Ela será o fim de sua vida
No sonho, eu estava em meio a um campo florido. Dessa vez eu via o meu corpo, e eu caminhava sem rumo no meio daquele mar de pequenas flores amarelas que enchiam a paisagem abundantemente.
Fazia muito sol, e eu mal conseguia ver alguma coisa além daquela intensa claridade. Caminhando, cheguei até uma garota que usava um chapéu de praia, roupas de veraneio, óculos escuro de gatinhos e lia um livro, deitada em uma esteira ouvindo música.
Sentei-me ao lado dela, que me olhou de relance. Era Catarina.
— Alana – disse ela, fechando o livro e abaixando o óculos – O que faz por aqui?
— Não faço ideia, acho que estou...de bobeira.
— Como está se sentindo?
— Não sei, eu acho bem mal, mas ao mesmo tempo não tão ruim quanto eu me sentia...
— Eu estava aqui lendo para tentar entender o que eu fiz errado no seu caso clínico e descobri que... – ela deu os ombros – foi porque você mentiu pra mim.
— O que está dizendo?
Ela virou o corpo em minha direção, apoiando a cabeça sobre o braço preguiçoso no chão.
— Você falou diversas vezes que sua ex não trazia impacto nenhum na sua vida, pelo menos não mais.
— Sim, mas...
— E ela te desestabilizou a ponto de você ter jogado meses de trabalho no lixo, Alana – ela franzia as sobrancelhas, balançando a cabeça.
— Eu não menti, eu só não fazia ideia de que isso ia acontecer. Como eu ia saber que elas eram a mesma pessoa?
— E se não fosse, você ia me deixar pra ficar com ela? – ela dizia com seriedade – E se fosse e ela te quisesse, você ia voltar atrás?
— Não, mas...
— Então por que você ficou tão mal assim se tem tanta certeza?
— Catarina, não é tão fácil pra mim, você...
— Eu não entendo, Alana? Eu estudo isso. Eu te ajudei, eu botei em xeque minha carreira acadêmica pra te ajudar, eu abri meu coração sobre coisas sérias, eu tive que sacrificar algo que eu gostava muito pra estar do seu lado e você me retribui se jogando no lixo por conta da sua ex psicótica que te trata como um simples objeto?
— Eu me limpei pra ficar com você, Catarina...
— Negativo, eu não pedi isso – ela dizia, ríspida – Isso era o melhor pra você, a não ser que o melhor agora seja ter quase jogado sua vida fora?
— Seria melhor se eu tivesse jogado mesmo.
— Seria mais fácil, não é? Pra você, tudo tem que ser a decisão mais fácil...
— Isso não é verdade.
Catarina balançava a cabeça, mordendo os lábios, parecia estar preste a chorar.
— Não é verdade?
— Não, eu gosto de você, Catarina, só que eu sou muito idiota e faço isso e...
— Então por que depois de tudo isso, você vai me deixar em vez de ficar?
— O quê?
— Você sabe o que estou falando.
E seu rosto começou a se dissolver, assim como todo o cenário ao meu redor, dando origem a escuridão que me consumiu, acabando assim o sonho.
*
Ao acordar, devagar, sentia-me bem melhor. Olhei para o lado e vi Catarina lendo, ao meu lado.
Pisquei algumas vezes, e esbocei um sorriso, tocando devagar a ponta da sua mão, que estava na maca, chamando sua atenção.
Catarina, levantando o olhar, sorriu e tocou de volta minhas mãos.
— Ei – disse ela, com uma voz suave – Está melhor?
— Bem melhor agora – disse, mordendo os lábios.
— Eu quero brigar com você, mas ao mesmo tempo quero te abraçar – Catarina me apontava com a caneta – Então não vou fazer nenhum tipo de reforço aqui.
— Eu nem sei o que dizer, Catarina, sério... Eu não pensei no que fiz.
— E quando é que você pensa no que faz, Alana? – dizia ela, colocando meu telefone em minha direção.
Ao olhar para o que tinha na tela do telefone, suspirei alto.
— Pode me explicar isso, Alana?
— Se lembra da história da dançarina?
— Como esqueceria de um absurdo desse? – disse ela cruzando os braços.
— Ela é minha ex – olhava com seriedade para Catarina, que arqueou as sobrancelhas – A Paula.
— A que te manipulava emocionalmente?
— Sim.
— O que ela fez com você? Vocês estão tendo um caso de novo ou coisa assim?
— Não, longe disso... Mas ela falou coisas que me deixaram muito mal, me senti um lixo, Catarina...Eu só queria silenciar o inferno que minha mente se tornou naquele momento.
— Mostrando que ela ainda tem controle sobre você.
— Não é como se eu quisesse isso, eu pensava que estava tudo bem, eu... – pressionei os olhos, sentindo o medo percorrer minha espinha mais uma vez – Desculpe, eu sou uma idiota inconsequente, não tem mais jeito para mim.
— Você quase morreu porque uma pessoa disse que você não merece a vida que tem, Alana. Tem ideia do quão grave é isso?
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que realmente você está comigo ou tudo é por conveniência porque eu gosto de você a ponto de fazer o que tenho em mãos para te ver bem e feliz?
Fiquei em silêncio, sentindo o olhar frio e lancinante em minha direção.
— Eu gosto de você, mas sinto que sou a pior pessoa do mundo.
Catarina suspirou, e voltou para a poltrona, pegando uma grossa apostila e colocando em minha direção.
— Aqui está a palestra, eu gostaria que você lesse, enquanto eu vou lá fora um instante.
Catarina se levantou, e beijou minha cabeça por um tempo prolongado.
— Já volto.
Olhei para a capa da apostila parcialmente riscada.
— “Entre Cosmos e Nanquim: um estudo analítico sobre os efeitos da toxicomania entre os jovens universitários da Universidade...”
O estudo tinha ganho uma excelente nota. Sua metáfora entre os momentos de felicidade e depressão causado pela dependência química tinha trago proximidade a ela por conta da sua condição psiquiátrica. Ela sabia o que eu sentia, mesmo estando em caminhos diferentes, mas chegando no mesmo ponto: a euforia e a depressão que isso causava.
Catarina não estava naquilo porque queria, e sim porque nasceu assim. Ela não podia fugir contra isso enquanto eu estava ali, querendo ou não, por opção. Eu poderia ter dito não, mas não conseguia...Como aconteceu de outras vezes, e quando eu tentei fazer diferente.
Eu precisava de ajuda, e quando a recebi, eu a descartei no primeiro empecilho que apareceu. Eu era realmente mais fraca que eu imaginava, e Paula, como a personificação do mal, estava ali para dizer isso.
Provavelmente eu nunca mais a veria na vida, mas o estrago que ela tinha causado estava feito.
Por que Catarina continuava comigo? Ela estava ali presente quando cai uma, duas, três vezes. Alan continuava ali mesmo que eu o machucasse e Matheus também.
Talvez o problema fosse realmente comigo.
Continuei folheando o trabalho de Catarina, sem compreender bem os termos científicos, e logo ela voltou para o quarto, passando a mão no rosto.
— E aí, o que achou? – perguntou ela, voltando a se sentar ao meu lado.
— Acho que está tudo ótimo, eu sei o quanto você se empenhou pra isso...
— Eu consegui a nota máxima para o doutorado – ela disse, sorrindo.
— Jura? – dei um sorriso largo.
— Sim, para fora do país, com bolsa e tudo – ela sorriu mais uma vez.
Continuei feliz, mas meu sorriso foi desaparecendo.
— Você vai embora daqui?
— Sim – ela segurou minha mão com firmeza – Esse é o plano, lembra?
— Eu pensei que...
— Você não vai comigo?
Olhei sério para ela, que mantinha um sorriso afável.
— Como?
— Você está para se formar, é o tempo de eu ajeitar as papeladas e ir para lá, e você vai comigo. Uma vida nova.
— Mas...
— Mas?
— Eu sou um problema pra você, não sou uma coisa boa...
— Não diga isso – ela respondia, acariciando meu rosto – Você nunca vai ser um problema pra ninguém.
— Eu fui pros meus pais que me dispensaram, fui pra essa maluca psicopata que veio me infernizar, sou um problema pras pessoas que eu amo...
— Eu estou aqui com você, lembra?
Catarina segurou minhas mãos com firmeza, entrelaçando meus dedos com o dela. Aquele ato carinhoso fez meus olhos se encherem de lágrimas mais uma vez.
— Você está triste com isso?
— Não, é porque eu te amo – dizia pressionando meus lábios – Chega dói. Eu sinto como se eu fosse o peso que impedisse você de voar.
— Claro que não, Alana Maria – ela dizia com seriedade – Eu quero que você esteja comigo nesse momento, e em todos os momentos. Seu momento é só uma fase ruim que vai passar, você consegue, lembra?
— Eu não acho que eu consiga...
— Você consegue, eu tenho certeza.
Ela se aproximou de mim, me abraçando com força. Senti meu corpo relaxar com o toque do seu corpo contra o meu, como se fosse isso que faltasse o tempo todo para mim: o abraço reconfortante de Catarina, que juntava meus pedaços onde quer que estivesse.
Ficamos ali sem dizer nada, enquanto eu acariciava seu cabelo e ela se deitava ao meu lado. Seu cheiro entranhava em meu nariz, me trazendo a sensação de casa que eu sempre quis.
— Obrigada, Catarina.
— Pelo quê?
— Por ter existido na minha vida.
Trocamos carinhos por um tempo indefinido. Ela se levantou e beijou meu rosto.
— Vou atrás de alguma coisa para comermos.
Quando ela voltou com o jantar sem gosto algum, logo me veio o questionamento.
— Onde está o Alan?
— Saiu com o Matheus, segundo ele, tinham muito o que conversar.
Levantei as sobrancelhas, dando um sorriso malicioso.
— As coisas parecem que estão se ajeitando por aqui.
Conversamos um pouco mais, rimos, nos divertimos, nos beijamos, nos afagamos, vivemos aquele momento até que Catarina dormiu do meu lado.
Fim do capítulo
Animadas para o que virá depois? Quais são as expectativas? Será que estamos nos encaminhando para o final da história ou ainda tem muito o que acontecer? Até logo!
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