Duas mulheres jovens, muito bonitas e aparentemente ricas chegavam em um táxi luxuoso. Jailson abriu a porta do veículo solícito.

 

--Bom dia! – cumprimentou sorridente

 

--Bom dia. – as duas responderam desconfiadas – Motorista, é aqui mesmo? – Bárbara perguntou estranhando

 

--Não parece nada com o das fotos!– Bianca reparava em tudo -- E nem é um hotel pé na areia!

 

--As senhoras perdoem, mas o Morada dos Deuses Palace Hotel é esse aqui. Tem outro não! – o homem respondeu olhando pelo retrovisor

 

--É esse mesmo, visse? – Jailson abriu a outra porta do carro – Pode vir sem susto! – continuava sorrindo

 

Percebendo que as mulheres titubeavam, Duarte correu até a portaria para ajudar a recebê-las.

 

--Chegaram umas mulher com pinta de rica! – Abigail olhou na direção – Será que se perderam? – achava estranho – Já fiquei espantada com aquela dona Martina tendo se hospedado aqui. – pensou um pouco – Ah, deve ser porque os outros hotéis não aceitam hospedar um filhote de Satanás. – lembrava do gato

 

--Duarte foi lá curiar. – Rita reparava também – Falando nele, -- olhou para a outra -- ponha tuas barbas de molho porque hoje é teu primeiro dia depois daquelas folgas e ele passou esse tempo todo com sangue nos olhos te esperando voltar. – advertiu

 

--Deixe ele comigo. – respondeu de pronto – Faz medo não. – usava o computador

 

As duas mulheres entraram na recepção olhando para todos os lados. Jailson vinha atrás carregando milhares de malas no carrinho e Duarte as acompanhava fazendo a propaganda do hotel.

 

--Vejam bem, senhoras, foi realmente um erro dos deuses! – tentava ser simpático – O Morada é sua melhor opção em Natal!

 

--Melhor opção? – Bianca parou diante da recepção – “Caidinho isso aqui!” – pensou insatisfeita

 

--A agência de viagens comeu uma mosca colossal! A gente queria o resort Morada de Deuses, na Via Costeira, suíte premium de frente pro mar! E veio parar aqui... – Bárbara suspirou contrariada

 

Duarte ficou sem graça. – Certamente não estamos de frente pro mar, mas a localização é ótima! – tentava convencê-las – Perto de dois bons shoppings, a meio caminho de tudo de bom em Natal... – gesticulava

 

--Eu vou ligar pra agência! – Bárbara anunciou ao pegar o celular

 

--Por que não fazem isso dentro do quarto? – o homem ofereceu – Aí as senhoras aproveitam pra espairecer, descansar da viagem... – continuava sorrindo

 

Bárbara ignorou o comentário e saiu de perto. Alguém a atendeu do outro lado e ela iniciou uma discussão. Bianca foi para perto dela e acompanhava tudo com interesse.

 

--Essas duas não vão querer pousar aqui não! – Rita concluiu observando

 

--As duas únicas hóspedes de agência que têm aqui são Bárbara Lucena e Bianca Serrado. – Abigail lia no computador – Se são essas, a reserva era pro quarto master do último andar. E por três semanas!

 

--Três semanas?? – Duarte arregalou os olhos – Ah, mas a gente não pode perder essas duas! – prestava atenção nelas – Abigail! – olhou para a funcionária – Você me deve uma! Aquela história do gato! – espremeu os olhinhos – Ou você dá teu jeito dessas mulher ficar aqui hospedada ou eu faço uma cangancha e te ponho no olho da rua!

 

--Oxe! – as duas funcionárias exclamaram revoltadas – Duarte, eu tô ouvindo isso! Sirvo de testemunha, visse?

 

--Pois eu invento uma cangancha pra você também, Rita! – ameaçou – E rua!

 

--Abigail, pelas caridade! – segurou a amiga pelo blazer – Vá lá e faz as mulher querer pousar aqui! – pediu apavorada – Não tô podendo perder esse emprego, não!

 

--Ô, Pai Santo... – desvencilhou-se da outra – Tudo bem, eu vou convencer as mulher. – preparou-se para abordá-las – “E se meu detector de sapatice não tiver batendo biela, já sei até como vai ser!” – pensou

 

Bárbara acabava de desligar o telefone revoltada. – Acredita? – olhou para a outra – Eles tiveram a cara de dizer que foi tudo um erro de digitação! E alegam que não tem mais vaga no hotel que a gente queria!

 

--Ah, mas se não tiver naquele tem em outro similar! – Bianca respondeu de pronto – Não é possível!

 

--É... com licença? – abordava as duas que olharam para ela – Meu nome é Abigail Trindade e trabalho na recepção. – apresentava-se educadamente -- Eu não pude deixar de ouvir, mil perdões, mas Natal é uma capital que recebe muitos turistas e estamos em plena alta temporada. Semana que vem é carnaval! Muito provavelmente não haverá hotéis disponíveis na Via Costeira e até em Ponta Negra os melhores destinos estarão cem porcento cheios. – falava a verdade – De fato, nosso gerente Duarte não estava brincando quando falou que o erro na reserva das senhoras foi uma intervenção dos deuses. – aproximou-se um pouco mais – Esse hotel é o único estabelecimento decente completamente gay friendly da cidade! – mentiu – “Tomara que eu tenha falado essas palavra em inglês do jeito certo!” – pensava – “Li isso numa revista mas não sei como é que se diz!”

 

As duas se entreolharam. – Ah, é? – Bianca perguntou surpreendida – Não tem outros?

 

--Não mesmo! – mentiu descaradamente – E eu... – indicou um pequeno pin no formato de arco-íris pregado na plaquinha com seu nome – sou lésbica! – afirmou sem rodeios – Infelizmente nossa cidade ainda não conta com uma noite LGBT como a gente gostaria, mas estou à disposição para orientá-las em tudo que precisarem neste sentido. – pausou brevemente – E de um modo geral também! – complementou

 

--Ah, então... – Bárbara olhou para a namorada – Se é assim, ficamos aqui. O que você acha, amor?

 

--Concordo. – Bianca balançava a cabeça positivamente

 

Abigail sorriu vitoriosa e se encaminhou com as mulheres para fazer o check in. “Toma, papudo!” – pensou

 

***

 

Sayruci e Latifah tomavam café da manhã juntas. A jovem se dividia entre se alimentar e dar atenção aos seguidores no Fuçagram.

 

--Querida, por que não deixa isso pra depois? – a mãe propôs educamente – A hora da alimentação não pode ser interrompida desse jeito. O corpo não absorve os alimentos direito. – pensou em outro argumento – É o tipo de coisa que... dá rugas! – mentiu – Primeiro você toma seu café, depois usa o celular.

 

--Rugas? – arregalou os olhos – Aí não, né? – deixou o celular de lado – Meus followers esperam! – respondeu divertida

 

“Eu sabia que ia dar certo!” – pensou satisfeita – Sabe que... – tentava introduzir o assunto de seu interesse – Não me esqueço mais daquela história sobre Ihab? – deu uma garfada na salada de frutas – Eu nunca poderia imaginar!

 

--Pois eu não me surpreendi tanto assim! – bebeu um gole de suco – Aqueles pudores todos com meus trabalhos de fotografia, sempre me olhando com aquela carinha de nojo... – lembrava do rapaz – Despeito de mona que não saiu do armário, daí! – deu uma garfada

 

--Com tudo isso fico com pena dele. – falava com jeito – Deve ser muito doloroso a pessoa não poder ser quem realmente é. – queria saber como a filha pensava – Imagine isso! Ele é gay e por viver no meio de uma família conservadora vai passar o resto da vida se escondendo, muito provavelmente... – deu mais uma garfada

 

--Isso é! Talvez seja por isso que é tão antipático. Tem raiva do mundo por não ter liberdade pra viver como gostaria. – deu mais uma garfada

 

--Seu pai certamente não aceitaria um filho assim. – continuava sondando – Mas eu... sinceramente acho nada de mais. – falava como se tivesse receio

 

Latifah olhou impressionada para a mãe. – Jura, mamys? – perguntou olhando para ela – Que massa! Adorei saber que você tem a cabeça aberta! – bebeu outro gole de suco – A única coisa que te estraga é essa mania de querer sempre saber pra onde eu vou e com quem! – riu divertida

 

Riu também. – Toda mãe que se preze quer saber sobre seus filhos, meu bem!

 

--Hum. – limpou os lábios com o guardanapo – Margô, dá uma passadinha no meu quarto e vê se eu deixei o notebook carregando? – olhava para a mulher – Se não deixei, pluga ele na tomada, please? – pediu e observou a mulher se retirar – Não gosto quando ela fica parada aí pescando tudo que a gente fala! – referia-se à governanta

 

A mãe achou graça. “Faz parte da vigilância do seu pai, meu bem.” – pensou

 

--Eu acho o pessoal daqui muito reaça, mamys. I mean, nosso clã e as demais famílias cheias de tradição e pompa que andam com a gente. – falava com afetação – Tudo é feio, tudo é condenável... – revirou os olhos – E mais essa coisa super old fashion de arranjar casamento pros filhos! – gesticulava – Vê lá se eu hoje, no esplendor dos meus vinte aninhos, tô pensando em casamento? No way! – voltou a comer – “Tem muita merd* pra fazer ainda!” -- pensou

 

--Eu não me identifico, definitivamente, não! – acabava de comer – E tampouco desejo arranjar um casamento pra você. – olhava para a jovem – Mas por ora, seu pai vai se aquietar. Essa surpresa com Ihab o deixou cismado.

 

--Tipo seu casamento, né, mamys? – perguntou subitamente – Arranjo total, não foi? “Juntar o seu com o meu” – fez aspas com os dedos -- numa união conveniente de duas famílias riquinhas da região.

 

--Sim. – respondeu timidamente – E eu não tive coragem de dizer não. – bebeu o último gole de suco

 

--E você... – pensava em como perguntar – Cê gostava de outra pessoa na época? – queria saber

 

Sentiu as bochechas queimarem. – Amava, na verdade. – não tinha coragem de olhar para a filha – “Quisera eu ter coragem de contar a ela...” – pensou – “Mas também não poderia ser aqui. Não gostaria que ninguém mais ouvisse e essa casa é vigiada demais.”

 

--Nossa, que babado fortíssimo é esse que eu não sei, dona Sayruci? – perguntou animada – Era daqui, esse teu amor bandido?

 

Achou graça e respondeu timidamente. – Nós nos conhecemos no breve período em que estudei na UFRJ. – não conseguia encará-la – “Como será que ela reagiria se soubesse que era uma mulher?” – perguntava-se mentalmente

 

O celular de Latifah começa a vibrar. – Ai, é a Bia. – olhava para a tela do aparelho – Depois a gente conversa, mamys! – levantou-se e soprou um beijinho – Buenos dias! – atendeu animada – Tô sabendo que você pegou o maior gato na festa da Pri! – foi andando para fora de casa – Conta tudo agora, sem poupar nas partes tórridas!

 

Sayruci acompanhou a filha com o olhar e suspirou. “Pelo menos sei que ela não tem preconceito com pessoas homossexuais...” – pensava – “Falta saber como seria se uma dessas pessoas fosse eu!”

 

***

 

Vera terminava o dia fazendo sua última entrega de chocolate erótico. – Graças a Deus! – parou a moto diante de uma casa grande – Pode ser bom que esses trem venda tanto, mas morro de vergonha. – apertou a campanhia – E parece até que Socorro aumentou o tamanho, Ave Maria. – reparava no embrulho

 

--Fala. – um rapaz sem camisa se apresentou na janela

 

--Chocolate. – respondeu timidamente

 

--Ah, tá. – saiu da janela e fechou a cortina

 

Poucos segundos depois a porta se abriu e uma senhora idosa veio receber a entrega.

 

“Ai, não!” – Vera pensou arregalando os olhos – “Em vez do desgraçado vir, manda uma senhora!”

 

--Boa tarde, minha filha. – a mulher cumprimentou

 

--Boa tarde. – respondeu sem graça – Encomenda pro senhor Rubens de Sá.

 

--É meu neto. – abriu a portão da rua – A natureza chamou, sabe como é. – respondeu divertida

 

“E tinha que dar um piriri no diacho justo agora!” – pensou contrariada – Está aqui. – entregou o embrulho para a mulher – Quando ele se desocupar, recebe, né? – sorria sem graça – Tchau! – apressou-se para partir

 

--Mas o que é isso? Meu neto comprou uma espada? – a idosa estranhou o formato do embrulho e na sequência olhou para a moto de Vera – Mas aí tá escrito chocolate... – tentava ler o resto

 

--Gótico! – sentou-se rapidamente na moto – Chocolate gótico! – mentiu – Coisa de jovem mesmo. – desejava sumir -- Deixa que depois ele abre o embrulho. – sorria constrangida

 

--Pois a senhora fique na sua aí, porque não quero ver meu neto sendo lesado! – começou a desembrulhar – Tem que ver se é chocolate mesmo, se tá inteiro, quebrado... – olhou rapidamente para Vera – Você só vai embora depois que eu confirmar tudo!

 

“Minha Nossa Senhora!” – pensou angustiada tentando dar partida na moto – “Até a peste da moto achou de se danar!”

 

--Mas o que...?? – deu de cara com um tremendo p*nis de chocolate – O quê que é isso?? – arregalou os olhos – Você traz um... um... – chacoalhava -- um troço desse de chocolate pro meu neto?? – perguntou escandalizada

 

--Senhora, foi ele que pediu! – tentava arrancar com a moto – Não tenho culpa que ele gosta do trem, uai! – estava nervosa

 

--Tá querendo insinuar...? – com os movimentos da idosa o chocolate quebra no meio e o leite condensado começa a escorrer – AH, mas o que é isso??? – perguntou enojada – Queima, Satanás, que sai até um caldo de dentro! – jogou o chocolate no chão – Socorro! Tem uma tarada no meu portão! – começou a gritar ensandecida – AHAH! – pisava em cima do doce

 

Finalmente a moto dá partida. – Deixa eu sumir daqui! – Vera se arrancou enquanto uma pequena multidão começava a se juntar na rua

 

“Puta que pariu!” – Rubens pensava sentado no vaso – “Vovó abriu meu pacote!” – arregalou os olhos

 

***

 

Depois de realizar as demais entregas do dia e de passar horas com o zelador do prédio consertando a bomba d’água, Vera tomou um banho e dedicou-se à leitura do conto que vinha acompanhando. Profundamente tocada pelo que leu, resolveu escrever um longo e-mail à autora, sendo o mais sincera e transparente possível. Admirava muito os textos da Khaalii e desejava imensamente poder conversar com ela. Não tinha a pretensão de conhece-la por se achar desinteressante demais.

 

--Depois desse e-mail de 300 linhas de caipirice a mulher não vai querer me dar nem tchum! – considerou -- Se tivesse que pensar em levar um tantinho de prosa que fosse comigo, já ia desistir! – falava consigo mesma – Então, tá então! – deixou o celular de lado – Agora já foi. – suspirou – Se um dia ela ler...

 

E de repente, o som de água saindo pelo ladrão despertou-a de suas conjecturas.

 

--Eita, boi, que agora tá vazando! – abriu a porta e foi descendo as escadas rapidamente – Vida de síndica não é fácil! – resmungou baixinho

 

***

--Que foi, mulher? – Abigail reparava em Rita de cara feia – Que aperreio é esse? – chegava na recepção

 

--É um hóspede lá na piscina com os dois menino dele! – fez um bico -- Acredita que o cabra tá enchendo a cara de cerveja e os menino aprontando todas? Claro que ele não tá vendo nada! -- reclamou

 

--Hum... Tem tudo pra dar merd*! – fez um bico também – Acabei de resolver os problema da sala de convenções agora e Duarte foi correndo pro banco porque deu uma zica por lá. – contava – Jailson cadê?

 

--Ajudando o pessoal do restaurante a tentar estancar um vazamento. Tem que ver o aguaceiro!

 

--Oxe! – pôs as mãos na cintura – Tu guenta mais tempo sozinha na recepção enquanto eu vou lá curiar o homi e mais os menino?

 

--Pelas caridade, vá lá! – pediu – Quero saber de menino morto e polícia aqui não! – benzeu-se – Desconjuro!

 

--Eu vou lá! – seguiu em direção à piscina – Sempre falei pra Duarte que não devia ter isso de poder beber cerveja na piscina, mas ele não escuta! – reclamava sozinha – Agora vou eu servir de babá de menino de pai bebum quase na hora de meu almoço!

 

Ao chegar na piscina, Abigail observou que o pai dos meninos já havia tomado várias latas de cerveja enquanto as crianças corriam, pulavam na água, saíam da piscina e voltavam a pular repetidas vezes.

 

--Ave Maria, espia o estado dessa piscina! E esses menino tão pedindo pra se machucar! – aproximou-se do homem – Senhor, bom dia. – ele olhou com cara de tonto – Não me leve a mal, mas não seria melhor o senhor subir pro seu quarto com seus filhos? Já é quase de meio dia, sol quente na cabeça, esses menino correndo e pulando na piscina... Pode dar em acidente.

 

--Meio dia? – perguntou abestalhado – Eu tava pensando em ficar aqui até meia noite, aí... – ajeitou-se na cadeira de plástico  -- Meio com meia dá uma inteira! – riu sem noção do que dizia

 

“Esse aí já tá entregue...” – pensou revirando os olhos – Está certo. Fica do gosto do senhor. – preparou-se para partir – “O negócio é ficar acompanhando pelas câmera e rezar pra que nada de ruim aconteça.” – pensou contrariada

 

--Pai, pai!! – um dos garotos gritou apavorado de dentro d’água – Meu irmão tá preso na escada, não consegue subir! – estava aflito

 

Abigail olhou para trás e percebeu borbulhas perto da escada. – Vixe! – exclamou preocupada

 

--É só botar um pé na frente do outro na escada... – o homem respondeu sem noção

 

--Ele vai morrer! – começou a chorar – Ajuda, moça! – olhou para a mulher – Socorro! – gritou

 

Sem pensar duas vezes, Abigail tirou os sapatos e o blazer e se jogou na piscina. Percebeu que a blusa do menino estava enganchada num sulco da escada e que a criança se debatia em desespero. Ao se aproximar foi agarrada por ele e lutou para poder libertá-lo sem se afogar também. Depois de segundos que lhe pareceram horas, conseguiu salvar o garoto mesmo tendo sido arranhada e engolido muita água. Ambos emergiram na piscina e se agarraram na borda tossindo violentamente.

 

--Conseguiu!!! – o irmão comemorou e nadou até eles – Conseguiu!! – olhava admirado para Abigail

 

--Sai dessa piscina! – a mulher ordenou – Os dois, sai! – tossiu

 

Saiu da água. -- Vem, Juninho! – ajudou o irmão que ainda tossia – Sai daí! – deitaram-se os dois no chão

 

--Ah! – respirava com dificuldade – Ai! – tossia

 

--Ave Maria! – a mulher saiu da água também – “Quando não é lanhada por gato é por menino!” – olhava para os próprios braços – Tudo bem aí? – tossiu também

 

--Ai... – conseguiu se sentar – Tô... – tossiu – Obrigada! – tossiu novamente

 

--Você viu? Ela fez igual o Aquaman! – contava para o irmão – Veio correndo e se jogou assim, -- imitava – e nadou assim e pegou você assim e lutou com a escada assim... – gesticulava empolgado

 

--Crianças... – a mulher achou engraçado e tossiu

 

--Cês tão tossindo, hein? – o pai comentou intrigado – Deve ser o vento! – bebeu mais um gole de cerveja – Sai da água tooodo mundo! – ordenou com atraso – Vitamina C! – mal abria os olhos

 

--Humpf! – a mulher fez um bico – Bicho besta! -- tossiu

 

***

 

--Ora, mas o senhor não precisava fazer o check out mais cedo! – Duarte buscava convencer o hóspede – Nós temos o maior prazer em tê-los aqui conosco! Um pai de família tão agradável! -- bajulava

 

Rita e Abigail se entreolharam e reviraram os olhos.

 

--Eu fiquei muito envergonhado. – o homem respondeu cabisbaixo – Não tenho sido sábio em administrar a vida após o divórcio e quase perdi meu filho ontem por causa disso. Não fosse pela senhora Abigail... – olhou para a recepção

 

--Ela é o Aquaman, pai! – um menino afirmou animado

 

--Aquaman, pai! – o outro concordou

 

--Nossos funcionários recebem treinamento de emergência e estão aptos a resolver qualquer parada! – Duarte afirmou convencido – Somos uma verdadeira Liga da Justiça! – tentou mostrar o bíceps por baixo do uniforme

 

--Hum, desde quando? – Rita perguntou para a amiga

 

--Ô, bicho firuleiro! – Abigail balançou a cabeça contrariada

 

--Não dá. Foi mal. – o homem respondeu ao gerente – Vamos voltar pra casa. – estava decidido – Eu só queria antes ter uma palavrinha com a senhora Abigail. – começou a chorar – Ela salvou meu filho, salvou minha vida... – abriu o berreiro – Ah!!

 

--Pai, eu quero tirar foto com ela! – um filho pediu

 

--Eu também! – o outro concordou

 

--Parece que agora virasse uma super heroína dos menino! – Rita comentou animada

 

“Isso é o prenúncio do sucesso que me espera!” – sorriu orgulhosa

 

***

 

--O senhor não precisa mais me agradecer. – acompanhava a família até o táxi – Não precisa ficar me dando gorjeta e nem nada disso. Fiz o que fiz porque achei que era o certo, não sabe?

 

--Tenho uma dívida com senhora que nunca será paga, mas eu queria ajudar de alguma forma. – aproximou-se e falou um pouco mais baixo – Percebi que a vida de vocês aqui é muito punk!

 

--Isso é... – pensou em uma coisa – O senhor mora em São Paulo, não é verdade? – tirou um papelzinho do bolso do blazer – Esse aqui é um endereço que venho pesquisando. O nome que tá escrito aí é de uma tia avó que eu nunca conheci. – entregou o papel ao homem – Mas ela conheceu mãínha. – pausou brevemente – Se o senhor conseguir encontrar ela e pedir pra que entre em contato comigo, ligando aqui pro hotel, vai me dar uma ajuda enorme, não sabe? – pediu esperançosa – Ela pode até não querer me ligar, mas eu queria ao menos tentar...

 

--Conte comigo! – guardou o papel dentro da carteira – Eu vou achar essa senhora nem que seja a última coisa que eu faça! – prometeu – E vou insistir muito pra ela entrar em contato. – sorriu – Vou dizer que a senhora me ajudou nesse momento de fragilidade e salvou meu filho na piscina... – começou a chorar – Ah, mas eu digo, -- inesperadamente abraçou a outra – digo sim... – e tome de chorar

 

--Aquaman, Aquaman!! – os meninos começaram a pular e cantar

 

--Calma, homi, tá tudo bem! – consolava o hóspede que a sufocava em um abraço de urso – “Cabra pra chorar...” – dava tapinhas nas costas do outro -- “Mas eu tenho que acostumar com essa comoção. É o preço de virar celebridade!” -- pensava

 

***

 

Samir dormia de barriga para cima roncando sonoramente com a boca aberta. Sayruci havia acabado de sair do banheiro. Satisfeito com o movimento e sucesso dos negócios no período de carnaval e após, incluindo o evento do dia das mulheres organizado pela esposa, conseguiu fazer sex* com a mulher naquela noite.

 

“Vinha sendo tão bom com ele naquela impotência toda!” – pensou contrariada enquanto enxugava os cabelos com a toalha – “Conseguiu duas vezes hoje, que inferno!” – olhou para o homem – “Tristeza!”

 

Minutos depois, estava no quarto onde costumava a escrever e abriu o notebook para ver se havia comentários a responder sobre seus contos. Após dar atenção a todos eles, decidiu consultar os e-mails da autora.

 

“Não entro aqui desde antes do carnaval.” – pensou – “Vamos ver se alguém me escreveu.”

 

Um título chamou sua atenção e decidiu começar por aquele e-mail. – Cumprimentos de uma Caipira. – leu em voz baixa – O que será que essa tal Caipira tem a me dizer? – clicou para abrir – Nossa, que grande! – achou graça – Vamos ler. – começou a leitura

 

Oi!

Desculpe porque eu não sou tão boa quanto você na escrita, loooonge disso, mas ainda assim me engracei de entrar em contato porque seus contos mexem muito comigo. Especialmente esse atual. Eu leio e me vejo ali.

Você escreve como quem viveu e não como quem fantasiou uma realidade. Você fala de solidão como quem sente e eu sinto também então logo parece que... eu não sei... É como ler sobre alguém que tá perto de mim, embora não esteja. Você entende? É como se eu lesse sobre alguém que entende tudo que eu sinto.

Tem um monte de lugar que você fala que eu nunca nem sonhei de conhecer mas eu fico imaginando e me vejo lá junto com as personagens. E tem sempre uns trem meio árabe... aí eu cismei e tomei até a liberdade de pesquisar o que significa seu nome de Khaalii porque desconfiei que era palavra árabe e depois de muita labuta descobri que era Vazio. Aí lembrei que no seu primeiro conto você escreveu: “O vazio é tudo que preenche a solidão”.

 

--Nossa! – sorriu para a tela do computador – Ela percebeu... – comentou admirada antes de voltar a ler

 

Meu nome é Vera e no site onde você posta os contos sou a Caipi porque não consegui escrever o ra quando me cadastrei (pura caipirice). Eu nasci em Goiás numa fazenda que meu pai administrava. Minha mãe morreu no parto e isso marcou minha vida pra sempre... No fundo meu pai me acha culpada por isso e nunca foi chegado a mim, nem a família dele. Minha mãe era órfão então não tinha família. Depois que ele casou de novo só piorou porque a mulher dele nunca me suportou e ficou feliz por demais da conta quando descobriu que eu sou lésbica. Fui proibida de pisar na roça e não apareço lá há uns 15 anos.

 Antes disso eu tinha saído de lá pra estudar no curso técnico de agrimensura em Goiânia só que não me formei porque quando ia pro último ano meu pai me mandou largar tudo pra ajudar a trabalhar na fazenda. Patrão tava demandando mais braço pra lida e o pai achou que alguns desses braços tinham que ser os meus. Também cheguei a estudar um pouco de fotografia graças a uma professora muito bacana e acabei vivendo disso, fazendo um bico aqui e outro acolá depois que fui expulsa da roça. Vim pra São Paulo, porque prima Socorro já vivia aqui com o marido e ela me convidou...

Nesse tempo todo foi só a solidão que sempre esteve comigo.

 

--Vidas tão diferentes as nossas... – falava sozinha – E ao mesmo tempo parecem tão iguais. – Sayruci lia com muito interesse

 

Eu andava trabalhando como fotógrafa, câmera e quebra galho no editorial de um jornalzinho safado, mas quando é fé sempre vem surpresa na vida né? Veio a demissão e virei entregadora de chocolate pornô. Pode rir, é isso mesmo, uai.

É por causa das ideia de prima Socorro e o marido dela. Aceitei porque tá cada vez mais difícil trabalhar como fotógrafa no meio da modernidade de hoje.

 

Riu de verdade. – Como assim, entregadora de chocolate pornô? – achava graça – Chocolate pornô? – nunca havia visto – “Será que são bonequinhos de chocolate fazendo sex*? Nunca vi isso nem naquelas tranqueiras que vendem em Ciudad del Este!” -- pensava

 

E eu não vou mentir. Sou uma mulher feia! Sou alta, de 1,80m mais ou menos, forte mas nada atlética nem gostosa. Como dizia minha madrasta sou do tipo enjambrada. Não uso vestido, saia, esses trem, porque fica parecendo travesti de programa de humor. Ando sempre de calça comprida, bermuda... Tenho 35 anos e até pareço um pouco mais nova, só que dá jeito não porque a boniteza é quase zero!

Você já deve ter percebido que sou pobre também. Depois que caí nessa esparrela de chocolate pornô virei síndica do prédio pra não pagar condomínio. Enfim, partido péssimo!

Mas eu não tô dizendo isso pra dar cantada, viu? Tô só esclarecendo os pormenor. Até porque se fosse cantada era nessa hora que o trem desandava!

 

Riu novamente. – Mas eu estou te achando uma gracinha... – apoiou o queixo sobre uma das mãos

 

Prima Socorro até fala que eu sou uma caipira saliente mas sabe daquele tipo que gosta mas não dá sorte? Sou eu. Na verdade tenho muito da sua personagem Sulah que baba pelas mulher que passava mas tudo que ela quer mesmo é um grande amor. Não é porque seja canalha...

 

--Sabia que eu adoro a Sulah, dona Caipira? – continuava conversando com o computador

 

Zayah também me faz lembrar de mim, sempre que ela fala da solidão...

Então era isso... não queria tomar muito do seu tempo. Era só pra dizer que adoro seus contos, acho você a melhor autora do site (melhor até que a Black Velveteen) e queria que você soubesse disso. Não que a minha opinião valha de alguma coisa mas eu queria que você soubesse. Vai que isso alegra seu dia?

 

--Você não tem ideia do quanto alegrou! – sorria para a tela

 

Se quiser responder nem que seja pra despachar a caipira eu adoraria ler. Se não quiser eu vou entender.

Agora deixa eu falar sobre o conto? Tentei postar comentário no site mas como só uso celular tem horas que dá uns enguiço e não sai o que a gente escreve.

Tô torcendo pra Zayah terminar ficando com a Sulah. Acho um casal lindo por demais da conta e ver as duas juntas seria como se fosse eu junto com meu grande amor. Elas vieram de mundos muito diferentes mas se completam no jeitinho uma da outra.

Já notei que você é autora secreta e não fala de si, mas se um dia quiser prosear comigo meu número é 11 99887-7660. E tem QQOV? nele.

Aposto que tem uma pá de mulher que te pede isso e um pouco mais e não seria uma caipira como eu a conseguir uma honra dessa, mas a gente tem que tentar não é mesmo? Eu penso assim, o não já tenho sempre então vai que se tentar surge um sim?

Perdoa os abuso. Escrevi esse tanto no maior respeito e consideração de admiradora e fã!

Beijos,

Vera

 

Terminou de ler e permaneceu sorrindo para o computador. Levantou-se da cadeira e andou um pouco pelo quarto. “Conversar com ela por telefone está fora de questão!” – pensava – “Não quero que ninguém saiba quem eu sou e não posso sair confiando assim...” – passou a mão nos cabelos – “Mas responder o e-mail não faz mal algum.” – decidiu – É, não faz! – voltou a se sentar -- Vamos lá, dona Caipira. – começou a digitar sua resposta – Vou te responder. – sorria

 

***

 

--Esse perfil no SeuTubo tá ficando irado!! – Patrícia caprichava – Depois dessa repaginada que eu tô dando vai ficar fácil me tornar uma influencer das mais fodas! – sonhava alto – Conquistar de vez meu público LGBT, especialmente as sapinhas... – prestava atenção ao que fazia – Ai, mas o Congresso também vai ser uma oportunidade e tanto! – sorria excitada – Hum, acho que vou comprar uma roupa bem poderosa pra chegar lá arrasando! – pensava em várias coisas ao mesmo tempo – Vamos por parte, tem que focar! – voltou a pensar somente no perfil – Quase terminando!

 

E nisso o celular toca.

 

--Betinha. – reconheceu o número e atendeu com os fones – Fala amiga! Tô dando uma repaginada no meu perfil no SeuTubo!

 

--Ah, tá. – não se interessou muito – Paty, dá um tempo nisso aí e revisa a matéria do mês, por favor? A autora reclamou que tem umas coisas lá diferentes do que ela te disse.

 

--Jura?? – arregalou os olhos – Mas eu passei pra ela revisar e disse que tava tudo ok! – não entendia

 

--Olha teus e-mails. Parece que ela revisou de novo, sei lá.

 

--Vou ver agora. – interrompeu o que fazia – Resolvo tudo e te envio em dois tempos.

 

--Prioriza isso, tá legal? Queria postar logo hoje à noite, mas antes das nove.

 

--Tá legal, amiga, deixa comigo. – concordou – Beijinho! – ouviu a ligação sendo encerrada – Essas autoras... Complicadinhas, né? Depois que caem nas graças da mulherada ficam tudo Sisi! – revirou os olhos – Difícil de aturar, puta que pariu!

 

--DONA PATRÍCIA!! – Joelma entrava na sala gritando – O que a senhora faz aí e não na portaria recebendo o EMBRULHEX que chegou?? – perguntou furiosa

 

--Ai, meus sais! – foi fechado todas as abas de sites abertas no computador – Tô indo agora! – respondeu esbaforida

 

--Eles disseram que ligaram pra cá três vezes! – parou diante da mesa da outra – Você tava com o ouvido aonde que não escutou??

 

--Três vezes? – olhou para a bina do telefone fixo – “E o pior é que é verdade!” – pensou – “O SeuTubo me abduziu de uma forma tal que me desliguei do mundo!” – levantou-se da mesa

 

--Corre, mulher, tá esperando o que?? – gritou novamente

 

--Tô indo, chefinha! – saiu como uma flecha – Eu preciso decolar como digital influencer, não aguento mais isso! -- resmungava

 

--Corre! – a voz de Joelma ecoava de longe

 

--Tô indo! – entrou no elevador – Retiro o que eu disse, é muito melhor aturar autora!

 

***

 

Alguns hóspedes conversavam no hall do hotel enquanto Abigail trabalhava no computador da recepção.

 

--Vocês não podem deixar de conhecer o Egito, gente! – uma mulher comentou afetada – Um lugar incrível, cheio de História e um glamour ancestral apesar da pobreza da maior parte do povo! – gesticulava – Tudo parece te remeter a um passado glorioso, lembrando toda hora o que a gente aprende nas aulas de História Antiga. – olhava para seus ouvintes – E as pessoas têm um olhar penetrante, sabe? As mulheres são a pura aura do mistério! – espremeu os olhinhos

 

“Hum...” – Abigail foi despertada pela palavra mistério – “Isso muito me interessa!” – pensou

 

--E por onde você esteve, Flavinha? – um homem perguntou – Minha esposa e eu desejamos dar uma passeada por lá, né, amor? – olhou para a amada

 

--Sim, sim, eu queria muito! – a mulher concordou

 

--Estive no Cairo e arredores, além de ter feito um cruzeiro magnífico pelo rio Nilo, descendo de Luxor até Assuã. – contava se exibindo – Depois voltei pra casa, mas não antes de dar uma esticadinha em Paris, né? O básico! – riu brevemente

 

--Mulher, você fez um cruzeiro pelo Nilo? – uma jovem perguntou interessada – E como foi?

 

--MA-RA-VI-LHO-SO! – respondeu enfática – Cruzeiro de luxo, comida espetacular e festas incríveis pra entreter a noite da gente! – contava animada – Voltei toda endividada, mas passei pobreza por uma boa causa! – riu de si mesma – Deixa eu mostrar as fotos da festa Noite no Egito! – pegou o celular – Olha só. – entregou o aparelho para uma das ouvintes

 

--Guria, que roupa é essa? – a mulher observou impressionada – Bah, mas estás linda aqui!

 

--Vestida como rainha, meu bem! – Flávia respondeu orgulhosa

 

“Eu tenho que me aproximar dessa mulher!” – Abigail decidiu – “Esse negócio de aura de mistério egípcia pode ser o que faltava pra me ajudar a escolher o codnome que tanto procuro!” – pensava

 

Minutos depois o grupo se dispersou e a mulher seguiu sozinha para o lobby bar. Abigail concluiu as tarefas mais urgentes e decidiu que era o momento de abordá-la. – Rita, segura as pontas aqui na recepção que preciso assuntar umas coisinha! – comunicou à amiga

 

--Tá certo. Mas se demore não que você sabe como a coisa aqui é agitada! – advertiu

 

--Deixe comigo! – deu tchauzinho para a amiga e se aproximou da hóspede – “Essa mulher é do tipo que gosta de bajulação!” – pensava – “Então tome de bajular, não sabe?” – parou diante da outra – Bom dia, senhora, poderia ter um minutinho de sua atenção? – perguntou com formalidade

 

--Pois não. – olhou desconfiada para a funcionária

 

--Eu não quero incomodá-la, mas é que... não pude deixar de ouvir sua conversa hoje. – caprichava nos modos – Como uma apaixonada que sou pelo Egito fiquei ali na recepção bebendo cada palavra sua. Não é sempre que tenho a oportunidade em conhecer uma pessoa tão culta e viajada quanto a senhora. A aula que deu aqui pra aqueles seus amigos foi de tirar o fôlego. Fiquei deveras impressionada! – bajulava – “Eita, que me superei! Nem Duarte daria uma puxada dessa!” – pensou

 

--Ah, meu Deus... – passou a mão nos cabelos – Que é isso? – respondeu com falsa modéstia – Quisera eu ser essa coisa toda! Sou apenas uma mulher que gosta de viajar.

 

--Gosta de viajar e entende dos lugares por onde passa! – continuava bajulando – Viajar qualquer um pode, desde que com dinheiro no bolso. Mas viajar com a classe da senhora e absorvendo a cultura local, aprendendo, sabendo apreciar com tamanha majestade... Aí é para poucas! – sorria

 

“Que funcionária gentil, essa!” – pensou toda prosa – Ai, assim você me deixa até sem graça... – cobriu brevemente o rosto com uma das mãos

 

--Eu seria muito inconveniente se pedisse a senhora para me ensinar sobre o Egito? – pediu humildemente – Sobre o que a senhora viu, aprendeu, sobre o glamour, a aura de mistério...?

 

--Inconveniente nada, senta aqui! – deu um tapinha na cadeira ao lado – Vou te contar tudinho da minha viagem e sobre o que aprendi naquele país desde os tempos de Cleópatra até os dias de hoje, sem esquecer da revolução de Nasser! – falou empolgada

 

--Sim, por favor. – sentou-se rapidamente – “Nasser... taí! Gostei desse nome! E com essa coisa de revolução dá um ar de mistério rebelde...” – pensou

 

--Primeiro eu comecei pelo Cairo e fiquei hospedada em um hotel em frente às pirâmedes! – gesticulava afetada – Menina, imagine acordar todo dia e dar de cara com Quéops, Quéfren e Miquerinos ali no meu quintal! – contava

 

Abigail nem piscava prestando atenção.

 

***

 

Vera chegava em casa após mais um dia de trabalho. Descobriu a resposta da autora Khaalii na caixa de spam e deixou para ler quando estivesse livre. Desde então, sentia-se nas nuvens.

 

--Eu tenho que tomar um banho e passar perfume pra ler e responder ao e-mail dela! – falava empolgada consigo mesma – Ela me respondeu em março e eu só descubri isso agora em maio, fica parecendo que fiz desfeita! – tirava a roupa – Tenho que explicar tudo direitinho e deixar claro que fiquei feliz por demais da conta! – sorria – Uma autora daquela me responder? – suspirou – Parece até um sonho!

 

Após fazer tudo que planejou, Vera deitou-se na cama e se preparou para ler. Sentia o coração acelerado.

 

--Querida Vera. – leu em voz baixa – Eita, que ela me chamou de querida! – sorriu abobalhada ao voltar a ler

 

Espero que esteja bem e com saúde.

Perdoe minha demora, mas são muitas atividades e eu me perco no tempo. Não pense que foi desleixo ou falta de consideração de uma autora esnobe; longe disso!

Adorei ler seu e-mail! Sua sinceridade simples e palavras tão gentis alegraram demais o meu dia. E na ocasião eu estava realmente precisando de um carinho. Senti suas palavras como um doce afago na minha pele. Muito obrigada.

 

--Ave Maria! – sentou-se na cama – Ela gostou!!! – o coração batia a mil

 

Eu entendi o que você quis dizer e também achei que apesar de nossas vidas serem tão diferentes há uma semelhança forte entre elas. Parece que a solidão é como um idioma que ambas sabemos falar com fluência. O vazio que dela faz parte é o que mais preenche nossos corações, não? Entendi de verdade o que você quis me explicar.

 

--Ela não me achou uma caipira sem base... – estava feliz

 

Eu não sou assumida em relação a minha orientação sexual e vivo em um meio muito tradicional onde seria impensável que eu abrisse as portas da minha alma, então não vou lhe dizer meu nome ou lhe contar sobre minha história. Mas o que posso garantir é que tudo que escrevo é verdadeiro, sentido, vivido e muito sincero. Se você soube tanto ler nas entrelinhas como demonstrou, pode considerar que, apesar de toda minha personalidade anônima, já me conhece mais que muita gente que convive comigo há anos. E isso é muito valioso para mim. Diariamente, muitas pessoas me enxergam, porém, você, que nunca esteve comigo, foi capaz de me ver. Não saberia te dizer como me alegrou!

 

Lágrimas de emoção rolaram pelo rosto de Vera.

 

Perdoe, mas não vou ligar e nem passar meu número de telefone, porém, nada impede que possamos trocar e-mails. Posso demorar a responder mas é a vida corrida, que com certeza você também tem.

Quanto à Zayah e Sulah, tenha calma. Tudo a seu tempo, mas eu garanto que não te decepciono.

Beijos e que Deus a abençoe sempre!

Khaalii

 

PS1: Você pode até ser “feia” diante dos padrões de beleza impostos às mulheres, mas para mim é uma gracinha.

PS2: E o que seria um chocolate pornô? Ainda não desvendei esse enigma! rs

 

--Ela me acha uma gracinha! – levantou-se da cama animada – Uma gracinha, olha só isso! – ria como boba – Ela me acha uma gracinha! – sentia-se no céu – Ah, mas eu tenho que caprichar numa resposta bem massa! Especialmente depois dessa demora toda!

 

E nisso, a campaínha toca.

 

--Não acredito! – revirou os olhos e jogou o celular sobre a cama – Quem será a essa hora? – olhou para o relógio rapidamente e se dirigiu até a porta – Ah, não, seu Hilvan! – abriu a porta – Boa noite. – cumprimentou esperando o pior

 

--Vem comigo! – segurou-a pelo pulso e foi puxando – Tem marimbondo no meu banheiro e por causa disso não podemos tomar banho! – caminharam até o elevador

 

--Uai? E até isso é pra síndica resolver? – cruzou os braços

 

--Imagina! Claro que sim! – apertou o botão do elevador – Marimbondo pica e dói um bocado! – as portas se abriram e o homem entrou – Eu tô velho, minha filha, falta elasticidade pra essas coisas! – justificou-se

 

“Eu só vou porque ele é idoso!” – pensou contrariada antes de entrar no elevador – Tá bom, seu Hilvan... – respondeu chateada

 

Quando entraram no apartamento do homem, a esposa logo apareceu na sala. – Verinha! – sorriu animada – Por favor, minha filha, a gente tá sem poder tomar banho! – reclamava – Por favor, mata esse marimbondo pra nós!

 

--Boa noite, dona Bina. – cumprimentou educada – Vou ver isso agora. – seguiu para o cômodo

 

--Vai com ela, meu filho. – a idosa pediu

 

--Vou nada, imagina! – discordou – Deus me livre, chegou nem perto daquilo lá no banheiro!

 

“Que medo de marimbondo!” – estranhou antes de acender a luz do banheiro – Eita, boi! – arregalou os olhos

 

Vera deu de cara com uma casa de marimbondos imensa na parede interna do boxe.

 

“Ah, mas eles devem tá sem tomar banho há mais de mês! Pra dar tempo de formar esse verdadeiro condomínio marimbondesco!” – pensou horrorizada – Seu Hilvan! – voltou para a sala – Tem marimbondo por demais da conta nesse banheiro, uai! – reclamou

 

--Eu disse que era problema pra síndica! – abriu os braços brevemente – Dois velho sozinho não dão conta!

 

--Nem eu! – protestou – Tem que ter os trem pra tirar aquilo lá sem os bicho me ferroar, uai!

 

--Por favor, filha? – Bina insistiu com olhinhos súplices – A gente passou uns tempos na casa da minha irmã em Ubatuba e quando voltou deu de cara com aquilo lá. Hilvan esqueceu de fechar a basculhante e deu no que deu!

 

--Ia adivinhar que esse condomínio tem marimbondo? – cruzou os braços contrariado – A síndica não vê essas coisa... – criticou

 

Deu um suspiro profundo. – Eu vou lá em casa me preparar e volto aqui. – caminhou até a porta e foi até o elevador – “Síndica sofre!” – pensou contrariada

 

***

 

Vera estava com uma toalha enrolada nos cabelos e uma folha de caderno, presa no rosto com fita crepe, no formato de máscara facial improvisada. Fez dois furos na região dos olhos e os protegeu com óculos escuros. Vestia a roupa de entregadora e usava luvas de borracha.

 

--Parece até uma astronauta! – Hilvan criticava na sala – Tanta frescura pra tirar uns marimbondo? – reclamou – Humpf! – fez um bico

 

--E ainda tem que ouvir isso! – resmungou sozinha enquanto abria uma escada dentro do boxe e a colocava na posição – Agora o plano é subir aqui, jogar essa casa de marimbondo no saco de lixo e fim! – pensava alto – Contigo mesmo caipira! – pegou o saco de lixo e subiu três degraus – Bem devagarinho... – abria o saco devagar – E... – rapidamente abraçou a casa de marimbondo e amarrou a boca do saco – Pimba! – comemorou

 

Ao concluir a missão, desceu da escada e a deixou fechada e encostada na parede do banheiro, fora do boxe. Desenrolou os cabelos, tirou o papel do rosto, arremessando-o na lixeira, e os óculos escuros, que guardou no bolso do macacão. Segurou o saco de lixo pelo nó que havia dado e saiu da casa dos idosos cumprimentando.

 

--Agora vou passar em casa e deixar essas paramenta e desço pra jogar esses bicho fora. – entrou no elevador – Até que foi mais fácil do que eu pensava.

 

Descendo em seu andar, Vera deixou a toalha, os óculos e as luvas em cima de uma cadeira na cozinha. Tirou a roupa de entrega e saiu novamente para pegar o saco que havia deixado do lado de fora, em frente a sua porta. Ao entrar novamente no elevador, percebeu que um marimbondo voava lá dentro.

 

--Uai, da onde veio...? – olhou desconfiada para o saco

 

Sem que tivesse percebido, abriu-se um buraco no fundo do saco e os marimbondos começavam a escapar por ele.

 

--Minha Nossa Senhora!!! – apertou o botão de abrir portas em desespero – Tem que sair daqui!! – mais insetos voavam ao redor – Ai, infeliz! – sentiu uma ferroada e espanou o inseto

 

--Gente, vamos dar uma festinha agora? – uma jovem propôs ao chegar com seus amigos – Zoar até o dia amanhecer? – apertou o botão do elevador

 

--Sei lá, tem essas porr* de lei do silêncio, né? A síndica vai reclamar! – um rapaz ponderou

 

--Que se foda que reclame! – outro rapaz do grupo respondeu – Vamos zoar!

 

--Uhu! – outros três jovens concordaram

 

--AHAHAHAH!!! – Vera gritava lutando contra os marimbondos – ABRE, ABRE! – socava as portas

 

--Barulho! – uma das jovens estranhou ao elevador chegar no térreo – Gritos, tão ouvindo?

 

E nisso as portas se abrem.

 

--AHAHAHAH!!!! – todos gritaram ao mesmo tempo

 

--CORRE!!! – Vera gritou correndo feito louca

 

--AH! Marimbondo! – um rapaz gritou – Puta que pariu! – sentiu uma ferroada

 

--AHAHAHAHAH!!! -- Vera e um grupo de seis jovens gritavam e corriam sem destino pelas ruas do bairro às 22h35 fugindo de marimbondos

 

***

 

--A senhora tem certeza, dona Sayruci? – a mulher perguntava em choque – Umas joias dessas devem valer...

 

--Cerca de noventa e cinco mil reais. – completou a fala da outra – E com esse dinheiro você paga a dívida que o tratamento do câncer da sua mãe te deixou. – olhava para a cozinheira – Foi muito sofrimento na vida de vocês e não tem o menor cabimento ficar tendo que pagar esse dinheiro todo experimentando ainda a dor do luto! – guardou a caixa das joias na bolsa da mulher – Diga a Abdoul que não aceita menos dinheiro que noventa e cinco mil, pois foi ele mesmo quem avaliou essas joias pra mim. – olhou para a outra -- Pode dizer a ele que fui eu quem disse isso. – recomendou

 

--Mas... – continuava pasma – Se seu Samir souber ele não vai zangar? – perguntou receosa

 

--Não tem porque! – respondeu de imediato – Essas joias foram um presente que ganhei ao completar dezoito. Samir tem nada com isso. – esclareceu

 

--É que... é tanto dinheiro como eu nunca vi na vida! Imagina, noventa e cinco mil reais! – não acreditava – Com esse dinheiro eu pago as dívidas e ainda consigo quitar as prestação da minha casinha!

 

--Quer coisa melhor? – sorriu

 

Sorriu emocionada. – Ah, mas a senhora é tão boa! – abraçou-a comovida – Juro que de hoje em diante nunca mais vigio a senhora por mando do seu Samir! – prometeu – Sempre que ele me cobrar, dou um migué!

 

Achou graça. – De preferência! – desvencilhou-se gentilmente do abraço – Agora vá. Cuide da vida porque ainda são seis horas e Abdoul fica na loja até às sete. Se você correr, consegue negociar com ele ainda hoje e cuidar da papelada pra receber o dinheiro o mais rápido. – aconselhou – Ah, e não aceite um prazo maior do que cinco dias corridos porque é exatamente o prazo que ele pratica com os clientes. Lembre a ele que eu vou ler os documentos e qualquer coisinha errada vou interferir!

 

--Pode deixar! – balançou a cabeça – Já vou agora.

 

--Peça ao motorista pra te levar. Não é bom ficar circulando com isso por aí em condução comum. – recomendou – Diga a ele que fui eu quem pediu.

 

--Sim senhora! – soprou um beijo carinhoso – Que Deus a abençoe! – deu tchauzinho – Com licença! – saiu da cozinha pela porta dos fundos e foi procurar o motorista

 

--Fico tão feliz quando encontro destino útil pra essas minhas joias! – falava sozinha – Tomara que dê tudo certo. – saiu da cozinha em direção à sala – “E você, hein, caipira?” – pegou o celular e entrou na conta de e-mail da autora – “Respondi e até hoje nada de você me escrever de volta!” – constatou decepcionada a falta de retorno – “Deve ter ficado decepcionada comigo porque eu disse que não falaria de mim e nem daria meu número de telefone...” – concluiu – “Que pena!” – suspirou

 

Quando se preparava para subir as escadas, surpreendeu-se com Latifah e Samir que entravam na sala discutindo.

 

--Você não tinha nada que tomar partido, Latifah! – o homem condenava revoltado – Sempre soube que seus vídeos só abordavam coisas fúteis como maquiagem, moda, joias e outras bobagens! Não entendi porque agora me veio com essa! -- gesticulava

 

--Meus vídeos falam de coisas que interessem aos meus seguidores e esse assunto é um deles, papys! – parou no meio da sala – Você achou o que? Que eu ia ficar do lado daqueles que tentaram agredir a Telminha por duas vezes? Never! – cruzou os braços – A maioria dos meus seguidores são mulheres e homossexuais. Eu tinha que me posicionar contra essa homofobia machista!

 

--Do que vocês estão falando? – queria entender – Quem tem perseguido a Telminha a esse ponto de querer agredir?? – estava surpresa

 

“Ih! Que briga é essa?” – Margô ouviu o alarido e veio bisbilhotar se escondendo atrás das cortinas – “O que será que tá acontecendo?” – queria saber

 

--O que estamos falando é que por causa da sua filha, minha mãe passou por constrangimento no clube hoje! – respondeu de cara feia – As mulheres presentes fizeram questão de se sentar de costas pra ela e ficou uma situação tão chata que a coitada teve que se retirar!

 

“Oh, que drama!” – Sayruci pensou debochando

 

--Sua filha virou uma comunista! – gesticulou furioso e andou em círculos pela sala

 

--Hein? – mãe e filha riram do absurdo

 

“Comunista??” – Margô pensou com vontade de rir – “Logo quem!”

 

– Será que vocês poderiam explicar o que aconteceu afinal? – Sayruci insistiu

 

--Mamys, presta atenção: – olhou para a mulher – na noite daquele jantar chatérrimo na casa dos Nahim, rolou uma festa na casa do Marco Marinatti e os boyzinhos da gangue do “distinto” – ironizou -- Luiz Phellipe Couto Saraiva quiseram bater na Telminha e na namorada que ela levou pra lá.

 

--E ela levou uma namorada pra casa dos Marinatti?? Mas é uma cara de pau... – Samir criticava

 

“Bem feito que ela desfilou com namorada na cara daquele rapaz! Marginalzinho de classe alta!” – Margô pensava

 

--Agora, há coisa de dois dias atrás, fizeram uma emboscada perseguindo as duas de carro mas o plano deu errado. Só que foi um susto ferrado, né? Tipo: momentos de tensão na Nelsom Cunha! – explicava -- Aí, usando todo seu poder de Magalhães Aguiar, Telminha foi na delegacia e denunciou. Jogou no ventilador e o assunto foi parar nas redes sociais! – gesticulava – Começaram a escrever uns absurdos no perfil dela no LivrodasFuça, também invadiram o perfil dele escrevendo um monte de coisas e no meio desse bangue-bangue meus seguidores me cobraram um posicionamento, daí. – jogou os cabelos – E eu, Latifah Ajami Hafeez, -- apontou para si mesma -- não pensei duas vezes: usei meu canal pra desmascarar as atitudes homofóbicas dos Couto Saraiva e seus asseclas. – resumiu toda história – Aí a vóvys liga pro papys chorando umas pitangas e ele veio atrás de mim com esse sanguinho meigo nos olhos. – apontou brevemente para o homem

 

--Chorando umas pitangas, Latifah? – reclamou furioso – Olha a falta de respeito com sua avó!

 

--Pois eu estou muito orgulhosa de você, meu bem! – Sayruci olhava para a filha – É a primeira vez que a vejo intercedendo por alguém e amei que tenha se posicionado e escolhido pelo lado certo! -- sorria

 

“Milagre mesmo, essa menina é um poço de egoísmo!” – Margô continuava fofocando

 

--Hum, mamys... – foi até a ela e a abraçou – Thanks! – beijou-lhe o rosto

 

--É isso que você diz a ela?? É isso??? – não acreditava no que ouviu – Os Couto Saraiva e outras famílias distintas ficaram escandalizados com as coisas que a sua filha disse na internet!

 

--E no meu canal eu falo o que eu quiser! – respondeu mal criada – E os Couto Saraiva e demais famílias pudicas que se morram! – desvencilhou-se da mãe – Vóvys é mulher, deveria ser contra a violência contra Telminha! O fato dela ser lésbica é problema dela! – deu de ombros

 

--Violência contra a mulher, não seja ridícula! – Samir gesticulou e novamente andou pela sala – Além do mais aconteceu nada, foi só um susto!

 

“Queria ver se fosse com a filha dele, se diria isso!” – Margô pensou revoltada

 

--Só um susto?? – olhou para a mãe – Mamys, ele acha que não é violência, tá ouvindo isso? – perguntou em choque – I don’t believe it!

 

“Ele acha normal que se faça maldades com mulheres...” – Sayruci pensou contendo as emoções que aquela conversa começava a despertar

 

--Por favor, Latifah, seja razoável! – argumentava – Alguém bateu nela? Não! Na namoradinha dela? Não! O que aconteceu foi que ela quis provocar, escandalizar, então teve reação! – olhava para a filha – As pessoas reagem, tá pensando o que?

 

--Papys, eles não bateram nelas na festa porque teve quem defendesse e não passou de um susto na treta que armaram porque deram azar e o plano furou! Não fosse isso, elas podiam estar até mortas! – contra argumentava – Além do mais uma das minhas seguidoras falou: só o fato de ameaçar já é uma forma de violência! – colocou as mãos na cintura afetadamente – E eu super concordo, by the way. – jogou os cabelinhos

 

--Isso tudo é ridículo! – o homem insistia – Você tinha nada que ter se metido!

 

--Fico passada com o modo como você minimiza a violência! – suspirou – Além do mais, Telminha é minha seguidora e eu não ia decepcionar uma fã desse jeito!

 

“Minimiza tudo! Só o dinheiro, status e a aprovação dos pais dele interessam!” – Sayruci sentia vontade de gritar

 

“Até eu tô passada com seu Samir!” – Margô pensou decepcionada

 

--Eu não minimizo violência, só não me choco em ver esse mimimi de uma lésbica de classe alta querendo escandalizar! – respondeu com desdém

 

--Ele não se choca com a violência contra a mulher porque a pratica! – não mais conseguiu se conter – Contra mim! – derramou uma lágrima

 

--What?? – a jovem perguntou em choque

 

“O que???” – Margô ficou chocada

 

--Sazii?? – o homem exclamou constrangido – “Tomara que nenhum empregado esteja ouvindo isso!” – pensou alarmado

 

--É verdade e eu não aguento mais! – desabafou – Naquela noite do jantar dos Nahim não foi só Telminha que foi vítima de agressão. Eu também fui! Aqui nessa casa e no nosso quarto! – chorava contidamente – Nos últimos tempos, -- olhou para a filha – seu pai me bate quando se sente contrariado ou ouve o que não quer...

 

--Gentem, oh my God, mon Dieu! – sentia-se atônita – Papys, eu nunca pensei...

 

“Nem eu!” – Margô pensava – “Já sabia que o homem era um grosso mas a ponto de bater na mulher...”

 

--Filha, eu posso explicar... – não sabia o que dizer – Não é bem assim...

 

--É assim, sim! – falou um pouco mais alto e se conteve – Não bastassem as agressões verbais... – passou a mão sobre os olhos

 

--Papys, olha só, conecta aqui comigo, presta atenção. – estalava os dedos – Depois dessa treta com Telminha eu viralizei e tô com mais de dois mil seguidores. Se você ousar quebrar um pedacinho da unha da mamys ou revirar um cabelinho pra fora da posição do penteado, eu te denuncio no meu canal! – ameaçou

 

--Latifah?? – arregalou os olhos

 

--Bata nela de novo e o mundo todo vai saber! – gesticulou – Aí quero ver o que vóvys vai dizer e o que as tais senhoras de sociedade vão fazer! A tradição não manda bater na esposa, manda? – provocou – Será que vão ficar do seu lado? O vôvys com certeza não vai te dar razão! Não tava lá entregando florzinha no evento do dia das mulheres? -- lembrava

 

Samir emudeceu.

 

“Bem feito!” – Margô adorou

 

--E hoje você dorme no meu quarto, mamys! – deu o braço a outra e beijou-lhe no rosto – Não vou poder conversar porque tenho que dar atenção aos meus followers mas depois a gente dorme abraçadinha tipo quando eu era uma little child. – encaminharam-se para a escada – Fica ligado, tá, papys? – soprou um beijinho para ele – Sua filha bomba na internet e meus fãs são fiéis a minha pessoa! – subiam os degraus – Bye! – deu tchauzinho

 

Sayruci continuava chorando de forma contida mas sentia-se acolhida por alguém depois de tantos anos sem experimentar aquela sensação. Estava feliz e pensava se dali por diante não seria possível criar oportunidades para desabafar com a filha sobre seus dilemas interiores.

 

“De agora em diante seu Samir faça cruz!” – Margô pensava – “Mandar vigiar dona Sayruci vou dar as informações todas erradas!” – decidiu – “Ela não merecia isso...” – começava a se arrepender pelo papel que vinha fazendo contra a patroa

 

***

 

--Morada dos Deuses Palace Hotel, bom dia! – a funcionária atendeu educadamente

 

--Bom dia. Minha filha, será que eu poderia falar com a recepcionista Abigail Trindade? – uma mulher idosa perguntou

 

--É ela. – respondeu de pronto – Quem deseja?

 

-- Sua tia avó. – anunciou sem rodeios – Maria Quitéria.

 

Abigail arregalou os olhos e cobriu o fone com uma das mãos. – Vixe, puta que pariu! – exclamou em voz bem alta

 

--Que foi, mulher? – Rita perguntou preocupada – Parece que tu visse um fantasma! – não entendia – Quem é?

 

--É a véia... – respondeu bestificada

 

 

 

 

 

Fim do capítulo