O ritual dos elfos
—Você já melhorou bastante esses dias. — Liora observou.
—Isso é bom. Você me fez executar todos os feitiços do livro.
Emeril sentou na grama, buscando recuperar sua energia. Liora abriu um pequeno sorriso, ajoelhando-se a sua frente.
—Quer mais uma dose de energia? Assim testamos o último para encerrar o dia.
—Não. Estou confortável com esse. Você já me deu energia demais essa semana. Deixa-me devolver.
Liora suspirou, segurando a mão dela quando tentou tocá-la, beijando os nós dos seus dedos.
—Quando vai aceitar que minha energia deixou de ser minha quando decidi ter você?
—Não quero você fraca.
—Emeril, por favor, deixa eu ser sua mãe. Amanhã é o ritual.
—Não podemos passar pelo ritual até você ver minha marca.
—Eu não verei essa marca se você não me aceitar. Se não aceitar minha energia em você. É nossa tradição, Emeril.
Emeril se remexeu no lugar, inquieta com a ideia, então Liora segurou seu rosto em mãos, fazendo com que ela a olhasse.
—Por que isso te incomoda tanto? É tão repugnante assim para você ter minha energia dentro de você?
—Você continua falando sobre ser minha mãe, mas é incapaz de ser sincera comigo.
—Quando foi que menti para você?
—Mãe, estou cansada. — Emeril suspirou, desviando o olhar.
—Fale comigo, Emeril.
—Agora, mãe? Agora?
—Quando então?
—Que tal 8 anos atrás? Quando devia ter impedido Julian de me dizer que estava morta?
—Emer-
—Ou impedir de me fazer crescer achando que sou uma maldita bastarda limitada.
Emeril afastou suas mãos, levantando-se, caminhando em direção a casa. Foi direto à cozinha, servindo-se um copo de água com mãos trêmulas, suas emoções misturadas entre raiva e mágoa. Liora foi atrás, virando a filha pelos ombros para encarar seus olhos.
—Você está com raiva de mim?
—Eu tenho raiva do que você fez. De você e de Julian. Eu jamais abandonaria meu filho.
—Eu não abandonei você.
—Não? Então onde esteve? Onde esteve durante todos os anos que o mundo achou que estava morta? Quando eu achei que estivesse morta?
No andar de cima, Selen saiu do banheiro enrolada numa toalha, paralisando no topo da escada ao ouvir as vozes alteradas de mãe e filha. Ilis saiu do quarto e segurou seu ombro, impedindo que descesse.
—Deixe-as. Elas precisam passar por isso.
—Você tem certeza?
—Sim, e você sabe disso também. Elas vão se resolver.
Selen suspirou, mas assentiu, e seguiu para o quarto de Liora, buscando colocar roupas. No andar debaixo, Emeril ainda encarava a mãe, e com a demora de respostas, afastou seu corpo, sentindo-se frustrada.
—Eu estava tentando me achar. — Liora falou após algum tempo, desistindo de resistir.
—O que? Você partiu numa jornada de auto descoberta enquanto eu estive presa naquela floresta?
—Não é tão simples. Depois que matei aqueles elfos, eu sabia que meus problemas não tinham acabado. Eu voltei a terra dos magos, buscando reatar minha relação com meus pais.
—E o que deu errado?
—Nessa altura todos já achavam que eu estava morta depois da explosão no armazém. Toda a família. Isso revoltou os elfos que não queriam mais seguir as ordens dos Arin e demais magos. — Liora suspirou e recostou no armário, cruzando os braços de maneira desconfortável, desistindo de se aproximar da filha. — Tive longas discussões com toda a família. Era ridículo me expulsarem por causa de um namoro falido com outro mago. Então contei aos meus pais sobre você. Achei que uma neta legítima iria trazer a paz em nossa família. Mas meu pai continuou sendo hipócrita e ficou ainda mais irritado.
—E minha avó?
—Ela desistiu da guerra na mesma hora. Os laços do ritual nos deixam ligadas por uma vida toda, de uma maneira muito além de explicações. — Ela sorriu de forma nostálgica, mantendo os olhos na filha. — Ela tentou convencer meu pai a me aceitar de volta, assim toda a família desistiria de mandar elfos atrás de mim ou de Julian. Mas ele nunca cedeu. Em nosso último encontro, ele se descontrolou e começamos a lutar. Minha mãe tentou nos impedir, mas eu tive que dar um fim naquilo.
—Você o matou. — Constatou, e ela somente assentiu.
—Foi assim que criei o feitiço que você tinha dificuldades. Fiz o ambiente ganhar dele, como se isso fosse diminuir minha culpa. Quando ele morreu, eu fui embora, temendo que minha mãe me odiasse. Tentei viver com meu remorso nos dias seguintes, tentei achar você para tentar amenizar aquela dor. Tentei conviver com a culpa do extermínio de minha família. — Liora fechou os olhos, sentindo o gosto amargo em sua boca. — Eu não consegui fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Como eu criaria você com a nuvem de morte que criei no que era para ser sua família também? Eu matei nossas tradições e nossa história. E fui... Sou aplaudida por isso até hoje.
—Você não gosta? Por que não pediu que parassem?
—Porque eu me aproveitei disso para conseguir coisas. Um lugar para dormir, comer, trabalhar, algo que durante uma viagem, é bem vantajoso. Bastava dizer meu nome e eles caiam aos meus pés. Seria hipócrita de minha parte pedir que parassem quando me aproveitei disso por tanto tempo.
—Você nunca veio procurar por mim. — Constatou, fechando os olhos para absorver a notícia. — Por causa de fama e vantagem, você nunca veio atrás de mim. E você diz que isso não foi abandono? — Emeril a olhou com raiva. — Você tem noção de quantas vezes chamei por você? Quantas vezes quis que me buscasse e me tirasse de lá? Enquanto você se doava aos prazeres.
—Emeril... Eu...
—O que? Você fala sobre remorso do extermínio dos Arin. Mas você matou sua filha.
—Não diga isso. — Suplicou, voltando a tentar se aproximar dela, mas Emeril segurou seus pulsos para impedi-la.
—Eu era uma criança, mãe. Uma criança que precisava da mãe. Você fala sobre os laços do ritual, mas esquece que sequer tínhamos um laço de verdade para amadurecer. Você me deixou.
—Estou aqui, Emeril. — Insistiu, movendo as mãos e enlaçando seus dedos. — Eu criei aquele feitiço para ficar perto de você, mesmo que não lembrasse no começo. Eu sempre estive com você
—Em sonhos? Eu queria você, não uma imagem de você. Por que não deixou que eu lembrasse?
—Eu não tive tempo, querida. Era um feitiço incompleto. Se Julian tivesse seguido o que eu disse, e dado o livro desde o começo...
—Então o que? Eu seria uma criança procurando por uma mulher que me deixou para trás.
—Você acha que se tivesse deixado você estaríamos aqui, Emeril?
—Só estamos aqui por causa de Ilis. Ela quem me fez pensar naquela poção. Ou eu estaria naquela floresta ou em qualquer outro lugar.
—Mas você me procurou assim mesmo. Eu me estabeleci aqui porque sabia que esse dia chegaria. Que você chegaria.
—Depois de anos. Depois de anos você resolveu lembrar que eu existo.
—Você está errada. — Falou com calma, mas firme, trazendo para junto do peito suas mãos unidas. — Nossos fusos horários eram diferentes, mas sempre te encontrei durante a sua parte da noite. Lembra? Posso ter perdido algumas, mas sempre estive lá. Estou mentindo?
—Não. — Assumiu, suspirando.
—Eu nunca esqueci você. Mas sim, fui imprudente com você. Tente se colocar no meu lugar, naquela época, Emeril. Como você se sentiria se tivesse que matar Julian para proteger Ilis e seu bebê? Se tivesse que aceitar que eu tinha que morrer também? Sim, tive que deixar Julian te levar, mas nunca concordei que ele sumisse com você. Sim, eu me aproveitei da minha fama, mas nunca fui feliz, Emeril. Eu me perdi nessas viagens tentando me encontrar, fui uma tola. Meu remorso nunca vai passar. Minha culpa sempre vai estar gravado em tudo, porque sei que você nunca vai esquecer o que te fiz passar. Só espero que possa entender meus motivos.
Emeril respirou fundo, olhando entre os olhos da mãe, tentando numerar todos os sentimentos que encontrava dentro dela, tentando numerar seus próprios sentimentos. Liora deslizou os olhos para seu pescoço, a sutil luz branca atraindo sua atenção. Sorriu, piscando algumas vezes, finalmente vendo a figura completa do pássaro. Inclinou-se, afastando os fios de cabelo dela, então depositou um beijo sobre a marca, abraçando-se ao corpo dela.
—Mãe... — Protestou, ainda que envolvesse a cintura dela. — Ilis faz isso todos os dias.
—Imagino o que ela não faria. — Liora continuou sorrindo, acariciando os cabelos dela. — Algum dia você vai me perdoar?
Emeril aproveitou o abraço mais um instante antes de afastá-la, voltando a olhá-la.
—Eu preciso de tempo. Mas... eu tenho dois pedidos.
—Tenho a impressão de que não são simples pedidos.
—Não, não são. Eu... Eu quero adiar o ritual.
—Mas é amanhã.
—Hoje é sua festa. Eu quero que aproveite isso. Eu não conseguiria passar pelo ritual nesse clima contigo. Alguns dias a mais não farão diferença.
—E o que faremos nesses dias?
—Você vai me levar para conhecer minha avó.
—Eu sabia que não seria um pedido simples. — Liora suspirou, massageando as têmporas. — Eu não sei se consigo fazer isso, Emeril. Já faz muitos anos, tudo que sei é que ela continua vivendo na mesma casa.
—Então vamos descobrir o resto.
—Você poderia pedir qualquer outra coisa. Por que ir lá?
—Porque ela mudou de ideia sobre você e sobre mim. Eu não vou aceitar a energia de quem não conheço.
—Emeril... Há quanto tempo sabe que ela está viva?
—Você nunca disse que ela morreu. E aquele dia no restaurante? Ah... Você jogou tudo na minha cara.
—Aquela loba é mais esperta do que ponderei.
—Claro que é. Não é porque ela não fala tanto como eu, que é menos esperta. Os olhos dela são mais afiados que tudo.
—Ela está grávida. Não pode ficar viajando assim.
—Por isso ela vai ficar. Só vamos você e eu nessa viagem. Ou não terá ritual.
—Você não decidiu isso agora. — Constatou a contragosto.
—Estive pensando desde aquele dia no restaurante. Como você não me diria nada disso por iniciativa própria, eu tive que te questionar. Espero que isso pare por aqui.
—Está bem. — Suspirou, os ombros caindo em derrota. — Viajamos em dois dias.
—Boa garota.
Liora balançou a cabeça, suspirando, mas sorriu quando Emeril beijou sua bochecha, agradecida.
—Agora vai se arrumar. Vou terminar os preparativos para a festa.
—Podemos adiar a festa, você não precisa fazer tudo isso.
—Hoje é seu dia com Selen. Não vou estragar isso.
—Você é doce demais.
—Doce é a sobremesa que tenho que terminar. Só estou tentando separar as coisas.
—Muito doce ainda assim. — Liora sorriu, colocando uma mecha atrás de sua orelha. — Estou feliz que você seja minha filha. Ainda que eu não seja a mãe que você merecia.
—Bem... Eu disse que você não era como eu imaginava que seria. Mas essa era a visão de uma garota. Não significa que você não seja o que eu quero ou precise agora.
—Então vou me esforçar para ser uma mãe melhor para você.
—E eu tentarei ser mais compreensiva. Parar de presumir o pior.
—Eu iria adorar. Mas tudo bem se continuar assim também.
—É bom mudar. Então vá trocar de roupa. A família de Selen deve chegar a qualquer momento, tenho que preparar meu arsenal de perguntas para descobrir coisas de Selen que serão úteis no futuro.
—É por isso que quer conhecer minha mãe? — Selen perguntou, aparecendo atrás de Liora enquanto abraçava sua cintura. — Que mal exemplo, Emeril.
—Eu? É um ótimo plano. Descobrir tudo que você já fez para usar contra você.
—Não se preocupe. Tenho minhas próprias armas contra você.
—Vocês parecem duas crianças. — Liora reclamou, balançando a cabeça.
—A criança veio te pedir para se vestir. Está começando a anoitecer. E você sabe como é minha mãe.
—Está bem, se vocês insistem.
Ela se virou e beijou os lábios da elfo antes de se afastar, subindo as escadas. Emeril sorriu para os trajes dela, vestia uma calça azul marinho de tecido fino que atingia pouco abaixo de seus joelhos, uma túnica verde lembrando da cor dos seus olhos, ambos com relevos em renda formando desenhos de flores. Ao invés das tranças, seus cabelos loiros estavam soltos e penteados. Os pés descalços.
—Soube que você será pintada durante a festa.
—A primeira e a última tinta serão usadas por Liora. Entre isso, todos podem fazer o que quiser.
—Bem, você está elegante. Mas vou te pintar logo depois da minha mãe.
—Seu lugar está garantido. Mas... tenho uma dúvida.
—Diga.
—Por que vocês dragões são tão orgulhosos?
Selen se aproximou, cobrindo o rosto dela em mãos, os polegares limpando as lágrimas nos cantos dos seus olhos.
—Você vai morar aqui, não vai?
—Sim. Liora me pediu. Tenho passado mais tempo aqui do que em minha casa, de qualquer forma. Vê algum problema com isso?
—Claro que não. Já moramos juntas, elfo. De qualquer forma serão apenas por alguns dias. Eu não disse a minha mãe, mas já terminei a estrutura de minha casa com Ilis. Só falta os móveis.
—Fica longe?
—Não. Basta andarem até o fim dessa rua, onde as casas acabam. Temos um bom espaço lá.
—Vou querer ver quando estiver pronta, então. Daria uma festa para oferecer ares animados em seu novo lar.
—Eu iria adorar. Você vai ter tempo para descobrir o motivo de dragões serem orgulhosos agora que vai morar com minha mãe.
—Não está fugindo de casa porque eu estou aqui, certo?
—Claro que não. Estou feliz que vocês estejam felizes. Só quero voltar a ter meu espaço, sem me preocupar se gemi alto demais.
Isso fez a elfo gargalhar, afastando-se e inclinando a cabeça enquanto ria. Emeril sorriu, começando a vagar pela cozinha em busca de terminar os pratos para a festa.
—Agora você fez mais sentido. Seu lobo está selvagem demais?
Selen se assustou ao escutar um rosnado, virando-se para encarar Ilis, que sorriu, achando graça. Dessa vez Emeril riu.
—Ei, isso não vale. — Reclamou.
—Passos sutis de predador. — Emeril falou.
—Não vou arrancar sua cabeça do corpo, elfo, não se preocupe.
—Isso me alegra. Mais espaço para pintarem durante a festa. — Selen sorriu.
—Por que vocês se pintam, afinal?
—É um modo de marcar nossos laços. Cada traço vai simbolizar os laços que criei, e Liora vai moldar todos eles, simbolizando que todos estão em harmonia com nossa união.
—Todos vão participar?
—Todos que se sentirem confortáveis.
—Vocês seriam boas anfitriãs se me ajudassem a terminar tudo aqui e parassem de falar tanto. — Emeril ergueu a sobrancelha para ambas, um sorriso brincando em seus lábios.
Ilis beijou sua bochecha antes se começar a ajudá-la, Selen seguindo o mesmo caminho para os últimos preparativos.
Ao cair da noite, a família de Selen chegou, Miritz liderando Joah, o irmão com quem ela trabalhava, Joupe, o irmão mais velho de sangue, Lia, a irmã mais nova de sangue, e Liam, outro irmão adotivo. Milo chegou junto, não demorando para Tâmara chegar e os lobos descerem.
—Finalmente! — Miritz comemorou enquanto abraçava Emeril. — Achei que nunca teria a chance de conhecer a filha de uma amiga tão querida.
—Estava cheia de expectativas para conhecer a mãe de Selen também. — Emeril falou ao se afastar. — Minha mãe me falou muito bem de você.
—Passamos por muito juntas. — Miritz sorriu, deslizando as costas da mão em seu rosto. — Aposto que ela está feliz por você estar dando essa festa para elas.
—A festa é delas. Eu só fiz a comida.
—Me disseram que você cozinha ainda melhor que sua avó.
—Você a conheceu?
—Não, mas já fui muitas vezes no restaurante dela aqui desde que sua mãe se estabeleceu. A maioria dos pratos foi ela quem criou.
—Não sabia disso. Mas pelo que percebi, os pratos dos elfos e dos magos tem bastante coisas em comum.
—Nossas culturas sempre estiveram ligadas. É natural que nossa culinária se misture.
—Então espero que tenha agradado a todos.
Liora avançou e abraçou Miritz, ambas rindo sem dizer nada, compartilhando pura felicidade.
—Ei, feiticeira. — Milo parou a sua frente, atraindo sua atenção.
—Bruxa! — Emeril sorriu e a abraçou. — Você sumiu.
—Estive morando mais na casa da mãe de Selen, fica mais perto do Centro de Concentração das Bruxas.
—Elas gostam de ficarem concentradas?
—Esse grupo que Liora e Miritz me incentivaram a entrar gosta de se manter perto. Forma uma rede melhor de proteção.
—Sempre agimos como se estivéssemos em guerra com alguém, não é?
—Depois de nossa experiência no deserto? Eu quero aprender o máximo possível para não me sentir inútil outra vez.
—Eu entendo o sentimento. Iria adorar que você me mostrasse o que pode fazer agora.
—Você pode vir num dia de treino. Selen faz isso as vezes, ou Miritz. Elas foram muito boas para mim.
—Fico feliz em saber. Acho que as coisas ficaram estranhas para nós com a minha briga com Selen. Gostaria de ter me aproximado mais de você.
—Eu não queria tomar o lado de nenhuma de vocês. Então me foquei nos treinos. Que bom que fizeram as pazes. Agora podemos todos voltar ao bom clima que tínhamos no barco.
—É uma pena que seja sem Kenny agora.
—Como Ilis está lidando com isso? Ou Ian?
—Você sabe, é difícil, mas eles estão juntos tentando encontrar um jeito.
—Vamos comer! — Selen convocou, no centro de todos, caminhando até Emeril e passando o braço sobre seus ombros. — Emeril fez um banquete para todos nós. Então vamos aproveitar e mostrar gratidão.
Sua família comemorou, animada, andando sem cerimônias para a sala de jantar. Os lobos ajudaram Emeril a servir todos antes de se sentarem, cultivando o bom clima festivo, trocando brincadeiras entre si.
Ao fim, Miritz convocou todos de volta para a sala de convivência, tendo ajuda para afastar os móveis. Mara ligou uma música mais agitada, pegando a mão de Liora e a fazendo girar, estimulando que dançasse. Ela riu, pousando os pulsos em seus ombros e balançando o quadril.
—Está na hora! — Miritz anunciou.
—Ninguém para até a última música! — Joah avisou, puxando a mãe para dançar consigo.
Emeril sorriu para a movimentação súbita na casa, vendo Selen dançar enquanto ria junto a Jhan, então mirou entre Ilis e Ian, caminhando até eles do outro lado da sala enquanto movia o corpo no ritmo da música. A loba sorriu com seus movimentos, mas quando chegou perto, Emeril puxou o colarinho da camisa de Ian, mostrando a língua para a loba antes de se afastar. O rapaz riu, movendo o corpo junto a feiticeira, que movia o quadril para provocá-lo, e ele a imitou.
—Balança mais, garoto. — Emeril o incentivou, segurando sua cintura.
—Estou tentando me controlar, ou a alfa vai perceber que estou tentando te seduzir.
Emeril riu outra vez, movendo os braços sobre a cabeça e movendo o quadril enquanto descia, Ian seguindo seus próprios movimentos.
—Fico feliz que tenha decidido descer. — Emeril falou, apoiando-se nos seus ombros, sem parar de se mover. — As feridas diminuíram?
—Sim. Mas não param de doer.
—Oh. — Ela pausou por um instante, mas ele a fez voltar a se mover. — Se houvesse um feitiço que ajudasse nisso, ficaria feliz em aprender.
—Você já me ajuda todos os dias quando vem me visitar. O dia sempre fica mais leve quando você aparece.
—Você é como um irmão que nunca tive. Nunca te deixaria sozinho, ainda menos depois que Kenny foi levada.
—E eu agradeço. Está sendo mais fácil com você e eles junto.
—Eu sei que você faria o mesmo no meu lugar.
Emeril sorriu e beijou sua bochecha, logo em seguida tendo sua cintura envolvida e sendo afastada de Ian, quando se virou viu Selen sorrindo, uma de suas mãos envolvendo a sua e outra sua cintura, seus corpos grudando com um movimento.
—Você parou, então troca de lugar. São as regras! — Anunciou, guiando seus corpos entre os demais.
—Não fui informada de regras. — Protestou.
—Só paramos depois da última música.
—E o que acontece depois da última?
—Arrumamos a bagunça.
—Então temos que te pintar durante as músicas?
—Exato.
—Ah, isso vai ser difícil.
—Formar laços não é fácil. Porque simbolizá-los seria fácil? Tente. As tintas estão no meu bolso traseiro.
Emeril ergueu a sobrancelha com o desafio, mas tateou as nádegas da elfo, pegando os dois frascos de tinta e analisando as cores, optando por vermelho. Selen a girou, abraçando-a pelas costas, suas bochechas ficando pressionadas enquanto moviam os corpos mais devagar.
—Acho que vou ter que cortar a bebida de Lia. — Selen falou, soltando um suspiro, vendo sua irmã mover o corpo para provocar a loba.
—E eu achando que Ilis estava incomodada com a música.
—Desculpa por isso. Era para ser divertido para todos e minha irmã é jovem demais.
—Esquece ela. Minha vez de fazer a marca. Onde está a de minha mãe?
Selen se colocou à sua frente e fechou os olhos, mostrando a tintura vermelha e verde sobre a pálpebra e ao redor das irises. Sorriu, molhando os dedos na tinta, apoiando a outra mão no ombro da elfo enquanto continuava movendo o quadril e as pernas. Deslizou os dedos pelos lábios dela verticalmente, debaixo para cima, repetindo mais uma vez, formando quatro traços, o quinto ficando na horizontal, sobre os outros.
—O que significa?
—É o sinal dos magos para trégua.
Selen sorriu, abraçando-a, parando de dançar. Beijou seu pescoço e sua bochecha, marcando-a com a tinta.
—Agora marque Liora. Ela decidiu seguir nossas tradições. Vou puxar a orelha de Lia.
Selen seguiu para junto de Ilis e Lia, e Emeril pegou sua mãe de Miritz, sorrindo ao ver símbolos élficos em seu rosto e seus braços. Liora beijou sua testa enquanto envolvia seu pescoço, movendo o corpo devagar, ainda que a música continuasse agitada.
—Você está mesmo feliz. — Disse primeiro.
—Como não estar? Meus amigos e minha família estão aqui.
—Agora é oficial. Selen é da família.
—Assim como Ilis. Embora eu preferisse uma cerimônia entre nós para formalizar isso.
—Não acho necessário. Escolhemos formalizar somente entre nós duas, com a lua e as estrelas de testemunhas.
—Sua mãe como testemunha não conta?
—Você faz questão de algo formal?
—Faço. Se Julian não se importava com seus namoros, eu me importo.
—Está bem. Falarei com Ilis.
—Me preocupo com você e seu futuro.
Emeril não respondeu, pegou os dois frascos de tinta na parte da frente do cinto que usava sobre o vestido, e molhou os dedos em ambos, olhando a pele exposta dela. Deslizou as pontas dos dedos no seu pescoço, tendo cautela nos contornos que traçava. Ilis parou em suas costas, segurando sua mão, molhando os dedos também e terminando seus traços, formando mais uma palavra.
—O que vocês estão escrevendo? — Liora perguntou, olhando entre ambas.
—Significa Fregh Ma Jha. — Ilis traduziu os símbolos.
—Na língua dos lobos é comum trocar a ordem das palavras na frase por causa da sonoridade. — Emeril complementou. — Jha é sabedoria. Que é o significado do nome de Jhan.
—Ma é mãe. Em alguns locais é abreviação de Masu.
—Deusa.
—E Fregh? — Liora tocou o rosto de ambas, acariciando suas bochechas.
—Guardiã.
—Não usamos palavras de conexão nas frases, mas significa Deusa ou mãe guardiã de toda a sabedoria. — Ilis beijou a têmpora de Emeril. — Há uma mitologia de uma deusa que criou os lobos para proteger as criaturas da terra, e espalhar seu conhecimento. — Ela olhou para Emeril. — Fico feliz que tenha pesquisado sobre isso, querida.
—Tinha que fazer algo enquanto você está fora na lua nova. — Sorriu com o toque. — Você deve entender isso como sendo alguém que tem muito conhecimento.
—Eu aprecio seu gesto, minha querida. O de vocês duas. — Liora sorriu para ambas, depositando um beijo em suas testas.
—Então aproveite a noite, mãe. Vamos deixar a casa toda para vocês duas. Jhan vai para casa em breve e Ian-
—Na verdade, Ian e Jhan saíram com Lia há dois minutos. — Ilis a interrompeu. — Ela estava muito animada sobre os lobos.
—Sei qual era o interesse dela. Não conseguiu a alfa e tentou os garotos.
—A alfa não tirava os olhos de seu dragão. Acho que ela entendeu o recado.
—Vocês estão saindo cedo demais. — Liora reclamou. — Fiquem até o fim.
—A festa é de vocês mãe. E é uma festa de elfos. Eu prefiro seguir os costumes dos magos e dos lobos. Deixo os elfos com você. Sei que já entregou o feitiço para Selen. Posso sentir energia sua nela.
—Não queria que se sentisse desconfortável.
—Meus sentidos estão sensíveis.
—É por causa das vésperas do ritual.
—Isso é ruim. E eu também não me sinto bem em meio a tantas pessoas. Com os sentidos assim, é ainda mais complicado.
—Eu sinto muito. Eu usaria um feitiço, mas você provavelmente iria dormir.
—Não se preocupe. Eu só preciso dar uma volta. De manhã eu arrumo a bagunça.
Liora suspirou, mas achou melhor não insistir, sabia que a conversa que tiveram mais cedo não tinha sido superada ainda. Ofereceu um abraço em ambas, assistindo-as sair de sua casa. Selen se aproximou, parando a sua frente e beijando seus lábios.
—Dê tempo a ela. — Sussurrou contra seus lábios. — É muito para ela num dia só.
—Às vezes sinto que a estou perdendo. — Assumiu de olhos fechados, abraçando sua cintura. — Ela pediu para viajarmos para a casa de minha mãe. Se minha mãe ver as marcas e descobrir que não fizemos o ritual ainda... Ela vai me tirar da família.
—Não diga isso.
—Emeril nem faz ideia.
—Vocês vão ter tempo para conversar durante a viagem. Se não estiver se sentindo bem, posso pedir para que minha família saia.
—Não. — Liora a puxou para mais perto e moveu o corpo contra o seu. — É nosso ritual.
—Tudo bem. Deixa-me desviar seus pensamentos.
Selen moveu os lábios em seu pescoço, suas mãos descendo as costas e apertando seu quadril, seguindo o movimento que ela fazia. Liora pressionou os dedos em seus seios antes de espalmar e as mãos nas laterais de seu rosto, incentivando seus beijos. Miritz se aproximou de ambas, pegando as tintas, tirou a túnica da filha e despejou as cores pelo colo dos seus seios e em suas costas, deixando que escorresse.
—Pelos seus irmãos que não puderam vir. — Falou perto do seu ouvido. — Agora vá ter alguma diversão. Vocês duas. Me deixe orgulhosa.
—Sempre, mãe. — Selen sorriu, o rosto ainda pressionado no pescoço da feiticeira.
Liora somente abriu os olhos para constatar que estavam sozinhas, então envolveu as pernas na cintura da elfo, que agarrou suas coxas expostas pelo vestido, caminhando com ela em seus braços enquanto descia os beijos pelo seu decote. Liora sorriu, descendo as alças do seu vestido e expondo seus seios, prontamente envolvidos pelos lábios de Selen, que somente parou para deitar o corpo da feiticeira no estofado.
—Você disse que a regra era não parar, elfo. — Liora falou entre suspiros diante das investidas árduas de Selen.
—Acredite em mim, não tenho nenhuma intenção de parar.
Liora sorriu, puxando seus cabelos e a direcionando para seus lábios, recebendo seus beijos cálidos em desejo.
Emeril acariciou entre as orelhas da loba, puxando sua cabeça para perto, entre seus seios, as gotículas do seu cabelo pingando nela.
—Aqui não é uma cachoeira, como na floresta, mas... É como se tivéssemos voltado naquela noite antes de você partir.
Estavam nas margens de um pequeno lago, fora das bordas da cidade élfica, seus grandes muros antigos ainda podendo serem vistos a distância. Ilis permanecia na forma de lobo, e ergueu a cabeça com a ideia da feiticeira. Lentamente voltou a forma humana, suas mãos subindo lentamente pelas laterais do corpo dela, os olhos acompanhando o gesto. Emeril moveu a mão para o seu rosto, acariciando, esperando enquanto assistia os toques dela, apreciando seu gesto. Ilis prendeu as mãos na nuca dela, olhando entre seus lábios e seus olhos, Emeril esperou, mas a loba não avançou.
—Eu queria fazer isso, naquela noite. — Falou num sussurro, os olhos ainda alternando entre os dois locais. — Se Selen tivesse ido embora. Se Beah não tivesse aparecido. Eu teria feito exatamente isso.
—Teria voltado a forma humana por mim? — Emeril abriu um pequeno sorriso nos cantos dos lábios, movendo o polegar pela bochecha dela.
—Sim, apenas para estar com você, mesmo que fosse só aquela noite.
Ela se aproximou mais, desviando de seus lábios, movendo o rosto contra o de Emeril, que fechou os olhos, refém das sensações que Ilis estava lhe provocando.
—Mesmo que você não retribuísse meu desejo. Eu teria tentado. — Sussurrou contra seu ouvido, roçando os dentes, fazendo-a se arrepiar. — Teria dado tudo de mim para que você me quisesse. — Ela continuou ao roçar os lábios pelo maxilar, deslizando pelo pescoço, ouvindo os gemidos quase inaudíveis no fundo de sua garganta. — Teria respondido suas perguntas com meu corpo. — Sorriu, segurando o pulso sobre a cicatriz, deslizando os lábios pela sua pele antes de fazê-la mover os dedos pelo seu seio, pressionando a palma com alguma pressão. — E teria devorado cada parte do seu corpo, até que você me mandasse parar.
—Parar? — Emeril perguntou com a voz rouca, segurando sua mão e a guiando para o seu sex*, os dedos da loba a penetrando no mesmo instante, arrancando um gemido mais alto dela. — Ah, Ilis... Eu desejo que você nunca tivesse me deixado naquela cachoeira, mesmo com Selen e Beah lá... Desejo que nunca tivesse parado.
Ilis a deitou na grama, estocando os dedos dentro da feiticeira, seus olhos atentos em suas reações.
—Faça isso agora, Ilis... Como se fosse aquela noite.
—Não. — Ilis parou, retirando os dedos de dentro dela e segurando seus pulsos ao lado da cabeça, recebendo a expressão frustrada dela. — Eu teria tido somente seu corpo, e não seus sentimentos.
—Como você sabe disso?
—Você não chamaria alguém que te usou e foi embora, chamaria?
—Então não teríamos dado certo naquela época?
—Não temos como saber agora. Talvez eu tivesse sentido mais quando estivesse satisfeita, e teria procurado a você no dia seguinte, te chamado para vir comigo. Para irmos embora. Ou não mudaria nada, e teria ido embora do mesmo jeito. Você poderia ter me chamado ou não. Mas nada seria igual.
—Ilis...
—Apenas diga, meu amor. Eu sei que está aflita, e não é por causa disso.
—Solte-me, Ilis...
A loba soltou seus pulsos, e sentou ao seu lado, esperando. Emeril também sentou, olhando nos olhos da loba, pensando no que diria.
—Você pode... Você pode ser lobo essa noite? — Pediu, ainda insegura. — Pode ser meu lobo essa noite?
Ilis assentiu, colocando-se de joelhos e se inclinando, selando os lábios nos dela antes de voltar a forma de lobo. Emeril a fez deitar de lado, abraçando seu pescoço e escondendo o rosto nos pelos de seu peito, aspirando seu cheiro, soltando um suspiro de alivio.
—Senti sua falta. — Sussurrou.
Ilis esperou, apoiando o focinho no topo da cabeça, esperando que ela dissesse o que a estava incomodando. Demorou, ela continuou divagando sobre o passado e fazendo comentários aleatórios sobre os últimos dias.
—Vou sentir sua falta nessa viagem. — Finalmente ela chegou no ponto que a loba esperava. — Queria que fosse junto, mas sinto que é uma viagem que preciso fazer com Liora.
Uma pausa, mas Ilis continuou esperando.
—Estou com medo, Ilis... Talvez seja por isso que esteja aflita. Estou com medo. Talvez eu nunca faça o ritual. Talvez eu nunca confie em Liora.
Ilis quis poder abraçá-la, mas se conteve. Sabia que se ela tinha escolhido essa forma para desabafar, tinha seus próprios motivos.
—E tenho medo que minha vó me mande embora porque nosso filho é mestiço. — Ela suspirou, puxando o focinho da loba para baixo, para poder olhá-la. — Tenho medo que perca meus antepassados. Minha família. Tenho tanto medo de nada disso dar certo. Tudo ser em vão. E a mãe que sempre quis, no fim... ter chegado tarde demais. Afinal... — Fechou os olhos, colando suas cabeças. — Logo também serei mãe. Logo ela deve voltar a ser mãe com Selen e eu...
“Ela chegou no ponto”, pensou, desejando ter as palavras certas para dizer a ela, mas entendeu o motivo que Emeril pediu essa forma. Ela nunca teria as palavras certas para espantar seus medos, porque somente Liora poderia se provar da forma que Emeril queria.
—Estou feliz que tenho você e os lobos. — Voltou a sussurrar algum tempo depois. — Amo você, Ilis. — Foram suas últimas palavras antes de adormecer.
Fim do capítulo
Eis o passado da Liora :D eis o namoro oficial dela com a Selen :) o que acharam do ritual? Da dancinha saliente hehe
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Lea
Em: 27/02/2022
Creio que,se a Emeril estivesse ficando com a mãe ,ela poderia estar morta ou ambas! Consigo compreender a Liore.( Lembra muito o nome da Iore,meu desafeto,sempre) bom outra estória essa. Hahaha
Uma coisa é certa, quando a Liore tiver um filho com a Selen,a Emeril vai morrer de ciúmes,pq a criança vai ter o que ela nunca teve,a mãe por perto!
Mas logo,logo o bebê dela vai nascer,e quem sabe consiga entender os motivos da mãe,em termo de proteção!
Resposta do autor:
É uma boa compreensão realmente. A Liora fez o que achou certo na época. Como proteger uma criança enquanto é caçada pela própria família? Uma mãe costuma fazer sacrifícios pelos filhos, agora resta saber se é como a Emeril vai enxergar :)
ahahahah Iori sendo relembrada, mesmo no desafeto! Significa que ficou marcada - pelo bem, pelo mal! ahahaha
Realmente, o possível filho de Selen com Liora significaria tudo o que a Emeril sempre quis e desejou! Seria um novo caos - porque querendo ou não a Selen robou a "atenção" da mamãe toda para ela.
Sim! Quem sabe com o bacurizinho no colo a dona Emeril não repense as atitudes da mãe?
Beijos!
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