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—Quando foi a última vez que você limpou esse lugar? — Emeril fez uma careta, passando o dedo sobre uma prateleira. — Não me admiraria se o movimento aqui diminuísse.
—Emeril. — Liora a advertiu. — Estive ocupada. Aqui tem mais movimento do que você imagina.
—Que bom que pediu minha ajuda, ou seu movimento iria cair.
Liora balançou a cabeça, mas Emeril não ligou, indo até o fundo da loja e pegando os produtos de limpeza, lendo o rotulo de cada um para saber onde deveria usá-los. Começou a limpar as prateleiras, lendo as especificidades das poções enquanto limpava os frascos.
—Você vai passar o dia limpando e não vai limpar tudo.
—Não se trata de limpar. — Emeril pegou outro frasco e mostrou para ela. — Como eu deveria te ajudar se não sei o que você vende aqui?
—Faz sentido. Então não se empolgue tanto, há muita coisa aqui.
—Claro que me empolgo. Quantos acha que aprendo em um dia?
—Você aprendeu aquele livro em um ano.
—Eu não tinha muito o que fazer na floresta depois de terminar os outros que você me deixou.
—Se os terminou todos, então não vai encontrar dificuldades em decifrar o que há dentro desses frascos. Eu levei um pouco mais de tempo que você para aprender aqueles feitiços.
—Eu duvido. Devia ter outras coisas para fazer.
Liora sorriu e se aproximou sorrateiramente, abraçando-a pelas costas e beijando sua bochecha, fazendo-a sorrir enquanto limpava, então apoiou o queixo na sua cabeça.
—Se dê um pouco de crédito. Eu estava ocupando meu tempo com namoros.
—Eu garanto que me ocupei bastante nisso também. — Emeril riu.
—Mas você é mais focada do que eu fui. Até onde me lembro, você passava todo seu dia treinando, mesmo que tivesse com quem se ocupar.
—Está falando de Selen?
—Tinha mais alguém aquele ano?
—Não te incomoda nem um pouco termos compartilhado Selen na cama?
—Não fizemos isso ao mesmo tempo, então, não. Incomoda você?
—Sem ofensas, mãe, mas Ilis faz coisas muito melhores na cama. Então, não, não me incomoda, minha cabeça está muito ocupada.
—Só acredito vendo.
—Mãe, você já tem Selen, deixe Ilis em paz.
Liora riu, fazendo cócegas nas costelas da filha antes de se afastar, indo para os fundos da loja. Emeril continuou estudando os frascos e limpando as prateleiras, assistindo sua mãe atender aos clientes e tentando memorizar o que eles pediam a ela e onde estava. Durante o horário de almoço, enquanto Liora finalizava os últimos clientes, foi surpreendida pelo abraço de Ilis, que distribuiu beijos pelo seu pescoço enquanto acariciava sua barriga.
—Achei que tinha ido, querida. — Sussurrou, movendo uma mão para acariciar seus cabelos.
—Não sem falar com você.
—Você está escutando?
—Com você falando desse jeito? Sim estou.
Emeril sorriu, deixando a cabeça cair no seu ombro enquanto aproveitava os beijos e as caricias.
—Também vim te pedir algo.
—Claro. Temos uma variedade de poções aqui.
—Quero um feitiço.
—Ah, ainda mais.
—Mas apenas um que somente você pode fazer.
Emeril se virou, apoiando as mãos em seus ombros, sem entender o pedido. Ilis beijou seus lábios, ainda abraçada em sua cintura, abrindo um pequeno sorriso para confortá-la.
—O primeiro ficou fraco?
—Não, está perfeito.
—O que precisa que eu faça então?
—Bem... o feitiço somente permite que eu sinta suas sensações, seus sentimentos, e não o contrário. — Sussurrou, movendo os lábios sobre os da feiticeira.
—Eu não queria te impor isso. Queria te dar algo que ninguém poderia ter.
—Eu também quero te dar isso. Apenas para você.
—E por que isso agora?
—Eu vou ser sincera. Eu devia ter alianças com outras alcateias uma vez que somos novos aqui.
—Mas você é orgulhosa demais para isso.
—Podemos colocar desse jeito. — Sorriu, subindo as mãos em seu rosto. — Receio que tenhamos provocado outras alcateias com a que eliminamos na outra noite.
—Isso não é motivo suficiente para você ficar aqui, esperar a lua nova terminar e fazer alianças? São só alguns dias. Você mesma disse que não fará bem ao bebê ficar se transformando.
—Eu sei. Mas pense por um momento... Não podemos ficar escondidos na cidade com o rabo entre as pernas enquanto os outros estão lá fora, sendo lobos.
—Ilis, eu vi alcateias enormes na cidade. Mesmo na última lua nova. Vocês não seriam menos lobos se ficassem aqui e se protegessem.
—Não seria a mesma coisa. Como eu disse, é a última vez que poderei levá-los até o bebê nascer.
—Ilis, não estará colocando apenas a alcateia em perigo, estará colocando nosso filho em perigo por causa do seu orgulho.
—Eu sei que está preocupada, mas confie em mim. Não deixarei que nada aconteça. Com ninguém.
—Não é uma simples questão de escolha. Vocês estarão refém dos números.
—Não quero sair recrutando para ganhar em números.
—Eles têm essa vantagem, é só o que estou dizendo.
—Não vou procurar enfrentá-los, se te deixa mais calma.
—O que fará lá então?
—Emeril, eles estão inquietos, na lua nova e na cheia nosso corpo pede para ficar em forma de lobo. Não posso passar o tempo todo aqui. E você se resolveu com sua mãe, não estará sozinha.
—De que isso adianta se corro o risco de ficar viúva?
—Confie em mim, Emeril. Eu devo isso a eles.
—Deve sua vida?
—Emeril...
Ilis suspirou, afastando as mãos e as prendendo na própria cintura. Liora somente observou, travando a porta depois que os clientes saíram, optando por não intervir na discussão.
—Só estou pedindo que confie em mim.
—Não se trata de confiança e você sabe disso. Se trata do orgulho de todos vocês em aceitar qualquer tipo de proteção.
—O que você quer que eu faça, Emeril? Quer que eu beba todas essas poções para te deixar segura?
—Você veio aqui somente para pedir esse feitiço sabendo que algo vai acontecer, não é?
—Eu pedi o feitiço porque queria que soubesse que se algo acontecer, você pode me achar.
Emeril bufou, subindo as mãos até a própria têmpora e a de Ilis, que segurou seu pulso, tentando afastá-la.
—Não desse jeito, Emeril, por favor.
Ela espalmou a mão em sua testa, e mesmo que a loba recuasse, a prateleira atrás impediu que ela fosse longe. A luz vermelha acendeu em sua pele enquanto sussurrava as palavras, e não demorou para que sentisse a expectativa e a decepção que mesclavam os sentimentos da loba. Suspirou, movendo os dedos em seu rosto e a acariciando, tentando acalmar seus próprios sentimentos.
—Também não queria que fosse desse jeito. — Falou devagar. — Eu fiz esse feitiço, Ilis, o primeiro feitiço que realmente me empenhei para que significasse algo bom para nós duas. Mas espero não sentir nada demais.
—Vou voltar inteira, Emeril. Todos nós vamos.
—Você não pode me prometer isso quando chegou aqui falando da inimizade das outras alcateias. Você não está colocando só a vida de vocês em risco, estará colocando a vida de nosso filho também. Não é porque ele é minúsculo, que deixa de ser uma vida.
—Emeril, por favor... Você sabe que me importo da mesma forma que você.
—Não é o que está parecendo. Mas você vai de todo jeito. Então é melhor que vá agora.
—Desse jeito?
—Eu não posso te apoiar nisso, Ilis. Não há nenhum motivo que justifique que você vá dessa vez.
—Eu vou voltar, e vou provar que você está errada.
—Faça isso então.
Emeril se afastou um passo, mas Ilis a puxou para perto de novo, abraçando sua cintura e colando seus corpos no processo. Emeril suspirou, envolvendo o braço em seus ombros e a mão em seus cabelos, sentindo sua respiração na pele de seu pescoço.
—Não faça disso uma despedida, Ilis.
—Não é. Só quero que sinta, por mais nervosa que esteja comigo agora.
—Eu sei, só... — Ela afastou o rosto para poder olhar em seus olhos. — Eu nunca disse isso, porque nunca precisei dizer, você sempre soube mesmo antes de eu fazer esse feitiço.
—Eu amo você também, Emeril.
—Ilis... — Balançou a cabeça, mas acabou sorrindo. — Eu amo você, criatura orgulhosa. Não morre lá fora.
—Você terá os outros 7 meses para me odiar ainda. Aguenta mais uns dias.
—Por que? Vai fugir depois que o bebê nascer?
—Como se eu pudesse. Agora se cuida aqui. E não faça o ritual antes que eu volte.
—Não tenha nosso bebê na floresta.
Trocaram um último beijo antes de Ilis ir embora, e só então Liora se aproximou, acariciando os cabelos da filha, que limpava as próprias lágrimas.
—Algo muito errado vai acontecer, e eu não posso fazer nada.
—Não diz isso. Vai dar tudo certo.
—Espero que sim. Não posso perdê-la.
—Você não vai.
Emeril esperava que estivesse certa, ainda que não se sentisse dessa forma. Buscou se concentrar no trabalho e nos treinos, estudando as poções e ingredientes que sua mãe vendia.
—Metade da loja, está quase me alcançando. — Mara provocou Emeril do balcão no dia seguinte. — Só falta a outra metade.
—Muito engraçado. — Emeril revirou os olhos na sua direção antes de voltar à próxima prateleira. — Você viu a loja crescer. Eu a peguei pronta.
—Você aprendeu metade dela ontem até o fim do expediente. Você não fez nem ¼ hoje. — Liora observou, saindo dos fundos da loja e entregando uma xicara de chá para Mara. — Você está sem foco hoje.
—Eu sei. — Suspirou, deixando os ombros caírem em derrota. — Ilis foi numa missão suicida, e eu estou esperando por qualquer sinal para ir atrás dela.
—Querida... Venha aqui, você precisa mais desse chá que eu. — Mara gesticulou o banco ao seu lado, pousando a xicara intocada no balcão.
Emeril aceitou, sentando ao seu lado e bebendo um gole do chá, fazendo uma careta com o gosto.
—Você misturou erva do campo com pelo do nariz de um ogro? Isso está horrível.
—Você se acostuma com o gosto. — Liora sorriu, acariciando seus cabelos do outro lado do balcão. — Faz bem para a imunidade.
—Estou ótima. — Devolveu a xicara para Mara. — Por que está tomando isso? Está doente?
—Isso é para prevenção. — Mara respondeu, piscando-lhe o olho.
—Você não está velha para essas coisas.
—Se não soubesse que está comprometida, criaria esperanças sobre ganhar você por uma noite.
—Eu só disse que não está velha. — Suas bochechas coraram ainda assim.
—Então não me acha atraente para uma noite?
—Claro que acho, só-
—Então teria chances com você?
—Está precisando de companhia, Mara? — Liora a cortou antes que Emeril abrisse a boca para responder. — Tenho alguns contatos para te encaminhar se for o caso.
—Só estou selecionando um nome mais próximo, ou Emeril não está na sua lista?
—Não para as suas intenções. Deixe-a em paz.
—Estou brincando, mamãe. — Provocou. — Não vou levar sua filha para o mal caminho.
—Mal caminho? — Emeril olhou entre ambas. — Vocês sempre são assim?
—Já fomos piores. — Mara riu. — A elfo não gosta, infelizmente.
—Selen? — Seus olhos voltaram a procurar os da mãe, que assentiu. — Não disse? Ela é uma idiota. Mas enfim. Vocês se acertaram?
—Não falei com ela ainda.
—Deveria. Enquanto ainda pode. Eu não tenho essa chance.
—O feitiço que fez para Ilis, o que exatamente faz?
—Apenas permite que tenhamos acesso aos sentimentos uma da outra.
—Oh, é sério assim? — Mara sorriu, animada. — Já criou um feitiço para marcar a união. Você sabe que não tem volta agora, certo?
—O feitiço? Sim. O relacionamento? Também. Não pretendo voltar atrás.
—Que pessoa decidida. Você tem uma filha exemplar. — Mara tocou o braço de Liora. — Não quer mesmo compartilhar?
—Como eu poderia compartilhar minha filha? Mesmo que pudesse, ela é apenas minha.
—Tenho a impressão que meu filho vai fazer parte dessa rede de proteção. — Emeril fingiu lamentar, e segurou a mão dela.
—Ele já faz.
—Estou desatualizada. Você está grávida? — Mara perguntou, perplexa.
—Não. Ilis está.
—Você a deixou ir grávida?
—Não posso colocar ela na coleira. Ela fez sua escolha. — Suspirou, baixando os olhos para o balcão. — Não paro de pensar no que pode acontecer com eles lá.
—Isso só te fará mal.
—Mas não tenho o que fazer. Literalmente. Eu só fico pensando, e pensando. O que eu faria se alguma coisa acontecesse com ela? Eu perderia o chão.
—Ela significa tanto para você, querida. — Liora acariciou sua mão.
—Ela era tudo que tinha. Digo... Mesmo com Selen aquele ano, eu sabia que ela voltaria. Então ela foi a pessoa que me fez te encontrar, mãe, que me protegeu dos lobos, que veio comigo até aqui.
—E você disse que ela tinha o mundo nos olhos. — Liora sorriu quando ela a olhou. — Você precisa entender que o mundo dela é diferente do seu. Mesmo que você tenha razão, ela tem instintos. Há coisas que ela precisa fazer, que nenhuma razão pode impedi-la.
—Não significa que doa menos.
—Não. Mas vai ter que se acostumar com isso se realmente não for voltar atrás em sua palavra. Ainda mais com um filho a caminho.
—Eu sei. Ainda assim é difícil ficar de braços cruzados.
—Confie nela. Ou os lobos não a teriam escolhido como alfa.
A porta da loja foi aberta, e uma cliente entrou. Liora se moveu para atender, mas Emeril moveu a cabeça, e saiu do banco, indo até a mulher para atendê-la. Selen entrou logo em seguida, seguindo com Liora para o corredor que dava para os fundos da loja.
—Eu disse que te procurava quando pudéssemos conversar. — Liora a advertiu.
—Deve ser sua última cliente do dia, e Emeril está cuidando disso. Podemos conversar?
—Aqui?
—Você me enxotou da sua casa. Na rua você estava com Emeril.
—Emeril estava me incentivando a falar com você. A implicância é sua com ela.
—Claro. Ela incentiva nossa conversa, mas não olha em minha cara.
—Você agrediu Ilis, o que estava esperando?
—Cada dia acho mais impossível recuperar a amizade dela.
—Se você não vai atrás dela será impossível mesmo.
—Mas vim atrás de você. Por favor, Liora. Desculpa por ser uma idiota. Ilis começou a falar daquele jeito com você e eu perdi a cabeça.
—Ilis estava praticamente sussurrando. Por que ficou tão ofendida? Ela estava falando de minha filha. — Liora segurou seu queixo. — Minha filha. Não sua. Se quiser tirar satisfação de Ilis sobre sua amizade com ela, se resolvam as duas. Mas se tiver sentimentos para discutir com Emeril, sugiro que pare de me procurar.
—O que? Não. Eu quero você, Liora. Mais que tudo. Você não tem nada a ver com Emeril. Você é incrível por ser você. E eu senti sua falta.
—Selen...
—Eu vou consertar as coisas. Sei que não é só chegar aqui e esperar que esqueça tudo.
—Não volte a falar por mim de novo, Selen.
—Não vou.
—Nunca mais.
Selen a puxou pela cintura, grudando seus corpos enquanto inclinava o rosto na sua direção.
—Nunca.
Liora suspirou, deslizando os dedos pelo rosto da elfo, selando seus lábios e então aprofundando o beijo lentamente.
—Volte sempre que precisar. — Emeril sorriu na direção da mulher, atrás do balcão.
—Irei. Tem mais coisas aqui do que eu imaginava.
—Nem me fale. Ainda estou decorando tudo. Que bom que precisava de algo que eu conhecia.
—Ah! Você é a filha de Liora, não é? — Ela sorriu quando Emeril assentiu. — Ouvi falar sobre você na cidade.
—Sobre mim? Provavelmente porque sou filha dela. Ainda não impedi nenhuma guerra.
—Isso também. Mas eles tinham razão, você é mais fofa de perto.
A mulher foi embora e Mara começou a rir, apertando sua bochecha. Revirou os olhos, tentando ignorar a sensação quente no seu rosto.
—Tão fofa. — Mara provocou.
—Emeril, tímida por causa de um elogio? — Ela se perguntou, inflando as bochechas e bufando. — Nada justo.
—Liora acertou em te contratar. O movimento aqui vai aumentar.
—Essa mulher nem me conhece. Se for para virem mais por causa de minha aparência eu vou usar um feitiço para parecer uma velha.
—Aposto que mesmo velha continuaria atraente.
—É uma maldição que lancei em você. — Liora falou enquanto se aproximava ao lado de Selen.
—Não podemos lançar maldições.
—Ah, querida, tem feitiços terríveis que se assemelham a maldições.
—E não é uma maldição ser bonita. — Selen falou, parando a sua frente. — Desde quando você se incomoda com isso?
—Desde quando as pessoas só me resumem a uma caixa vazia, com o rótulo de filha de Liora.
—Sinto muito por isso, querida. — Liora acariciou seus cabelos. — É porque você é nova aqui. E eu falei tanto de sua chegada.
—Sim... As pessoas deixaram isso claro. Mas tudo bem, eu me acostumo. Por que vocês não aproveitam a noite? Eu fecho a loja.
—Não precisa.
—Não há nada para fazer em casa. A única alternativa é esperar e você não precisa fazer isso.
—Esperar o que? — Selen perguntou.
—Não vem ao caso. Vá. Leve-a para um lugar legal.
—Querida... — Liora insistiu, em dúvida.
—Divirta-se, mãe. Amanhã nos encontramos aqui. Dê as chaves.
Liora suspirou, mas entregou as chaves da loja, erguendo o queixo dela e beijando sua testa.
—Qualquer coisa me chame.
—Eu começo um incêndio se precisar.
—Não sendo em casa, tudo bem.
—Vejo você amanhã.
Liora beijou sua testa outra vez, então saiu da loja, Emeril travou a porta, soltando um suspiro, aliviada. Mara continuou sentada, terminando seu chá.
—Estava querendo ficar sozinha comigo?
—Dê sua mão.
—Depende do que for fazer com ela. Aprendi a não dar a mão a desconhecidos.
—Ah, por favor. Minha mãe já sabe.
—Você contou?
—Não. A marca dela está começando a aparecer. Mas ela está sem ver ainda. Logo, não tenho motivos para manter o feitiço em você.
—Que conveniente.
Emeril revirou os olhos e se aproximou, pegando sua mão e movendo os dedos na sua palma, alongando seus dedos e sussurrando algumas palavras. A marca se desfez, mas ela continuou olhando a pele clara, notando uma marca escura no centro.
—Você não devia ter visto isso.
Mara tentou recuar a mão, mas Emeril a segurou mais firme, movendo o dedo sobre a marca, sentindo a energia pulsar forte nela.
—Quem amaldiçoou você?
—Não importa.
—Por que fariam isso com você?
—Não se meta nisso, garota.
—Eu posso consertar isso se me disser o que aconteceu.
—Isso não pode ser consertado. Não por magos. Então não se meta nisso.
Mara se levantou, afastando-se alguns passos enquanto coçava a nuca, agitada, claramente incomodada com o assunto.
—Nada é para sempre, nem uma maldição. Se magos nunca conseguiram quebrar uma maldição, é porque são todos uns idiotas.
—Se sua mãe te ouve falando isso, você seria deserdada. — Falou sem senso de humor, olhando-a. — Todos esses séculos e você acha que ninguém tentou antes? É simplesmente porque é impossível.
—Não, não é. Só me diga o que essa maldição faz, e eu dou um jeito de desfazer. Eu sei que consigo.
—Você não sabe com quem vai estar lidando se tentar desfazer a maldição.
—Quem?
—Tire isso da sua cabeça. E não diga nada a Liora. Só me traria problemas.
—Mara, deixe-me ajudar, por favor. Ninguém merece carregar uma maldição.
—Se colocaram isso em mim, por bom motivo não foi. Então, de novo, esquece isso. E abra essa porta.
—Calma. Eu não vou insistir, não precisa ir embora.
—E vou fazer o que aqui? Seu expediente acabou.
—Eu faço o jantar.
—Não vai me comprar com um jantar dessa vez.
—Dessa vez? — Repetiu, fingindo-se incrédula. — Nunca te chamei para jantar.
—E por que está chamando agora? Achei que ter engravidado a loba te faria não convidar pessoas assim.
—Do que está falando? Não estou te chamando com essa finalidade. Só não quero que fique brava comigo.
—Então está tentando me comprar com comida.
—Não vai ter feitiços nem poções nos ingredientes, isso é ruim?
Mara riu por fim, abraçando-a com força antes de se afastar e bagunçar seus cabelos, fazendo-a sorrir, aliviada.
—Estava brincando com você, garota. Claro que quero comida.
—O mercado não está aberto agora, certo? Minha mãe esqueceu de repor a cozinha hoje.
—Para a sua sorte, minha casa está abastecida. Então... Vamos?
Ela estendeu o braço, Emeril passou o seu e então a seguiu para a rua, apagando as luzes da loja e a trancando. Mara a levou pelas ruas além do mercado, vazias do movimento que se acostumou a ver de dia, até o outro extremo de moradias.
Emeril nunca tinha ido à essa região, mas logo notou pelos padrões das casas que era um lugar de pessoas com mais moedas nos bolsos do que podia se imaginar possuindo. “Ainda que minha mãe tenha construído a casa com seus poderes, isso é perfeccionista demais”, considerou, tendo quase certeza de que as casas foram feitas manualmente.
A casa de Tâmara seguia o mesmo critério de beleza em todos os detalhes, com estátuas no jardim e uma passagem para um lago particular nos fundos. Tinha dois andares, mas era muito mais espaçosa que a casa de sua mãe, e com menos móveis do que podia imaginar.
—Você mora aqui sozinha?
—Sim.
—Agora eu sei porque você passa o tempo na loja de minha mãe. Aqui deve ser solitário.
—Seria, se eu ficasse aqui.
—E eu vivendo numa casa na árvore. Onde fica a cozinha?
—Siga-me selvagem.
Ela revirou os olhos para o apelido, mas seguiu a mulher, conhecendo a sala de convivência e de jantar antes de chegarem à cozinha, observando todos os equipamentos, demorando-se a reconhecer a utilidade da maioria.
—Você precisa que eu coloque etiquetas? — Mara provocou, notando o olhar perdido dela.
—Não resolveria. — Assumiu num suspiro. — Mas ajudaria se dissesse o que fazem enquanto preparo algo.
—Precisa de um par de mãos?
—Se fosse de Ilis, eu aceitaria. Duvido que use qualquer coisa aqui.
—Por que eu teria coisas que não uso?
—Para outras pessoas usarem?
—Justo. Surpreenda-me então.
Emeril abriu o refrigerador, analisando todos os legumes e verduras, aliviada ao encontrar carne ali.
—Ah, você não vive de legumes, isso é perfeito.
—Tinha até me esquecido desse costume da sua mãe.
—Minha mãe e os animais. Você não ouviu o caos que foi quando cheguei aqui com casacos de pele e perguntando onde caçavam.
Isso fez Mara gargalhar. Emeril pegou a carne e algumas ervas, colocando sobre o balcão central. Testou uma das facas e começou a cortar em pedaços pequenos, esfregando as ervas para espalhar o gosto. Pegou uma das frigideiras largas e despejou a carne, pincelando gordura e outras ervas em pó, cozinhando tudo no fogo.
—Você está me dando fome.
—Eu oferecia crua, mas você provavelmente não iria sentir os temperos.
—Talvez. Mas dá vontade ainda assim.
Emeril balançou a cabeça, voltando ao refrigerador e pegando outros legumes, descobrindo onde triturá-los. Esquentou a água e os despejou dentro, acrescentando outras ervas.
—Posso te oferecer uma bebida, selvagem?
—Claro. É uma daquelas bebidas que alteram pessoas?
—Depois de algumas doses, sim.
Emeril achou pratos e potes, serviu a carne e a sopa, levando tudo para a sala de jantar, onde Mara serviu a bebida em taças de cristal.
—Já ouviu música?
Apesar de estar perguntando em tom de brincadeira, a dúvida era verdadeira.
—Sim. Uma das coisas que mais gostei de conhecer aqui. Há tantas variações.
—Você andou ouvindo aquelas melodias cansativas que sua mãe deveria usar para dormir?
—Eu comecei por isso. Depois Milo trouxe algumas coisas das bruxas que conheceu.
Mara balançou a cabeça, revirando os olhos e voltando sua atenção para o aparelho de música a sua frente. Escolheu um dos discos que tinha no suporte, e apertou o botão de iniciar. Foi para a mesa enquanto uma música com batidas fortes começou a tocar. Emeril inclinou a cabeça, batendo os dedos sobre a pedra da mesa, no ritmo, gostando da melodia. Uma mulher com voz forte começou a cantar na língua dos magos, o que a fez sorrir.
—Não sabia que havia magos cantores.
—Nem todos vivem de loja de feitiços, ou sua mãe estaria falida.
—É bom saber. Nunca foi muito claro o que os magos faziam na minha terra de origem.
—Você devia ir visitar lá. Muitos magos continuam morando e produzindo naquela região. Aqui só ficou um local muito concentrado com o passar dos anos.
—É uma boa ideia. Não sei se sobrevivo no meio de várias pessoas por tanto tempo.
Mara colocou um pedaço da carne na boca, saboreando na língua enquanto mastigava. Emeril bebeu o liquido colorido, sentindo o álcool descer como lâmina na sua garganta, o que fez a mulher rir.
—Liora te deixou perder tempo demais longe daqui.
—Não é culpa dela. — Falou lentamente, ainda aproveitando a música e a comida. — Aquela floresta escondia muito bem as pessoas.
—Ainda assim, ela demorou demais para te trazer aqui. Não foi justo com você, deixando que se tornasse ignorante sobre tudo que existe em uma civilização enquanto ela permanecia aqui.
—Julian sequer me deixou saber que ela estava viva. Não foi escolha dela.
—Tem certeza sobre isso? Continuo achando que você está sendo ingênua demais.
—Ingênua? Você acha que minha mãe não foi atrás de mim porque não quis? Ela estava impossibilitada de ir por causa do mago do deserto.
—De atravessar o deserto, sim. Cruzar o oceano? Não.
—Mara, onde está querendo chegar? Liora nunca me deixaria sozinha. Pare de insinuar coisas.
—Claro, claro. Sem críticas à Liora.
—Ela é sua amiga. Como pode insinuar essas coisas?
—Porque eu a conheço. Você a idolatra demais.
—Ela é minha mãe. Nunca faria algo que fosse me prejudicar. Que fosse me machucar.
—Não intencionalmente.
—Mara, já chega. Eu disse que não insistiria em sua maldição, então não tente colocar minha mãe de vilã aqui. Eu a amo. E estamos colocando as coisas no seu devido lugar.
—Está bem. Desculpa. Apenas pense a respeito. O que sua mãe fez durante esses anos? — Ergueu as sobrancelhas, bebendo alguns goles de sua bebida. — De qualquer forma, viemos aqui para nos divertirmos juntas. Não vamos entrar em assuntos inconvenientes.
—Eu agradeço.
Emeril voltou logo para casa, indo direto para a cama, exausta, mas acordou no meio da noite ao sentir um corpo a abraçá-la. Acordou em expectativa e atordoada, tentando enxergar no escuro do seu quarto.
—Ilis?
—Desculpa estragar seus sonhos com sua loba, mas não. Sou eu. — Liora riu, beijando a bochecha da filha, que voltou a deitar a cabeça no travesseiro, envolvendo os dedos sobre a barriga. — Desculpa te acordar.
—Mãe... Ilis não dorme o suficiente para sonhar. Achei que você fosse estar com Selen, ou ela foi uma idiota de novo? — Sussurrou, sonolenta.
—Não, não. Estamos bem. Cheguei pouco tempo depois que você, só deu tempo de tomar um banho para você ter um sono profundo aqui.
—Por que não ficou com Selen? Você sabe o que ela quer, e não posso culpá-la. Você é linda.
—Eu sei o que ela quer, querida. — Liora sorriu contra sua bochecha. — Mas ela pode esperar. Eu quero ficar com você.
—Comigo? Por que?
—Porque você é minha filha. E sei que precisa de mim.
—É bom ter você aqui. Só prova que Mara está errada.
—O que ela disse?
—Nada que deva se preocupar. Só... Fui a casa dela jantar, ela falou algumas coisas, mas sei que está errada.
—Bem, diga o que ela andou te falando pela manhã. Eu posso esclarecer qualquer dúvida que tenha.
—Não tenho nenhuma. Eu amo você, mãe.
—Também te amo, querida. Dorme bem.
Fim do capítulo
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Lea
Em: 27/02/2022
Gostei do curto momento de distração entre mãe e filha na loja.
Essa minha loba Alfa é teimosa,mas consigo entendê-la. Só espero que não aconteça nada de grave com ela e nem com os outros,e que ela não perca o pequeno lobo/feiticeiro(a)!
Tâmara deixando no ar que há muitos segredos ainda a seres revelados.
São pequenos gestos assim que vão reaproximar mãe e filha. Assim espero!
Resposta do autor:
Adoro uma interação e um conflitozinho entre família, acho fundamental.
E essa relação de Emeril com a mãe ainda tem muito o que desenvolver :D
Ilizita é uma cabeça dura, mas até agora não foi imprudente. Vamos esperar que continue assim!
Tâmara é um amor, adoro ela!
Beijos!
Marta Andrade dos Santos
Em: 19/07/2021
Essa Mara sei não viu, venenosa.
Resposta do autor:
Língua afiada a dela não é? ahahahaha
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