Sem trégua
Ilis se levantou da cama no início da noite depois de Liora ter servido seu jantar, desistindo de esperar que Emeril subisse para o quarto. Vestiu um dos casacos longos da feiticeira, fechando os botões, quando saiu do quarto encontrou Emeril no fim do corredor, apoiando-se na janela. Tocou seu ombro, mas foi afastada, seu cenho franzindo com o gesto.
—Você não está bem. Vem para o quarto, Emeril.
—Você me traiu, Ilis. — Sussurrou em resposta.
—Você sabe que isso não é verdade. Vamos para o nosso quarto.
—Você levou aquela mulher para o nosso quarto, Ilis. Deixou que tocasse você.
—Emeril... Você está com tanto ciúmes que não está enxergando a verdade aqui. Você tem meus sentimentos. Só não os está enxergando.
—Pare com isso.
—Pare de ser orgulhosa. Olha onde isso me levou.
Ilis voltou a tocar seu ombro, e sem ela recuar, envolveu também a outra mão em seu pescoço, aproximando seus corpos.
—Pare de brigar comigo, Emeril. Desculpa não ter falado sobre Zenn antes.
—Por que não falou, Ilis? Acha mesmo que iria me importar que esteve com outras pessoas? Não sou hipócrita.
—Minha história com ela foi complicada. Ela sempre soube que estava sendo usada. Passei quase todo o ano em forma de lobo, Emeril. Só passei algumas semanas nessa forma quando a conheci. Ela não deixou que os lobos dela me devorassem quando cruzei o território dela. Era lua cheia. Bebemos todos juntos e acabou acontecendo. Passei tempo com eles, com ela.
—Tentando me afastar de você.
—Sim, e concordamos que fui uma idiota e que não deu certo.
—Você não devia ter usado ninguém, Ilis. Ainda menos quando não fiz nada para te afastar.
—Eu sei disso agora.
—Então como ela veio parar em nossa cama agora?
—A alfa que nos atacou e matou Kenny era parceira do alfa que matamos. Alfas não costumam ficar juntos por questão de brigas por poder. Mas eles compartilhavam território. Zenn apareceu quando cruzamos o território dela, os lobos dela eliminaram outra alcateia, e os demais ao verem que ela nos ajudava, não nos perseguiu. Mas nessa altura já tínhamos lutado, isso explica nossos ferimentos. Por isso deixei que ela entrasse aqui, Emeril. Ela não é nossa inimiga. Ela me ajudou. De novo. Eu tinha que agradecer.
—É nosso quarto. Mesmo que tenha ajudado, mesmo que tenha te salvado. Continua sendo nosso quarto. Eu achei que tivéssemos concordado nessa restrição.
—E concordamos.
—Como Ilis? — Seus dedos prenderam no colarinho do casaco dela. — Não podemos concordar numa restrição que só eu siga.
—Eu sei. Eu não sabia que ela faria algo, Emeril. Faz tanto tempo. Eu a deixei sem falar nada, achei que fosse ter raiva de mim.
—Eu tenho raiva dela
—Eu sei, sinto muito pelo que houve em nosso quarto. Podemos dormir em outro lugar, qualquer lugar, só... Pare de ficar brava comigo. Odeio brigar com você. Ainda mais hoje. — Pausou, colando suas testas, o nó em sua garganta crescendo de maneira insuportável. — Só... Por favor. Eu preciso de você. Preciso muito de você, Emeril. Eu não perdi só um lobo. Eu perdi uma amiga. Não aguentaria perder você também.
—Não, não. Desculpa. Você não vai me perder. Droga... Estou sendo tão egoísta. — Emeril suspirou, abraçando seu pescoço. — Estou aqui. Estou bem aqui.
Ilis escondeu as lágrimas nos cabelos de Emeril, que a puxou mais para si, oferecendo melhor esconderijo ao se apoiar na parede ao lado da janela. Forneceu apoio ao seu corpo, acolhendo seu sofrimento e buscando afastar a culpa que ameaçava consumir sua loba. Jhan e Ian saíram do quarto ao lado, e se juntaram ao abraço da melhor forma que podiam.
No dia seguinte, Emeril acordou com os beijos em sua testa e nariz, sorrindo com as carícias que recebia. Abriu os olhos, inclinando a cabeça para receber os beijos em seus lábios. Moveu os dedos em seu rosto, escalando seu corpo e se projetando acima dela. O som da chuva se fez presente aos seus ouvidos, somente os estalos dos seus beijos irrompendo sobre a tempestade. Quando deu espaço para a loba, ela somente a puxou para perto pela nuca, o que a fez sorrir, continuando a beijá-la, dessa vez sem parar.
Na hora seguinte, ainda tentando recuperar o fôlego, Ilis sorriu, satisfeita, enquanto Emeril voltava a subir seu corpo, beijando a pele exposta até selar seus lábios.
—Bom dia, querida.
—Bom dia. — Ela sorriu mais. — Obrigada, eu estava precisando.
—Eu sei. Sempre que precisar relaxar, estou à disposição.
—Bem... Confesso que é bem melhor estar nesse clima com você.
—Concordo. Quase não escutamos minha mãe com Selen hoje.
—Sua energia para sex* tem que ter vindo de algum lugar. — Ilis a provocou, tendo o lábio mordido em resposta. — Mas... Talvez precisemos ter nossa própria casa.
—Aí está. Nunca te perguntei se realmente queria ficar na cidade.
Emeril deitou ao seu lado, apoiando o queixo no seu ombro. Ilis acariciou seus cabelos, tirando as mechas do seu rosto, ainda encontrando alguns resquícios de sono.
—Seria bom experimentar um local fixo agora que estou grávida. E sei que você fica feliz perto de sua mãe.
—Você gosta de conviver com minha mãe?
—Não tenho nada contra sua mãe. Mas acho que precisamos de nossa própria privacidade. Desde que ficamos juntas, improvisamos nosso espaço. E aqui é o espaço da sua mãe.
—E logo teremos nosso bebê. Quero montar um lugar só dele.
—Eu também. Mas entendo a importância do seu ritual. Podemos fazer a mudança depois disso.
—Não significa que não podemos procurar um lugar desde agora. Ou você prefere que eu construa?
—Se você construir, seria mais nossa casa do que um lugar já pronto.
—Bem, então será feito. Vamos achar um lugar mais calmo aqui na cidade. Você prefere uma casa grande ou pequena?
—Confortável. Quem sabe não teremos mais um filhote no futuro?
—Quer uma casa cheia de filhotes, alfa?
—Por que não? Não é como se eu fosse te deixar sozinha na próxima lua vermelha.
—E você fala do meu apetite sexual.
—Ei... — Ilis estreitou os olhos, sentindo o desconforto de Emeril com o assunto. — Nunca reclamei disso. Sempre gostei. Você não quer ter mais filhos?
—Quero ver como nos saímos com o primeiro. Não me incomodo com a ideia de outros filhos, só quero ter certeza que sou capaz de lidar com um primeiro.
—Está bem, você está certa sobre isso. Mas sinto que há outra coisa te incomodando aqui. O que há de errado em querer sex*, querida?
—Nada, ainda menos em ter. — Sorriu, beijando o seio exposto da loba para reafirmar. — É só... Quando Henri esteve aqui ontem, ele falou disso como se eu tivesse que me envergonhar.
—O que ele falou para você? Só de pensar que ele esteve tão perto de ferir você... — Ela mordeu o lábio, deixando a frase morrer.
—Ele só... Eu não sei. Ele nunca foi daquele jeito. Acho que o magoei mais do que imaginava. Ele me dizia para abrir as pernas, relembrava nossos momentos juntos como se tivesse sido uma conquista dele, e não foi bem assim. Eu tive que ensinar tudo a ele.
—Eu queria ter socado a cara dele, assim sendo.
—Ele estava sendo tão idiota, Ilis. Querendo contar vantagem sobre mim. Nem precisei usar meus feitiços porque ele é estéreo.
—Estéreo? — Ilis fez uma careta. — Ele nunca vai poder ter sua própria linhagem. Não é um homem completo.
—Sim, mas somente porque ele é um completo irracional.
—Ei. — Ilis suspirou, movendo os dedos em caricias nas suas costas nuas. — Não sinta vergonha. Você não estava errada em se aventurar com ele, e não está errada em manter seu apetite agora. Ele só usou isso para te atingir, meu amor.
—Senti nojo de ter estado com alguém como ele e nunca ter notado.
—Não se culpe. Ele deve se sentir frustrado porque nunca te satisfez por completo.
—Você tem razão. — Emeril sorriu por fim. — Não é algo que você deva se preocupar, de qualquer forma. Você sempre me deu tudo.
—Tudo que precisava, como prometi.
—E agora eu preciso ajudar minha mãe na loja, ou não vou garantir as futuras carnes para nosso bebê.
—Pode contar comigo nessa parte. Vou arranjar um trabalho. Nada vai faltar para nosso bebê.
Emeril beijou seus lábios mais uma vez antes de se levantar da cama, ambas se prepararam para o dia e desceram, encontrando Liora e Selen dividindo comida na sala de refeições.
—Vocês estão se sentindo melhor? — Liora perguntou assim que as viu.
—Os ferimentos estão bem melhores. — Ilis respondeu enquanto se sentava.
—E eu já recuperei minha energia. Então vou procurar por Mara e entender o que está acontecendo. — Emeril parou atrás de Ilis, acariciando seus cabelos.
—Tem certeza de que quer ir sozinha? — Liora ergueu uma sobrancelha. — Coma alguma coisa antes.
—Eu como algo antes de ir para a loja. Se alguém for comigo ela não me dirá nada.
—Está bem, mas não demore. Ainda quero te mostrar algo hoje.
—Tudo bem. — Ela virou o rosto de Ilis e beijou seus lábios. — Me encontre no almoço se estiver se sentindo melhor.
Ilis assentiu, então Emeril seguiu para fora, mas Selen correu para alcançá-la, colocando-se a sua frente.
—Arin errada, Selen.
—Não, Arin certa. Podemos conversar?
—Minha mãe não quer que eu demore. E eu preciso falar com Mara.
—Eu sei. Posso te acompanhar até a casa de Mara, se preferir.
—Ah, tudo bem. — Ela começou a andar ao seu lado. — Sobre o que quer falar?
—Você está mesmo bem? Liora falou sobre aquele idiota ontem.
—Vou melhorar quando acabar com aquele idiota. Era sobre isso que queria falar?
—Não. Só... — Ela suspirou, aproximando-se um passo da feiticeira quando chegaram perto das ruas do comércio. — Eu queria te pedir desculpa. As coisas andaram estranhas desde que briguei com Ilis, e eu sinto muito por aquilo.
—Você nunca devia ter erguido a mão contra ela. Ela sequer fez algo contra você, Selen.
—Eu perdi a cabeça. Nunca faria aquilo de novo.
—Espero que não, Selen. Porque não vai estar só lidando com Ilis, mas comigo também. É meu bebê que está dentro dela.
—Sinto muito, Emeril, eu fui mesmo uma idiota dessa vez.
—Dessa vez? Selen... Você precisa parar de perder a cabeça. Não é a primeira vez. — Ela apontou o próprio rosto, para a cicatriz de seu antigo ferimento. — Você quase atacou Milo naquela noite. Agora atacou Ilis. Quem vai ser o próximo, Selen? Minha mãe?
—Não... Sei que não confia em mim da mesma forma, mas quero tentar melhorar as coisas entre nós duas.
—Por que Selen?
—Não quero ficar de fora da sua vida depois de tudo que passamos. Não me sinto bem, Emeril. Não me parece certo. Odeio saber notícias suas pela sua mãe, e odeio não poder falar as coisas para você. Éramos amigas acima de tudo.
—Eu sei. Eu não posso dizer que era minha melhor amiga, porque você sempre foi a única amiga que tive, que podia falar sobre tudo. Mas achei que Milo já tinha feito você esquecer isso.
—Ela não poderia mesmo se quisesse. Seu lugar é único para mim. Milo é como uma irmã. Você é minha amiga.
Emeril suspirou, balançando a cabeça de maneira afirmativa. Parou em uma das vendas e comprou um lanche, andando em silêncio ao lado da elfo enquanto comia, pensando no assunto.
—Você deveria falar com Ilis. — Sugeriu. — Ela está esperando que eu a chame se você for idiota de novo.
—Falarei com ela. E sei que você está me testando.
—Por que estaria?
—Você exterminou uma alcateia enorme ontem em alguns segundos depois de queimar aquele mimado. Não vou cometer o erro de te subestimar.
Emeril sorriu, terminando o sanduiche e parando de andar quando saíram do centro de comércio. Limpou os lábios e encarou a elfo, as mãos prendendo na cintura.
—Vai me dar outra chance?
—Depende. Vai tratar minha mãe como se deve?
—Eu quero reatar nossa amizade, porque quero que seja a primeira pessoa que vou convidar para a festa que vou dar para marcar meu relacionamento com Liora.
—Você vai fazer isso? De verdade?
—Sim, mas somente se você aceitar. Liora e eu concordamos que sem você lá não teria sentido.
—Você sabe quando eu soube que você e eu nunca daríamos certo?
—Quando?
—Quando eu te perguntei como elfos marcavam um relacionamento, e você me deu uma aula das festas tradicionais da sua família, sem nunca mostrar intenção de dar uma.
—Eu realmente fiz isso. — Concordou, rindo da lembrança. — Que idiota.
—Mas estou feliz que foi assim. Foi a melhor coisa que fizemos.
—Estou contente que você esteja com Ilis. Ela te faz bem, todos podem ver isso.
—E você faz bem para a minha mãe. Não há como negar.
—Então você vai estar na festa?
—Quero que a festa seja na casa de minha mãe, para que eu possa ajudar nos preparativos.
—Então... trégua?
Selen estendeu a mão, mas Emeril balançou a cabeça, afastando sua mão e avançando um passo, abraçando sua cintura. A elfo não conteve o sorriso, envolvendo os braços sobre seus ombros, as mãos afundando em seus cabelos.
—Chega de tréguas, elfo. Se for para sermos amigas, vamos fazer isso de verdade.
—Você me deixa tão feliz em ouvir isso, Emme... — Ela beijou o topo de sua cabeça, apertando-a mais em seus braços. — Eu farei de tudo para não estragar isso de novo. Para não machucar você nunca mais.
—Então nunca mais irei ameaçar você. — Emeril ergueu o rosto para olhar em seus olhos. — Você é a pessoa que quero lutar ao lado. E não contra.
Selen assentiu, beijando sua testa demoradamente antes de se afastar.
—Agora vá descobrir as melhores formas de bater naquele idiota.
—Com todo o prazer.
Fim do capítulo
Quando você acha que terá mais briga pelo nome do capítulo, mas é tudo paz e amor :)
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 27/02/2022
Sinto cheirinho de mais bebês vindo por aí. Um bebê elfo/feiticeiro, é pedi demais?? Eu quero. Um irmão (a) para Emeril. Hahaha
Resposta do autor:
ahahahaha
eita que essa gosta de família grande!
Já pensou? Um irmãozinho?
Seria divertido, para fazer concorrência com ela ahahaha ela ficou muito acostumada com a atenção única hehe só acho!
Beijos!
Marta Andrade dos Santos
Em: 26/07/2021
Que confusão kkk
Resposta do autor:
O que ficou confuso? >.<' eu posso explicar ahahaha
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]