Capítulo 1

"Nada acontece por acaso. Não existe a sorte. Há um significado por detrás de cada pequeno ato. Talvez não possa ser visto com clareza imediatamente, Mas sê-lo-á antes que se passe muito tempo.” (Richard Bach)

O encontro...

_ Mas que merd*aaaaaa! – esmurrei o volante como se ele fosse o culpado do meu SUV Creta 2018 estar velho e problemático – E agora? Quem mandou não ter renovado o seguro, agora me dei mal!

Baixei o vidro olhando a circunvizinhança. Eu estava vindo do trabalho, um plantão exaustivo e justo quando entro num bairro desconhecido o maldito carro acha de parar!

_ Senhor? – chamei um transeunte que passava por ali – Conhece alguma oficina por perto? O carro parou e estou precisando urgentemente de um mecânico.

_ Eta zorra moça! – o homem coçou a barba pensando – Vai ser um estirão até a mais próxima, mas... Pera aí!

O homem bateu numa casa em frente onde eu parara.

_ Caetano? – gritou – ohhh Caetano?!

_ Fala Martins – um homem negro e alto apareceu na janela – Tá gritando feito um louco assim em minha porta às 5h30min da matina porque, velho?

_ Zai ainda faz serviço mecânico? – apontou pra mim que acompanhava a conversa de dentro do automóvel– A dona aqui tá enrolada com o carro quebrado.

_ Faz sim! – o homem olhou-me pensativo – O diabo é encontrar a criatura porque tá na correria de entregas por aplicativos; é tanto trabalho que nem sei como aguenta! Anota o número dona e liga.

Agradeci aos dois homens, travei as portas do carro e, de vidros fechados, comecei tentar contato com o mecânico! Depois de umas dez tentativas, quando já havia desistido pensando em deixar o carro ali indo de uber pra casa; meu zap bipou! Sou médica, então, jamais fico sem olhar uma mensagem! Acessei o app.

_ Oi, sou Zai! Esse número insistentemente me ligou – a pessoa teclava – Do que se trata?!

_ Olá! – carinha risonha de emogi – Sou Virg, meu carro quebrou em certa altura do subúrbio e seu tio informou que você trabalha com mecânica, assim estava tentando lhe falar.

_ Entendi – teclou de volta – Chego dentro de 30min, pode aguardar?

_ Não vou a lugar algum! – emogis gargalhando – Te esperando.

_ Ok – foi a resposta antes de ficar off.

_ Affff! Ocupado e econômico de palavras mesmo, viu? – pensei ligando o som pra esperar.

Enquanto ouvia música fui pensando em minha vida!

Meu nome é Virginia, mas amigos e familiares chamam-me de Virg! Sou médica especializada em clínica geral, paulista, 38 anos, solteira. Dizem que sou bonita; tenho cabelos castanhos e olhos verdes. Estou branca demais porque, embora esteja em Salvador com belas praias, não tenho tempo pra ir até elas.

Estou na cidade há seis meses e trabalho no Hospital do Subúrbio.

Meus pais não ficaram felizes com minha mudança de estado, mais eu sim! Não aguentava mais ser sufocada pelos dois.

Sou filha única, meus pais são classe média alta. Ambos são médicos também, mamãe pediatra e papai cardiologista, minha família possui uma clínica conceituada e de sucesso em São Paulo!

Optei por não trabalhar lá, o que os aborreceu bastante.

Queria minha independência, assim fui à luta e consegui essa colocação através de um amigo, o Tito, que também trabalha no Hospital do Subúrbio; Ele é o único amigo que possuo aqui na cidade até hoje.

A melodia da música instrumental foi me invadindo e o cansaço de dois plantões seguidos me pegou.

Batidas no vidro me despertaram!

Sentei-me direito e encarei um motoqueiro com capacete encarando-me e fazendo sinal; meu coração foi para os pés e pensei em assalto até ser tranquilizada ao vê-lo desmontar e ir em direção ao capô do carro! Então entendi que os sinais anteriores eram pedindo pra que eu o abrisse. O fiz e saltei do carro indo até lá.

O mecânico já mexia em algumas coisas e tinha o visor levantado.

_ O senhor acha que ainda tem jeito – brinquei não tendo uma boa visibilidade do semblante deste – ou já posso jogar no lixo mesmo?

O homem que inclinado verificava o automóvel, ergueu-se retirando o capacete e uma cabeça ornada de cachos curtos e negros saíram dele! O rapaz era de uma beleza singular que prendia a atenção, os olhos eram negros, brilhantes e meio que rasgadinhos.

Era negro, mais alto que eu, pelo jeans que usava dava pra notar pernas fortes apertadas no tecido; seus braços exibiam músculos razoáveis, típicos de quem faz muito serviço braçal e sobressaiam de uma camiseta mangas curta e folgadinha que usava.

Eu, parada, observava boquiaberta a bonita espécime masculina à minha frente.

_ Bom dia – sério saudou-me com uma voz grave e macia – Se você jogar seu automóvel fora eu correrei pra pegá-lo para mim. Por favor, tenta mais uma vez ligá-lo.

Eu, ainda surpresa por notar como o mecânico mexeu comigo, obedeci à ordem! Ao bater a chave, o carro fez o barulho de sempre e parou!

O moço voltou a debruçar-se sobre o carro e fez sinal pra que ligasse de novo. Girei a chave e num passe de mágica voltou a funcionar. Ele fechou o capô e com um trapo limpou as mãos esguias.

_ Uma peça com mau contato e só! – esclareceu com poucas palavras – A senhora me paga apenas o deslocamento até aqui!

Montou na moto colocando de novo o capacete e um baú nas costas informando um valor irrisório.

_ Poxa muito obrigada mesmo! – falei lhe pagando e dando uma gorjeta – Aceite, por gentileza.

_ Obrigada senhora – aceitou guardando o dinheiro e mostrou um humor ácido – Vamos? Te Acompanharei até a saída. Aqui é barra pesada; muito confiante você por dormir e até babar num lugar destes.

_ E-Eu não babo – vermelha e indignada repliquei – E não seria muito gentil de sua parte falar nisso, se fosse verdade! Humpfff.

Ouvi um risinho abusado vindo do capacete. Revirei os olhos e entrei no carro batendo forte a porta.

O segui até sairmos do bairro e chegarmos numa via, onde buzinando o abusado acelerou entrando em outra rua e sumindo.

_ Eu não babo! – reclamei sozinha chateada – de tudo em mim que ele podia observar, tinha que ser isso?!

Cheguei a meu apartamento num condomínio localizado na paralela, presente de meus pais que não me permitiram recusar.

Eu preferia um lugar com preço módico que eu mesma pagasse, mas meus genitores não sabiam, nem queriam aprender o significado das palavras simples ou módico.

Assim, acabei aceitando o apartamento que o condomínio estava além das minhas possibilidades, porém eles arcavam com todas as despesas, então era só desfrutar.

Tomei um banho relaxante e ligando o sistema de som ambiente da casa, deitei-me em minha cama. Meu último pensamento antes de adormecer foi os olhos negros e brilhantes do Zai!

Fim do capítulo