Estranhou ouvir nada do outro lado. – Caipira? – perguntou preocupada – Ainda está aí?

 

--Tô, eu tô sim, uai! – sentia um frio no estômago – É que eu nunca imaginei que setembro ia começar tão bem... – sorria como boba

 

--Tudo bem com você? – não sabia o que dizer – “Estou me sentindo como uma colegial...” – pensava excitada

 

--Melhor agora que você ligou, Khaalii... – suspirou – E que voz danada de linda é essa que você tem! – exclamou empolgada – Maravilhosa... – babava – “Parece até voz de dublagem de TV!” -- pensou

 

Sentiu as bochechas arderem. – Você achou? – andava pelo quintal – Também gostei da sua. É encorpada, grave...

 

--Ah... – ficou feliz ao saber – E você como vai? Não ficou zangada comigo pelo que escrevi, não foi? – levantou-se do sofá e começou a andar pela sala – Eu não queria ser abusada... o que escrevi era... tudo verdade...

 

--Estou bem, querida. – sorria embevecida – E claro que não zanguei... senão nem teria ligado. – pausou brevemente – Eu nunca fiz isso de ligar pra ninguém... – confessou – Você foi a única...

 

Ficou toda prosa. “Mata a caipira, mata...” – pensou

 

--Só não gostei da saber que a senhora é uma caipira saliente que fica seduzindo as clientes pra se pegar com elas em barzinho da rua Augusta... – comentou enciumada

 

--Anêim, uai! – respondeu de pronto – Seduzo não, nem sei fazer isso! – estava sendo sincera – Aquilo ali foi um descuido do destino e eu nem deixei rolar... – encostou-se junto à janela – Só pensava em você...

 

--É mesmo? – continuava sorrindo

 

--Eu penso em você quase o tempo inteiro! – confessou – E muitas vezes até sonho!

 

--E o que você sonha? – olhou rapidamente ao redor para ver se alguém se aproximava

 

--Ah, sonho todo tipo de coisa! – mirava um ponto no infinito através da janela – Sonho da gente proseando, você me explicando um monte do que sabe, a gente passeando pelos lugares de mãos dadas, a gente fazendo piquenique no Ibirapuera, visitando o MASP, andando abraçadinhas pela Paulista...

 

Gostou de ouvir. – E o que mais? – mordeu o lábio inferior

 

--Uai... – pensava em como dizer – Já sonhei da gente... – corou – Fazendo... – não conseguia falar – Fazendo! – pigarreou -- Acho que você entendeu...

 

Corou também e se sentiu excitada. – Confesso que também já sonhei com você... – revelou

 

--Verdade?? – arregalou os olhos excitada – “Ah, Minha Nossa Senhora, ela já sonhou comigo!” – ficou feliz – E foi sonho mesmo, não era pesadelo não? – queria saber

 

Riu brevemente. – Claro que não foi pesadelo, sua boba! – respondeu divertida – Sonhei com a gente passeando por aqui, pela minha cidade, passeando por São Paulo e... – pausou brevemente – Também já sonhei com a gente... fazendo... – calou-se – “Não acredito que disse isso!” – fechou os olhos envergonhada

 

--Nossa!! – o coração batia acelerado – Fiquei feliz de ouvir isso que chega dói! – voltou a andar pela sala – Eu nunca vivi um trem desse, de me apaixonar por alguém que nunca vi e nem sei se um dia vou ver!

 

O coração acelerou. – É a segunda vez que você fala de se apaixonar. A primeira foi por e-mail e agora...

 

--É a mais pura verdade! – afirmou convicta – Não entendo como pode ser, mas é!

 

Os olhos marejaram. – Mas você nem sabe quem eu sou, como eu sou! – passou a mão nos cabelos – Já pensou que posso ser uma senhora idosa, gordinha e nada atraente? Ou então uma mulher esquisita, nariguda, dos dentes estragados?

 

--Eu não me apaixonei pela casca mas pelo conteúdo! – respondeu de pronto – “Eita, que dessa vez a caipira mandou bem!” – pensou orgulhosa

 

--Ai... – suspirou – Assim você me... – passou a mão sobre um dos seios

 

--Sazii, onde está você? – Samir chamava de dentro de casa

 

Vera ouviu algo ao fundo mas não conseguiu entender. – Tem alguém aí com você? – perguntou curiosa

 

--Eu vou ter que desligar. – respondeu nervosa – Veja se consegue aparecer no talk do Ê-Mail depois de amanhã às nove da noite!

 

--Sazii! – o homem insistia

 

--Tchau, querida! – desligou apressada – Já vou! – seguiu para dentro de casa

 

--Poxa, desligou... – suspirou – Vou ter que dar meu jeito de aprender a usar esse tal de talk até depois de amanhã! – falava consigo mesma – Ela me ligou... – deu um pulo e socou o ar – Ah, ela me ligou! – jogou o celular na poltrona e pegou uma almofada – Ela me ligou! – dançava com a almofada

 

***

 

--E foi assim que tudo aconteceu, filha. – Quitéria dizia – Depois de tantos anos o passado bate a minha porta novamente... e eu acho que é a última chance que Deus me deu pra me redimir por todos os meus erros.

 

Balançava a cabeça pensativa. – Essa Abigail... tem certeza de que é mesmo filha da sua sobrinha?

 

--Oxe, menina, claro que tenho! – fez um gesto despreocupado – Ela se parece demais com minha sobrinha Celinha e ainda tem o envelope de uma carta que escrevi há tantos anos atrás!

 

--Só o envelope, sem a carta? – achou estranho

 

--Celinha deve ter jogado fora, com toda razão! Guardou o envelope só pra ter o endereço! – concluiu – No lugar dela eu teria botado fogo em tudo!

 

--Bem, então a senhora tem certeza de que Abigail não é nenhuma golpista? – perguntou preocupada – A senhora é idosa, tá fragilizada, é muito fácil alguém se aproveitar!

 

--Ela não é golpista, duvido muito! – respondeu convicta – É moça direita, trabalhadeira e que luta com muita dificuldade nessa vida! – gesticulou – O cabra que me procurou pra falar de Abigail disse que ela salvou um dos menino dele de afogamento lá hotel onde trabalha. Cobriu de elogios!

 

Pensava em tudo que ouvia. – Vamos por partes. – pediu – Como foi mesmo a história desse cara? Como foi que ele chegou na senhora?

 

--O endereço que Abigail tem é o do apartamento onde vim morar quando Tibúrcio me tirou de Natal. Até bem poucos dias atrás ele tava alugado pra uma família.– contava – O cabra que me procurou, por gratidão a ela, se comprometeu de me achar quando voltasse pra cá. Ele mora aqui em São Paulo.

 

--Ela pediu pra ele fazer isso, deduzo.

 

Balançou a cabeça confirmando. – Ele falou então com meus ex inquilinos, que depois vieram falar comigo, mas eu não dei atenção. Só que insistiu tanto que acabei aceitando conversar com ele e marquei da gente se encontrar na Lanchonete Imperial, ali perto da Catedral da Sé. – contava – E o tempo todo ele pensando que eu ainda morava naquele apartamento. Os ex inquilinos nunca entraram em detalhe de nada com ele porque não conheciam. É tanto golpista por aí, não é mesmo?

 

--Então nem esse homem e nem Abigail sabem que a senhora mora no Itaim Bibi e é dona de mais três imóveis?

 

--Não! – negou de pronto – E Abigail sequer perguntou nada de minha condição financeira! – olhava para a outra – Ela não tem ideia de que além desses imóveis ganho uma pensão polpuda e tenho 30% das ações dos negócios de Tibúrcio! – mexia no bordado da roupa – A coitada pensa que sou pobre. Como demorei a ir vê-la em Natal achou que era porque eu estaria juntando dinheiro pra pagar as passagem de avião! – contava – Não me deixou nem pagar o táxi que pegamos no aeroporto. Só o da volta é que paguei e com muita insistência! – sorriu – Tinha que ver a alegria que ficou porque fiz umas magras comprinhas de mês pra ela no mercadinho do bairro. Eu também fazia janta e a coitada ficava toda prosa quando chegava do trabalho e via um prato de comida na mesa!

 

--E por que ela lhe procurou? Curiosidade pra conhecer alguém da família? – queria saber – O que será que tinha em mente?

 

--Na verdade... – pausou brevemente – Ela queria mesmo é um pouso na cidade em novembro pra poder participar de um congresso de lésbicas. – acabou achando graça – Aliás, ela é lesbica. – comentou – Mas isso é problema dela! – sorriu – E eu vou dar esse pouso.

 

--De fato, não me parece mesmo uma golpista... – considerou – E a senhora vai recebê-la onde? Na sua casa ou no apartamento da Sé que ficou vago por ora?

 

--Na Sé. – respondeu de pronto -- Quero prestar bastante atenção nela enquanto estiver aqui. E ao final de tudo, quero que você providencie a transferência de todos os meus imóveis pro nome dela. – pediu – Sei que a pensão morre comigo e que 15% das ações que tenho são intransferíveis, mas os outros 15% serão dela! – ajeitou os óculos – Você é minha advogada há quase vinte anos; confio muito em você, Érica. – falava a verdade – Não há outro profissional em que confie mais!

 

–Agradeço a confiança e pode acreditar que o que a senhora desejar é o que será feito. – prometeu – Mas deixe-me explicar o que será preciso fazer pra concretizar tudo isso e os riscos que a senhora corre em fazê-lo.

 

--Eu não tô preocupada com riscos. – gesticulou – Já vivi demais, amarguei uma doença infeliz e não soube fazer nada por minha irmã, que morreu na miséria, e minha sobrinha teve o mesmo destino! – confessou com muito arrependimento – Ao menos pra Abigail quero dar o que nunca dei às outras duas... Chega de tanto sofrimento pras mulheres da família!

 

***

 

--AHAHAH!!! – Patrícia gritou ao entrar no site do Congresso – Gentem!! Cento e duas autoras confirmadas e quatrocentas e nove inscritas!! – vibrou – E olha que ainda estamos em setembro! – sorria empolgada – Esse Congresso vai abalar geral! – bateu uma palma – Já tô devendo minha coluninha, né? Vamos providenciar! – preparava-se para começar a escrever

 

--DONA PATRÍCIA!! – Joelma gritou – Cadê os documentos que o pessoal do Financeiro me enviou pra assinar?? – cobrava furiosa

 

--Ai, meus sais! – levantou-se de um pulo – Tão aqui comigo! – juntou os papéis – É que eu li pra ver se tava tudo certo e esqueci de lhe passar. – foi corrento até a sala da outra – Pode confiar que tá tudo certo! – garantiu

 

--A senhora vive no mundo da lua, vou te contar! – pegou os documentos e fez uma leitura dinâmica – Tá bom. – assinou tudo o que deveria – Agora passa pro contínuo levar de volta. – ordenou – Tá esperando o que? – cobrou apressada

 

--Já tô indo, chefinha! – pegou os papéis e correu até onde o contínuo estava

 

Com a conclusão da tarefa voltou a prestar atenção nas fofocas de Paty Golezzo. – Fazer uma coluninha bem irreverente. – planejou

 

--DONA PATRÍCIA! – gritou mais uma vez – Cadê as notas fiscais do transporte do material da Flaxus? – perguntou enfurecida – Acabei de receber um e-mail cobrando que se dê baixa nelas!

 

--Ai, meus sais! – abriu a gaveta e pegou as notas – Eu já tinha dado baixa, só esqueci de registrar! – levantou-se mais uma vez – Vou entregar direto pro Maciel! – saiu correndo

 

--Corre! – Joelma ordenou

 

--Minha vida é viver correndo! – Patrícia resmungava sozinha – Sina bandida essa minha!

 

Minutos depois, Patrícia estava concentrada escrevendo sua coluna quando mais um grito a desperta.

 

--DONA PATRÍCIA!!!!! – berrou enfurecida – Corre pra receber o material que tá lá embaixo! – ordenou – A senhora vive com os ouvidos aonde que nunca sabe nada??

 

--Ai, meus sais! – olhou para o telefone fixo – Esqueci que tinha silenciado ele e nem percebi que me ligaram! – levantou-se correndo

 

--Corre!! – ordenou – A senhora tem 5 minutos pra me apresentar esse material aqui! – estava possessa

 

--Ai! – entrou correndo no elevador – Gente, que inferno! – sentia-se cansada de tanto correr – Tomara que não seja nada pesado pra eu carregar! – desejou

 

***

 

Sayruci fazia hora na internet esperando o momento de conversar com Vera no talk. Ao longo do dia trabalhou ensinando sobre alimentação natural numa escola municipal da periferia e estava muito feliz com isso. O melhor de tudo é que Samir estava fora viajando à negócios e retornaria somente na semana seguinte, o que lhe permitiria passar seu tempo com Vera sem medo de ser surpreendida por ele.

 

--Eu bem que podia ligar de novo hoje mas não é bom ir com muita sede ao pote... – falava consigo mesma – Depois de amanhã eu ligo, ou então amanhã, não sei... – suspirou -- Quando a gente quer que o tempo passe ele demora tanto... – observou que ainda eram 18h30

 

Sem ter o que fazer, decidiu dar uma olhada no site da Academia Lésbica.

 

--E eu que já li tantos contos nunca mais fiz isso desde que comecei a escrever. Indelicadeza minha com as outras autoras! – criticava a si própria – Vamos ver quais são os contos mais recentes e dar uma força às novatas. – clicou na aba de Novidades – Lendas Indômitas, Eclipse do Coração, Feminices... – lia os títulos – Lésbicas da Faraó? – achou engraçado – Coitada, só tem 32 leituras. – constatou – Obra de Gail Nasser, a egípcia. – leu – Egípcia? – intrigada, clicou para ler – Este conto é uma tradução do árabe para a língua portuguesa do mais novo sucesso literário da autora que varreu o norte da África e o Oriente Médio com seu talento. – lia a apresentação – Como é? – ficou pasma – Autora lésbica fazendo sucesso no mundo árabe? Nunca ouvi falar disso!

 

Bem longe dali, Abigail aproveitava momentos de tranquilidade na recepção para promover o sucesso de Gail Nasser.

 

--Já que Paty Golezzo é sempre incapaz de escrever uma linha a meu respeito e as fãs não tão me dando bola, vou eu mesma me fazer bombar! – decidiu -- Se não faturo leituras por bem, vai por mal! – clicava repetidamente no link do conto

 

--Oxe, mas que tanto você futica nesse computador? – Rita chegava da piscina e reparou intrigada – Já do corredor tava ouvindo esse teu tec-tec-tec!

 

Teve uma ideia e interrompeu o que fazia. – Rita, você vai me ajudar! – foi até o computador que a outra usava e acessou o link do conto. – Você vai botar esse dedo duro e ficar clicando aqui até se danar!

 

--Vixe! – arregalou os olhos – Por que? – não entendeu – Lésbicas da Faraó, que pistinga é essa? – olhava para a página do site – Quem é Gail Nasser?? – perguntou intrigada

 

--Pergunta muito não e faz o que te pedi! – deu um tapinha no braço da outra – É eu de cá e você de lá! – voltou para o computador que usava – Simbora! – voltou a clicar

 

--Ave Maria! – a amiga obedeceu e começou a clicar também

 

--Nossa, mas essa mulher nunca foi egípcia! – Sayruci constatou enquanto lia as primeiras linhas do conto – Onde que no Cairo vai ter alguém falando “vixe, pia essa ruma de múmia”? – riu divertida – Sei nem que palavra é essa, ruma! – achava graça

 

--Mulher, já tá me dando cãímbra! – Rita reclamou

 

--Deixe de peitica e clica! – continuava pressionando insistentemente a tecla enter – “Bom de sapatão é que a gente é habituada a ter o dedo duro! Rita não entende do riscado!” – pensou

 

--Meu Deus, mas esse conto é muito ruinzinho! – riu novamente – Vou deixar um comentário para incentivar e parar de ler porque não dá. – voltando à pagina inicial do conto levou um susto – Nossa! Já está com 298 leituras? – estranhou – Há menos de 15 minutos atrás eram só 32!

 

--Cansei! – Rita parou – Isso dói nos dedo da gente! – abria e fechava a mão

 

--A meta é chegar nas 1000 leituras! – Abigail continuava clicando – Simbora, mulher, volta à labuta!

 

--Que bixiga doida! – reclamou antes de voltar a clicar

 

Jailson chegava na recepção trazendo uma vassoura quebrada. – Deu cupim no cabo da vassoura e... – estranhou o que via – Que diacho vocês fazem aí nesse tec-tec? – não entendeu

 

--Coisa muto séria! – Abigail respondeu sem parar de clicar – Simbora, Rita!

 

--Homi, vem me render aqui! – Rita pediu – Fica batendo nessa tecla por mim e eu dou jeito nessa vassoura calambiada. Tem um cabo perdido lá embaixo na garagem.

 

--Mas isso aí é o que? – aproximou-se do computador com curiosidade – Lésbicas da Faraó? Vixe! – não entendeu – E tem isso?

 

--Pergunta, não! – Abigail fez sinal para o homem – E vai clicando aí que agora subi a meta pra 2000! – tome de clicar

 

Jailson não entendeu mas começou a clicar. “Eu hein!”

 

--Pronto! – Sayruci postou o primeiro comentário recebido pelo conto da potiguar – Tomara que essa criatura doida consiga mudar o rumo da história e deixá-la melhor. – desejou – Só essa mentirinha de dizer que é egípcia não vai colar. – achou graça novamente – E não é que já são 913 leituras? – reparou intrigada – Como pode isso?

 

Meia hora depois...

 

--Chega! – Rita e Jailson declararam juntos – A gente tá aqui se alternando mas dá mais não! – a mulher falou

 

--Meu braço ficou até dormente! – o homem reclamou

 

Abigail parou de clicar naquele momento. – Ah, agora gostei! – sorria – Tô com 3009 leituras! Pra quem tava só com 32...

 

Rita e Jailson tinham pontos de interrogação na cabeça.

 

--E ganhei um comentário... – reparou animada – De quem será que é?

 

--Mulher, deixe isso pra lá que chegou excursão! – Rita advertiu – Jailson, corre pra ajudar com as mala!

 

--Tô indo! – pegou o carrinho e foi

 

“Tem razão, não é bom ficar vendo isso no ambiente de trabalho!” – pensou – “Mas quando chegar em casa vou dar toda atenção do mundo pra minha primeira fã!” -- decidiu

 

***

 

Khaalii: E como foi seu dia hoje, dona Caipira?

 

Vera estava em uma lanhouse, ocupando o lugar mais discreto e escondido possível.

Caipi: O de sempre... Pensa em você, entrega chocolate, pensa em você, dirige pro Iuba, pensa em você, conserta uma bica no Marida de Aluguel, pensa em você...

 

Sayruci ficou toda prosa.

Khaalii: Até parece que você fica pensando em mim desse jeito...

 

Caipi: Queria não pensar esse tanto, mas é um vício... O único vício de uma caipira mão de obra informal...

 

Achou graça da outra.

Khaalii: Também penso muito em você, se quer saber.

 

Vera suspirou apaixonada.

Caipi: Você vem pro Congresso? Diz que sim, diz?

 

Khaalii: Eu até gostaria muito mas não dá... Além de não ser possível viajar até São Paulo, não conseguiria ter a cara de chegar e me assumir como Khaalii

 

Caipi: Vem sem se assumir...

 

Khaalii: Não dá, meu bem. Infelizmente não dá

 

--Ela não deve ter condições de viajar. – Vera concluiu – Passagem cara... Dependendo de onde more fica uma caristia que chega dói.

Caipi: Eu entendo. Anda tudo muito caro, né?

 

--Ela pensa que é falta de dinheiro. – Sayruci percebeu – Melhor assim.

Khaalii: É, meu bem... Tudo muito caro.

Khaalii: Li e respondi seu comentário no conto. Muito fofo!

Khaalii: Aliás, você é muito fofa!

 

Vera sorria de orelha a orelha. – Ela me acha fofa...

Caipi: Não faz assim que a caipira pira!

 

Khaalii: kkkkkkk

Khaalii: Bobinha!

 

Caipi: E quando terei o prazer de ler o momento em que Sulah e Zayah se entregam ao que sentem?

Caipi: Ver aquele amor acontecer será como se fosse eu

Caipi: junto com você...

--Eita, mulher, agora foi ousada por demais! – repreendeu-se

 

Sayruci se remexeu na cadeira. – Então você sente assim, dona Caipira? – mordeu o lábio inferior

Khaalii: Diz como você imagina esse grande encontro entre elas

 

Caipi: Ah... mas a escritora aqui é você. Não sou boa nisso

 

Khaalii: Tenta?

 

Caipi: Tá bom.

Caipi: Eu imagino as duas no quarto do hotel do Mohamed, naquela tal suíte das arábias

Caipi: As duas se olhando nos olhos o quarto com as luzes apagadas

Caipi: E a luz da lua iluminando o ambiente através da janela

 

Sayruci imaginava a cena em sua mente, colocando-se no lugar de Zayah e vendo Vera no lugar da personagem Sulah.

 

Caipi: Aí a Sulah toca o rosto de Zayah bem de leve e as duas se aproximam pra se beijar

Caipi: Primeiro de uma forma bem delicada e suave. Como se tivesse pedindo licença. Assim, do tipo, ei posso te conhecer melhor?

Caipi: E depois o beijo ficando cada vez mais intenso

 

Khaalii: Sim...

 

Caipi: Daí elas começavam a tirar a roupa uma da outra sem nunca parar de se beijar

Caipi: Sem pressa nenhuma

Caipi: Até o momento em que sobrasse mais nada e as duas se deitassem na cama

 

Sayruci ficava excitada ao imaginar isso.

Khaalii: Acho que Zayah adoraria que Sulah deitasse por cima dela, para que pudesse sentir o prazer do corpo da outra pesando

“Nossa, mas o que é que estou escrevendo?” – interrompeu a digitação

 

Caipi: Acho que Sulah faria exatamente isso porque ela não se aguenta de vontade de beijar aquele corpo inteiro, cada pedacinho dele

Caipi: Com muito carinho, cuidado e ao mesmo tempo um tesão que chega dói

--Eita, que eu já tô toda molhada... – Vera percebia os sinais de seu corpo

 

Khaalii: E o que mais?

--Ai, continua... – Sayruci mal se aguentava quieta na cadeira – Tô toda molhada! – constatou

 

Caipi: Então Sulah chegava...

Caipi: Ela chegava onde mais queria

Caipi: E provava daquele gosto que passou tanto tempo imaginando como seria

 

Khaalii: Ai...

A morena começava a se masturbar pensando em Vera

 

Caipi: E se deleitando naquele prazer ela deixava as mãos correrem pelo corpo da outra

Caipi: Apertando bem possessiva pra poder sentir

Caipi: Que Zayah era dela e somente dela

 

Khaalii: Mas ela é...

Continuava se masturbando

 

Caipi: Sulah continuava possuindo a amada e quando sentia que ela tava chegando lá

Caipi: parava e se deitava de novo sobre ela

Caipi: e começava a penetrar

Vera não conseguia mais escrever. – Khaalii, como eu sou doida pra viver isso com você... – falava tomada de desejo

 

Khaalii: Não para, por favor

Sayruci gemia pensando em Vera.

 

Caipi: E só parava de fazer quando sentia a outra goz*r sob sua mão

Caipi: Olhando pra ela no fundo dos olhos

 

--Ah! – Sayruci gemia e goz*va com os olhos fechados – Ai, amor... – remexia-se na cadeira – AH! – gem*u mais alto

 

--Não consigo escrever mais! – Vera começava a se masturbar discretamente – Se você soubesse do que faz comigo, Khaalii... – controlava-se para não gem*r – “Tomara que ninguém note nada...” – disfarçava ao máximo para não chamar atenção dos outros

 

Aos poucos as duas mulheres se acalmavam e sentiam a respiração voltando ao normal.

 

--Meu Deus, o que foi isso? – Sayruci não entendia o que estava experimentando

Khaalii: Para quem disse não saber escrever...

Khaalii: Eu amei!

 

Caipi: Não sabe como fiquei aqui...

Caipi: G*zei pensando em você

--Criatura! – arrependeu-se imediatamente – Como é que escreve isso pra ela? O que ela vai pensar de você, caipira sem base? – repreendia-se

 

Khaalii: Não deveria dizer isso, mas...

Khaalii: Eu também

Suspirou. – Eu não estou me reconhecendo... – Sayruci fechou os olhos

 

Não resistindo, Vera fez um pedido.

Caipi: Liga a câmera? Deixa eu te ver?

Caipi: Por favor?

 

--Não, eu não posso ceder a isso! – decidiu – Essa mulher tá me dominando os sentidos! – interrompeu a conexão e saiu do talk

 

Caipi: Khaalii?

--Ah... – lamentou – Ela saiu... – levou as duas mãos à cabeça – O que é isso que eu tô vivendo, meu Deus? O que é isso que eu tô sentindo? – estava confusa

 

--Eu não vou mais entrar no talk com ela, telefonar e nem nada! – a morena andava de um lado a outro pelo quarto – Essa mulher tá me deixando louca! – tinha medo das emoções que lhe tomavam – Tenho que preencher minha mente com trabalho, com coisas úteis, pra não ter tempo de ficar pensando... – passou a mão nos cabelos – E ela não me quer, ela quer a autora! A imagem que criou da autora! – entristeceu ao pensar isso -- Vou tomar um banho! -- decidiu

 

Enquanto isso, no nordeste do Brasil...

 

--Então aquela Khaalii não resistiu e veio ler? – Abigail respondia ao comentário da outra – Sinal de que alguma repercussão tá se fazendo com meu nome. – concluiu – Agora todo dia, dando um tempinho, vai ficar eu e mais Rita me dando leitura. A meta é chegar nas 100 mil! – planejou – Pronto! Comentário respondido com muita categoria. – teve uma ideia – Hum, mas eu podia criar uns perfil de leitora fake e postar comentário pra mim mesma! – sorriu empolgada – E vou botar Rita e Jailson pra fazer igual, ah, se vou! – decidiu – Amanhã falo com eles sobre isso. – desligou o computador e se levantou – Preparar pra dormir.

 

Enquanto preparava o quarto para se deitar, a mulher pensava em tudo que deveria fazer uma vez em São Paulo.

 

“Eu tenho que comprar os adereço pra poder me montar como Gail. E como vão ser quatro dias de Congresso não dá pra ficar repetindo as moda.” – planejava – “Juntando com as passagem de ônibus, o dinheiro de carro e gasto com lanche, vai ser uma facada! Tenho que fazer umas horas extras e pegar uns bicos nos meus dias de folga. De repente, umas faxina...” – considerou – Ai, que vida de sapinha pobre é osso! -- lamentou

 

***

 

--Não acha que ela vai desconfiar que a senhora não é tão pobre assim? – Érica perguntou enquanto preparava um e-mail fazendo-se passar por Quitéria – Mandar passagens de avião pra Abigail não é algo que uma senhora pobre faria. Especialmente por e-tickets. – olhou para a mulher – Muita modernidade pra uma senhora pobre de 80 anos.

 

--Não se preocupe. Eu vou ligar pro hotel atrás dela e digo que fui ajudada pela moça da companhia aérea. – já sabia o que dizer – Qualquer coisa falo que tô pagando as passagens em dez vezes e é meu presente de natal!

 

Achou graça. – Tudo bem. – despachou o e-mail – Pode ligar pra ela porque isso aqui é rápido. A gente manda e a outra pessoa recebe segundos depois.

 

--Vixe! – surpreendeu-se – Vou ligar. Obrigada, filha.

 

***

 

Vera acompanhava sem o menor interesse os pedreiros impermeabilizando o teto do prédio. Estava ali apenas em presença física. Sua mente vagava em busca de notícias de Khaalii.

 

“Desde aquela noite que a gente conversou no tal do talk pela primeira vez ela sumiu...” – mirava um ponto no infinito – “Não voltou mais lá, não manda e-mail, não me liga...” – suspirou – “Quinze dias sem dar notícias...” – morria de saudades – “Será que ela teve medo de estar apaixonada por mim? Do fato de termos feito amor pelo computador?” – coçou a cabeça – “Pelo menos eu acho que a gente fez... Trem doido, isso!”

 

--Dona Vera, é pra usar as lata toda? – um homem perguntou

 

--Usar tudo? – despertou para a realidade – É, usa. – aproximou-se do homem – E capricha nessas beiradas porque é aí que a água empoça.

 

--Dona Vera, -- outro pedreiro chamou – tem uma senhora lhe chamando aqui.

 

“Eu não tenho sossego!” – revirou os olhos – Tô indo! – foi ver quem era

 

--E então uma das minhas seguidoras viu uma foto sua na página do restaurante e achou que somos super parecidas, daí! – Latifah comentava – Pediu que eu fizesse um vídeo sobre maquiagem e usasse você como minha modelo! – gostava da ideia – Geral achou super da hora essa coisa de mãe e filha no meu canal.

 

--Que bom, querida... – respondeu sem prestar atenção – “Só Deus sabe como tem sido difícil passar esses dias sem procurar por aquela caipira mas eu preciso dar um basta nisso senão vou acabar fazendo uma loucura!” – pensava

 

--Terra para mamys, Terra para mamys! – estalava os dedos – Conecta com o planeta! – brincava – Please?

 

Foi despertada com a brincadeira e sorriu sem graça. – Desculpe, filha, eu viajei aqui. – passou a mão nos cabelos

 

--Percebi! – cruzou os braços – Mas e então? Você aceita? Pode ser hoje?

 

--O que? – ignorava qual seria o assunto

 

--O vídeo, mamys! – sentou-se do lado dela – Você topa ser minha modelo no vídeo que eu vou fazer sobre maquiagem hoje? Minhas seguidoras tão te querendo! – sorria – Aproveita que eu não costumo emprestar minhas fãs! – brincou novamente

 

--Ah, sim! – concordou sem entender muito bem

 

As duas mulheres estavam no quarto da jovem.

 

--Então se prepara que em uma hora começamos. – olhou para o relógio rapidamente – E o papys? Parou de vez com a síndrome do troglodita ou voltou a atacar?

 

Achou graça da colocação. – Graças a Deus, Samir melhorou sensivelmente depois da sua ameaça. – falava a verdade – Mesmo sendo um blefe...

 

--Gotcha! – comemorou – É o que eu disse: saiba jogar e você o terá nas mãos!

 

Gastou uns segundos calada antes de perguntar uma coisa sobre a qual vinha pensando. – Filha, você que entende muito de internet, redes sociais e tal, acha possível que alguém se apaixone conhecendo uma pessoa única e exclusivamente neste mundo virtual? – olhava para a jovem – Li numa revista a reportagem de uma mulher que conheceu uma pessoa por internet e se apaixonou de uma forma! – falava com muito cuidado para não se entregar -- Disse que pensava na outra pessoa o tempo quase todo! – pensava em si mesma – Acredita que ela fez até... uma espécie de... de sex* virtual? – calou-se constrangida – “Pelo menos, acho que foi o que fizemos...” – pensou

 

Riu-se da forma cheia de cuidados como sua mãe colocou o assunto. – Claro que sim, mamys! – afirmou com certeza – Tem vezes que não passa de um encantamento mas é perfeitamente possível se apaixonar por alguém que se conheça pela internet! – levantou-se – Vou te contar um babado fortíssimo a esse respeito. Aconteceu com uma mina lá de Cascavel.

 

“Mas Latifah sabe da vida de todo mundo!” – estava pasma – “Até fofoca de Cascavel?”

 

--Imagina só, mamys, sente o perfil: mulher casada, dona de casa, toda bem comportada, no padrão acima de qualquer suspeita. – contava a história – Criou um perfil de LivrodasFuça e sei lá como conheceu um boyzinho de João Pessoa. Daí eles ficaram naquela de papinho pelo Mensanger, troca de e-mails e tals, e nisso ficaram loucamente apaixonados. – gesticulava – Até que um belo dia, deu a louca na maluca, ela juntou os trapinhos escondido e partiu! – olhava para a mãe – Foi viver com o cabra dela em João Pessoa!

 

--É mesmo? – ficou pasma

 

--Pois é! E o marido ficou ch*pando dedo! – fez um gesto afetado – Agora tão até dizendo que tem muito marido proibindo a esposa de ter perfil no Livro por causa disso. Medo de levar um chifrinho que nasce virtual e termina real! – brincou

 

“Quisera eu ter metade da coragem dessa mulher...” -- pensou

 

***

 

Rita e Abigail almoçavam comendo bolinho de bacalhau com refrigerante.

 

--Dessa vez exagerasse! – Rita comentou antes de mastigar – De tanta dedada que desse no computador, ficasse de braço doído! – falou com boca meio cheia

 

A mulher havia enrolado um saco de gelo ao redor do pulso. – Mas foi por uma boa causa. Cheguei nas 30 mil leituras! – mordeu o bolinho

 

--Eu como não entendo isso... – bebeu um gole de refrigerante – E a viagem de avião? – perguntou empolgada – Preparada? – sorriu

 

--Ave Maria, contando nos dedo pra novembro chegar! – bebeu um gole – Outubro parece que não passa! – mordeu o bolinho – Hum, falando em São Paulo, lembrei! – falou de boca meio cheia – Tu me deve ainda aqueles comentário! – cobrou

 

--Mulher, mas eu já fiz uma ruma de comentário! – reclamou – Criei cinco perfil fake e comentei três vezes com cada um! Agora chega, né? – fazia cara feia – Até Jailson criou duas mulher de mentira! – mordeu o bolinho

 

--Eu vi... – bebeu refrigerante – “Jailsina e Jailsônia! Criatividade zero!” – pensou contrariada

 

--Você só pensa nisso de São Paulo e essas coisa de internet! – terminava de comer – Pode ser assim não! – falava com jeito – Tem que cuidar de outros compartimento da vida, mulher. – aconselhou – Sua vida espiritual, sua vida na lida com o próximo... Você é uma pessoa boa, mas tem vivido muito só pra dentro, pensando só em coisa sem importância. – considerou – Deve dar uma solidão danada.

 

--Oxe, pia pra isso! – olhou indignada para a outra – Rita querendo dar de psicóloga pra cima de mim! – terminou de comer também – Pois fique sabendo que invisto no meu futuro! – falava de boca meio cheia – Não quero passar o resto de meus dias acordando cedo, trabalhando que nem uma condenada e ganhando a miséria que a gente ganha! – tinha ambição – “Enquanto ela fica indo em igreja pedindo que Deus resolva os problema, eu corro atrás do prejuízo!” – pensou

 

--Tudo bem, mulher. Tá mais aqui quem falou! – levantou-se – Termina aí que temo que escovar os dente e voltar pra labuta.

 

--Simbora! – terminou com o refrigerante e se levantou – Ai! – sentiu o pulso doer – “Acho que dessa vez exagerei mesmo...” – pensou dolorida

 

***

 

Patrícia constatou que chegava na marca das 472 mil pessoas inscritas no canal de Paty Golezzo no SeuTubo.

 

--AHAHAH, que maravilha!! – deu um pequeno chilique – Até o Congresso chego nas 500 mil! – sorria empolgada

 

Estava em casa de folga e decidiu passar o dia trabalhando como Paty. Já havia escrito algumas matérias, editado vídeos e decidiu que era hora de cuidar dos e-mails.

 

--Hum... – fez um bico – Lá vem mais uma me escrever sobre a tal da Gail Nasser! – apagou sem ler – Nem perco meu tempo com esse kaô brabo! – ficou curiosa – Falando nessa farsante, deixa ver como anda o conto dela na Academia. – foi até o site – Até que tem gente lendo, já chegou nas 30.005 leituras... – reparou nos comentários – Trinta e um. Pouca gente comentando. – fechou a aba do site – Um dia, se eu estiver absolutamente de bobeira, vou ler o que essa maluca escreve. – voltou a se concentrar nos e-mails – Olha aqui, gente querendo saber do Congresso... – clicou para ler

 

***

 

Vera procurou Socorro para conversar. Estava na casa da prima desabafando. As duas conversavam na cozinha enquanto Paulinho dormia no quarto.

 

--E desde então ela não me procura, não me escreve, não me liga... – falava com tristeza – Eu já mandei vários e-mails, toda noite entro no talk na esperança dela aparecer e nada... – suspirou – Não sei o que fazer, prima, essa mulher tá me deixando louca!

 

Prestava atenção na outra. – Mas como pode você ter se apaixonado desse jeito, criatura? – não entendia – Uma mulher que você nunca nem viu? Simplesmente porque escreve historinha na internet?

 

--Não é isso! Ela não escreve historinha! – levantou-se – Ela escreve de um jeito que toca na alma, no coração! – bateu no peito – Eu me identifico por demais da conta com o que ela coloca nos contos... – gesticulava – Me identifico com ela... – olhava para a prima – E nunca me senti tão ligada a alguém como me sinto com ela!

 

Reparava nas atitudes da prima. – Você não sabe nada dessa mulher, Vera! É uma relação injusta por demais! – argumentava – Ela sabe tudo de você, mas você não sabe sequer o nome da criatura!

 

--Pode ser, mas eu sinto como se a conhecesse melhor do que ninguém! – respondeu de pronto – Ela mesma me disse que isso é verdade!

 

Acabou achando graça. – Como você é ingênua, prima! – balançou a cabeça – Ela disse? – deu um suspiro profundo -- E você acreditou?

 

“Será mentira?” – pensou decepcionada

 

--Olha só, ow, se liga! – advertiu – Tem um monte de mulher hetero que tá aí na internet à caça de lésbicas pra se aventurar! Umas por pura sacanagem, uma fase, pra ver qual é, sabe? – gesticulava -- E outras pra compensar os maridos que têm. Mulheres que trepam muito mal dentro de casa e procuram nas lésbicas uma trans* mais gostosa. – contava – E sem o menor risco de engravidar! – cruzou as pernas – Já te passou pela cabeça que essa Khaalii pode ser do tipo? – provocou – Casada, mãe, trepando mal em casa... aí escreve conto romântico pra seduzir as mais ingênuas?

 

Ficou atônita com o que ouviu. – Mas não pode ser, uai! – objetou – Se ela quisesse ficar nessa de seduzir leitora tinha vindo me ver ou me deixava saber alguma coisa. Não faz sentido! – discordava – E essas mulheres que você fala devem ir pros finalmente, não ficam só no papo virtual!

 

--Mas começa assim, mulher! – levantou-se também – No começo é só internet, aquele jogo de “não posso, não devo, não pode ser!” – dramatizava representando – Aí some, deixa a vítima louca igual você tá, e depois volta com mais conversa... Sentindo que tá no papo, aparece, leva pra cama e créu! – fez um gesto sugestivo – Passada a novidade, some de vez e depois passa pra próxima!

 

Não conseguia imaginar que Khaalii fosse daquele jeito.

 

--Não é só no meio dos homens que existem os canalhas! – salientou – Pode ser mais comum ver certas atitudes no meio deles, mas tem mulher que pisa no sentimento dos outros também!

 

--Eu sei... -- concordou

 

--Você pode ser uma caipira saliente, mas é muito carente, se apega fácil... tenha cuidado! – advertiu sinceramente preocupada – Não entregue seu coração a uma desconhecida que você não sabe se vale a pena ou não! – tocou o rosto da prima com carinho

 

Vera ficou refletindo sobre o que acabava de ouvir.

 

***

 

Finalmente novembro chegou e Abigail desembarcava no aeroporto de Guarulhos em seu primeiro dia de férias.

 

--Ave Maria, graças a Deus cheguei! – falava sozinha ao se benzer – A vida inteira pensei que viajar de avião era uma coisa glamurosa, mas que nada! – resmungava – Uns lugarzinho tudo apertado e umas aeromoça toda paramentada pra servir biscoito seco e suco de caixinha! – reparava – E a bixiga do avião já se danou de chacoalhar, misericórdia! Sentada na poltrona do meio tomei foi cotovelada! – começou a reparar no aeroporto -- Que imenso! Deve ser umas três vezes maior que o de Natal... – olhava para todos os lados – E quanta gente! – seguia trazendo sua mala pendurada no ombro

 

A mulher havia pesquisado sobre transporte na cidade e chegou à conclusão que a melhor forma de chegar na casa da tia era usando o serviço de Iuba. Porém, uma vez que era necessário cadastrar cartão de crédito, algo que ela não possuía, decidiu investir em um plano.

 

“Fico de butuca espiando quem tá chegando de carro. Se perceber que é motorista de Iuba e meu santo bater com o do motorista, pulo em cima e ofereço de fazer a corrida por fora do aplicativo!” – pensava ao caminhar pelo aeroporto – “Já sei o preço mesmo...” – havia pesquisado – “Vou oferecer e dizer logo: é pegar ou largar!” – balançava a cabeça – “Duvido que dê errado!”

 

--Você não acha que eu deveria ter ido esperar por ela no aeroporto junto com João Paulo? – Quitéria conversava com Érica pelo celular – Afinal de contas ela me recebeu tão bem em Natal...

 

--Se a senhora quer fingir de pobre não pode fazer essas coisas! Imagina, esperar por ela com motorista à tiracolo? – acabou achando graça

 

Depois de pedir informação a muita gente, Abigail chegou ao local no qual as pessoas esperavam discretamente pelo Iuba.

 

--Andei que nem uma praga! – colocou a mala no chão – Agora é aguardar e vigiar! – espremeu os olhinhos

 

--Trânsito tá ruim, né? – o homem reclamou – Tô com o maior medo de perder o voo! – olhou para o relógio

 

--Perde não, senhor. – Vera respondeu após olhar para a tela do celular – O aplicativo tá marcando mais dez minutos pra gente chegar. – informou

 

--Deus te ouça! – olhou para cima

 

Em pouco tempo, Vera parava o carro e descia para ajudar o cliente com a mala. “É cada mala pesada!” – pensou em agonia – O senhor vai conseguir circular com esse trem pelo aeroporto mesmo de braço quebrado? – preocupava-se com ele

 

--Não se preocupe que pego um carrinho! – apontou para alguns – A senhora é dez! Merece até uma gorjeta! – pegou a carteira no bolso

 

--Que é isso? – sorriu encabulada

 

--Hum, aquela ali tem toda pinta de motorista paga! – Abigail reparou ao pegar a mala novamente – Deixe cercar minha vítima! – caminhou na direção de Vera

 

Ao entrar no carro e se preparar para partir levou um susto com alguém batendo no vidro.

 

--Eita! – abaixou os vidros surpreendida – Senhora? – reparou na mulher – “Tem cara de doida mas é bem apanhada!” – pensou reparando

 

--Que senhora o que? – meteu a mão na porta de trás e entrou – Moça, preste muita atenção, -- acomodou-se no assento – me leve pra esse endereço aqui – estendeu um pedaço de papel que a outra pegou -- e faça o preço que vou lhe dizer, porque é negócio, visse? – pediu – Se é de pagar um tanto da corrida pra Iuba fica tudo contigo!

 

Vera ouviu o valor proposto e achou que valia a pena. – Então tá então. – manobrou para ir embora – Direto pra Sé.

 

“Eu sabia que ia dar certo!” – pensou vitoriosa

 

***

 

--Oxe, que aqui é sempre assim, é? – nunca tinha visto um engarrafamento daquele nível – Ave Maria, que inferno!

 

--É a conhecida hora do rush... – Vera suspirou desanimada – Quer que ligue o rádio pra se distrair? – propôs ao olhar para outra pelo retrovisor

 

--Não... – balançou a cabeça negativamente – “Será que pra ir pro Congresso vou ter que encarar uma bixiga dessa toda vez?” – pensou intrigada – Moça, você tem cartão? – lembrou-se de perguntar – Se eu precisar de carro... – achou conveniente estar prevenida – “Vai que preciso pra fazer um número?” – pensou – “Se bem que esse carro aqui é tão caidinho...”

 

--Tenho não, mas escrevo meu número aqui pra senhora. – aproveitou o trânsito parado e pegou um papel para anotar

 

--Sem o detalhe do senhora, por favor. Sei que o protocolo é esse mas vamo pular essa parte. – recebeu o papel e leu o que estava escrito – Vera. – pausou brevemente – À propósito, meu nome é Abigail. – apresentou-se

 

--Prazer. – olhou brevemente para trás – A senho... você é da onde?

 

--Natal. E lhe digo que é uma cidade linda sem essa pistinga de rush! – gesticulou

 

Riu brevemente. – Acredito. – balançou a cabeça – Sou de Goiás e também estranhei muito quando vim morar aqui. – comentou – A gente estranha, é cada trem doido que chega dói, mas depois acostuma; essa cidade também tem muita coisa boa! Quando é fé você vai tá gostando.

 

“Assim espero!” – pensou – Diz que pro pessoal LGBT é uma beleza! – sondava

 

--Não digo que seja uma beleza mas tem muito mais liberdade que em outras cidades. Que em Goías, pelo menos, com certeza! – passou a mão nos cabelos – Mas tem que ter cuidado com os homofóbicos. – advertiu – Aqui também tem disso. – fez cara feia – Tem que ficar ligada!

 

Pelo comentário deduziu que Vera seria lésbica. – E tu é entendida, mulher? – perguntou interessada – Eu sou sapinha da peste! – comentou bem humorada

 

Achou graça novamente e andou um pouco com o carro. – Somos duas. – sorriu

 

“Hum, que maravilha! Já pensou Gail Nasser chegando no Congresso com uma motorista lésbica?” – conjecturava – “Ou seria melhor, com uma assessora lésbica?” – pensava em possibilidades – “Ela podia me ajudar a fazer uma chegada triunfal e tirar uma onda de diva!” – havia acabado de bolar um plano – “Ah, mas nem que eu passe fome quando voltar pra casa, vou dar meu jeito de fazer dar tudo certo!” – decidiu -- Vera, se eu te contratasse pra fazer um serviço, você topava?

 

--Depende do serviço, uai. – respondeu desconfiada

 

--Trabalhar pra uma autora egípcia lésbica que devastou o norte da África e o Oriente Médio com seu talento inigualável! – falava cheia de pompa – O fenômeno Gail Nasser! – fez uma pose ensaiada

 

Andou um pouco mais com o carro. – Ave Maria, e quem seria essa? – perguntou curiosa

 

--Eu! – respondeu cheia de orgulho

 

--Uai? – não entendeu – “Por que algo me diz que isso não vai prestar?” – pensou desconfiada

 

Fim do capítulo