38 graus
Eu sempre fui uma figura considerada desajustada, apesar de ter a certeza de que não sou a única, sempre tinha a sensação de que eu estava sozinha na maior parte do tempo.
Tive algumas colegas no fundamental, e conhecidas no ensino médio. A pessoa que mais se parece com uma amiga para mim é Jude e, por ter passado um longo período sem amizades profundas, vi no desenho a melhor válvula de escape que eu teria em mãos.
Eu poderia criar o que quisesse, do jeito que quisesse. Uma realidade onde eu me sentiria menos estranha do que eu me sentia normalmente. Um lugar onde eu me sentiria contemplada quando elas começavam a falar dos seus namorados e eu apenas negando, falando que nenhum deles me atraia.
Brenda, no entanto, garota da outra turma da mesma série que eu, mudou todos esses conceitos. Ela era bonita, engraçada, inteligente e ainda por cima, popular. Peguei-me encarando-a por mais tempo do que consideravam normal uma garota admirar a outra e, de alguma forma, queria ter contato com ela e usaria do que tinha em mãos para que isso acontecesse.
Meu pai sempre dizia que, se queremos alguma coisa, temos que correr atrás dela. Então, fiz um desenho dela no intervalo e entreguei em suas mãos na hora do recreio. A reação dela não poderia ser pior.
Ela deu um sorriso genuíno, totalmente agradecida por aquele simples desenho e ali mesmo, se levantou e me deu um abraço demorado. Por conta disso, senti uma queimação que vinha do meu estômago para o meu peito enquanto sentia o cheiro adocicado de sua pele contra mim.
Descobri conversando com as demais colegas, fazendo alusão ao caso e trocando identidades, que eu estava apaixonada, e por isso considero sua reação comigo péssima, já que se ela tivesse sido grosseira, provavelmente as coisas seriam diferentes. Ou não.
Ela me cumprimentava no intervalo ou quando me via, e isso fazia meu coração palpitar e perder a voz. Com isso, garotas, deduzindo alguma coisa a ver minha reação, quiseram tirar a prova vandalizando minhas coisas.
Ainda posso ouvir ressoar a música cretina criada por uma delas “Hǎi yún chinesinha lesbiquinha”. Primeiro, que eu detestava quando usavam minha origem de forma pejorativa puxando os olhos, e segundo, o que tinha de errado comigo pra ser tratada assim? Eu fiquei triste, parada ali enquanto riam, mas não chorei. Minha vivência já tinha endurecido minhas reações o suficiente para não expressar nada.
Minha mãe dizia que quanto menos demonstramos, menos vão ter motivos para usar alguma coisa contra nós, e foi o que fiz ao sentar no meu lugar e fingir que nada estava acontecendo. Só que, no caso do ensino médio, onde as pessoas fazem questão de ser menos civilizadas o possível, não adiantou.
E foi nessa hora que Jude entrou. Ela empurrou a porta com força, com seu cheiro de cigarro sentindo à distância e gritou com todas, apontando o dedo na cara de cada uma falando que se soubesse que estavam mexendo comigo, ela iria destruir a cara de cada uma. Nunca mais mexeram comigo, Jude virou minha amiga e Rafaela começou a namorar com algum troglodita da sua sala. Primeiro amor, primeiro coração partido.
Eu era uma figura totalmente fora dos padrões de todos os lugares e Jude, ao conhecer minha propensão a arte, me apresentou uma coisa que mudou minha vida mais do que qualquer desventura amorosa: os Ramones e com isso, música.
Aquele homem americano, alto com o cabelo no rosto cantava exatamente aquilo que eu sentia e, pela primeira vez, senti que estava sendo realmente entendida e, por muitas vezes de noite quando ouvia sua música nos fones de ouvido, sentia que estava recebendo um abraço dizendo que estava tudo bem ser estranho e não entender o que sente.
No entanto, com as percepções de paixões afloradas, outras vontades vinham à tona. Jude era mais velha e com isso, era mais entendida sobre o mundo feminino e foi a própria que me arranjou a primeira garota, nos moldes do que ela achava necessário: bom papo, culta e reservada.
Vanessa era colega de Jude por ambas trabalharem com filmes amadores. Ela era mais velha que eu, e realmente atraente. A única coisa que me incomodava nela era o fato dela dizer que nunca tinha ficado com uma asiática antes e que tinha curiosidade. Depois que eu vim descobrir que isso era uma espécie de fetiche, e o que era fetiche também.
Não foi bom e nem ruim, foi normal. Esperava que sua experiência me fizesse sentir algo a mais, mas nem tanto. Jude falou que isso era normal, que vinha com prática, mas não queria ficar com alguém por tanto tempo a ponto de ter que praticar com ela.
Então ela sugeriu que eu experimentasse sair com outras pessoas aleatórias, pegando a prática com cada uma, e funcionou até então, já que conhecer outras pessoas, conhece-la superficialmente, tratar do que se interessa e depois seguir a vida é mais fácil do que realmente se envolver com elas. Via Jude sofrer a cada nova garota, sobretudo com a relação tortuosa dela com Luiza, então me afastei como podia desse estereótipo e reforçando o de figura fria e sem sentimentos.
Só não esperava que outra pessoa tão próximo proporcionasse algo parecido.
Parecido porque, se Rafaela me trazia paixão, Joey Ramone me trazia entendimento e os encontros online com garotas atraentes ressaltava o tesão que havia em mim, o que fazer quando uma garota traz essas três coisas?
Às vezes Amanda falava e eu não conseguia prestar a devida atenção por conta de estar atenta a algum detalhe seu, como o gesticular de suas mãos, seu sorriso de canto, seu olhar furtivo quando me encarava por um tempo ou quando ela prestava atenção na aula e se distraia com algo a seu redor, mas principalmente, no jeito que sua boca se mexia quando falava.
Lembrava de Amanda a qualquer momento do dia, seja no almoço, antes de dormir ou na hora do banho. Sempre lembrava dela em qualquer contexto, sobretudo os seus detalhes.
— Garota, você está muito a fim de botar a sua...
— Judite! – reprimia ela, passando o cigarro.
— Desculpe, desculpe – ela fazia menção para que eu me acalmasse com suas mãos – Reiterando, você está muito a fim de rezar no mesmo quarto que ela.
Olhei-a séria por um período, mas comecei a rir logo em seguida.
— Você é horrível, Jude.
— Você que tem que dar o primeiro passo, Hǎi yún – Jude tragava o cigarro, afastando a fumaça de sua frente – Se ela é a garota toda correta que você diz que é, toda vez que te beija, deve ir se confessar para o padre.
— E o que quer dizer com isso?
— Converta-se e case na igreja com ela para poder fazer alguma coisa – Jude dizia rindo, mas logo a empurrei com o ombro.
— É sério, Jude.
— Eu vou te ajudar com isso, não se preocupa – Jude apontava com o cigarro em minha direção – Estou aqui pra isso.
*
Quando cheguei, vi que meu nome estava entre as melhores notas da sala. Dei os ombros, sem me importar com isso e sentei no meu lugar habitual, colocando os fones e desenhando. Amanda ainda não tinha chegado, e Luiza vez ou outra olhava com dada raiva em minha direção, o que me importei menos ainda.
— Hǎi yún Wang e Luiza Araújo – disse Silvio, o amigo de Amanda na porta da sala. Olhei curiosa, mas o segui.
Ao chegar na frente, vi Jude, fumando um cigarro despretensiosamente falando com Amanda, que olhava séria, com os olhos cerrados, prestando atenção no que ela falava.
— Não, você parece ser puritana demais pra isso.
— Não dê ouvidos pro que essa maluca fala – aproximei-me dela, o que fez ela girar o corpo e o braço para que me abraçasse – O que está fazendo aqui?
— Vim dar um oi – ela concordou com a cabeça – E aí, Luiza.
— Oi, Judite – Luiza respondeu cruzando os braços.
— Como você está? – Jude apagou o cigarro, jogando o resto da fumaça para cima.
— O que você quer? – ela dizia direta e ríspida. Provavelmente ainda magoada pela questão mal resolvida delas.
— Vim conversar com você – ela se desprendeu de mim, indo em direção de Luiza – Podemos?
Luiza deu os ombros e, indo ao seu lado, começaram a caminhar para longe e Jude, antes de ir, virou para mim e deu uma piscadinha, voltando a olhar para frente. Silvio, levantando as sobrancelhas e dando um sorriso sugestivo, foi para outro lugar.
Olhei para Amanda, que parecia reticente ao pressionar os lábios e, ao tocar sua mão sobre a minha, perguntou:
— Podemos ir lá dentro um instante?
— Claro, Amanda, sem problemas.
Ela, timidamente, apontou para o lugar onde costumávamos nos encontrar para ficar à sós e, ao chegarmos lá, ela se aproximou de mim, sussurrando sem deixar de me olhar.
— Hǎi yún...
— Sim? – perguntei enquanto os dedos em seu rosto, acariciando-os.
— Eu posso te beijar?
Dei um sorrisinho envergonhado, mas ela continuou séria.
— Claro que pode.
— Não, Hǎi yún...
Amanda aproximou-se de mim e, passando a mão na minha nuca para segurar levemente meu cabelo, ela ficou a poucos centímetros do meu rosto, me colocando contra a parede atrás de nós e, sentindo sua respiração quente contra minha boca e seus olhos cerrados, olhando-me de uma maneira a qual não tinha visto antes, arfei baixo.
— Eu quero te beijar.
Mordi os lábios e, fechando os olhos, senti ela pressionar a mão na minha nuca me trazendo para o beijo. Sua boca era urgente contra a minha na mesma medida e, ao sentir o toque que seu beijo proporcionava, segurei sua camiseta, trazendo-a para mais perto de mim.
— Eu não consigo parar de pensar em você – sussurrei em seu ouvido, e senti o toque de Amanda percorrer as minhas costas, arranhando devagar e segurando minha camisa. Deixei minhas mãos percorrerem por seu corpo, procurando de alguma forma conter o que seus beijos seguidos faziam comigo.
— Quando estou com você... – ela sussurrava de volta entre nossos beijos – Só quero demonstrar isso de forma mais...
— Intensa?
Amanda, suspirando baixo, colocou sua perna sobre a minha e eu, segurando sua mão, arrastei-a devagar colocando sobre minhas pernas. Ela arrastou sua mão em meio a minhas pernas e, quando senti seu toque, deixei escapar um gemido baixo.
Ela se afastou no mesmo instante, balançando a cabeça aturdida. Parecia estar em transe.
— O que foi? – perguntei a ela, vendo sua reação assustada – Está tudo bem?
— Eu, eu... – ela gaguejava, passando a mão no rosto para enxugar o suor que se formava – Tenho umas coisas para fazer e...
— Não quer ficar mais um pouco? – segurei sua mão novamente, que tremia. Ela estava recuando ainda mais, e ria envergonhada.
— É que é umas... – ela ria ainda mais nervosa – Equações.
Quando ela tentou caminhar para trás, acabou tropeçando e quase caindo, se apoiando na parede, rindo a esmo. Olhei séria para ela e depois ri como ela.
— Te espero na sala – ela apontava para fora, e vi quando foi direto ao banheiro.
Dei um sorriso contido comigo mesmo e, após arrumar meu cabelo, fui para sala. Amanda parecia tensa, mas não me evitava. Na hora da saída, ela me deixou em casa e antes de ir, segurando minha mão, me estiquei par beijá-la, o que ela correspondeu do mesmo jeito.
Eu precisava de um banho. Demorei um bom período pensando no chuveiro, mas depois do jantar e de praticar anatomia, algo estava me incomodando. Estava sem sono, e Amanda não havia me ligado, então conclui que estava ocupada.
Ao pensar em Amanda, só me vinha o momento que tive com ela, que senti seu toque firme contra minha pele, entre outras coisas. Não é como se eu nunca tivesse feito isso, mas é que ao mesmo tempo que parecia errado, parecia convidativo.
A imagem dela pueril indo de encontro com a lascívia que tinha em relação a ela confrontavam em minha mente, mas toda vez que lembrava do seu toque tão vivo em minha pele, eu sabia o que prevaleceria.
Arrastei minha mão por dentro do meu pijama e subsequentemente, da minha calcinha.
Fechei os olhos e lembrei de toda a sensação que tinha sido causada. Do seu toque, da sua voz e ali, pude imaginar a realidade que eu queria.
Amanda vinha até mim, de noite, entrava no meu quarto furtivamente e me via me tocando assim. Perguntaria o porquê de eu fazer isso de forma bastante puritana, e eu responderia que às vezes, seu toque me faz ter vontade de me tocar.
Então ela vem até a minha cama e afasta minha mão, começando a me tocar em vez de mim. Sua mão pesada e grossa vai contra seu toque delicado em mim que, de forma orquestrada, sabe exatamente o que fazer e como fazer.
Contorço-me na cama com seu toque rápido, e ela pergunta se eu gosto que ela faça isso comigo, e eu respondo que sim, então ela vai para cima de mim e tira minha roupa, assim como a dela próprio e arrasta sua boca por todo o meu corpo. Por meus seios, ela toca com as mãos e depois com a boca, mas sua mão que nunca deixa de me tocar, o que me faria gem*r baixinho. Ela vira e fala que quer ouvir eu fazer mais daquilo, e introduz um dos seus dedos em mim, tocando exatamente como deve fazer, e eu coloco a cabeça para trás, pedindo por mais daquilo.
Começo a tocar seu corpo, a beijar ela por inteiro, que responde fazendo o mesmo, eu quero tocá-la da forma que ela faz comigo, mas ela me segura com firmeza falando que dessa vez, ela iria me fazer goz*r.
Ela continua a me tocar, mas daí ela abaixa sua boca e começa a beijar meu íntimo, passando a língua e logo depois, tirando um dos dedos, começa a me ch*par. Eu começo a gem*r alto, e quando olho para ela, ela parece satisfeita, já que continua fazendo aquilo com mais rapidez.
Ela fala que quer tudo aquilo, que não vai deixar escapar nada que vai vir de mim e, quando vejo, absorta em meio aqueles pensamentos, acabo chegando onde queria.
Respirei ofegante, olhando para os lados. Estava tudo como antes, escuro e eu estava sozinha. Pisquei algumas vezes tentando voltar a mim, e nisso, tenho noção do que estava fazendo. Não sabia dizer se era certo, mas sabia que eu queria mais daquilo.
Eu queria que ela me tocasse daquela forma.
Fechei os olhos e, dessa vez, consegui dormir.
Fim do capítulo
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