O capítulo de hoje promete muitas emoções, olha...
Simpatia pelo diabo
Pela primeira vez, depois de tanto tempo, as coisas pareciam estar nos eixos.
A faculdade ia bem, minha relação com Alan ótima como sempre e com Catarina, bem, eu não tinha o que reclamar de nenhuma forma. Passávamos cada vez mais tempo juntas, a ponto de ter passado dias em sua casa e ela em casa.
Nos encontrávamos na faculdade, e não tínhamos medo de mostrar nosso relacionamento para ninguém. Estávamos juntas fazia algum tempo e por mais que não tivesse entrado em um acordo sacramentado de namoro, sabíamos que o que tínhamos uma pela outra era sério e que estava ali para o que der e vier.
Costumava dizer que a amava vez ou outra, que ela correspondia me beijando e dizendo que também sentia o mesmo por mim. Caminhávamos de mãos dadas por aí, trocávamos juras de amor intensas na cama e nosso almoço nos feriados eram regados a troca de carinhos no sofá de casa, onde a mantinha em meus braços, e vice versa.
Eu nunca tinha me sentido tão bem, só que a vida não era perfeita.
Catarina em seus momentos de crise se transformava, de uma pessoa centrada e divertida para um ser taciturno e hostil, mas nada que não pudéssemos levar com muito apoio e compreensão.
Claro que nas vezes em que tentei quebrar o cofre de casa ou pegar as economias de Alan para poder, digamos, esquecer os problemas de forma imediata foram cessadas diante ajuda dos demais. Infelizmente, no que se tratava de Alan, as tentativas de que ele tivesse um retorno de contato com Matheus foram totalmente frustradas. É a vida, e nela não acontece bem o que queremos.
E sobre contato, descobri que tem coisas na nossa vida que tem que ser cortadas para que, como uma árvore que é podada, possa crescer saudável, e isso significava esquecer a existência de um pai manipulador, que no final das contas não morreu de imediato pela sua doença como ele pregou a todos e uma mãe narcisista que despreza os filhos por não serem militares violentos.
Estava tudo bem em ser uma lésbica reabilitada que tinha um tórrido romance com uma outra garota que, apesar de ser brilhante, era vítima de si mesmo, e nisso eu digo a expulsão de um renomado centro de pesquisa pois, em um dos seus momentos de euforia, menosprezou a todos e acabou se metendo em uma briga severa.
“Há coisas que fiz para me sentir viva ao qual realmente não me orgulho”, ela costumava dizer.
E disso eu não falava mais nada.
“Eu me vendia para mulheres mais velhas em troca de drogas”, ela sabia, mas eu não dizia.
E ela também não falava mais nada em relação a isso.
Minha vida parecia de que, a seu modo, estava se tornando o final feliz do conto de fadas, mas nessa história, ainda haviam algumas pontas soltas.
Acendi um cigarro enquanto caminhava para comprar o lanche da tarde para levar na Catarina, e recebi a seguinte mensagem:
“Te encontro na noite escura.
Ass.
Lavínia.”
Lavínia?
Senti uma pontada em meu peito. Como ela sabia meu número? Isso não fazia sentido. Será que era uma piada? Não, só Matheus sabia dela e...Ele não faria esse tipo de coisa, jamais.
Isso não fazia o menor sentido. Guardei o telefone e fui para a padaria, e voltando, Catarina me recepcionou como sempre fazia: beijando meu rosto mas, assim como ela entendia seus objetos de estudo pelo comportamento...
— Aconteceu alguma coisa, Nana?
— Não foi nada não, amor – beijei seu rosto de volta – Vamos comer?
Conversamos trivialidades e comemos. Não sabia como iria falar sobre aquilo, ou melhor, se eu realmente deveria falar sobre aquilo. Ela me olhava com atenção e comia. Como sempre respeitamos o espaço uma da outra, ela nada fez.
E seguimos com o que fazíamos habitualmente, mas não conseguia me concentrar na série que ali passava. Na verdade, não conseguia pensar em outra coisa a não ser na mensagem que recebi mais cedo. Olhava para Catarina, e aquilo menos parecia fazer sentido, muito porque, bem...
— Você vai dormir aqui hoje?
— Por que? – ela não costumava perguntar isso.
— Vou ter que terminar as falas pra apresentação de amanhã – ela disse se esticando e caindo no meu colo – Como vou poder te dar atenção se o dever me chama?
Levantei as sobrancelhas, surpresa.
— Então nos vemos amanhã, não é?
— Por favor, venha ao menos tomar café comigo – ela entrelaçava os dedos com os meus – Sabe que amanhã vai ser importante pra mim.
— Claro que sei – beijei seus lábios – Você vai arrasar como sempre, minha gênia.
Ficamos por um tempo abraçadas, e nos beijamos mais uma vez enquanto me levantei.
— Nana? – disse Catarina em um tom dengoso.
— Sim, meu amor?
— Eu te amo.
Dei um largo sorriso, e fui até ela dar outro beijo.
— Eu te amo também.
E nos despedimos. Assim que bati o portão, acendi outro cigarro e tomei o caminho que já não me era habitual. Respirei fundo e peguei o telefone, vendo aquela mensagem mais uma vez. O número não me retornava, então segui até o lugar onde achava que iria a encontrar.
Parei em frente a boate, sentindo meu coração bater pesado. Apaguei o cigarro e entrei naquele lugar, onde a atendente de outrora me recepcionou com um sorriso.
— Há quanto tempo, mocinha!
— E aí – cumprimentei com certa timidez – Qual a boa?
— O mesmo lugar de sempre, gatinha – e piscou para mim, passando as mãos pelo meu ombro.
Puxei o ar denso do lugar devagar, e dei passos que pareciam serem mais longos que o habitual até a porta onde eu costumava encontrá-la. Estava tudo escuro, não tinha qualquer outra iluminação e o lugar aparentava estar vazio. Mesmo assim, adentrei e fechei a porta.
— Lavínia? – perguntei com a voz trêmula. Não houve nenhuma resposta.
Caminhei pelo lugar, tateando com as mãos para que eu não tropeçasse.
Logo, uma luz se acendeu. Era a luz do espelho do lugar, e a figura enigmática estava sentada de frente para ele, mas não havia qualquer espelho, restando apenas a moldura iluminando-a.
— Oi, Alana.
— O que aconteceu? Por onde esteve esse tempo todo?
— Você está com outra pessoa? – ela disse de forma enfática. Engoli em seco.
— Sim.
— Você gosta dela?
— Lavínia, eu...
— Por favor, responda.
Mantive-me em silêncio de primeira. Sentia-me enjoada, com medo, mas não iria recuar.
— Bastante.
— Você esqueceu de mim durante esse tempo?
— Cara, você sumiu por meses, por que está chegando e cobrando alguma coisa? – perguntei a ela, me aproximando devagar.
Ela respirou fundo, e voltou a falar novamente com a voz trêmula.
— Eu tive meus motivos para ter sumido.
— E quais são? Como você achou meu número?
— Não importa falar agora...
— Por que as coisas tem que ser da sua forma, Lavínia? Você chega e fala as coisas – continuava a me aproximar – E eu tenho que simplesmente aceitar? Eu...Eu segui minha vida, procurei um caminho diferente e...
— Diferente?
— Sim, eu me limpei – disse em um misto de rendição e orgulho – Vivo com uma pessoa que me apoia muito e...
Um riso cortou a conversa. Um riso conhecido, familiar, tinha a impressão de que tinha ouvido ele por diversas vezes, mas...
Ela continuou rindo, e acendeu um cigarro, balançando a cabeça.
— Você, limpa? Eu duvido muito, Alana.
— O que te faz achar uma coisa dessa? – falei em um tom sério.
— Porque eu conheço você mais do que você imagina.
— Conhece? Eu duvido muito que você me conheça, Lavínia – respondi com sarcasmo.
Ela respirou fundo, tragando o cigarro.
— No seu aniversário de oito anos, você caiu de bicicleta e chorou indo atrás da sua mãe. Ela te bateu e falou que você realmente merecia ter se machucado porque era muito danada.
Um rasgar em meu peito mostrou-se presente. O desespero e o tremor de mãos apareceram, e eu mal conseguia murmurar alguma coisa.
— Como...
— Quando você tinha treze anos, beijou sua amiga no acampamento da escola. Para você foi o mundo, para ela não foi nada, e daí você teve seu primeiro coração partido.
Eu mal conseguia respirar. Como é que...
— E quando você está mal, os acontecimentos do passado te perseguem como vozes, e por vezes, pensa que está louca...
Não, não pode ser isso, por favor, não.
— E quando está com medo, gosta que peguem na sua orelha e a massageiem. Você tem medo de escuro e quando está feliz, gosta de pegar flores para si e para as pessoas que tem medo.
Não conseguia prestar qualquer reação, só ficando com a boca entreaberta, em choque, tentando falar alguma coisa, mas sem sucesso alguma. Como...
— Você presenteia sua nova namorada com suas flores favoritas também?
O quê? Mas não...
— Consegue falar que ama ela? Acorda ela com um abraço e um beijo no pescoço seguido do deslizar de sua boca pelo pescoço dela e os beijos que adora dar nos ombros?
— Como?
Foi a única coisa que consegui falar. Lavínia voltou a tragar o cigarro, com o braço estendido na cadeira.
— Alana, você realmente não mudou nada.
Ela tirou a máscara, e a peruca que usava. Lentamente se levantou e foi até mim.
E tudo emudeceu. Meus olhos não acreditavam no que viam, e meus sentidos recusavam a perceber o que estava em minha frente e ela, com um sorriso sarcástico que bem conhecia, olhava para mim com os olhos que também bem conhecia.
Ela deu mais uns passos para a frente, e segurou o meu queixo, como fazia quando queria que eu prestasse atenção em alguma coisa.
— Pa...Pa...
Eu não sabia como dizer aquilo, mas meus instintos me forçaram a fazê-lo.
— Paula?
— Oi, Nana. Sentiu minha falta?
E meu mundo, mais uma vez, começava a desabar.
Fim do capítulo
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