu-o com delicadeza – Eu já jantei e creio que você também. – aproximou-se do homem – Vim aqui lhe dizer algumas coisas. – parou diante dele – Ou nem dizer, não sei.

 

--Como assim? – não entendeu – “Ela me olha de um jeito...” – pensou ao suspirar

 

--Às vezes o silêncio fala melhor do que mil palavras! – segurou o rosto do homem com as duas mãos e o beijou furiosamente

 

“Minha nossa, que fogo!” – abraçou-a com força

 

Margô ia cruzando o corredor quando se depara com a cena. “Ih! Essa eu quero ver!” – escondeu-se atrás da cortina para fofocar

 

--Ah... – o homem respirou fundo quando o beijo se acabou – Dona Zorayde, a senhora é um vulcão! – exclamou admirado

 

--Sem o dona e o senhora, por favor! – beijou-o rapidamente e na sequência interrompeu o abraço – Essa era a primeira parte do que eu queria te dizer.

 

--E a segunda? – perguntou empolgado

 

SPLISH!

 

Sem que esperasse, Zorayde tascou-lhe um tapa cheio de raça na cara. – Esse foi por todas as palavras duras que um dia você disse a minha filha. E por ter demorado tanto a conceder o divórcio.

 

O homem sentiu-se zonzo e bambeou as pernas.

 

“Ui, que esse doeu em mim!” – Margô pensou

 

SPLASH!

 

Outro tapa com fé, dessa vez do outro lado do rosto. – E esse por todas as vezes em que bateu nela.

 

Samir quase se desequilibrou.

 

--E por fim! – a mulher continuou

 

PUFF!

 

Deu-lhe um chute entre as pernas que o fez cair no chão. – Esse foi por tudo isso junto e mais o tempo excessivo que deixou Latifah sem dinheiro.

 

“Coisa boa isso!” – Margô pensava empolgada

 

--Então, como diria o rei, acho bom saber que pra ficar comigo, vai ter que mudar! – segurou-o pela gola da camisa – Eu não admito violência comigo! – puxou e o levantou do chão – Daqui pra frente, tudo vai ser diferente! – olhava nos olhos – Você tem que aprender a ser gente!

 

“O seu orgulho não vale nada! Nada!” – Margô cantava mentalmente

 

--Você não sabe, nem nunca procurou saber! – continuava falando para o ex genro – Que quando a gente ama pra valer...

 

--Bom mesmo é ser feliz e mais nada! – abraçou-a com força – Nada! -- beijou-a com paixão – “Que mulher!” – pensou

(Trechos da canção interpretada por Roberto Carlos - Se Você Pensa [5])

 

“Olha...” – Margô não se cansava de fofocar – “Como diria dona Latifah, tô passada!”

 

***

 

Patrícia se despedia dos colegas de trabalho. Finalmente, depois de tanto se esforçar, poderia se sustentar com digital influencer, abrindo mão do emprego no escritório.

 

--Ai, gentem, vou sentir saudades de vocês! – abraçava um por um – Mas só um pouquinho, tá? – riu brevemente

 

--Não esquece da gente, Paty! – uma colega pediu – De vez em quando vem aí dar um alô!

 

--Vai ficar metida, não, viu? – um colega alertou brincalhão – Essa vida de eventos, TV, militância...

 

--Que é isso, gentem? – fez um gesto despreocupada – Minha fase de deslumbramento já passou. Caí na real total e hoje a militância é uma coisa que encaro em seu sentido mais puro. Sem aquela pretensão de querer ser venerada e tals. – dizia a verdade

 

--DONA PATRÍCIA! – Joelma gritou de dentro da sala – VENHA AQUI AGORA! – ordenou

 

--Ai, meus sais... – revirou os olhos – Pensei que a gente tava evoluída dessa fase!

 

--Aproveita que é o último dia disso aí! – um colega cochichou divertido

 

--Deixa eu ver o que ela quer. – foi até a sala da chefe e bateu no portal – Tô aqui. – cruzou os braços e se encostou na porta – É meu último dia, nem adianta me mandar correr pra onde quer que seja que eu não vou! – foi logo dizendo – “Tô rebelde!” – pensou

 

Achou graça. – Sente aí, por favor. – indicou uma cadeira – Não vou te passar tarefa alguma. Não teria o menor sentido.

 

Estranhou o pedido mas fez como solicitado. – E então? – olhava para a outra

 

--E então que eu sabia que esse dia ia chegar. – cruzou os braços – Nunca duvidei que essa firma era pequena demais pra você.

 

--Jura?? – surpreendeu-se

 

--É verdade. – debruçou-se sobre a mesa – E vou lhe dizer uma coisa. – olhava para a jovem – Não sou lésbica, mas te entendo muito mais do que imagina. - -desabafou – Sou mãe solteira e minha família me jogou pra fora de casa por causa disso. – pausou brevemente – Ralei muito, garota, e não foi fácil chegar até aqui. Mas cheguei! – balançava a cabeça – E meu filhote tá muito bem encaminhado. Entrou pra faculdade de engenharia nesse ano. Tá todo empolgado com a UFRJ! -- sorriu

 

--Eu não sabia... – sorriu para a mulher – Muito bom ouvir isso!

 

--E aí... – levantou-se da mesa – Logo que esse mês de março começou, mandaram me chamar. – olhou pela janela – Papai mal no hospital, mamãe com a saúde ruim... eles me pediram perdão! E me pediram pra finalmente conhecer o neto! – virou-se de frente para Patrícia mais vez – Depois de quase 20 anos de completo distanciamento!

 

Patrícia não sabia o que dizer.

 

--O mesmo vai ser com você! – gesticulou brevemente – Um belo dia, seja lá pelo que for, seus pais vão te procurar. – olhava para a ex funcionária – Mas enquanto esse dia não chega, não sofra mais nem um minuto por causa de rejeição, entendeu?

 

Ficou emocionada. – Tá bom... – sorria

 

--Não vai se despedir de mim com um abraço? – abriu os braços – CORRE!! – gritou divertida

 

--Ai, mas dessa vez é com gosto! – levantou-se correndo e abraçou a mulher – Tudo de bom pra você, Joelma! E parabéns por tudo!

 

--Sucesso, garota! Você merece!

 

Patrícia conhecia o lado humano de sua ex chefe pela primeira vez.

 

***

 

--Muito obrigada por tudo, mulher! – Abigail abraçava Érica com carinho – Fosse um anjo pra mim em todos os momentos, não sabe? – olhou para a outra ao romper o abraço – Desde que tia Quitéria me conheceu, mesmo sem que eu soubesse, tu cuidasse de mim de um jeito que vou morrer sem poder agradecer!

 

--Ora, que é isso? – sorriu envergonhada – Fiquei muito feliz em ver o quanto você progrediu e tô torcendo demais pra que seus projetos em Natal deem certo!

 

--Já deram! – respondeu de imediato – E até nisso me ajudasse!

 

--As negociações foram fáceis... – fez um gesto despreocupado – Não me agradeça tanto assim! -- respondia com modéstia

 

--Oxe, que fácil nada! – achava graça – Ói, fique sabendo que quando quiser ir pra Natal, sozinha ou com a família, estarei às ordens! – ofereceu

 

--Vou cobrar, hein? – brincou

 

--E pode cobrar! – balançou a cabeça confirmando – No mais, vou continuar deixando a admistração dos meus imóvel contigo, não sabe? E tua contadora tô querendo sequestrar modos de passar umas temporada mais nós em Natal. – explicava seus planos – E nesse meio tempo arrumo alguém por lá e te devolvo a mulher! – sorriu – Cheguei a conversar com ela e Carmem se empolgou!

 

--Eu sei, Carmem falou... – achou graça – Mas vamos resolvendo isso direitinho e sem afobação.

 

--Tá certa! – concordou

 

--E você viaja quando? – perguntou interessada

 

--No dia da mentira! Mas é verdade! – as duas riram

 

--E aquelas suas amigas? Vão com você?

 

--Oxe e se não vão? – Abigail respondeu enfática – Minha sócia e a companheira dela, não sabe? Não podia não ir!

 

--Sayzinha, eu tô tão animada! – Vera arrumava as bagagens – Nunca morei perto do mar! – falava como criança – Vi na internet que Natal é bonita que chega dói! – sorria

 

--E o melhor de tudo: imóveis num tamanho bom e preço ótimo! – arrumava as bagagens também – Acredito que a gente encontre logo logo uma boa casa pra comprar! – sorria também

 

--Abigail também tá procurando casa. – olhou para a esposa – Será que esse um mês de casa alugada vai ser suficiente pra gente encontrar uma casinha pra ser nossa?

 

--Se não for, a gente vê como vai ser. Mas te confesso que não tô preocupada. – fechou a mala – Nunca me vi tão relaxada diante de uma coisa importante como tô indo pra essa cidade. Parece até que Natal me chama!

 

--Natal, eu não sei. – Vera aproximou-se da outra e a abraçou pela cintura – Mas eu te chamo toda hora! – beijou-a

 

--Hum... – envolveu os braços no pescoço da outra – E eu não tenho escolha senão atender! – beijou-a

 

--VERA!!! – Guta batia na porta fazendo escândalo – O diabo da Tasmânia que dona Alcilene pensa que é cachorro tá comendo o pára brisa do meu carro!

 

Interromperam o beijo e riram. – Gente... – Sayruci encostou a cabeça no ombro da caipira e riu novamente

 

--VERA!! – a mulher continuava gritando

 

--Deixa quieto. – levantou o rosto da outra delicadamente pelo queixo – A gente já tá pra ir embora mesmo... – a caipira beijou-a novamente

 

Guta continuou berrando na porta até decidir resolver o problema por si mesma.

 

***

 

Uma vez que Vera se mudou, o único serviço que ainda prestava para Socorro e Paulinho fora interrompido, que era a venda de chocolates eróticos. Sem a receita obtida com o público LGBT, o casal foi forçado a meter a mão na massa...

 

Paulinho chegava na rodoviária para buscar um passageiro. – Onde será que ele tá? – dirigia lentamente reparando nas pessoas – Diz que é japonês, mas tem um monte aí! – resmungava

 

--Olha lá, pessoal! – um taxista apontou o carro e gesticulou para os colegas – Motorista de Iuba, vamos pegar ele! – chamou os demais

 

Paulinho percebeu que um grupo de homens vinha em sua direção e gritou apavorado: -- AHAH, meu Deus! – tentava manobrar para escapar

 

--Quebra o farol dele! – um taxista chutou

 

--Pega ele! – outro deu um soco no capô

 

“Minha Nossa Senhora!” – Paulinho tremia com vontade de chorar – “Que saudade de quando era Vera que fazia esses serviços!” -- pensou

 

Em outro bairro, Socorro penava tentando consertar o encanamento da pia do banheiro de uma idosa.

 

--A senhora é uma marida um bocado enrolada, viu? – a mulher reclamou – Aquela outra era bem melhor! – lembrava de Vera

 

--Calma, senhora, tô tentando. – pegou a chave de grifo e torqueou com fé – AH! – levou um jato de água pela cara

 

--Ai, meu Deus, tá molhando tudo! – a idosa se apavorou – Meu móvel, vai ter que me pagar outro, ai! – ficou nervosa – Meu Deus!

 

--Ah, mas que... – tentava estancar o vazamento – “Ai, Vera, como você faz falta...” – pensou agoniada – “Agora é nós aqui tendo que ralar...”

 

Fim do capítulo