Latifah e Sayruci despediam-se no aeroporto.

 

--Cê pegou todo mundo de surpresa nessa... – cruzou os braços – Achei fodástico, deixou geral sem ação, mas... – pausou brevemente -- Não ia nem se despedir de mim, daí... – abaixou a cabeça

 

--Entendi que você precisava de um tempo. – olhava para a jovem com carinho – E isso aqui não é um adeus! – destacou – A relação que tenho com você não compete com nenhuma outra. Você é minha filha, a coisa mais preciosa da minha vida! – falava com emoção – Vera é aquela por quem me apaixonei e com quem pretendo me reconstruir. – sorriu – Definitivamente não competem! Ninguém nunca competiu e nem vai competir com você, no espaço que é só seu!

 

Emocionou-se ao ouvir. – Você tem que partir pra cima nesse divórcio! – aconselhou – Papys não pode ficar de bacana e você passando perrengue por aí. – olhou brevemente para a mãe – Eu posso dar uns migué e depositar uma graninha na sua conta. – ofereceu – Impensável que justo a MINHA mamys vá passar fome em São Paulo, no way! – gesticulou – Ainda mais uma gourmet do seu nível!

 

Achou graça. – Não vou passar fome, não se preocupe com isso. – tocou o rosto da outra – E depois de tudo que aconteceu e mais estes mamys que te ouvi dizer, creio que você voltou a se lembrar que tem mãe, não é? – perguntou divertida

 

--Ai... – fechou os olhos brevemente e olhou para a morena – Eu pensei em tanta coisa pra te falar, mas não sai! – derramou uma lágrima – Conecta, Latifah, anda! – estalava os dedos para si mesma – Tô passada, fiquei sem palavras! – lutava para não chorar

 

--Vem cá, meu amor! – puxou a filha para um abraço apertado – Você não precisa dizer nada! – fechou os olhos – Eu te amo! Muito, muito, muito!

 

--Ai, mamys... – não se conteve e começou a chorar – Eu fui uma idiota, preconceituosa, escrota, abusada, ridícula, sem noção! – abraçou-a com mais força – Me perdoa por tudo que eu disse, me perdoa! – pedia com humildade – Eu não queria ter sido mais uma a te ferir depois de tudo que você passou! – chorava

 

--Está perdoada, meu bem. – acariciava a cabeça dela – Já passou, vamos esquecer. – não guardava mágoas – Já passou.

 

--Perdoa pelo modo como falei com você... – continuava chorando – Perdoa se ofendi aquela maluca que você ama...

 

Achou graça novamente. – Olha pra mim. – pediu – Latifah Ajami Hafeez não pode ficar chorando assim. – secava o rosto dela com as mãos – E os followers como é que ficam? – brincou – Dá rugas, viu?

 

Riu brevemente. – Eu te amo! – olhava nos olhos – E tenho muito orgulho de você! Sempre tive! – declarou-se

 

--Own, meu bebê! – beijou-lhe o rosto repetidas vezes – Inventa compromisso pra atender em São Paulo e vai me visitar, viu? – pediu

 

--Ah, mas é lógico! – passou as mãos no rosto e respirou fundo – Tem que conferir se você tá sendo bem tratada, qual é a daquela Vera, se tá tudo certo... – gesticulou – Ai dela que dê vacilo! Atiço meus followers pra perseguir e fazer vingança junto comigo! – ameaçou – Brinca, pra ver? – pensava na caipira

 

Sorriu. – Tenho que certeza que essa parte da perseguição dos followers vingantivos não será necessária! – segurou as duas mãos da filha – Dê uma chance a ela e quem sabe um dia poderão até ser amigas.

 

--Who knows? – respondeu descrente – Quando chegar em Sampa, liga, viu? E quando chegar na casa da outra também. – colocou as mãos na cintura – Aliás, ela vai te buscar no aeroporto? – queria saber – Cuidado, mamys, olha prum lado, olha pro outro! – advertiu – Se sentir que a coisa tá esquisita grita, faz um escândalo! -- gesticulava

 

--Tá bom, mamãe! – segurou o rosto da jovem com as duas mãos e beijou-lhe a testa

 

***

 

Som de metais (instrumentos de sopro)

Yes! It's so crazy right now! (Sim! Está tão louco agora!)

Most incredibly, (Mais incrivelmente),

It's your girl, guys, it's your girl, young! (É a sua menina, galera, é a sua menina, jovem!)

(You ready?) (Você está pronta?)

 

Abigail desfilava poderosa pelos corredores do Shopping JK Iguatemi. Vestindo um tailer amarelo e sapatos de salto da mesma cor, carregava bolsas de várias lojas por onde andou comprando e admirava as vitrines com seus óculos escuros da Cucci.

 

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no,

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no...

 

E tome de Abigail desfilar. E ela vira para um lado fazendo pose. FLASH

 

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no,

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no...

 

E vira para o outro, fazendo bico. FLASH

 

Yeah, it's history in the making, (Yeah, é história sendo feita),

Part two, it's so crazy right now... (Parte 2, isso é tão louco agora...)

 

--Vamos fazer uma depilação a laser? – uma jovem ofereceu

 

--Temos um tratamento inovador no combate à flacidez! – outra mulher ofereceu – Adeus celulites!

 

--O que seu cabelo tá precisando é de um bom relaxamento e luzes, muitas luzes! – um homem dizia

 

--Eu quero tudo, minha gente! – Abigail respondia estilosa – Eu vim pra divar, não sabe?

 

I look and stare so deep in your eyes... (Eu olho tão profundamente em seus olhos...)

 

Abigail infernizava na noite LGBT de São Paulo. Vestindo um tubinho curto, preto e brilhante, esbanjava charme sobre seus sapatos de salto alto no meio da mulherada.

 

I touch on you more and more every time, (Eu toco você cada vez mais e mais),

When you leave I'm begging you not to go... (Quando você sai eu te imploro para não ir...)

 

--Fica, fica, hum... – uma jovem paquerava sedutora

 

--Vem cá, gostosa! – outra mulher buscava agarrá-la

 

--Se aperreie, não! – Abigail jogava os cabelinhos – Pois acabei de chegar!

 

Call your name two or three times in a row... (Chamo seu nome duas ou três vezes seguidas...)

 

--Bigail, Bigail, Bigail!! – mulheres chamavam

 

--Sou eu! – gesticulava em cima da mesa – Bebida liberada pra toda saparia! – anunciou escandalosa

 

Such a funny thing for me to try to explain, (É algo tão engraçado para eu tentar explicar),

How I'm feeling and my pride is the one to blame, yeah, (Como eu estou me sentindo e meu orgulho é o único culpado, yeah),

 

Abigail mirou em uma jovem morena e decidiu que seria aquela. “É hoje!” – pensou fazendo arminhas com as mãos – “Vim pra matar!” – sentia-se bandida

 

'Cause I know I don't understand, (Porque eu sei que não entendo),

Just how your love can do what no one else can... (Como o seu amor consegue fazer o que ninguém mais consegue...)

 

--Sabia que eu fiquei apaixonada? – a bela morena declarava-se melosamente

 

--Ave Maria! – segurou-a pelo rosto e a beijou com raça – “Ô, mulher boa!” – a potiguar pensava

 

Got me looking so crazy right now... (Está me fazendo parecer tão louca agora...)

 

Abigail e a morena entravam aos beijos em um quarto de motel.

 

Your love's got me looking so crazy right now (your love), (Seu amor está me fazendo parecer tão louca agora) (seu amor),

Got me looking so crazy right now... (Está me fazendo parecer tão louca agora...)

 

Roupas eram arremessadas por toda parte.

 

Your touch got me looking so crazy right now (your touch), (Seu toque está me fazendo parecer tão louca agora) (seu toque),

Got me hoping you'll page me right now... (Me fez esperar que você entrará em contato agora...)

 

As duas mulheres se jogam nuas na cama, perdidas em um amasso intenso.

 

Your kiss got me hoping you'll save me right now, (Seu beijo me fez esperar que você me salvará agora),

Looking so crazy, your love's got me looking, (Parecendo tão louca, seu amor está me fazendo parecer),

Got me looking so crazy in love... (Me fazendo parecer tão louca, seu amor...)

 

Abigail segue uma trilha de beijos famintos pelo corpo da jovem até chegar aonde mais desejava. “É agora!” – pensou antes de mergulhar no sex* da parceira

 

--Oh!! – a morena gem*u excitada

 

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no,

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no...

 

A potiguar deslizava as mãos pelo corpo da amante sem deixar de se deleitar avidamente com o sex* dela.

 

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no,

Uh oh, uh oh, uh oh, oh no, no...

Beyoncé – Crazy in Love (feat. Jay-Z) – com uma pequena mudança no começo [1]

 

***

 

--Eita... – Abigail se espreguiçava na cama – Ai... – suspirou – Ruim de beber é isso... – abriu os olhos com dificuldade – Dor de cabeça... – olhou para o lado e viu que a morena ainda dormia – “Pia só que mulher boa!” – pensava satisfeita – “E a bicha já sabe fazer as coisa, Ave Maria!” – olhou para o relógio

 

--Hum... – a jovem acordava preguiçosa – Oi... – cumprimentou sorrindo ao se espreguiçar – Bom dia!

 

--Bom dia! – sorriu e a beijou nos lábios – Acordamo tarde. – olhava para a outra – Já são de dez da manhã. – informou ao se levantar

 

--Cê tem algum compromisso? – virou-se de lado e apoiou a cabeça em uma das mãos – Não podemos ficar mais um tempinho aqui?

 

--Tenho uma sessão de massagem modeladora pra daqui a pouco, não sabe? Sem contar as manicure! – começou a se vestir – Dá nem tempo de tomar um banho!

 

Suspirou. – Que pena! – levantou-se para se vestir também

 

Abigail pegou o celular e ligou para o motorista. – Bom dia, João Paulo, tudo bem? – apoiou o aparelho com o ombro para continuar a se vestir – Venha me buscar aqui no motel Delírios Infernais agora mesmo, pelas caridade. – pedia – Tenho que voar pro shopping, não sabe? – sentou-se na cama para calçar os sapatos – Isso. Até mais. – desligou e jogou o celular sobre a cama – Pra onde você quer ir, morena? Te dou uma carona. – olhou para a outra

 

--Pode me deixar no shopping mesmo. – vestia-se também – De lá me viro. – sorriu

 

Levantou-se e foi se ajeitar no espelho. – Pia só, nem perguntei. – olhava para a outra pelo reflexo – Qual é seu nome, hein?

 

--Carlotta. – sentou-se para calçar os sapatos – Te vejo de novo? – perguntou insinuante

 

--E por que não? – piscou para a outra – Agora vamo simbora. – pegou a bolsa e guardou o celular dentro dela – O tempo urge, dona Carlottinha! – foi até a morena e a beijou nos lábios – “E ainda quer me ver de novo, espie pra isso!” – pensou empolgada – “Eu sabia que meus dias de caritó estavam contados!”

 

***

 

Vera e Sayruci beijavam-se apaixonadamente. Nuas e sentadas na cama, uma de frente para a outra, entregavam-se em um delicioso amasso.

 

--Hum... – segurava a caipira pelos cabelos – Desde que cheguei nessa cidade acho que fizemos amor mais vezes do que fiz na vida inteira. – beijou-a novamente – Minha safadinha... – beijou-a mais uma vez

 

--Parece que vivo num sonho... – beijou-a – Tô tão feliz que chega dói... – deslizava as mãos pelas costas da parceira – Minha linda! – beijou-a mais uma vez e apertou as nádegas da morena com força dosada

 

--Ai... – gem*u ao sorrir – Você... – beijou-a nos lábios – É... – mordeu-lhe o lábio inferior – Uma mulher muito safadinha... – tocou suavemente os lábios da amante com dois dedos – E a gente tem que conversar, meu amor... – enroscou as pernas na cintura da outra com mais força – E conversar bem sério... – sorria

 

Beijava os dedos sobre seus lábios. – A gente conversa, uai. – sorria – Tô ouvindo. – abraçou-a pela cintura

 

--Vamos começar pela organização da nossa vida aqui. – mexia no cordão da amada – Aquelas joias que eu enviei são estimadas em um milhão de reais, ao todo.

 

--Ave Maria, eita boi! – arregalou os olhos – Bem fiz eu de ter deixado muito bem escondidas debaixo da pia!

 

Achou graça. – Elas serão um patrimônio pra gente investir em algum projeto nosso que venhamos a decidir qual será. – continuava mexendo no cordão da outra – Eu ainda tenho um dinheirinho em conta por causa de uma delas que vendi e vou vender mais uma pra gente ir se virando com ele enquanto der. – contava seus planos – Penso em buscar um emprego em algum restaurante daqui pra ter uma renda e ganhar mais experiência. Também posso me envolver em eventos, não sei. Vou tentar. -- mordeu o lábio inferior

 

--Ora, mas se você mostrar as fotos dos evento que já fez e mostrar sua experiência como gourmet, com certeza vai arrumar um emprego em dois tempo, uai! – respondeu confiante – Vamo visitar os shopping chique da cidade e sondar os restaurante. Ver na internet também... – pensava em possibilidades – O pessoal lá do grupo trans vai adorar te conhecer e quando é fé pode ir te arrumando alguns trabalho!

 

--Sim. – concordou animada – Agora eu quero falar do meu divórcio. – olhava para a parceira

 

--Ah, mas isso é pra ontem! – respondeu de imediato – Quero dividir você com ninguém não, uai! – afirmou com ênfase

 

--Hum, mas que possessiva! – segurou o rosto da outra com as duas mãos e a beijou repetidamente

 

--Depois fala... que é a caipira... que não deixa conversar... – falava entre beijos – Olha só isso... – brincava

 

--Tá! – parou de beijá-la e voltou a brincar com seu cordão – Como estava dizendo, tenho que tratar do divórcio mas preciso antes de um bom advogado. Todos os que conheço em Foz trabalham pra Samir ou maama.

 

--A gente procura alguém aqui, uai! – acariciava as costas da amada – Duvido que não se ache! Ainda mais nessa cidade grande que chega dói!

 

--Eu... – pensava em como dizer – Eu não quero nada que seja da família Hafeez... – mexia no pingente do cordão da outra – Seja o restaurante, o hotel ou a loja. Tampouco quero pensão de Samir!

 

--Faça como você achar que é o certo! – concordava

 

--E da família Ajami, que é a minha... – não olhava para a caipira – Maama conseguiu passar todas as ações do baba pro nome dela antes mesmo dele morrer. Isso deu um estresse com meus irmãos e eles moveram um processo... – achava uma situação absurda – Eu não me envolvi. – contava a história – Baba não era muito de ter patrimônio, sabe? Ele investiu basicamente tudo em ações das próprias empresas, tinha a mansão onde vivia, uma casa de veraneio em Mendoza e mais dois carros. – pausou brevemente – Já que maama ficou com todas as ações, e eu não quero saber da mansão e nem dos carros, sobraria somente a casa, mas se descobriu que, não sei como, ela tá no nome de um sócio dele. O homem deve ter dado um golpe em algum momento e ninguém percebeu. – olhou receosa para a amada – Em resumo, quero dizer que de Samir eu não desejo receber nem um centavo e da minha família não espero receber coisa alguma.

 

--Então tá então. – sorriu – Vai ser assim! – abraçou-a com mais força colando os corpos – Você manda, minha autora preferida! – beijou-a

 

Sorriu. – Você não se incomoda com isso? – perguntou melosa ao beijá-la – Hein?

 

--Tudo que eu queria, tá aqui. – mudou as posições e deitou-se por cima da morena – E fim! – beijou-a

 

--Não é à toa... que tem uma... faixa escrito... Fica Vera... na entrada desse prédio... – falava entre beijos

 

--Ah! – levantou a cabeça e acabou rindo brevemente – Pessoal do prédio me querendo de volta como síndica! -- explicou – É que renunciei o trem e meti o pé. Deu raiva, sabe?

 

--Hum... – arranhou as costas da outra bem devagar com as duas mãos – Que caipirinha brava, gente... – brincou – Você é uma menina má desse jeito? Fica brava e mete o pé? -- brincou

 

--Não provoca, Sayzinha... – brincou ao beijá-la – Não provoca... – deixou-se pesar sobre a amante – Vem... – beijou-a

 

--Vem, amor. – abraçou-a com força antes de beijá-la novamente – “Querer mais o que??” – pensou satisfeita

 

***

 

Patrícia estava em um estúdio modesto no centro de São Paulo para gravar uma live com pessoas trans.

 

--Boa noite, pessoas!! – acenava para a câmera – Hoje Paty Golezzo recebe dois convidados interessantíssimos que eu quero que vocês conheçam. – sorria – Com muito prazer, apresento Clara e Cemil!

 

--Boa noite, gente! – Clara saudou – Felicidade imensa estar aqui com vocês! – sorriu

 

--Boa noite, pessoal! – Cemil acenou – Tamo junto na militância! – saudou

 

--Agora eu gostaria que vocês contassem um pouco da sua história pro pessoal do Brasil afora conhecer. – Paty solicitou – Vamos começar pela Clarinha? – propôs

 

--Claro! Sou um cavalheiro. – Cemil concordou sorrindo

 

--Bem, gente, quê que eu posso dizer? – cruzou as pernas – Sou a Clara Parreira, tenho 34 anos, paulistana e sou nascida e criada no Itaquera. – olhava para a câmera – Eu nunca me identifiquei com o masculino, com a minha imagem no espelho, com o que se esperava de mim... – gesticulou – Na adolescência deixei o cabelo crescer, comecei a me vestir de um jeito bem feminino e isso começou a gerar muita briga com meu pai, com os moleques lá da rua, com os garotos no colégio, chegando a um ponto em que desisti da escola e depois fui expulsa de casa aos 18 anos. – contava sua história – Comecei a me prostituir pra poder sobreviver, passei muito perrengue e vi muitas amigas trans morrendo antes dos 30, fosse por causa da AIDS, fosse por violência. Até que um dia conheci um cara que era médico, ele fez vários programas comigo, e acabou me perguntando se eu queria fazer uma terapia hormonal pra virar mulher de todo, vamos dizer assim. – cruzou as pernas – Aí ele viabilizou o processo, comecei com a terapia, vivi altos e baixos com as minhas emoções e tamos indo. – sorriu – Ainda não terminou o tratamento e tem muita coisa, sabe? – passou a mão nos cabelos – Esse mesmo cara me arrumou um emprego numa loja e com isso saí da prostituição. Faz pouco tempo, mas saí. – pausou brevemente – Não estamos mais juntos, mas ele foi um anjo pra mim. – reconhecia – Não fosse isso nem sei o que seria de mim!

 

--Fico feliz em saber que agora as coisas estão indo bem pra você, Clara. – olhou para Cemil – E você, querido, o que nos diz?

 

--Meu nome é Cemil Nascimento, tenho 23 anos, nasci numa família de classe média-alta aqui em São Paulo e fui criado no esquema do balé-piano-canto. Sempre gostei de tudo isso, mas eu não queria ser uma mulher, entendeu? Queria ser um homem que dança balé, toca piano e canta o lírico. – explicava – Meus pais percebiam mas nunca aceitaram, até que chegou um momento que ficou insuportável e fui morar com minha madrinha, que me recebeu de braços abertos. – contava sua história – Comecei me vestindo e me apresentando como homem, aos 20 fiz a mastectomia masculinizante e depois iniciei a terapia hormonal. – passou a mão nos cabelos – Cara, no começo foi uma montanha russa mas agora me sinto bem de boas, bem tranquilo. Acho que acostumei. – sorriu -- Tive muita sorte porque minha madrinha me bancou em tudo, emocional e financeiramente. – olhava para a câmera – Mas nem assim fiquei livre dos perrengues na escola e em outros compartimentos da vida. Passei dois anos sem estudar nada e agora que tô voltando a fazer um cursinho. – apoiou os cotovelos sobre as pernas – Pra arrumar um trampo é uma merd*. Muitas vezes se interessam por mim, mas quando eu chego e apresento os documentos, já era!

 

--Também passei por isso! – Clara comentou – Antes da loja onde trabalho hoje, tentei sair da prostituição várias vezes, mas ninguém me queria.

 

--E por que isso, gentem? – Patrícia perguntou – Explica melhor, por favor.

 

--Quando você nasce mulher obviamente seus documentos te apresentam como mulher. Foto e nome femininos. Mas não é a tua realidade interior, entendeu? – Cemil explicava -- Aí você se constrói como homem, todo mundo olha pra você na rua e vê um homem, mas na hora de apresentar um documento, tá lá um nome de mulher. Cara, chegam a te acusar de falsidade ideológica! – olhou para Clara – Passou por isso?

 

--O que?? – revirou os olhos – Já aconteceu de chamarem a Segurança pra me expulsar do banheiro feminino, entendeu? – olhou para Patrícia -- Então não é simplesmente o fato de que nasceu José e quer o nomezinho da Maria. É simplesmente TODA uma identidade! É um assunto muito mais complexo que só querer mudar de nome!

 

--E, infelizmente, ainda temos os segmentos religiosos radicais declarando guerra às nossas pautas, como a questão trans, por entenderem que Deus lhes passou procuração pra fazer o que fazem! – Patrícia comentou

 

--Minha madrinha é kardecista e ela me diz que até nesse meio existe polêmica. – Cemil informou – Eu já li vários livros espíritas e observo que ela tem razão. Não sinto agressividade, mas há uma corrente no Espiritismo que nos cobra uma castidade forçada pra não dar vazão aos nossos sentimentos.

 

--A gente é julgado a todo momento, Paty! – Clara desabafou – Fui julgada por me sentir mulher, por me apresentar como mulher, por querer ser vista como mulher! – riu do absurdo – Tô prejudicando a quem? É a minha vida! – passou a mão nos cabelos – E muitos daqueles que me apontavam o dedo acusador diante dos outros, me procuravam pelas noites pra fazer programa. – olhava para a câmera – Agora responde quem faz papel de hipócrita aqui? Eu? -- provocou

 

--Também fui criticado por muita gente, muitas mulheres me olhando de banda, mas por baixo dos panos me buscando pra uma trans* diferente. – Cemil desabafou – As casadas então... – revirou os olhos

 

--Acho que a hipocrisia permeia tudo isso! – Patrícia comentou – Prova maior é essa intransigência em torno da aprovação da Lei de Identidade de Gênero! – acusou – Na hora de aprovar o aumento do próprio salário, de aprovar leis que ferram a classe trabalhadora ou que permitam o desmatamento e o uso de um arsenal de agrotóxicos rejeitados em vários países, eles sabem aprovar! Mas a Lei de Identidade de Gênero, né? Aí não!

 

Latifah assistia com atenção e se revoltava. – Eu nunca tinha parado pra pensar nessas coisas, gentem! – falava consigo mesma – É negar o direito de ser! Surreal! – estava impressionada – Chocada!

 

***

 

Sayruci entrou no banheiro e encontrou roupas espalhadas, além de uma toalha de banho esquecida no boxe. O chão estava um pouco molhado também.

 

--Mas que coisa! – colocou as mãos na cintura – Vera sempre deixa essa bagunça! – recolhia as roupas de cara feia – Quando ela chegar em casa, vamos ter uma conversinha sobre isso! – reclamava sozinha

 

--Que é que você tanto procura, hein, baby? – Natasha perguntou intrigada

 

Vera, Natasha e Veruska estavam na ONG e se preparavam para sair.

 

--É a caixinha onde guardei o cartão de memória da câmera! – a capiria mexia em todos os bolsos – Deixa ver se tá na mochila! – procurava nervosamente

 

--Não me diga que você perdeu? – Veruska cruzou os braços contrariada

 

--Perdi não, uai! – continuava procurando – Se não tiver aqui é porque deixei em casa! – não conseguia encontrar – “Sayzinha e essa mania de tirar os trem da onde eu deixo deve ter guardado essa caixinha em outro canto!” – pensava chateada – Acho que ficou em casa... – constatou envergonhada

 

--Sem chance de voltar pra buscar! – Natasha afirmou resoluta – Vamos passar na Paulista, comprar um cartão desse e partir pro trabalho! – decidiu – Perdão, amore, mas vou ter que descontar esse gasto da sua diária! – olhava para caipira

 

Deu um suspiro profundo ao colocar a mochila nas costas. – Então tá então... – não tinha o que dizer

 

***

 

--Ah, que bom que finalmente a senhora chegou em casa! – Sayruci foi logo dizendo – Todo dia eu tenho que reclamar das mesmas coisas, Vera? – cruzou os braços

 

--Boa noite pra você também, Sayzinha. – colocou a mochila e uma sacola de plástico sobre a poltrona – Já me recebe assim? – perguntou chateada

 

--E por que será, hein? – aproximou-se da outra – Fui tomar um banho e o banheiro parecia ter sido palco de uma batalha naval! – reclamava – Roupas espalhadas por todo lado, toalha jogada e tudo molhado! – olhava para a caipira

 

--Ah, é? – colocou as mãos na cintura – Sabe por que eu cheguei a essa hora? – olhava para a morena – Porque a senhora tira os trem do lugar que eu deixo e a caixinha do cartão de memória da câmera ficou aqui e não sei nem onde! – contava -- A gente teve que comprar outro cartão, descontaram da minha diária e esse atraso fez a gente pegar o maior engarrafamento na Marginal! – reclamava – Quase que perco a janela de tempo pra fazer o serviço!

 

--E a culpa é minha? – apontou para si mesma – Vivo procurando emprego, arrumo essa casa enquanto você não está, você é toda zoneada e a culpa por não saber onde colocou o cartão é minha? – respondeu chateada

 

--Mas eu sei onde tava, uai, no bolso da minha calça! – retrucou de pronto – E você tirou!

 

--Tirei porque até eu sei que não se deixa nada nos bolsos das roupas, porque estraga a máquina de lavar! – argumentou – E eu coloquei essa sua calça pra lavar porque a senhora, como sempre, a deixou largada de qualquer maneira no banheiro!

 

--E eu não pedi pra você lavar, Sayruci! – gesticulou mal humorada -- Você mal sabe fazer isso e mistura os trem que nem se deve misturar! – reclamou – Já manchou um tanto de roupa que eu nem posso mais usar pra trabalhar!

 

Ficou magoada com o que ouviu. – É, eu mal sei fazer, é verdade! – admitiu revoltada – Não tenho culpa se minha realidade foi outra e eu não tinha que fazer serviços domésticos! -- gesticulou

 

--E você sabia que minha realidade era essa! – continuavam discutindo – Eu sou pobre, moro mal, não tenho como bancar empregada e passo muitas hora do dia na rua trabalhando!

 

--Tá querendo dizer que eu não faço nada? – os olhos marejaram – E o pouco que faço é todo errado? – estava magoada – Tá bom, Vera! Eu vou te livrar de passar por isso! – seguiu para o quarto

 

--Ô, meu Pai do céu! – a caipira esfregou o rosto com as duas mãos e foi atrás da outra

 

“Ela é igual a Samir!” – pensava ao derramar algumas lágrimas – “Desvaloriza tudo que eu faço!” – abriu o armário – “Não aguento mais isso!” – começou a separar suas roupas – “Vou embora!” – estava triste

 

--Não faz isso! – Vera abraçou-a por trás – Eu te amo, me perdoa! – beijou a cabeça da morena repetidas vezes – Fica comigo, não vai embora! – sussurrou no ouvido – Não me deixa, não me abandona, por favor! – controlava-se para não chorar

 

--Eu não sou o tipo de companheira que você esperava... – Sayruci respondeu com tristeza

 

--Não fala assim! – virou-a de frente para si e segurou o rosto dela com as duas mãos – Não chora, por favor, Sayzinha, eu não quero fazer você chorar! – derramou uma lágrima – Perdoa as bestagem que eu falei! – beijou-a nos lábios – Perdoa! – tinha medo de perdê-la

 

--Você se arrependeu? – perguntou insegura

 

--Nunca! – abraçou-a com força – Eu nem teria do que me arrepender porque não perdi nada, muito pelo contrário, só ganhei. – pausou brevemente – Você é que pode ter se arrependido porque perdeu demais.

 

A morena abraçava a amada com medo. – Por favor, me perdoe também... eu nem te disse boa noite. – envergonhou-se – E não me arrependi em momento algum! Nunca!

 

--Vamos fazer assim, minha linda, -- rompeu o abraço delicadamente – eu vou tomar um banho, a gente lancha e daí tem uma conversa séria. – propôs – Eu comprei pão sírio e aquele queijo vegano que você gosta.

 

Sorriu. – Você tava chateada comigo por causa do cartão de memória e ainda comprou queijo vegano pensando em mim?

 

--Amor faz isso, uai. – sorriu também

 

Puxou a caipira pela gola da blusa e a beijou com carinho. “Não, ela não tem nada a ver com Samir!” – revisou sua opinião – “Minha caipira safadinha!”

 

***

 

Sayruci e Vera estavam sentadas na cama, uma de frente para a outra, com a morena no colo da caipira e envolvendo sua cintura com as pernas.

 

–Pronto. – envolveu-lhe o pescoço com os braços – Já fizemos tudo e agora podemos conversar. -- sorriu

 

--Você me perdoa pelo que eu disse? – Vera pediu humildemente – Eu queria que a gente se acertasse e não brigasse nunca mais! – abraçou-a pela cintura – E perder você, nem pensar! Só de imaginar, não dou conta! – olhava para a amada com carinho – Eu te amo!

 

Beijou-a demoradamente. – Não tem o que perdoar. Também te amo, sua caipira bagunceira.

 

Riram brevemente. – Eu morei sozinha por muitos anos... Acho que a pessoa fica meio largada. – admitiu envergonhada – Mas eu prometo que vou fazer um esforço pra mudar esse hábito ruim. – dizia a verdade

 

--Eu sei que tenho mania de limpeza... – Sayruci admitiu – E fico louca com a sua bagunça! – beijou-a rapidamente – Mas vou parar de mexer nas suas coisas... E se colocar a roupa pra lavar, presto mais atenção pra não misturar roupa que mancha com roupa que não mancha! -- sorriu

 

--Entende uma coisa, Sayzinha, você não tem que ficar limpando e arrumando os trem todo só porque tá sem emprego. As tarefa de casa é pras duas fazer. – falava com carinho -- Não fica agoniada, porque você não vai ficar desempregada a vida toda! – acariciava as costas dela – E em momento nenhum achei que você era um peso! – dizia a verdade – O que precisa aprender é a se enquadrar na nossa realidade. Você não pode comprar sem ver os preço, porque agora o dinheiro não sobra. – aconselhou – Só do tempo que chegou aqui até agora, você já gastou boa parte do seu dinheiro em produto vegano, trem novo pra botar na casa, creme de cabelo, um teclado chique pra tocar e corrida de táxi e de Iuba! – desejava alertá-la – Eu sei que é ruim, mas você precisa começar a usar transporte público também.

 

Abaixou a cabeça envergonhada. – De fato... Eu tenho que me policiar mais nisso. – mexia no pingente do cordão da amada – Eu não fui acostumada a me importar com o preço das coisas... – admitiu – Embora nunca tenha dado a mínima pra marcas e grifes, eu escolho tudo pela qualidade e muitas vezes acabo levando o produto mais caro. – pausou brevemente – E... eu nunca andei de transporte público. – olhou para a outra – Mas quero começar a usar.

 

--Eu vou com você até se acostumar a andar sozinha. – prometeu – E tem que tomar muito cuidado com bandido e com sujeito que gosta de se aproveitar das mulher. – aconselhou

 

--Você me defende dos tarados! – segurou o rosto da outra com as duas mãos e a beijou

 

–Se eu pudesse, você não ia precisar passar aperto! – acariciou a cabeça dela -- Você é a beleza da minha vida e eu não quero nunca mais te fazer chorar! E não vou mais fazer! – prometeu com sinceridade – Só se for de emoção!

 

--Own, minha caipirinha fofa! Nem eu quero te magoar! – beijou-a – Também não quero te perder. – beijou-a novamente

 

--Não vai perder! – afirmou convicta – Mas falando nos tarado... – inverteu as posições e deitou-a na cama – Não deixo nenhum chegar perto de você, -- deitou-se sobre a morena -- mas as caipira tarada... – beijou-a – Essas aí, quando vêm, nem o Bicho Ruim segura! – brincou ao beijá-la novamente

 

--Eu AMO essas caipira tarada! – tirou a blusa da parceira – Safada! – mordeu-lhe o lábio inferior

 

--Ainda nem comecei, uai! – apertou-lhe a coxa com força – Deixa pra me chamar de safada com motivo pra isso... – beijou-a com paixão

 

***

 

Carol Delliah participava de um evento LGBT no MGCentro, em Belo Horizonte. Durante a confraternização foi abordada por uma jovem loura muito atraente.

 

--Tenho a honra de conhecer a magnífica Frog Kruger ou tô sonhando? – aproximou-se com dois copos de coquetel – Um brinde a isso? – ofereceu

 

“Que deliciosa!” – pensou interessada – Brindemos, com toda certeza! – aceitou sorridente ao pegar o copo – Converso com quem? – sorriu

 

--Teodora Blumberg, -- sacou um cartão de apresentação do bolso do blazer -- promoter, especialista em TV, cinema, música e literatura LGBT, a sua disposição! – piscou

 

--Ora, que maravilha! – gostou de saber – E o que te trouxe para BH? – guardou o cartão na bolsa

 

--Você deve saber que Mayara Cadú tá em turnê e acabou de se apresentar aqui na cidade. – pegou o celular – Ela me pediu uma força. – exibiu-se – Trabalhei com ela outras vezes e sabe como é. – mostrou o visor para a outra – Essa foto foi tirada ontem, no show de encerramento. – sorriu – Pode passar adiante que verá fotos ao longo da turnê.

 

Ficou surpreendida. – Nossa, você não é fraca, não. -- segurou o celular da loura – E pelo jeito ela te adora! -- reparava na foto

 

--Gratidão, sabe como é. – jogou os cabelinhos

 

--Gente, olha isso! – arregalou os olhos – Cassiano Meloso, Val Tosta, Nilton Passamento, Roberto e Branca Lil... todo mundo aqui contigo! – estava pasma

 

--Vieram prestigiar o show de Mayara. – continuava se exibindo -- Foi um inferno, porque as agendas são loucas! Mas liguei pra um por um, pedi com jeitinho, e eles me atenderam. – sorriu – Amizade!

 

Devolveu o celular para a outra. – Inegável que você tem muitas influências. – comentou impressionada – E agora que a temporada dela em BH acabou, o que te mantém aqui? – perguntou curiosa

 

Guardou o celular. – Você! – olhava nos olhos -- Não viajei com o resto da turnê por saber que você estaria aqui. – falava sedutoramente – Sou sua fã, devoro todos os seus contos, comprei seus livros e babei por você no Congresso inteiro lá em São Paulo! – segurou uma mecha do cabelo da outra – Mas tão cercada por belas mulheres nem pude me aproximar... – fez um charme – E aqui mesmo tive que esperar ansiosamente pra chegar perto...

 

“Arrumei uma fã super gata e poderosa!” – pensou satisfeita – Então valeu a pena esperar. – caprichou no olhar – Porque estou cem porcento pra você a partir de agora!

 

--Ui... – abanou-se – Sabia que fiquei... – lambeu-se – toda molhadinha?

 

Bebeu um gole. – Eu também... – lambeu-se da mesma forma

 

--Bebe esse drinque e me leva pra sua casa agora! – bebeu tudo de um gole só – Eu quero viver todas as loucuras que já li nos seus contos! – falava cheia de desejo – Me joga na parede e me chicoteia com a língua! -- pediu sedenta

 

“Gente, que animal!” – pensou excitada – Por que a minha casa e não o seu hotel? – bebeu mais outro gole

 

--Você ainda não entendeu! – aproximou-se mais – Eu estava no aeroporto e quando soube que você estaria aqui, larguei tudo e vim! – olhava nos olhos – Tô sem pouso, sem mala, sem nada! – aproximou-se do ouvido da autora – E sem calcinha, inclusive. – sussurrou

 

Carol bebeu tudo de uma vez só e decidiu. – Vem comigo! – segurou a loura pela mão

 

Deixaram os copos com um garçom e partiram.

 

Horas depois...

 

--Ai... – respirou fundo – Puta que pariu, parece até que um trator me atropelou... – resmungou ao se espreguiçar – Gente, não lembro de nada... – olhou para os lados – Teodora? – chamou em vão – Teodora? – sentou-se devagar – Que foda foi essa que eu não consigo me lemb...? – olhou ao redor – AHAHAHAH!!!!!!!!!! – berrou apavorada

 

***

 

Frog Kruger e Crisálida Manhães conversavam em um boteco no Savassi.

 

--Mas deixa eu entender isso, -- Crisálida pedia – você conheceu a tal no evento, levou ela pra casa e apagou? – olhava para a colega

 

--Quando ela me abordou, chegou com dois copos de bebida. Na certa colocou alguma droga no meu. – explicava – Do MGCentro pra minha casa demorou um pouco, mas eu tava bem, a gente veio até fazendo umas... estripulias no carro, sabe? – passou a mão nos cabelos

 

--Com você dirigindo? – perguntou desconfiada

 

--Ah... – cruzou as pernas – Adiantar as preliminares...

 

--Sei, mas e aí? – queria saber

 

--E aí que chegamos no prédio, pegamos o elevador aos beijos e já na hora de abrir a porta comecei a ficar grogue. – contava o que ocorreu – Depois disso não me lembro de mais nada.

 

--E quando acordou, a mulher já havia picado a mula? – deduziu

 

--Pois é, mas não sem antes me roubar! – cruzou os braços contrariada – E prestenção que ela me roubou que nu! – começou a enumerar -- Levou meu notebook, a TV de tela plana, o celular, todo o dinheiro que eu tinha em casa, cartão de crédito, boa parte das minhas roupas e sapatos, todos os meus sutiãs, três pacotes de biscoito recheado, um quilo de queijo Minas, dois pacotes de pão de queijo que tavam dentro do congelador, um pano de prato, duas caixas de sabão em pó e de amaciante! – gesticulou

 

Ficou pasma. – Mas que tipo de ladra é essa?? – não entendia – E fez como pra levar isso tudo?

 

--Deve ser porque roubou duas das minhas malas! – pausou brevemente – Mas o pior de tudo você não sabe! – tentava não chorar – Ela roubou até minha gata persa! – levou uma das mãos aos lábios – E o pior é que a danada aceitou ir com aquela... aquela desgraçada! – derramou uma lágrima – Não se pode confiar em gata nenhuma, vou te contar! – chorava – E eu me dedicava tanto a ela...

 

--Ah, vem cá. – aproximou-se mais para a outra chorar em seu ombro – Own, não fica assim... Na certa a golpista deve ter dado alguma droga pra sua gata ficar tão grogue quanto você ficou... – consolava a colega – Calma, fica calma...

 

--Ela chegou se fazendo de fã apaixonada e tudo que queria era me roubar... – chorava – E levou minha gata, ah... – chorava

 

Crisálida respeitou o desabafo da outra mas depois que percebeu que se acalmava resolveu perguntar: – Você foi à polícia? Prestou queixa desse golpe?

 

--Claro que não, né? – pegou um guardanapo para secar o rosto – Imagina se ia pagar um mico desses! Ainda mais eu, uma advogada criminalista! – fungou – Não queria servir de chacota pra policial! – abaixou a cabeça

 

Reparava no semblante da outra. -- Escute, preste atenção em mim agora. – pediu – Vamos aproveitar o que aconteceu como um aprendizado, até porque você não vinha se conduzindo muito bem, perdoe dizer.

 

--Por que diz isso? – olhou desconfiada

 

Sorriu. – Ora, Carol... E você não sabe o que vinha fazendo? – perguntou com mansidão – Você escreve histórias super sensuais, mexe com a imaginação e a libido das leitoras, que sempre idealizam a gente, e aí não pensa duas vezes antes de se aproveitar disso e jogar as mais bonitas e gostosas na cama. – estava sendo sincera – Claro que tem aquelas que estavam curtindo tanto quanto você, mas houve as que acreditaram, se envolveram e saíram magoadas. – pausou brevemente – Sem contar de que há que se ter cuidado. Não se pode levar pra casa alguém que se acabou de conhecer e nem se deve ir pra cama, tampouco. Sexo não é coisa pra se brincar, meu bem.

 

Ficou sem graça e abaixou a cabeça. – Já li suas histórias, Cris. Sei como pensa sobre essas coisas...

 

--Não estou te condenando, apenas te dando um toque de amiga. – ergueu o rosto da outra com carinho – Faça disso que aconteceu um aprendizado e não brinque mais com os sentimentos dos outros. Nem se exponha tanto. – aconselhou -- Você brincou com fogo por muito tempo, aí apareceu uma que te fez sair queimada.

 

Carol ficou pensando naquelas palavras.

 

***

 

Vera e Sayruci conversavam no shopping Cidade Jardim. Seguiam caminhando lado a lado.

 

--E então? Como foi lá? – perguntou interessada

 

--Eles trabalham comida francesa e italiana com um toque contemporâneo e eu falei da minha experiência com essa culinária, assim como minha especialidade na culinária árabe e em alimentação vegana. – gesticulou um pouco – Achei que eles ficaram meio impressionados mas... não vai acontecer. Não estão precisando de gente. – deduziu

 

--A gente continua procurando, não tem problema. – respondeu incentivando – Você tem bom currículo, já postou o trem no LinquemIm e há de aparecer uma oportunidade!

 

Sorriu para a amada. – Se Deus quiser! – segurou a mão dela – Mas tem que ter paciência e muita sola de sapato! – brincou – “Procurando tanto e nada aparece!” – pensou preocupada

 

“Eita, que ela segurou minha mão no shopping!” – ficou toda prosa

 

Nisso, uma mulher vestindo um tailer rosa choque e sapatos da mesma cor desfilava de braço dado com uma bela mulher negra de corpo escultural.

 

--Uai? – levou um susto – Aquela ali é Abigail? – reparava na mulher – Tá loura? – estranhou – “Ou cabelo multicor, luzes, sei lá o nome desse trem!” – pensou intrigada

 

--Abigail? – Sayruci não sabia quem era

 

--Eu acho que é! – continuava reparando – Vou chamar ela pra te apresentar. – olhou rapidamente para a amada antes de acenar – Ei! Abigail! -- sorriu

 

Ao ouvir seu nome, a mulher baixou os óculos escuros e reconheceu sua ex assessora. – Vera! – sorriu – Que surpresa! – olhou rapidamente para sua parceira – Vem, By, te apresentar a uma amiga.

 

--Vamos. – a mulher concordou de má vontade

 

--E não é que é ela mesmo? – deu beijos de comadre – Deixa eu te falar, essa é Sayruci! – apresentou orgulhosa – O amor da minha vida! – sorriu

 

A morena ficou toda prosa com o que ouviu. – Tudo bem? – sorriu ao estender a mão – Prazer!

 

--Tudo e você? Prazer também. – apertou a mão da outra e deu beijos de comadre – “E não é que Vera conseguiu se pegar com uma dos zóião verde lindo?” – pensou surpreendida – Conheçam minha By! – apresentou a namorada – O nome é Bianca, mas eu chamo de Byonção, ou By pras íntima, por que já parece aquela cantora, não sabe?

 

--Oi, pessoas! – a mulher deu beijinhos de comadre no ar – Prazer! – sorriu forçadamente

 

“Simpática, a moça...” – Sayruci pensou ironicamente ao sorrir

 

“Bicha mais metida!” – Vera pensou também

 

--Nós tamo indo pra uma jantinha no restaurante de comida grega que tem aqui. Vamo lá mais nós? – Abigail convidou – São minhas convidada e faço questão! É por conta da casa! – riu brevemente

 

Vera e Sayruci se entreolharam. Na verdade, estavam morrendo de fome.

 

--Então tá então! – a caipira respondeu

 

A morena só balançou a cabeça.

 

***

 

--Então... – bebeu um gole de vinho – Quer dizer que você é a misteriosa Khaalii? – estava pasma – E fosse casada e rica mas por causa de Vera largasse tudo pra vim viver mais ela aqui? – reparava na mulher – “O que diacho de borogodó que essa caipira tem?” – pensou intrigada

 

--Eu passei a vida inteira oprimida nas mínimas coisas e o casamento com Samir era, sem dúvida, a maior de todas as opressões. – contava – Mas aconteceram fatos que foram me ajudando a amadurecer, a ter mais coragem e conhecer essa caipira safadinha, – olhou para a amada -- sem dúvida foi um divisor de águas! – sorriu – Fez com que eu recuperasse a auto estima, me sentisse viva de fato e criasse forças pra me libertar. – voltou a olhar para Abigail – Escrever contos foi e tem sido uma experiência libertadora pra mim sob todos os aspectos.

 

Vera suspirou apaixonada antes de dar uma garfada. “Melhor autora do mundo!” – pensava orgulhosa

 

--É... – balançou a cabeça pensativa – E você tá feliz agora, mulher? – reparava no casal

 

--Sim! Completamente! – bebeu um gole de vinho – Sob o Pranto de Zayah vai ter um final muito feliz! -- sorriu

 

--Agora só falta ela se separar! – a caipira comentou – Tamo procurando um advogado de confiança pra cuidar do processo. – bebeu um gole de suco – E aí ela vai ser toda minha!

 

--Isso eu já sou, meu bem! – beijou a bochecha da amada, que corou

 

“Elas parece que se ama um tanto mesmo!” – Abigail pensou com uma pontinha de inveja

 

--Mas conte de você! – Vera limpou os lábios com o guardanapo – Que te aconteceu que você mudou tanto que chega dói?

 

--É uma longa história mas vou resumir. – cruzou as pernas – Conheci uma tia maravilhosa que infelizmente faleceu em agosto desse ano. – limpou os lábios com o guardanapo – Mas ela me deixou uma herança arretada e tive que vir pra cá modos de entender o que herdei, como funciona as coisa, não sabe? – explicava – Aí... – gesticulou – Comecei a me cuidar, conhecer os lugar, as pessoas... – olhou para a namorada – E numa danceteria LGBT conheci essa gostosona aqui, não é, By? – sorriu para ela

 

--Ah, é! – sorriu sem saber sobre o que conversavam – Total! – soprou um beijinho para Abigail e deu uma garfada – Melhor coisa! – voltou sua atenção para o celular que ganhou de Abigail

 

--E os contos? – Sayruci perguntou – Depois de Lésbicas da Faraó você não postou mais nada. – limpou os lábios com guardanapo – Está trabalhando em algum projeto novo?

 

“Olha a concorrência já urubuzando meu sucesso!” – pensou desconfiada – Até estou, mas prefiro não comentar, visse? – sorriu – Mistério é meu sobrenome!

 

“Lá vem ela com esse trem de mistério!” – Vera pensou revirando os olhos

 

Achou graça. – Está certa. – a morena concordou – Bem, eu desejo muito sucesso e que a escrita te seja prazerosa como é pra mim. – falava com sinceridade

 

--Diz aí, mulher. – a potiguar se debruçou sobre a mesa – Quantas dedada por dia você dá em cada conto?

 

--É o que?? – achou graça – Como assim?

 

--Dedada? – Vera também não captou

 

--Oxe, mulher, somos duas autora renomada, dividimo o mesmo métier! Não tem porque fazer segredo dessas coisa, não sabe? – estudava o rosto da outra – Como que tu conseguisse aquele tanto de leitura? – queria saber

 

Não sabia o que dizer. – Ah, eu... escrevi, postei e foi isso. – dizia a verdade – Não teve essa parte das dedadas. – riu brevemente

 

--Então, você quer dizer que cada leiturinha ali foi de uma leitora real?

 

--Creio que sim. – continuava achando graça -- Descontando as leituras de revisão que eu dou depois que posto cada capítulo, pra corrigir os erros de português, o resto é das leitoras.

 

--Hum... – espremeu os olhinhos – E a patotinha? Qual é a sua? – continuava sondando – Quem é tua promoter?

 

Vera deu um suspiro profundo. “O tempo passa e ela não aprende! Nem ficando rica deixou essas bestagem de lado!” – pensou

 

--Querida, eu sou uma autora anômina ainda hoje. – respondeu com mansidão – Não tenho patota e tampouco promoter. Nunca nem tive!

 

“Eu já sei o que foi! A aura dela de mistério foi mais bem trabalhada que a minha...” – pensava – “Foi aí que eu errei! Devia ter ido no Congresso disfarçada de fã de Gail e não montada de Gail!” – concluía

 

--Hum! – Bianca terminava de jantar – Amoreco, pede a conta e chama o motorista pra gente ir pra Pink Space? – olhou para a potiguar – Vi aqui no Fuçagram que hoje vai bombar! – sorriu sensualmente – Vamos meu moranguinho do nordeste?

 

Suspirou embevecida. – Vamos, cabrocha! – sorriu e olhou para as amigas – Querem ir mais nós? Infernizar na night? – convidou

 

--Obrigada, querida, mas estou desde cedo na rua e prefiro descansar em casa. – olhou para Vera – A menos que você queira...

 

--Anêim, Sayzinha. – negou educadamente – Hoje rodei pelo Iuba por um tempão... tô no pique de farra, não. -- olhou para Abigail – Mas vamo manter contato. Meu número você tem, depois passa um QQOV? pra eu gravar seu número novo. – pediu

 

--Tá certo. – acenou para o garçom – E olhe, Sayruci, como você foi a primeira fã que me deixou comentário e me deu força, vou te dar uma força também. – o garçom se aproximou – A conta, pelas caridade. – pediu e o homem foi providenciar – Tenho uma advogada muito boa e honesta e vou pedir pra ela arrumar alguém pra cuidar de teu divórcio! – gesticulou – E vou falar com as socialite de minha patota pra te recomendar um restaurante chique pra trabalhar, não sabe?

 

Ficou feliz com o que ouviu. – Nossa, obrigada! – sorria de orelha a orelha – Nem sei como te agradecer!

 

--Ave Maria, também agradeço por demais! – Vera sorriu igualmente empolgada – E você já tem até patota de socialite? – achou graça – “Por essa eu não esperava!” -- pensou

 

--E não tenho? – respondeu orgulhosa – Aquele tempo em que eu vivia que nem uma lançadeira de máquina correndo por lá e cá, se acabou, minha filha! – jogou os cabelinhos – Agora eu tô é chique!

 

Sayruci reparava na potiguar. “Só espero que você não demore muito a perceber que dinheiro não compra tudo.” – pensava – “A começar por amor!” – olhou para Bianca – “Essa aí, sem dúvida, só está pensando em se dar bem...”

 

***

 

Latifah gravava um vídeo para o canal no SeuTubo. Caminhava pela trilha do Poço Preto, próxima ao local onde havia discutido com a mãe. Segurava o celular com uso de um pau de selfie.

 

--Vocês devem tá pensando que eu surtei! – olhava para a tela do celular – Latifah Ajami Hafeez em trilha?? Varlejando pelo meio do mato? – gesticulou -- Não combina, by the way, mas tem uma razão pra isso. – pausou brevemente – Vários seguidores têm me perguntado sobre um babado fortíssimo que envolve o nome da minha mamys, separação e um escândalo básico que rola aqui em Foz com o nome da minha família. – passou a mão nos cabelos -- Gente que me pergunta: -- preparou-se para mudar voz – Latifah, é verdade que tua mãe é lésbica, daí? E você é defensora da causa LGBT e não diz nada, como pode isso? – parou de andar – Então agora eu vou falar qual é a real dessa treta e preparem-se, porque vai ser no melhor estilo verdade nua e crua!

 

--Gentem, que babado é esse? Dona Sayruci é lésbica? – Ihab assistia dos Estados Unidos – Essa eu quero saber! – prestava atenção

 

--Eu comecei a me envolver com o público LGBT quase que por acidente. Tudo começou por falar de moda, maquiagem e tals, até que chegamos onde estamos. – olhava para a tela – E eu gostei bem, porque o número de followers só crescia e tudo que eu fazia era pensando nisso, em bombar na rede. – assumia a verdade – Tá, isso é escroto, vergonhoso, mas tô aqui pra mandar a real, não quero mais fazer um tipo. – caminhou um pouco mais -- Ao mesmo tempo, confesso que eu não dava muito espaço pra mamys chegar e se abrir comigo, daí. – gesticulava -- E também nem me conectava pra sacar que ela vivia trancada, sofrendo num inferno dentro de si mesma! Cheguei a ponto de saber que ela era vítima de violência doméstica, -- pausou brevemente para conter as emoções – e me limitei a ameaçar de denunciar o papys no meu canal sem a menor intenção de fazer isso. – confessou – E empatia zero pelo sofrimento da mamys! Sem um diálogo como tinha que ser, sem aquela coisa de mãe e filha, sabe? – assumiu – Depois de um lance muito triste que rolou lá em casa foi que passei a ver isso muito bem!

 

--Passada! – Ihab disse para si mesmo – Tô passada!

 

--Tudo foi acontecendo muito rápido, -- gesticulava -- até que um belo dia mamys teve uma crise e foi internada numa clínica psiquiátrica mega cafonérrima daqui da cidade! E sabem por que? Simplesmente por ser homossexual! – denunciou – Eu não sabia, mas na família tinha gente que tava por dentro disso aí.

 

--Internada?? – Ihab se revoltou – E logo dona Sayruci, super estilosa, internada numa clínica desse tipinho? Dupla sacanagem!

 

--Acabou que eu descobri o motivo da internação e pressionei pra trazer a mamys de volta. – continuava contando – E claro que consegui, né, gentem? Brinca comigo pra ver no que dá!

 

--Ai, maravilhosa, poderosa! – Ihab gritou com empolgação – Diva!

 

--So what... é aí que esse lugarzinho meigo onde me encontro entra em cena. – seguia para o local da conversa – Exatamente aqui, nesse meio de mato, mamys e eu tivemos a conversa mais tensa das nossas vidas, sabe? – emocionou-se – O lugar tem história na vida dela. Uma história bonita e romântica de infância. – lembrava do que ouviu – Aqui, nesse lugar, ela se descortinou, se abriu pra mim. De um jeito tão sincero, manso, humilde... do jeitinho que ela é... – derramou uma lágrima – E eu fui uma escrota, falei um monte de merd* e tomei um merecido tapa no meio da lata! – pausou para se conter – Depois vieram outras conversas e eu finalmente entendi que ela não precisava me pedir licença pra ser quem ela é! Nem pra mim e nem pra ninguém! – derramou outra lágrima – E super apoiei quando ela saiu de casa em setembro pra viver em outro lugar com alguém por quem se apaixonou! – secou os olhos com a ponta dos dedos – A gente se fala por QQOV? todo dia, daí!

 

--Que história linda! – Ihab se emocionava – Amando muito tudo isso! – bateu palminhas

 

--E com tudo isso, finalmente eu me envolvi de verdade na causa LGBT! – estava sendo sincera – Agora, e só agora, posso dizer que nunca vou saber o que vocês sentem, mas apoio, respeito e defendo até a morte o SEU – apontou para a tela – direito de ser! O de cada um de vocês!

 

--Tamo junta amiga! – Ihab deu um soquinho na tela do computador

 

--E essa é a verdade. Respondi as perguntas que me fizeram de um jeito mega verdadeiro e transparente! – pausou brevemente – Se de agora em diante não quiserem mais me seguir ou ficarem bolados comigo, vou entender. – olhava para a tela – Mas hoje posso dizer que aprendi a não olhar somente pro meu próprio umbigo! E isso é real. – soprou um beijo – Fico por aqui. Kisses! – encerrou

 

--Assim que eu voltar pro Brasil, a primeira coisa que vou fazer é conversar com Latifah! – Ihab decidiu – E sabendo que até dona Sayruci, a pessoa mais discreta que eu conheço, resolveu sair do armário, fico pensando se eu também não podia fazer a mesma coisa! – pensava em possibilidades

 

***

 

Samir chorava no colo de Zorayde.

 

--Eu não consigo mais andar nas ruas de cabeça erguida, minha sogra... – chorava – Sirvo de chacota pra cidade inteira... – encolheu-se como um garoto -- Primeiro fui abandonado pela esposa sem mais sem menos, depois a fofoca que vazou sobre a condição de Sazii e agora foi esse tal vídeo de Latifah que jogou a pá de cal sobre mim! – sentia-se arrasado – Ontem duas mulheres cuspiram no chão ao me ver. – lembrava – Ah, eu quero morrer... ahahah... – chorava

 

--Calma, meu filho, calma... – ninava o homem

 

--Até meus pais foram viajar pra fugir disso... – continuava chorando – Mas eu não posso me ausentar... ah, que miserável sou eu, meu Deus...

 

Sentia pena do homem. – Eu entendo sua situação, querido. – acariciava a cabeça dele – Também sinto essa mesma tristeza, essa mesma vergonha e não atendo a mais nenhum evento em sociedade. – mirava um ponto no infinito – As pessoas que sabem que fui eu a internar Sayruci têm me hostilizado de uma forma tão dura, que... Já tive duas crises de choro. – confessou -- Até a clínica foi alvo de retaliação. Soube ontem que um grupo de manifestantes simplesmente quase destruiu o lugar com pedras e pauladas... Parece que o doutor Salim até pensa em desativá-la e sumir daqui. – pausou brevemente – Não vamos nos pronunciar sobre todas essas coisas, não façamos enxame com tudo isso pois já se fez muito alarde. – aconselhou – Nada dura pra sempre e um dia as pessoas esquecerão.

 

Samir nada respondeu.

 

--Também fiquei muito magoada com Sayruci, pensei em fazer mil coisas, mas desisti. – dizia a verdade – Devemos deixá-la ficar onde quer ficar. Não vale mais a pena insistir. – suspirou – Dê o divórcio que ela quer e busque se reconstruir. É o remédio...

 

--Eu não vou facilitar... – respondeu fazendo birra

 

–Creio que quanto mais insistir nessa posição, mais tempo levará pro escândalo passar e por mais tempo você será hostilizado. Nós seremos!

 

Pensava no que ouvia. – Também não vou facilitar pra Latifah. – fungou – O tempo em que sobrava dinheiro na mão dela acabou desde que Sazii saiu daqui! – falou magoado – Até as joias dela eu confisquei!

 

--Eu entendo. Latifah acabou indo longe demais... – comentou magoada – “Ao menos não disse naquele maldito vídeo que fui eu quem internou Sayruci. Pelo menos isso!” -- pensou

 

***

 

--Rita! -- Jailson chegava na recepção correndo – Pia só isso aqui! – trazia uma revista nas mãos

 

--Que foi, homi? – levou um susto – Que revista é essa?

 

--Uma hóspede largou lá na piscina! – passou para a parte de dentro do balcão – Pia só quem me apareceu tirando onda em plena revista Fuças! – mostrou

 

--Oxe! – levou um susto – Deixe ver isso, homem de Deus! – parou para ler

 

A Nova Elite de São Paulo Bomba!

Festa do DJ Pacu na casa noturna mais chique da cidade atrai a nova elite de emergentes de São Paulo: Quiqui Mendonça, Mimi Tavares, Sissi Belotto e Abigail Trindade abrilhando no camarote VIP vipérrimo.

 

--Humpf! – fez um bico ao ver a foto das mulheres – Não sei como não chamaram Bigail de Bibi Trindade pra combinar com as outra. – entregou a revista de volta ao amigo

 

--Visse como Bigail tá diferente? – reparava – Mudou a cor dos cabelo, parece mais magra... – olhou para a outra – Levei até um susto quando vi, não sabe?

 

--E ela nunca mais se comunicou... – cruzou os braços – Tem mais de mês.

 

--Será que ela ainda volta pra cá? – perguntou preocupado – Será que ela esqueceu de nós?

 

--Ela esqueceu de muita coisa, Jailson. – fez um olhar triste – Mas a vida ensina e um dia ela lembra. – segurou a mão dele brevemente – Simbora trabalhar!

 

***

 

--Você não sabe o quanto eu tô feliz por você ter vindo passar o final de ano aqui com a gente! – Sayruci olhava emocionada para a filha – Não podia ter recebido presente melhor! – beijou o rosto dela

 

--No way de passar as festas com papys ou vóvys! – seguia de braço dado com a mãe – E a maluca que cuida dos eventos agora não chega aos seus pés! Sabe nem combinar uma flor com outra, um horror! – revirou os olhos

 

A morena riu. – Não repare que nosso cantinho é simples! – pediu – Bem diferente do que você tá acostumada, daí!

 

Vera vinha atrás puxando a mala de Latifah. “Só quero ver como vai ser com essa garota lá em casa!” – pensava – “Deus, por favor, amansa essa criatura!” – pedia mentalmente

 

As três mulheres seguiam pelo estacionamento do aeroporto de Congonhas.

 

--Relaxa, mamys! – gesticulou afetada – Ensaiei uma vibe roots e tô preparada! Passei uns dias no Rio com um pessoal porr* loka e nem te conto!

 

A morena achou graça novamente.

 

--Mas uma coisa você não vai estranhar, – Vera comentou ao chegarem no carro – a comida! – abriu o porta malas e colocou a bagagem lá dentro – Tudo cem porcento Sayzinha. – sorriu – E ainda tem um teclado se você quiser matar as saudade de ouvir ela tocando!

 

“Pelo menos isso eu não vou estranhar!” – a jovem pensou ao entrar no carro – “De resto, who knows?”

 

***

 

Abigail passava o revéillon a bordo de um cruzeiro voltado exclusivamente ao público lésbico. A embarcação havia saído de Santos com destino final em Salvador. Por ocasião do dia 31 de dezembro, estavam nas imediações de Porto Seguro.

 

Totalmente solteira na balada, a potiguar se acabava de dançar esbanjando charme com seu maiô vermelho florido, canga branca como mini saia e sapatos de salto bem alto. Havia acabado de liberar uma rodada de bebida para todas no salão. Por sua vez, experimentava um drinque bem alcoólico.

 

--Eita, bixiga doida! – lambeu os beiços – Bebida arretada!

 

E de repente, uma jovem de feições orientais chama sua atenção. Percebeu que estava sendo paquerada.

 

This was never the way I planned, (Isso nunca foi como eu planejei),

Not my intention... (Não era minha intenção...)

 

Ao mesmo tempo, uma bela ruiva cativa seu olhar. A jovem soprou um beijinho nada discreto.

 

I got so brave, drink in hand, (Eu fiquei tão corajosa, bebida na mão),

Lost my discretion... (Perdi minha discrição...)

 

--Aff! – a potiguar espremeu os olhinhos – Eu quero as duas! – apertou um dos próprios seios

 

It's not what I'm used to, (Não é o que eu estou acostumada a fazer),

Just wanna try you on... (Só quero te experimentar...)

 

--É agora, Bigail! – jogou os cabelinhos – Mostre do que tu é capaz! – bebeu tudo de um gole só e jogou o copo na pista – Pegar essas mulher!

 

I'm curious for you, (Eu estou curiosa sobre você),

Caught my attention... (Atraiu minha atenção...)

 

--Mulher! – puxou a japonesa pela cintura – Se prepara que é hoje! – tascou-lhe um beijo nos lábios

 

I kissed the girl and I liked it, (Eu beijei a garota e gostei),

The taste of her sushi chapstick... (Do gosto do seu brilho labial de sushi...)

 

--Você me escolheu? – a jovem perguntou sensualmente

 

--Tô testando, não sabe? – beijou-a de novo

 

I kissed the girl just to try it, (Eu beijei a garota só para experimentar),

I hope the redhead don't mind it... (Eu espero que a ruiva não se importe...)

 

Abigail interrompeu o beijo e olhou para a ruiva, chamando-a com o dedo indicador. – Venha... – sussurrou

 

It felt so wrong, it felt so right, (Pareceu tão errado, pareceu tão certo),

Don't mean I'm in love tonight... (Não significa que estou apaixonada esta noite...)

 

--O que você quer comigo? – a ruiva perguntou ao se aproximar. Olhava para Abigail e a japonesa alternadamente

 

No, I don't even know your name, (Não, eu nem sei o seu nome),

It doesn't matter... (Isso não importa...)

 

--Tudo, mulher! – puxou-a para um beijo, sem se desvencilhar da japonesa

 

You're my experimental game, (Você é meu jogo experimental),

Just human nature... (Apenas natureza humana...)

Katy Perry – I Kissed a Girl (com adaptações)

 

Naquele clima, as três se beijaram ao mesmo tempo.

 

“Ave Maria!” – Abigail pensava excitada com a situação – “Esse 2017 vai ser um ano da porr*!” – não parava de beijar e passar as mãos nas parceiras

 

 

 

Fim do capítulo