A Última Rosa -- Capítulo 68

Jessica voltou a ser feliz, em seus olhos retornou aquele brilho tão especial que tanto encantava as pessoas. A esperança reacendeu em seu coração, e ela já fazia planos para o dia seguinte.

-- Vou levantar logo cedo, eu vou à luta! 

-- Esse é o meu bebê! -- disse Maya, sorrindo -- O que pretende fazer? 

-- Vou comparecer ao encontro com os novos funcionários, amanhã, conforme planejado. Ainda não tenho toda minha estratégia pronta, mas até amanhã terei tudo arquitetado. Ah! Vou precisar da sua ajuda -- disse, sorrindo -- Quero que consiga para mim, uns 20 quilos de pétalas de Rosa centifolia.

Maya abraçou-a e beijou-a mordiscando-lhe o lábio inferior..

-- Você vai começar a testar o novo perfume?

-- Sim. O meu laboratório está pronto, então, quero começar amanhã mesmo.

Naquele momento, Inês, que esperava ansiosa na cozinha, entrou no quarto.

-- Aí estão minhas meninas maravilhosas! 

-- Oi, tia -- disse Jessica, abraçando Maya ainda com mais força.

-- Vamos descer, o jantar está servido. Devemos comemorar, pois fiquei sabendo que os primeiros funcionários da empresa começarão amanhã. 

-- É tia, amanhã é o grande dia -- ela pôs as mãos nos bolsos, sorrindo -- Ainda são poucos funcionários, mas com calma vamos nos organizando.

-- Por enquanto só o administrativo funcionará. Semana que vem começaremos o trabalho de recrutamento -- disse Maya, pegando-a pela mão e piscando o olho -- Eu e a Natália somos muito boa nisso.

-- Só não vão se matar -- brincou Inês.

-- Esse tempo já passou, dona Inês -- Maya deu uma olhada de canto de olho para Jessica e soltou um sorrisinho -- Hoje eu sei que a Jess só tem olhos para mim.

-- Hum, adoro mulher forte e segura de si mesma -- Jessica beijou-a tão intensamente que a deixou sem ar.

Inês deu uma tossidinha para chamar a atenção.

-- Ei, ainda estou aqui -- ela balançou a cabeça e saiu do quarto sorrindo.

Poucos minutos depois, já estavam sentados à mesa, provando do jantar que Inês e Valquíria haviam preparado.

-- A  carne de panela está divina! -- elogiou o rapaz.

-- Que bom que gostou Dino. Valquíria e eu nos empenhamos ao máximo na preparação do jantar. 

-- Tem até pãezinhos recém-saídos do forno para embeber no molho denso e saboroso da carne, sem falar no pudim que deve estar escandalosamente gostoso -- comentou Pepe.

-- Mais vinho, Jess? -- Maya sorriu brevemente.

-- Sim, obrigada -- ela respondeu com um sorriso e um movimento de mão -- Esse vinho é muito bom e eu adoro vinho tinto.

-- Então, vamos brindar -- disse Inês.

-- À que vamos brindar? -- perguntou, Valquíria.

-- À empresa -- respondeu Maya -- Ainda não é a inauguração, mas é o começo da De Hills.

-- De Hills? Esse é o nome da empresa? -- perguntou Dino, segurando a taça de vinho ainda intocado.

Jessica balançou a cabeça em um claro sinal de satisfação.

-- Empresa de Cosméticos Del Hills. Uma homenagem à cidade que nos acolheu de forma tão hospitaleira.

-- Então, um brinde à Del Hills -- propôs Inês com um sorriso e ergueu a sua taça.

Todos se levantaram e ergueram suas taças.

-- À Del Hills!

Jessica tomou um gole de vinho antes de pousar a taça sobre a mesa e retirar um pequeno pacote do fundo de seu bolso, estendendo-o em direção à Maya. A moça fitou o embrulho com olhos arregalados, e então voltou-os na direção de Jessica.

-- O que é isso, amor?

-- Por que não abre e vê?

-- Parece uma joia -- comentou Pepe, curioso.

-- Pelo formato da caixa é uma pulseira de ouro -- palpitou Valquíria.

-- Não. Pelo comprimento eu acho que é uma gargantilha de ouro em uma caixa exageradamente grande -- sugeriu Dino.

-- Todos erraram -- disse Inês -- A embalagem é muito comprida. 

Maya desembrulhou o pacote e descobriu que se tratava de uma placa. Uma placa de ouro na qual estava escrito: Maya Simas Parker, presidente.

Maya ficou olhando para ela por algum tempo, piscando repetidas vezes ao tentar recompor-se depois de algo tão inesperado.

-- Gostou? -- perguntou Jessica.

-- Oh, Jess! Porque? -- respirou -- Esse cargo é seu.

-- Não. Esse cargo é seu -- respondeu ela suavemente -- Não existe ninguém no mundo mais merecedora que você -- sussurrou ela -- Nem um beijo?

Trêmula, Maya passou os braços em torno do pescoço de Jéssica.

-- Obrigada por confiar em mim. Não vou te decepcionar -- Maya sorriu e beijou Jessica por um longo tempo. 

Nícolas tomou o último gole de vinho e pousou a taça vazia sobre a mesa. 

-- Com licença -- o rapaz se levantou e seguiu para a porta -- Estarei aqui amanhã bem cedo, patroa -- prometeu alegremente -- E obrigado outra vez pelo emprego, dona Jessica. 

-- Não vai esperar pela sobremesa, rapaz? Temos gelado de banana com pedaços de chocolate e nozes -- anunciou, Inês.

-- Não, obrigado. Preciso acordar cedo, boa noite.

Vitória se levantou para pegar a sobremesa na geladeira.

-- O Nícolas está radiante com esse novo trabalho. Faz planos o tempo todo.

-- Que tipo de planos, Vitória? -- perguntou, Pepe.

-- Tipo, comprar um carro, viajar nas férias, voltar a estudar...

-- Ele está certo -- comentou, Maya.

-- Ultimamente eu e o Dino vivemos fazendo planos -- Pepe olhou com o canto dos olhos para o namorado -- Entramos na fila do Sistema Nacional de Adoção.

-- Que bom Pepe! -- Vitória colocou a vasilha com sobremesa na mesinha, encheu todas as taças e serviu-as.

-- Fala mais -- pediu Jessica.

Maya virou-se para encará-la.

-- Está pensando em adotar uma criança, amor?

-- Várias -- respondeu, em tom de brincadeira -- Como funciona o processo?

-- O primeiro passo é procurar a Vara de Infância e Juventude e obter informações específicas sobre o processo da comarca. Depois, apresentar uma lista de documentos, como cópia dos documentos pessoais: CPF, identidade, certidão de casamento ou união estável (se for o caso), comprovante de residência, comprovante de bons antecedentes criminais e atestado de saúde física e mental.

-- Será que você passará no exame de saúde mental? -- perguntou Jessica, fingindo seriedade.

-- Jessica! -- ralhou Maya, da cadeira ao lado -- Comentário bem desnecessário esse seu.

-- Minha dúvida deve ser a mesma de todos, só que eu pergunto, vocês não.

-- Você já fez os exames, Pepe? -- perguntou Valquíria, encostada no balcão da pia com uma taça de sorvete na mão -- Deu tudo certo?

Jessica deu uma gargalhada.

-- Praticamente a mesma pergunta só que na versão Valquíria.

Pepe não se importou com a pergunta e respondeu tranquilamente.

-- Eu já providenciei todos os documentos e realizei todos os exames solicitados  -- O brilho em seus olhos revelou seu orgulho pela atitude -- Eu e o Dino estamos bem animados.

-- Vai dar tudo certo, eu tenho certeza -- afirmou Dino, muito convicto e animado.

-- Demora muito? -- perguntou Jessica, olhando diretamente para o rosto de Pepe -- Quero dizer, você vai ter que esperar muito?

-- Vai depender da disponibilização de crianças aptas à adoção dentro do nosso perfil e da existência de uma criança que nele se encaixe.

-- Como assim, Pepe? -- perguntou Vitória.

-- Assim, se seu perfil é de uma criança até 3 anos saudável, do sex* feminino, sem irmãos e branca, possivelmente esperará vários anos, pois a maioria das crianças abrigadas tem mais de 3 anos e são pardas ou negras. 

-- A moça da comarca nos disse que praticamente todos os habilitados da nossa cidade aceitam em seus perfis apenas crianças com estas características, fazendo com que o nosso lugar na fila para esta criança seja bem distante da primeira colocação -- disse Dino, encarando Vitória, com uma expressão triste.

-- E qual é o perfil de vocês?

-- Ah Jess, o nosso perfil é de uma ou duas crianças até 10 anos, de qualquer etnia e sex*.

-- Que lindo, Pepe! -- Inês passou a mão sobre o ombro da camiseta dele como se quisesse desenrugá-lo -- Estou muito orgulhosa de vocês.

-- Então, possivelmente vocês estarão muito próximos ao primeiro lugar da fila adotando então bem rapidamente -- Jessica tinha alegria em sua voz.

-- Queremos os nossos filhos, o que Deus nos enviar receberemos com muito amor e alegria. 

Mesmo depois de toda a emoção vivida na segunda-feira, Jessica e Maya conseguiram dormir bem à noite e acordaram só às oito horas da terça-feira. Sem demora, Maya apanhou o telefone e ligou para o celular de Giovanni, torcendo para que a mensagem caísse na caixa postal. Após o segundo toque, a voz metálica pediu-lhe que deixasse recado.

-- Senhor Giovanni, aqui é Maya. Tudo certo com o senhor? Estou ligando para confirmar nosso encontro de hoje. Dez horas estarei em sua fazenda.

-- Falando com o bonitinho? -- perguntou Jessica com sarcasmo.

-- Ainda bem que caiu na caixa de mensagem, não suporto nem ouvir a voz daquele homem. Preferia não ter que ir até lá.

Jessica sorriu enquanto deslizava o braço ao redor da cintura de Maya e a puxava para mais perto.

-- E você acha que eu jogaria a minha gatinha na jaula de um leão? -- delicadamente, Jessica segurou o rosto dela, baixou a cabeça e roubou-lhe um beijo -- Você agora é uma mulher de negócios, não pode se intimidar diante desses babões.

-- Mas Jess...

-- Confia em mim -- pediu Jessica -- Eu já passei por situações absurdas e hoje tiro isso de letra. Você estará segura.

-- Se você está dizendo...

Maya pegou a bolsa e ajeitou no ombro. Jessica acompanhou-a até o carro.

-- Seja firme, é você quem manda  -- o conselho carinhoso tranquilizou o coração de Maya que deu um beijo suave no rosto da noiva antes de entrar no carro.

-- Te amo, Jess.

-- Também te amo. 

Inês juntou-se a ela quando o carro de Maya sumiu no portão.

-- Tem certeza que foi a melhor decisão? Giovanni não presta.

A preocupação de Inês provocou um sorriso forçado em Jessica. 

-- Não se preocupe, tia -- ela tentou recuperar o humor -- Maya agora é uma empresária. Vai bater de frente com homens desse nível o tempo todo -- ela colocou a mão no cotovelo de Inês -- Você considera a Maya indefesa? 

A resposta risonha dela disse tudo.

-- Jamais, porém, os homens às vezes agem como animais irracionais.

-- Eu sei e, como sei -- Jessica beijou o rosto da tia com carinho -- Preciso ir. 

Inês acariciou a bochecha da sobrinha.

-- Prometa que não vai correr.

-- Prometo. Estou saindo mais cedo -- ela contornou o Corvette, entrou no carro, deu a partida e saiu acelerando pela entrada da propriedade até chegar na avenida. 

Maya e Giovanni caminhavam lado a lado pelos campos perfumados da propriedade da família Collalto.

-- Gostei que a senhorita decidiu vir pessoalmente à minha fazenda.

-- Quero saber tudo sobre as rosas de maio. Ela será o nosso carro chefe.

-- Com certeza procurou a pessoa mais qualificada no assunto. Não vai encontrar no mundo uma pessoa mais conhecedora de rosas que eu.

A vaidade dele quase a fez vomitar.

-- Você sabia que o nosso país é um dos principais produtores do óleo essencial de rosas?

-- Sim, li muito a respeito.

-- Conseguimos esse feito após séculos proporcionando a fabricação de um produto indispensável para os perfumes de luxo. 

-- As técnicas de extração são bem antigas.

-- A técnica de extração é praticada há mais de 350 anos sem grandes mudanças -- disse Giovanni -- O melhor momento para colher as flores é quando ainda estão cobertas de orvalho -- explicou -- Durante os meses de maio e junho arrancamos a flor de seu talo e a guardamos em uma bolsa de plástico. A cada manhã colhemos entre 25 e 30 quilos de pétalas, das quais será extraído entre 7 e 8 gramas de óleo essencial. As flores, uma vez colhidas, são levadas para destilarias, onde são fervidas. O óleo essencial é obtido na destilação a vapor.

-- Teremos a nossa própria destilaria.

-- Isso é bom, vai diminuir bastante o custo do óleo.

-- Qual sua capacidade de produção?

-- Para conseguir 1 kg de óleo é preciso pelo menos 3.500 kg de pétalas. Para a produção anual de 1.500 kg de essência são necessárias 5,25 toneladas de pétalas.

-- E o valor?

-- Entre 6.000 e 6.500 euros o quilo -- a boca de Giovanni se curvou num sorriso irritantemente cínico -- Porém, para a minha cliente especial o valor poderá ser bem mais atraente -- ele passou a mão pelo ombro dela -- Fico fascinado com você, sinto-me pegando fogo. 

-- Bom dia! Ouvi a palavra fogo?

Giovanni olhou para o homem de dois metros posicionado entre eles.

-- Quem é você? -- limpou a garganta -- O que faz aqui?

Maya olhou para os dois e interveio imediatamente. 

-- Esse é o Capone -- disse, um pouco sem graça.

-- Mais conhecido como o bombeiro do Vale das Rosas -- disse Capone, dando um tapinha de leve no rosto de Giovanni.

 

 

Fim do capítulo