Capítulo 2

“Dizem muitas coisas sobre mim. Mas como podem saber tanto a meu respeito, se nem eu me conheço direito?" (Suellen Santos)

Três meses depois...

Virginia

_ Estou exausto! – Tito sentando ao meu lado na cantina do hospital – Gata, hoje parece que todo mundo resolveu adoecer! Ainda bem que nosso plantão encerra dentro de uma hora.

_ Encerra pra você cara-pálida, eu vou ficar por mais uma hora – informei cansada – Você acredita que já virei o plantão de ontem e Denise ainda ligou pedindo pra que eu segurasse mais uma hora, pois ocorreu um imprevisto e irá chegar atrasada hoje? Terei que esperá-la pra não deixar a emergência apenas com o seu plantonista substituto.

_ Minha querida, gosto muito da Deni – Tito rindo de mim – Mas, ela que lute! Eu é que não ficaria aqui por mais tempo que meu horário neste dia louco.

Retornamos pra nosso atendimento.

Momentos depois, Tito encerrou seu expediente mandando beijinhos pra mim e partindo. Quando eu terminava de atender um paciente, meu celular tocou, ignorei.

Assim que fiquei sozinha no consultório retornei a ligação, era a Denise.

_ Virgínia?! Já estou na garagem do Hospital – falou nervosa – Me desculpa, mas acredita fui pegar o carro na concessionária onde deixei na revisão e o carro chegou aqui rebocado?! Você tem um bom mecânico pra indicar?

_ Tenho sim! – falei lembrando-me do Zai – Pode subir que lhe passo o contato dele na nossa troca de turno.

Vinte minutos mais tarde, com o coração aos pulos eu aguardava a chegada dele encostada ao carro da Deni a quem me ofereci para receber o mecânico já que ela estaria atendendo quando ele chegasse.

Todo meu cansaço evaporou e eu estava ansiosa pela chegada do belo rapaz.

Dei de ombros sem entender quanto interesse no homem era aquele! Isso era inédito, porque não era dada a tanta fixação por um boy, claro que quando o corpo exigia satisfação eu não me fazia de rogada e o atendia em casos esporádicos... Mas, no normal, ninguém permanecia em minha mente mais que o tempo de uma trans* e tchau, o mesmo caia no esquecimento.

A moto apontou na entrada da garagem e involuntariamente arrumei os cabelos.

_ Boa noite! – ele cumprimentou com aquela voz que me arrepiava, ao descer da moto.

_ Boa noite, Zai – respondi sorrindo enquanto apreciava ele tirar o capacete – Nossa você cortou os cabelos!

Naquela hora o moço me encarou e um leve sorriso de canto de boca sinalizou que se lembrava de mim.

_ Ora, ora... É a moça que baba ao dormir – brincalhão me espetou – Trocou de carro e de número celular?!

_ Eu não babo homem impertinente! – exclamei chateada – Esse carro é de uma colega minha; te indiquei para o serviço...

Ele franziu o cenho por uns instantes parecendo surpreso e um pouco chateado.

_ Desculpa a brincadeira, senhora. E cadê minha cliente? – disse sério desviando o olhar de mim – Preciso de informações sobre o que ocorre com o carro, ela demora?

_ Er... – fiquei abalada com o repentino tom frio dele – Deni pediu pra lhe explicar o problema, ela está atendendo pacientes e como já terminei meu plantão me ofereci para...

_ Certo! – cortou-me mostrando impaciência – Pode me explicar então Sra. Virg?

_ Pelo menos ele lembra meu nome, o mal educado! – pensei irritada passando a explicar o problema do carro.

Zai abriu o baú preso à moto e pegou uma maleta de ferramentas, depois retirou a jaqueta de couro parte da roupa de pilotar que vestia e neste momento eu prendi a respiração quando observei um pequeno volume na frente da camiseta cavada que usava.

Pisquei tentando imaginar se aquilo era mesmo que eu via: seios!

_ É uma mulher, meu Deus!!! – Pensei boquiaberta.

Zai notou meu olhar fixo em seu busto.

_ Acabou de descobrir que ele, na verdade é ela?! – falou com ironia e, dando-me as costas, começou a trabalhar.

Fiquei ali parada numa pilastra enquanto a via ignorando a minha estupidificada presença.

Meus pensamentos estavam acelerados tentando processar aquela surpresa e entender porque eu estava admirando a bunda dela moldada na calça jeans; afinal, sou hétero!

Apertei os olhos com os dedos desviando assim, os teimosos da sexy figura dela! Suspirei angustiada ainda de olhos fechados...

Nunca fui preconceituosa, mas confesso que sempre tive ressalvas com lésbicas masculinizadas! Entretanto, agora me via extremamente atraída por uma.

_ Santo Deus! Que pensamentos são estes?!!! – pensava confusa – Eu não estou me reconhecendo!

Bem não conclui o pensamento e espanquei-me mentalmente mais uma vez!

_ Jesus Virg! – gritei comigo mesma - Só porque a moça tinha uma postura não muito feminina e trabalhava em uma profissão exercida quase sempre por homens não significava que fosse lésbica... Affff! Você é preconceituosa como teus pais e sempre achou que não!

Continuei a recriminar-me num diálogo interno.

_ Sra. Virg? – a voz da Zai me fez voltar à realidade e olhá-la – é a bomba de gasolina que está defeituosa, tem que trocar.

_ E-Então troca – gaguejei desconsertada por estar olhando-a inteira com um interesse além do comum e gostando de tudo que via: seios médios, cintura fina, coxas fortes – Qual é seu nome mesmo?!

_ Zaira! – falou limpando as mãos numa estopa – Vou precisar de dinheiro pra ir comprar a peça, podemos encontrar a dona do veículo agora?

Eu imaginei a Deni, que é lésbica, botando os olhos em cima da minha mecânica e meu coração disparou só de imaginar o que podia rolar se acontecesse um interesse mútuo.

_Isso é que não mesmo, violão – pensei irritada.

_ Não precisa encontrá-la pra isso – decidi rapidamente – Eu pago a peça e ela me ressarce depois! Tem ideia do quanto irá precisar?

_ Vou ligar para a loja de autopeças – pegou o aparelho fazendo a ligação.

Fiquei ali a olhando.

_ Deuses, como não percebi que era uma garota? – pensei encantada – E linda... Zaira é muito linda!

Ela tinha uma bunda maravilhosa, as costas eram deliciosamente fortes. Respirei aceleradamente sentindo um calor me tomar.

Zaira encerrou a ligação me dizendo o valor da peça. Abri minha bolsa e percebi não ter a quantia exigida.

_ Zaira, eu não tenho essa soma aqui – falei pegando a chave do meu carro – Mas, irei contigo e pagarei com cartão.

_ Tudo bem – Zaira parecendo não gostar da ideia – Porém, vamos de moto que é mais rápido.

Tirou outro capacete do baú me entregando.

_ Preparada, a moça! – disparei indignada antes de morder a língua – Anda sempre com capacete extra pra dar caroninhas, é?

_ Como assim?! – Zaira me olhando surpresa – Não entendi; eu faço correria de moto taxi também, por isso tenho um capacete reserva.

_ Desculpa – disse constrangida sentindo meu rosto queimar de vergonha com meu ataque sem sentido – Estou de virada do plantão e já não falo nada com nada... Perdoe-me mesmo!

_ Tudo bem... É enfermeira?  - perguntou retirando o baú da moto e colocando-o no porta-malas do carro quebrado – Trabalha só aqui?

_ Sou médica e sim, trabalho só aqui, por enquanto – falei pondo o capacete e subindo na garupa – Pelo amor de Deus, não corre viu?

_ Eu sou boa pilotando, não se preocupe – ela sorrindo de meu medo – Então é médica, boa profissão.

Arrastou sem ser ligeiro demais; apertei sua cintura quando ela aumentou a velocidade, colei meu corpo no seu e então relaxei com o rosto colado em suas fortes costas.

Logo paramos em frente à loja e achei que tínhamos chegado muito rápido; percebi que Zaira era conhecida por todos, já que a saudavam com prazer.

Quando fomos pagar a peça me aborreci mais uma vez, a garota do caixa passou pra Zaira um cartão com o número de alguma mulher que pedira pra conhecê-la.

_ Liga ainda hoje, Zai – recomendou a garota – Ela está ansiosa.

_ Hoje não prometo – piscou risonha – Mas amanhã é sexta sem lei, então juro que ligarei.

_ Então ela era lésbica ou, no mínimo, bissexual – pensei cheia de raiva – é galinha também, pelo visto! Não que isso me interesse...

A volta foi mais rápida ainda e eu não me segurei em sua cintura, estava revoltada e sem saber bem o motivo daquilo.

A troca da peça levou uma hora, eu entrei em meu carro e fiquei olhando-a trabalhar. Não sei quando peguei no sono, mas fui acordada por uma Zai molhada de suor.

Era pra eu sentir asco, mas o louco é que aquilo me excitou.

_ Terminei – disse ela colocando o baú na moto.

Desci do carro.

_ Eu pagarei pelo seu trabalho – comuniquei séria – Só te peço que me acompanhe até um caixa eletrônico, pra que saque o dinheiro.

_ Precisa não – falou sisuda pegando uma maquininha – pode passar o cartão.

Aborrecida, mordi o lábio enquanto agastada pensava:

_ Ela quer se livrar rápido da minha presença...

Ergui, orgulhosa, o queixo e lhe entreguei o cartão efetivando o pagamento.

_ Informa para a dona do carro que qualquer coisa, é só chamar! – Zaira pondo o capacete – Muito obrigada pela indicação senhora Virg. Até mais.

Silenciosa a vi ligar a moto e sair pilotando-a a toda velocidade. Fiquei ali parada até ela sumir...

_ Melhor assim! – sacudi a cabeça na tentativa de lançar alguns desejos pra fora – Acho que tá na hora de uma saída pra aliviar a tensão ou seria o tesão?!

Dei uma gargalhada com minha loucura, peguei o aparelho celular enviando uma mensagem à Denise avisando que o carro estava ok e deixaria a chave com o vigilante na saída da garagem.

Após isso, entrei no carro e segui pra meu apartamento esforçando-me pra esquecer a grande surpresa que tive hoje: ele, na verdade era ela!

Fim do capítulo