Bia

Entrei na sala de meu avô e ele estava ao telefone, como ouvi parte da conversa concluí que estivesse falando com um dos advogados, indicou uma das cadeiras e me entregou uma pasta que comecei a ler assim que abri, quando terminou a ligação perguntou:

– O que acha? – Estava sério, inspirei fundo ainda folheando os papéis, respondi.

– Acho que está errado, quando e como isso aconteceu?

– Não sei Bia, mas precisamos resolver isso logo, de preferência essa semana ainda, acha que consegue fazê-la voltar atrás?

– Acredito que sim, amanhã mesmo a chamarei para uma reunião e converso com ela.

– Sabia que podia contar com você, cariño. – Sorriu despreocupado, cruzou as mãos apoiando no queixo e prosseguiu. – No mais, preciso da sua ajuda para outra coisa.

– E só dizer, vovô!

Cruzou as pernas elegantemente, pegando outra pasta na mesa e me entregou dizendo.

– Samantha Suzie Chermont.

Olhei admirada para ele, pegando a pasta folheando-a, o currículo da moça me impressionou, além de Relações Pública, a mulher era qualificada em outras tantas especializações, apesar da pouca idade. Levantei e fui em direção a janela, sentei no sofá que tinha lá perguntando enquanto lia.

– O que quer realmente?

– Quero ela na nossa equipe!

– Simples assim?

Sorri, ele gargalhou e veio se sentar comigo, dizendo ainda sorrindo.

– Não é tão simples como parece, a moça foge das minhas garras, digamos que, uns três anos.

– Está mal de conquista em Dr. Paulo! – Entrei na graça e fiquei analisando a papelada concluindo. – Porque precisa da minha ajuda nisso, não seria função do RH?

– Era função deles até hoje cedo.

– O que fez o senhor mudar de ideia?

– Você!

Olhei para ele arqueando a sobrancelha e apontando para mim, dizendo apenas.

– Eu porquê? – Levantou e começou a caminhar dizendo.

– Você e seus atrasos, mocinha.

– Desculpa vovô, cheguei depois das quatro da manhã, e ainda estou me adaptando a rotina e ao horário, além disso, vim de bicicleta!

Balançou a cabeça e sorri, ele odiava a minha bike e se recusava aceitar que eu preferia ela a um carro para vir trabalhar, sussurrou impaciente.

– Sobre isso conversaremos mais tarde, mocinha, quanto a pequena Chermont e o fato de você ter mudado a minha ideia de conseguir trazer a moça para a empresa, foi exatamente o de você ter chegado atrasada, parece que chamou a atenção dela.

– Calma aí vovô, o que está sugerindo? – levantei questionando-o.

– Que você a convença a vir trabalhar conosco!

Arqueei a sobrancelha admirada, caminhei até a frente daquele homem grande e forte, cruzei meus braços diante dele, perguntando.

– Sério isso?

– Claro que é sério, cariño, com o “afastamento” repentino de Fernanda, ficamos desfalcados e isso não pode acontecer. – Seguimos novamente para o sofá e nos sentamos, sorri dizendo.

– Quanto a isso, eu já disse que irei resolver, agora essa outra questão não sei não, vovô!

– Beatriz Olivier hesitando diante de um desafio? – Olhei para ele revirando os olhos:

– Não estou hesitando, apenas tentando entender o que o senhor quer que eu faça!?

– Apenas converse com a moça, faça com que ela veja que estará ganhando muito entrando para nossa equipe, além do mais, com o gabarito dela, trabalhar apenas em ONG’S não vai qualificá-la como merece.

– Entendi, no mais, o senhor quer que eu realize um milagre.

– Sei que você é capaz disso, meu amor! – Levantou me dando um beijo na testa e foi até a mesa, ligou para Ângela dizendo: – Querida, peça a gentileza da pequena Chermont entrar, e traga por favor, um café para nós. – Levantei e comecei a caminhar para porta quando ele perguntou. – Aonde vai?

– O senhor tem uma reunião agora, não quero atrapalhar!

– De forma alguma, quero que você escute o que temos a conversar!

– Sim, senhor! – Voltei para o sofá onde eu estava, dizendo. – Vou avaliar o documento que me mostrou sobre Nanda e analisar um jeito de resolver isso.

– Boa garota, primeiro gostaria de apresentar vocês duas, formalmente, claro.

Naquele instante uma batida suave e a porta foi aberta, meu avô levantou indo de encontro a ela.

– Pequena Chermont, sempre uma honra tê-la em nossa companhia!

– Sempre muito galante, Dr. Olivier, mas por favor, me chame de Samantha, apenas. Chermont é meio pesado para mim, o senhor sabe.

– Merece toda a gentileza, cariño. – Ele sempre galante, ela sem jeito, apesar de pouco aparentar. Meu avô me olhou dizendo. – Samantha, essa é minha neta, Beatriz Olivier, trabalha conosco.

– Já fomos apresentadas, Dr. Olivier, porém, não sabia que era sua neta. – Esticou a mão em minha direção, em seus olhos a curiosidade, sorriu – Muito prazer, senhorita Olivier.

– Por favor, apenas Beatriz, meu sobrenome acredite ou não, às vezes também me dá medo. – Gracejei, ela sorriu, meu avô gargalhou entrando na brincadeira.  

Conversamos um pouco, mas não quis atrapalhar a reunião dele, pedi licença e fui para o sofá. Porém, fiquei analisando a moça, ela olhava de canto de olhos para mim, enquanto conversava com meu avô, sorria lindamente em minha direção e retribuía acenando a cabeça, conversaram sobre a palestra. Desde como ela foi desenvolvida até ter chamado atenção de todos. Desviei a atenção deles por alguns minutos me concentrando nos papéis em minhas mãos.

Quando me dei conta, eles estavam conversando animadamente sobre outro assunto, inspirei fundo olhando para os dois, discretamente ela me olhou, tirou uma mecha de cabelos que caía sobre seus olhos, deu outro sorriso lindo, mas o meu avô chamou a atenção dela, perguntando:

– Quando teremos a honra de vê-la em nossa equipe, cariño? – Gentilmente a moça disse.

– O senhor sabe que tenho um projeto grande, o qual trabalho com meu irmão e alguns amigos a quase três anos – pausou cruzando as pernas elegantemente. – Precisamos de ajuda vinda do DF e alguns patrocínios para que ele seja concretizado, precisamos também, que eles aprovem e assim darmos continuidade aos nossos planos. – Mais uma vez mexeu em seus cabelos, parecia ansiosa. – E agora que estamos perto de conseguirmos “pegar” alguns acionistas e políticos, que dizem estarem interessados, não posso deixar de lado.

– Eu entendo, cariño, embora ache um desperdício ver alguém tão qualificada não tendo o reconhecimento que merece.

– Obrigada Dr. Olivier, agradeço o carinho. O senhor sempre foi muito gentil comigo!

Ângela é muito alegre, me diverti um pouco enquanto conversávamos, inclusive, por segundos esqueci que iria estar na presença de avô e neta, de certa forma isso me deixava um pouco nervosa. Dr. Paulo tudo bem, já o conhecia e ficava a vontade perto dele, mas...

O interfone na mesa dela tocou nos chamando atenção, estava pensando ainda naquela mulher que apareceu do nada, não é possível que isso tenha me abalado assim, precisava me recompor. Era apenas impressão a minha, estava tão envolvida com meus problemas pessoais que esqueci do mundo que girava a minha volta.

– Você pode entrar, Samantha!

Ângela me tirou do transe, sorri dizendo.

– Obrigada, Ângela.

– Quando você terminar a sua reunião com o Dr. Paulo e a Bia, vamos tomar um café, gostaria de saber um pouco mais sobre Guarulhos.

– Vou adorar.

Sinceramente, estava nervosa, não estava me reconhecendo. Fazia tempo que não me sentia assim, hesitante, só pelo simples fato de estar na mesma sala que aquela mulher que de certa forma, despertou uma curiosidade imensa em mim.

Depois que Dr. Paulo me cumprimentou, olhou para ela com carinho nos olhos e nos apresentou. Ela esticou a mão que peguei sem hesitar, fez uma graça, arrancando gargalhadas de seu avô, sorri também, acompanhando seus lábios que diziam sorrindo:

– Nos conhecemos a pouco, vovô. – Ela ainda segurava minha mão. – Atrapalhei a palestra dela. – Sorriu lindamente: – Novamente, muito prazer senhorita Chermont.

– Estávamos em intervalo, então, não “atrapalhou” muita coisa – sorri sincera. – O prazer é todo meu, Beatriz.

– Espero que não mesmo, mas do momento em que peguei sua apresentação até o final, fiquei surpresa com o seu domínio no assunto, e pela interação com o pessoal.

– Eu praticamente convivo com isso no meu dia-a-dia, então, foi fácil.

Sorri, mas fiquei tímida diante do olhar avaliador que ela me deu, não demorando, claro.

– Bom, eu tenho um documento para analisar, vou deixar vocês a vontade, qualquer coisa, estarei sentada ali.  

Acenou com a cabeça, ainda com um sorriso discreto nos lábios, caminhou para o sofá próximo à janela e se sentou cruzando as pernas, atenta aos papéis em suas mãos.

Segui com o Dr. Paulo para sua mesa, onde discutimos assuntos referente a palestra, e também da insistência dele em me gratificar pelo trabalho. Fiquei sem jeito, claro, ainda que dominasse as minhas emoções, naquele momento preciso, estava me sentindo acuada, e cada olhar que eu dava para a mulher ao lado, era flagrada com um sorriso.

Ele chamou minha atenção sobre quando iria me reunir a eles, na empresa. Confesso, desde a primeira vez fiquei tentada, porém, minha vida estava de ponta cabeça, tanto a pessoal quanto a profissional, e naqueles últimos três anos, não tinha tempo mais para mim.

Claro que trabalhar em uma empresa como a P&H Coffee traria as melhores vantagens que qualquer profissão necessite para ir além das expectativas, mas o que me faltava naquele momento, era tempo para a dedicação que precisava em ocupar aquele cargo de grande responsabilidade. Estava apta para isso, muito tempo me dedicando para crescer, sem contar que a proposta de meu irmão em abrimos um negócio só nosso, também era muito tentador. 

Segui conversando com ele, até Ângela entrar na sala chamando nossa atenção, Beatriz levantou caminhando até a senhora, sorrindo e beijando-a no rosto em seguida. Cada gesto dela era leve, me surpreendi por estar tão atenta a isso, nem me dando conta quando ela esticou uma xícara em minha direção, agradeci e segui conversando sobre meu projeto com Dr. Paulo.

Fim do capítulo