E se...

Epílogo

Não consigo parar de contemplar a beleza desse lugar. Nem todas as palavras do mundo seriam suficientes para transmitir o que os olhos veem e a alma sente. Estou extasiada! Para ser franca, vivo assim há mais ou menos dois anos. Minha vida deu uma volta tão grande que às vezes eu me pergunto quem foi a Elena antes dessa. Sou livre e adoro essa sensação. Precisei quebrar muitas grades quase invisíveis para chegar a essa plenitude. Grades quase invisíveis...às vezes, o pior lugar para se estar é exatamente onde nos sentimos confortáveis. Meu conforto era a minha prisão e eu não sabia.

Reykjavik, meu ponto de despedida desse fabuloso pedaço de terra. Eu sempre tive um fetiche pela Islândia e sempre ouvi que aqui não tinha nada, que eu era doida por querer conhecer um lugar tão inóspito. Ah, ainda bem que sou doida e ainda bem que tenho um trabalho que é uma bênção gigantesca na minha vida. 15 dias nesse paraíso e por mim ficaria mais 15. Quando penso que percorri essas terras todas a trabalho, sinto uma alegria que é capaz de contagiar o mundo. A crítica diz que descrevo os cenários como ninguém, e passo a contar o segredo...os segredos. Uso todos os sentidos para viver as emoções, o encantamento transborda pelos olhos, minha alma faz o resto e a fotógrafa da minha equipe é simplesmente a melhor do mundo. Ninguém supera essa mulher na arte de captar os melhores ângulos e a real beleza dos cenários. Nada difícil esse meu trabalho, nada difícil.

Já percorri alguns lugares fascinantes, mas a Islândia com certeza está no rol dos spots inesquecíveis. Esse lugar parece um conto de fadas real. Tudo aqui nos leva para um sonho perfeito. Tudo é tão majestoso que parece irreal. Dos geysers que em rompantes ás vezes assustadores, expelem água fervente, às inúmeras cachoeiras que brotam por todos os lados, cuja força nos fazem sentir impotentes e ao mesmo tempo autênticas fortalezas, as estradas quilométricas e completamente desertas que nos fazem refletir e muitas vezes chegar bem perto do que realmente nos conecta com a nossa paz, as montanhas que parecem brotar do nada, a praia dos diamantes...ah os glaciares...escalei um glaciar. Eu não acredito, escalei um glaciar.

Experimentei muitas coisas novas, venci alguns medos. Venci muitos medos, aliás esse tem sido um ano de superação de muitos medos. A Joy sempre diz que adora ver as coisas com os meus olhos. Eu digo que adoro viver as aventuras com ela. Adoro a sensação de me permitir experiências novas, pela confiança que ela me transmite. Sim, às vezes sinto algum medo, mas o olhar dela...ah, esse olhar. Nessa viagem não foi diferente. A loucura que ela me incentivou a fazer foi um mergulho num lago cuja temperatura da água era 6º. Quase morri congelada, mas foi uma experiência maravilhosa. O bálsamo veio imediatamente a seguir com um mergulho numa piscina termal. Poderia estar lá até agora...

Ah, preciso mencionar os sustos que muitas vezes me deixam quase sem ar. A vida com a Joy é intensa e uma fonte inesgotável de inúmeros prazeres. Vamos aos sustos...a Islândia não passou incólume, e seria completamente impossível pela natureza do lugar. Sempre tento viver na pele todas as emoções dos lugares que visito a trabalho. Mas, há coisas que me ultrapassam e que os medos ainda me dominam. A mim, apenas a mim. A Joy é doida, maluca, destemida e de uma vivacidade contagiante. No Parque Nacional Pingvellir, um lugar de tirar o fôlego pela beleza, eu quase morri de ansiedade quando ela resolveu mergulhar para viver a experiência de tocar as placas tectónicas da Europa e da América. Sim, isso é possível na Islândia. Numa fenda de água cristalina no meio do parque, pode-se fazer um mergulho e de um lado tocar a Europa e do outro a América. A minha coragem não foi suficiente para alcançar esse feito. A Joy demorou demais...ou talvez fosse apenas a minha ansiedade. Quase morri com a espera, apesar de me avisarem a cada segundo que era seguro. O desespero sucumbiu ao amor que me encheu a alma quando ela apareceu irradiando alegria e mais excitada que o normal. Claro que ela fez a melhor foto...sempre.

Ah mãe, desculpa. Estou a rir aqui. Era para ser apenas um email contando que estamos bem e que a aventura na Islândia está prestes a terminar (para a minha tristeza) e acabei fazendo quase um desabafo, ou um apanhado da minha vida nesses últimos 15 dias. Conheces a tua filha e já sabes que ela devaneia e que adora palavras. Mãe, precisas vir para cá. Eu sei que vais adorar. Convença o Richard...bom, não será necessário muito esforço, já que ele faz tudo para te ver feliz.

Nos próximos dias vamos estar em casa. Estamos com saudades dos nossos bichos que passaram os últimos tempos com a Milanka e o Ethan. Bom, eu vou estar em Nova York, já a Joy terá um trabalho no Canadá. Essa é a nossa vida e ainda bem que a maior parte do tempo estamos juntas e vivendo aventuras.

Aproveitei que a Joy foi lá fora fazer as últimas fotografias, mas vejo daqui que ela já vai voltar. Estamos num café ao lado do aeroporto e nosso voo sai daqui a pouco. Londres e depois, casa.

Ah Melina, como posso me esquecer do melhor dessa aventura? Vimos a aurora boreal. Consegues imaginar a minha felicidade? Claro que sim. Vimos, mãe. A explosão divina no céu da Islândia e depois um mar de estrelas...inesquecível. É claro que vou enviar a foto perfeita que a Joy fez. Mãe, eu vi a aurora boreal ao lado do amor da minha vida.

Saudades, mãe. Estamos muito felizes. Amo-te, muito.

            --Ei, não me digas que já estás informada do nosso novo destino?

Risos.

            --Não...bom, eu já sei qual é o novo destino, mas agora vamos descansar um pouco. Estava a atualizar a minha mãe.

            --A minha está ansiosa com a nossa passagem meteórica por Londres, mas já avisei que serão apenas dois dias. Temos crianças em casa à nossa espera.

Risos felizes.

Joy sentou-se ao lado de Elena e no seu habitual entusiasmo, começou a mostrar as fotos que acabara de fazer.

Ela era apaixonada por seu trabalho e era apaixonante. Emocionada, Elena entregou-se ao momento. Há algum tempo que aprendera a deliciar-se com os momentos quando eles se apresentavam e aquele instante era de puro deleite. Acariciou o braço de Joy com a ponta dos dedos e depois deixou um rastro de beijos pela sua pele.

A última foto era das duas no Canion Fjadrárgljúfur. Aquela tinha sido uma das partes mais estonteantes daquela viagem. Olharam-se sem pressa...

            --Eu sei que ouves essa frase desde que iniciamos essa aventura...

            --Hmmm...

Sorriram.

            --Há dois anos que repito a mesma coisa, mas é impossível parar de te agradecer. Bendito o momento em que me convidaste para essa aventura. Tenho aprendido tanto sobre mim. Tenho aprendido tanto sobre ti, sobre nós...quero passar o resto da minha vida ao teu lado, Elena. Aguentas?

Elena riu alto com lágrimas nos olhos.

Algures sobre o céu da Europa:

            --Meu amor...

            --Hmmm, estás acordada?

            --Hum-hum, e tu nunca dormes...

Risos.

            --Estava a olhar para ti...

            --Não cansas?

            --Nunca!

Joy ergueu a cabeça que estava apoiada no ombro de Elena e encontrou um par de olhos vibrantes e carregados de amor.

            --Falta muito para chegarmos a Londres?

            --Quase nada. Daqui a pouco vais poder esticar as pernas e dormir à vontade.

            --Hum-hum...meu bem, só para te lembrar dos nossos planos...

            --Quais?

Risos.

            --Da pausa na nossa cabana...

            --Hum-hum, está marcada para depois da próxima aventura na América do Sul.

            --Nós, e as crias...

            --Claro, sempre.

            --E precisamos pensar em algumas coisas...

            --Como o quê?

            --Eu preciso pensar numa forma de convencer essa grega chata a se casar comigo. Eu sei que não gostas dessas coisas convencionais e...

Gargalhadas.

            --Vamos casar no vulcão do Fogo em Cabo Verde?

            --Hã? Como assim? Não vais desconversar, mudar de assunto?

            --Não...estou com sono...e sob os efeitos da Islândia...

Risos.

            --E para quando está prevista a viagem para esse lugar? É longe daqui?

            --Calma, meu bem...eu já disse que aceito me casar contigo...calma...

Elena riu e mordeu um dedo de Joy.

            --E ela ainda me provoca. Alguém te resiste?

            --Tu ficaste enfeitiçada desde a primeira vez quando eu usava um pijama de porquinhos tomando sorvete. Não tens qualquer critério.

Gargalhadas com muitos beijos.

            --Shhhh, voo noturno e somos as únicas sem noção e apaixonadas.

            --Hum-hum...

--Tens razão, eu me apaixonei ali...perdidamente.

            --E eu te amo há imenso tempo...

            --Vamos casar nesse vulcão ou onde bem entenderes. Mas, casa comigo.

Elena sorriu e beijou a ponta do nariz de Joy que de olhos fechados disse baixinho:

            --Eu te amo, grega.

            --Eu também...e me caso sim...

Sorriram com os rostos colados.

Fim

Fim do capítulo