Capitulo 11
"E AS COISAS LINDAS SÃO MAIS LINDAS
Quando você está"[1]
Marília tentava manter a rotina de estudos e, apesar de todo o turbilhão que tomara conta de sua vida, estava conseguindo aprovação nas muitas fases do concurso para a Defensoria Pública da União. Lutava diariamente para não ser dominada pela tristeza que lhe assolava desde antes de saber que seria mãe. Ouvir, ou simplesmente pensar, na palavra mãe lhe despertava sensações conflitantes, pois nunca se imaginou gerando uma vida. Não tão precocemente e da forma como tudo estava acontecendo, pelo menos.
Sua família e André tentavam lhe animar para que ela curtisse um pouco o momento tão singular que estava vivendo. Nos primeiros meses teve muito sono e enjoo, nunca pensou que fosse possível vomitar tanto na vida, chegou a emagrecer bastante o que deixava as avós loucas querendo forçá-la a comer mais do que conseguia.
Sua mãe e a mãe de Beto se desdobravam para acompanha-la nas consultas do pré-natal e nos passeios sem fim com a finalidade de comprar as peças do enxoval do bebê. Marília não tinha vontade para aproveitar aqueles momentos e sempre alegava cansaço para ir embora logo. Elas achavam que a apatia de Marília era saudades do marido que continuava viajando muito para fazer qualquer concurso que aparecesse e também estava advogando em um escritório que passou a dividir com alguns amigos.
Marília não conseguia assumir nem para si mesma os motivos que perturbavam seu coração, mas, como já diz o clichê, com o tempo tudo acaba melhorando. Ela começou a se apegar ao bebê que carregava e aceitar melhor a ideia da mudança drástica que ele faria em sua vida. Ela se sentia muito sozinha, apesar da atenção que recebia dos pais e dos sogros e André se tornou a única pessoa que tinha contato fora da bolha familiar que se formou ao redor de si. Sempre que podia, André ficava com ela no apartamento, tentando animar a amiga e fazê-la sair de casa.
Quando a gestação de Marília completou três meses, André conseguiu, a muito custo, convencê-la a sair de casa pela primeira vez depois da descoberta da gravidez.
- Bi, não quero sair. Nenhuma roupa me serve. Estou horrível e com sono. Não serei uma boa companhia. Nem beber eu posso. - Alegou na tentativa inútil de demovê-lo da ideia.
- Besteira, Ma. Você está linda! Não tem nada de feia. Vamos aproveitar enquanto esse bacurim não nasce e vira dono de suas noites - falou sorrindo.
Como não teve jeito, optaram por um barzinho que tocava música ao vivo na área central da cidade. André a ajudou a escolher uma roupa e a se maquiar. A barriga não estava grande, mas já fazia diferença nas roupas que começaram a não lhe caber mais. Desde a descoberta da gravidez ela tinha sumido. Ficava em casa estudando e só saia para ir ao médico e para comprar coisas pro bebê. Só tinha contato com seus pais, a irmã, os pais de Beto e André. Não sabia de Isis desde o fim traumático da relação conturbada que tiveram.
Quando chegaram ao Mesa de Bar[2] estava começando o show da Helô Salles. Conseguiram uma mesa e ficaram conversando bobagens e rindo. Por instantes, parecia que nada havia mudado em sua vida. Pouco tempo depois, Isis chegou com aquele seu jeito afogueado e sentou à mesa sem pedir licença. Olhou para Marília de uma forma agressiva que a deixou nervosa.
- Porr*, Marília! Como você some desse jeito? Não me atende, não te vejo em lugar nenhum, ninguém me fala nada. Você acha que tem direito de acabar com tudo a minha revelia?
Marília queria argumentar, passar na cara dela todo o sofrimento que ela lhe causou, dizer que ela não tinha direito de cobrar nada. Que não era obrigada a aguentar o fantasma da Cibele, seu caso com Milena e a insegurança que aquilo lhe causava, mas não conseguiu.
- Tô grávida. Foi a única frase que consegui balbuciar.
A morena ficou paralisada. Passou as mãos jogando os cabelos para trás, demonstrando seu nervosismo. A olhou nos olhos e perguntou como, quando? A baixinha não aguentou e gargalhou:
- Você quer mesmo que eu te explique como os bebês são feitos?
- Quanto tempo? Como isso aconteceu? – Perguntou enquanto mirava em seus olhos, aguardando as respostas.
- Você não tem o menor direito de questionar nada. Não depois de ter me deixado plantada sozinha na boate e ter saído com a Milena e eu ter sido avisada por aquela loira nojenta. Você não me atendeu quando eu liguei insistentemente e depois veio querer conversar como se a errada fosse eu - respondeu quase gritando.
Marília foi surpreendida quando a morena pegou sua mão carinhosamente e lhe pediu calma, afirmando que eu não poderia ficar nervosa por causa do bebê. Aquilo derrubou toda a muralha que Marília havia erguido em volta de seu coração. Ela puxou a mão de forma abrupta e disparou
- Estou com três meses e me casei com o pai do bebê. Acho que não temos mais nada para conversar. - Olhou pra André que acompanhava aquele diálogo calado e fez menção de se levantar, mas Isis a impediu.
- Eu reconheço que errei que não fui correta com você. Me desculpe.
Aquelas palavras deixaram Marília sem ação. Ela nunca havia falado naquele tom. Quase acreditou na honestidade do que foi dito, mas não poderia. Nada justificava a humilhação que passou naquela noite, tudo ainda mexia muito com ela. Isis era uma tempestade que destruía sentimentos por onde passava. Não queria mais. Nem poderia. Marília olhou para André e suplicou para ir embora. Não mentiu quando disse que não estava me sentindo bem. Isis se adiantou pegando em seu braço e falou firme olhando para André.
- Eu a levo pra casa. Não se preocupe.
Marília assentiu e saíram em direção ao carro da morena que abriu a porta para que ela entrasse.
- Está melhor, linda? Quer ir ao hospital? Me diz o que preciso fazer para te deixar bem.
Marília pediu para que a levasse para casa e indicou o caminho. Ao chegarem ao prédio, a baixinha agradeceu a carona e, quando abria a porta para sair, a morena a impediu.
- Tem alguém em casa? Você não pode ficar sozinha. Quer que eu chame alguém?
- Sobe comigo? - Respondeu
Isis rapidamente se livrou do cinto de segurança e a acompanhou. Subiram em silêncio. Marília entrou no apartamento enquanto a morena ficou parada na porta.
- Onde está seu marido? - Perguntou.
- Viajando à trabalho - respondeu.
A morena a olhou incrédula. A sinceridade em sua expressão era palpável.
- Como ele te deixa sozinha nesse estado? E se acontecer alguma coisa?
Marília deu de ombros.
- Eu estou grávida, não estou doente e não preciso da supervisão de um adulto. Vai ficar parada aí? Entra, preciso de um banho.
Ela entrou e percorreu o ambiente com os olhos.
- Fique à vontade. Se quiser comer alguma coisa, dá uma olhada na geladeira.
Falou enquanto caminhou em direção a seu quarto. Tirou a roupa e seguiu para o banheiro. Estava lavando os cabelos quando escutou a porta do box abrir. Isis estava parada, usando apenas uma calcinha box e top.
- Posso entrar?
Marília fez que sim com a cabeça e ela entrou ainda vestida e ajudou no banho. Parou atrás da baixinha e terminou de lavar seus cabelos. Pegou o sabonete e a ensaboou, demorando em sua barriga passou a mão de forma delicada, beijando seus ombros carinhosamente.
- Se esse bebê fosse meu, não te deixaria sozinha um minuto. Você está ainda mais linda, sabia?
A baixinha ficou sem ação e se apressou para sair dali. Isis a segurou, tirou todo o sabão, fechou o chuveiro, a enxugou e penteou seus cabelos com muita delicadeza. Marília saiu do banheiro e caminhou até seu quarto, vestiu uma camisola e separou um pijama para a morena.
Isis saiu em seguida secando os próprios cabelos. A baixinha mostrou a roupa que havia separado e disse que, se ela quisesse, poderia ficar.
- Vou pegar água. Quer alguma coisa? Perguntou.
- Fica deitada, linda. Vou pegar pra você. - A beijou no rosto e saiu em direção a cozinha.
Quando voltou, entregou o copo à Marília, foi até o banheiro e pegou um hidratante que estava sobre a bancada.
- Deita, linda. Me dá seu pé aqui.
Passou hidrante e fez massagens nos pés e pernas da grávida. Perguntou sobre o bebê, como estava sendo a gravidez, sempre demonstrando carinho e interesse nas respostas. Marília adormeceu super-rápido e, depois de longas horas de um sono reparador, acordou sentido beijinhos na barriga. Se espreguiçou e quando abriu os olhos enxergou a morena a olhando com um sorriso lindo.
- Acorda preguiçosa, você tem que alimentar esse bebê!
Ela tinha trazido o café na cama. Pela primeira vez, Marília se sentia bem por estar grávida, se sentia acolhida e amada. Não saberia explicar, mas finalmente estava feliz desde a descoberta que mudaria sua vida para sempre.
[1] As Coisas tão mais lindas, Nando Reis
[2] Mesa de Bar foi um bar localizado na região central de Fortaleza que funcionou nos anos 1990 e início dos anos 2000. Frequentado prioritariamente por mulheres lésbicas, sempre tinha show ao vivo aos fins de semana.
Fim do capítulo
Menines,
Será que Isis irá se redimir te todos os vacilos que cometeu com Marília?
Espero que gostem desse capítulo! Estou me esforçando para conseguir publicar com mais frequência.
Bjs
Z
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