Seus filhos carregarão seu legado
—Mãe, você percebeu a movimentação do mar?
—Sim. Eu pedi para Athen reconhecer o padrão. Mas estou esperando Veegan retornar da patrulha ao sul. Os comerciantes falaram de movimentação de grandes grupos armados viajando para o norte. — Suspiro, pressionando os dedos no cabo de Sopro da Morte, olhando para o mar da torre leste da cidade.
—Nessa sequência de acontecimentos, acho que eles finalmente decidiram bater em nossos muros. — Ele gesticulou o mar. — E farão isso onde acham que estamos mais fracos.
—Mas não estou gostando da movimentação ao sul. Talvez queiram que acreditemos que vão vir do mar.
—E o que faremos se não vierem? — Suspiro e o olho, estreitando os olhos. Ele podia ter deixado a barba crescer, mas a cor alaranjada não disfarçava suas bochechas avermelhadas ao ser testado. — Eles vão tentar cercar a cidade, talvez tenham alguns barcos no mar, para interceptar nossos barcos se tentarmos enviar o exército para dar a volta na cidade e atacá-los. Então o mais sensato era ir por ar e convocar os magos para coordenar o ataque de dentro da cidade e de fora.
Sorrio, movendo a cabeça para concordar. Tendrür era meu filho mais velho com Trínia, já era um homem maduro e tinha herdado os traços e as habilidades de um voulcan, sua mulher tinha tido filho há poucos meses, e ele também tinha herdado nossos traços de voulcan. Sua mulher não era de uma família antiga, mas eles ficaram alguns anos insistindo em se unir, e eu aceitei, certa de que se amavam o suficiente para respeitarem meu não por todo esse tempo. Eu aprendi a gostar da mulher dele depois que a conheci, Rëa era animada e estava disposta a seguir os costumes antigos e receber o nome de nossa família.
Eu desci a escadaria e fui para casa, deixando meu filho para vigiar a muralha. Eu queria saber o motivo de Tramiür não ter vindo ao nosso encontro na escolta pela cidade, como mandei que fizesse. Ele era meu segundo filho, era jovem, tinha símbolos graahkinianos ao invés de escamas, e era mimado por Trínia por esse mesmo motivo, o que me irritava. Eu descobri cedo que minha mulher só serviria para gerar nossos filhos e levar meu sangue adiante, porque era incapaz de cuidar deles quando eram crianças. Além dos deveres de líder, eu tinha que conseguir orientar meus filhos porque minha mulher deixou claro que não seria capaz de fazê-lo, teria mimado todos se eu não tivesse interferido.
Gaeloar e Ambür ainda eram crianças, mas os garotos se interessavam mais em participar dos assuntos da cidade do que Tramiür, que já deveria mostrar melhor habilidade com espada, mas era um idiota e um fraco que não aguentava o peso da espada elemental que minha mãe fez para ele. Ambür era o mais novo, ao contrário de Tendrür e Gaeloar, não herdou os traços de voulcan, mas mesmo assim já corria atrás de mim para saber como era ser líder, além de já possuir uma miniatura de espada para praticar.
Quando cheguei em casa, Enuvië estava contando uma história antiga para meus filhos mais novos enquanto Gaeloar brincava com o fim de sua barba no queixo, com dois palmos para baixo. Enuvië tinha quase a mesma idade que meu filho mais velho, tinha herdado os traços de Seanë, era loiro dos olhos azuis, mas tinhas os traços parecidos com nossa mãe, além de ter recebido os símbolos de Graah nos mesmos lugares que ela. Era um guerreiro habilidoso, mas para o desprazer de Seanë, tinha gostado do hábito de Volinüs em estudar a história antiga do nosso povo, e passava mais tempo com ela do que a própria mãe.
—Mãe! — Os garotos gritaram juntos quando me viram, e vieram correndo, eu me abaixei para recebê-los, rindo ao ter seus pequenos corpos me apertando num abraço.
—Seus filhos são incontroláveis. — Enuvië reclamou, coçando os olhos, marcados pelo cansaço.
—Eles são adoráveis. — Sorrio dando um beijo em cada bochecha deles. — Vocês estão deixando o tio de vocês cansado. Imagina se ele desiste de dar primos a vocês?
—E lá vamos nós. — Ele revirou os olhos enquanto meus filhos davam risinhos. — Não estou interessado em ter filhos tão cedo.
—Você ao menos gosta de praticar? — Eu o estava provocando, é claro, mas era pura curiosidade.
—Praticar o que, mãe? — Ambür me questionou, confuso com nossa conversa.
—Fazer filhos requer prática, é claro. — Olho entre eles, mas eles continuavam confusos.
—E como que pratica?
—É mais simples do que vocês pensam. Vocês encontrarão uma garota, quando crescerem, e vão colocar algo nela que possibilite que tenha seu filho.
—E por que não agora?
—E colocar o que?
Eu rio para ambos, balançando a cabeça e beijando a testa deles.
—Isso vocês vão aprender daqui há alguns anos. Não se preocupem em fazer bebês agora que acabaram de deixar de serem bebês.
—Mas só garotas dão bebês? — Gaeloar questionou.
—Sim.
—Então Enuvië não vai ter bebês.
—Por que diz isso? — Eu olhei para meu irmão, que suspirou, porque parecia haver um segredo guardado entre meus filhos e ele sobre esse assunto.
—Nem todos nessa família gostam de praticar em garotas, minha irmã. — Ele me falou depois de uma pausa. — E não me olhe como se estivesse surpresa.
—Mas eu estou surpresa! — Eu sequer tinha pensado nessa opção. — Nossa mãe sabe disso?
—Não mantenho segredos com ela. Mas não se preocupe, meu sangue será passado adiante quando for o momento.
Eu nem me incomodei em perguntar como ele pretendia fazer isso, então mandei meus filhos se comportarem e subi as escadas, encontrando Voli ocupada em tentar convencer minha mãe a voltar para o quarto, suas pernas envoltas na cintura dela e seu corpo sendo pressionado na parede. Há alguns anos eu diria que elas estavam tentando outro filho, mas Vonü sofreu um aborto depois dos gêmeos e perdeu o útero. Era de se esperar, depois que o parto dos gêmeos foi complicado, e Seanë teve que vir e fazer um corte na sua barriga para tirá-los.
Eu duvidava que Voli tinha mudado de ideia sobre engravidar, mas as vezes a condenava por fazer minha mãe passar por tudo isso por causa dos seus desejos. Eu nunca tinha visto tanto sangue sair de minha mãe, nunca a vi tão pálida no dia do aborto, e nunca a tinha visto tão fraca, à beira da morte. Às vezes eu me pegava lembrando da luz que tinha entrado pela janela do seu quarto naquele dia, acertado seu rosto, e a feito delirar. Não, não delirar. Graah tinha enviado uma tikëa ao seu encontro para que ela falasse sua mensagem, e seja lá o que tivesse sido, minha mãe tinha se recuperado rápido e hoje estava forte.
—E eu tendo o trabalho de ensinar Gaeloar e Ambür como se faz filhos. Era só mandá-los subir as escadas! — Reclamo quando passo por elas, que me olham em surpresa, mas Voli acaba rindo enquanto minha mãe se afastava dela.
—A demonstração é gratuita. — Voli falou em tom de provocação.
—Os garotos não teriam começado a gritar se não fosse por Ali. — Minha mãe a olhou, como se dissesse “eu te disse” sem mover os lábios. — Alguma notícia da cidade te fez vir aqui no meio da tarde, Ali?
—Ainda não. Estou esperando notícias de Veegan e de Athen. — Digo mais séria, então olho entre ambas. — Estejam preparadas para batalhar em breve. Graah está nos enviando um sinal.
—O que está acontecendo? Os marientz vão atacar?
—Estou esperando para ter certeza. Eu vim mandar Trínia levar as crianças para a casa de Veegan, que fica perto do centro. E aconselho vocês a irem também.
—Se um ataque estiver vindo do mar, nossa melhor chance é acabar com os barcos por ar.
—Eu e Tendrür faremos isso se for o caso. Eu quero que você mande o povo ir para o centro. Não quero ninguém no litoral.
—Lin pode fazer isso. — Ela falou com paciência, olhando para a mulher em busca de confirmação, que somente balançou a cabeça. — Irei vigiar o mar por cima. Se tiverem vindo por mar, não estarão longe.
—Tão difícil de seguir minhas ordens, mãe.
—Uma filha não dá ordens para a mãe. Achei que tinha te ensinado isso.
—E você ainda sabe voar? — Ergo a sobrancelha. — Faz anos que não te vejo em forma de voulcan.
Ela revirou os olhos, eu somente pisquei e ela estava com asas, chifres e escamas diante de mim. Voli soltou um risinho ao lado, e abraçou a cintura de minha mãe. Seus seis chifres estavam alinhados e afiados no topo da cabeça, firmes e radiantes, em sua glória. Era como se ela nunca tivesse deixado de usar essa forma, tudo estava em seu devido lugar, minha mãe tinha atingido a maturidade e começava a envelhecer, mas não tinha perdido sua força.
—Nos encontramos em breve. — Vonü falou para a sua mulher, e beijou seus lábios antes de desaparecer.
—Então... — Voli me olhou, cruzando os braços. — Você está bem? Parece cansada.
—Eu não dormi hoje. O mar começou a ficar agitado fora de época.
—Funções de líder, não é? — Suspiro, balançando a cabeça para concordar. — Você fez tudo para estar preparada para essa guerra. Não se preocupe em excesso.
—Não é preocupação. Estou preparada para acabar com eles de uma vez por todas. Só quero que acabe logo, que venham e morram. Dessa vez estou preparada.
—É bom te ver falando assim.
—Acho que sim. Onde está Vramiër?
—Oh, Vramiër... Aquela garota. De manhã ela passou aqui, eu a ouvi discutindo com Trínia, então não sei mais para onde foi.
—Aquela garota é tão impulsiva quanto a mãe dela. Se Tramiür tivesse aprendido a ter um pouco de fogo nas veias como ela tem, eu não me preocuparia tanto.
—Ali... Tramiür não nasceu para a guerra.
—Então ele não tem meu sangue. — Digo com raiva.
—Trínia nunca quebraria os votos. — Ela pausou, desconfortável. — Ela não teria concordado com a união se fosse para quebrar os votos.
—Você sabe a fama que ela tinha.
—Alinü? — Trínia saiu do nosso quarto, eu suspiro antes de a olhar, vendo Tramiür atrás dela, com uma bolsa de couro grande nas costas. — Que bom que chegou. Acho que temos algo para conversar.
—Temos?
—Ouvimos sua conversa. — Ela sinalizou para Voli.
—Sinto muito por isso. Só estava estressada. Sinto que tem uma guerra batendo em nossos portões. — Olho para Tramiür, que tinha os olhos vermelhos de choro, ainda marejados, prestes a desabar de novo. — Você devia ter me procurado nas muralhas. O que ficou fazendo aqui?
—Mãe... — Ele começou, então balançou a cabeça e recuou um passo. — Alinü, minha mãe tinha algo a me dizer. — Estreito os olhos, confusa por um momento. — E agora eu tenho que ir embora.
—Ir embora? Sem minha permissão?
—Com todo o respeito, eu não preciso de sua permissão para sair de casa. — Ele teria soado mais decisivo se tivesse me olhado nos olhos, mas nem isso ele era capaz de fazer.
—Você me deve obediência, então sim, você precisa da minha permissão.
—Se você fosse minha mãe, eu continuaria te devendo obediência.
Olhei para Trínia em busca de explicação, mas ela sequer precisava dizer alguma coisa, minhas suspeitas estavam certas desde o começo. Ela tinha me traído como jurou não fazer. Minhas mãos estavam no seu pescoço no instante seguinte, ela soltou o ar em espanto e seus olhos se arregalaram diante de mim, de repente ficando sem ar.
—Sua maldita! Há mais de vinte anos você veio debaixo desse teto pedir para se unir a mim. Ninguém te obrigou! — Digo com raiva. — Como você ousa me trair?
—Solte-a! — Era a primeira vez que Tramiür gritava comigo, agarrando meu braço com força para tentar me afastar, mas não era forte o suficiente. — Você não tem o direito de ferir minha mãe.
—Eu te criei como meu filho, seu garoto mimado. — Digo sem olhá-lo, incapaz de desviar o olhar de minha mulher. — Como você foi capaz de fazer isso comigo, Trínia?
—Ali, você vai matá-la sem conseguir respostas. — Voli parou do meu outro lado, tocando meu ombro. — Por favor, não derrame sangue debaixo do seu teto. Do nosso teto. Graah nunca aprovaria algo assim.
Eu xinguei com raiva, mas soltei o pescoço de Trínia, que respirou com dificuldade por alguns segundos. Eu impedi que Tramiür se aproximasse, empurrando-o com força, sequer me importando se ele tentaria se aproximar de novo.
—Trínia. — Volinüs falou em tom controlado. — É melhor dizer o que tem para dizer antes que seja tarde.
—O que vocês querem que eu diga? — Ela tinha a voz trêmula, isso me irritou mais, mas eu me mantive no lugar.
—Quem? — Pergunto. — Quem foi ele? Ou vocês ainda...?
—Não há um ele. Eu usei uma das poções de Voli, achei que estava apaixonada por ela, achei que não faria mal me entregar a ela se iriamos nos unir. Mas ela fugiu da cidade quando soube que tinha engravidado. — Agora ela parecia envergonhada de admitir isso. — Eu não tive coragem de te contar isso.
—Você me fez criar um filho que não era meu?
—Sim, e foi difícil a cada ano que passava e ele crescia. Você sempre soube que ele era diferente de Tendrür. Eu só podia defendê-lo do tratamento diferenciado que você dava a ele.
—Não tente me culpar por sua traição. Eu criei Tramiür como meu filho. Eu o amei como meu filho. — Eu quase ergui as mãos para agarrar seu pescoço outra vez. — Por que resolveu falar isso agora?
—Eu não quero meu filho nessa guerra. E Rukrëa voltou. Ela quer se unir agora.
—Ah, então agora está tudo bem. Você me enganou por todos esses anos e agora vai fugir com sua amante. — Havia desdém em minhas palavras, mas somente porque eu não deixaria que ela visse como me sentia. — Ambür é meu filho?
—Sim.
—Então espero que valha a pena. — Digo em tom controlado e me afasto. — Espero que sua amante valha a pena o fato de você nunca mais ver meus filhos.
—Alinü, por favor, eles têm meu sangue também. — Ela começou a protestar, mas foi Voli quem a manteve no lugar. — Tia, por favor, não a deixe me separar dos meus filhos.
—Você tem noção do que fez? — Voli falou, usando o mesmo tom que já a vi usar com os filhos. — Eu falei seu nome para Vonü, eu falei com Vaanë sobre essa união. Você jogou nosso nome debaixo da cama de uma amante, Trínia? Eu te eduquei melhor que isso. Todos nós te educamos melhor que isso.
—Eu tentei, está bem? Eu não fui feita para servir aos caprichos de uma união. — Ela me olhou com mágoa. — Eu te dei esses filhos, Alinü. Eu servi aos seus desejos.
—E você se divertiu no processo, não é mesmo? — Eu a desafiei a discordar.
—Eu aproveitei nossos momentos, é claro. Mas eu sinto muito se não consigo me manter mais dessa forma. Eu achei que pudesse.
—Eu também. — Suspiro, massageando a ponte do nariz. — Vá embora, Trínia. Pegue suas coisas e saia da cidade antes que a guerra chegue aqui.
—O que? Você vai nos expulsar da cidade? — Tramiür perguntou indignado.
—Não, não você. — Olho para ele e suspiro, incapaz de sentir raiva do garoto agora que sabia da verdade. — Você não tem meu sangue, isso não é sua culpa. Você é livre para ficar. Você será criado entre os Trhonttier.
—Sem minha mãe?
—Sem sua mãe.
—Você ficará. — Trínia falou rapidamente, erguendo a mão quando o garoto abriu a boca para protestar. — Volinüs, por favor, olhe por meu filho.
—Ele é um Trhonttier. — Voli falou e me olhou por um instante, voltando-se ao garoto. — Fique, se é o que deseja. Mas você acatará as ordens de nossa líder acima de tudo, independentemente de ela ser ou não sua mãe. — Ele não respondeu, parecia perdido agora que sua mãe o tinha mandado ficar. — Dê sua palavra, Tramiür. E lembre-se bem delas, porque não se quebra palavras para um líder.
—Eu não quero ser um guerreiro. — Ele me olhou.
—Você não é um guerreiro. — Constato, mesmo que para o meu desgosto.
—Mas também não quero ser seu inimigo.
—Basta seguir os costumes. Cumprir sua palavra e não arranjar confusões.
—Eu poderei falar com meus irmãos?
—Você não... — Suspiro diante do olhar de Volinüs, alertando-me de que estava sendo dura demais. — Sim, você continua falando com eles.
—E minha mãe? Ela continua sendo uma Trhonttier. Ela tem o direito de continuar na cidade.
—Não para ficar perto dos meus filhos.
—Então você tem minha palavra de que ela não ficará. — Havia desafio nas suas palavras. — Deixe-a ficar na cidade, e ela não fará nada para se aproximar de Gaeloar e Ambür. Tendrür pode decidir por si mesmo. — Ele era engenhoso como Volinüs, afinal.
—E o que você estaria oferecendo em troca, garoto?
—Eu estarei a seu serviço quando e como quiser.
—Está disposto a ser meu serviçal, garoto?
—Se isso libertar minha mãe do castigo de ir embora da nossa cidade, sim, estou.
—Que seja. — Volto a olhar para Trínia. — Afinal ele tem utilidade. Agradeça ao seu filho, e se despeça dos garotos lá embaixo.
—O que eu direi a eles, Alinü? — Ela me questionou, beirando o desespero.
—A verdade, é claro. — Digo de maneira óbvia. — Vamos. Eu tenho mais o que fazer.
Volinüs entrou com ela no quarto, eu desci e esperei, ouvindo a história que Enuvië estava contando para as crianças. Era o momento em que Graah tinha começado sua viagem pelas terras em busca de conhecimento dos outros povos. Graah já tinha passado da idade madura, e começava a envelhecer, com os primeiros cabelos brancos. Ela tinha escrito livros com o que tinha encontrado dos outros povos, tinha conquistado a confiança de alguns, feito aliados. Os livros tinham sido enterrados nos lugares que ela passou, e somente aqueles que se aventurassem a imitar seus percursos, centenas de anos depois, poderiam descobri-los, e talvez, um dia, encontraria o local que ela foi queimada depois que morreu.
Isso era o que todos acreditavam, ou a maioria. Alguns idiotas achavam que ela continuava viva e estava vivendo isolada. A verdade era que, depois de passar uma vida inteira tentando unir seu povo e sendo reconhecida por suas conquistas, Graah não tinha conseguido passar seu sangue adiante. Éramos descendentes de Graah e nos chamávamos graahkinianos porque nossos antepassados que viveram junto a ela reconheciam que nosso povo nunca foi tão unido e poderoso antes da liderança de Graah. Antes dela éramos somente selvagens. Com ela recebemos seus símbolos em nossa carne através de um ritual que fizeram naquela época, e os passamos adiante, mas não ela.
Eu gostaria que meus avós ainda estivessem vivos, eles saberiam mais da história de Graah, uma história que os guerreiros que lutaram ao lado de Graah passaram aos seus filhos, e assim por diante, até que chegassem aos nossos ouvidos. Minha família, os Vondelür, e os Trhonttier, são descendentes desses guerreiros que são reconhecidos na história de nosso povo. Eu faria tudo para manter essa tradição viva em meus filhos até meus últimos dias.
—Mãe! — As crianças comemoraram quando Trínia desceu as escadas e nos encontrou na sala de convivência.
—De novo. — Enuvië reclamou, mas fiz um gesto para que se calasse, e ele logo percebeu a grande bolsa que ela carregava e fez conclusões. — O que você decidiu?
—Ela continua na cidade, longe do contato com eles. — Indico as crianças.
—Sei que sou o último a poder dar opinião, mas... você não acha muito cruel com eles? — Eu o encarei, estreitando os olhos. — Eles não têm culpa, e você sabe disso. Quem mais vai sofrer são eles. Trínia continua sendo mãe deles como você, isso não te faz reconsiderar a punição?
—Você tem razão. Você não tem direito de opinar. — Desvio o olhar, vendo Trínia sentar no chão e começar a falar em tom baixo com eles. — Meus filhos não tem nada a aprender com alguém que não sabe honrar a palavra e se segurar dentro das calças.
—Minha mãe cometeu o mesmo erro, irmã.
—É diferente. Sua mãe não era graahkiniana. E ela já tinha encerrado a relação com Vonü, apesar de ter quebrado os votos. Trínia me traiu e escondeu isso de mim por anos. Me fez criar um filho que não é meu. — Para isso ele ficou em silêncio, surpreso com a informação. — Eu já os estou deixando ficar na cidade. Não me peça mais que isso, Enu.
—Eu sei que está com raiva agora. Mas ao menos não dê uma resposta definitiva para essas crianças. Você vai destruí-los.
—Eu não traí ninguém. Quem deveria se envergonhar é Trínia.
—Eles só vão entender que você está tirando a mãe deles.
—Quando tiverem a sua idade eles pensarão diferente. Agora eu só tenho que lidar com a raiva deles.
—E vale a pena?
—Eles são meus filhos. — Levanto, percebendo que Trínia devia ter chego ao ponto sensível do assunto, porque os garotos começaram a falar juntos, de forma que fosse impossível entender. — E o lugar deles é ao meu lado.
Aproximo-me deles, começando a ouvir o que estavam falando. Trínia tentava acalmá-los, dizendo que eles não tinham feito nada de errado e que o erro tinha sido dela. Eles quiseram saber o erro, e ela falou, alegando que tinha quebrado os votos comigo, e que isso era passível de punição. Ela falou o que eu queria que ela falasse, sobre não ter direito a ensiná-los por causa disso, que só queria que eles aprendessem a não quebrar o que prometiam.
—Por que você fez isso, mãe? — Gaeloar perguntou em meio a lágrimas. — Por que fez isso se sabia que não devia?
—Eu não sei. — Ela acariciou seu rosto, limpando suas lágrimas. — Às vezes adultos fazem coisas estúpidas. E eu devo pagar por isso diante de Graah.
—E por que seu pagamento tem que ser ficar longe de nós?
—Porque... — Ela ergueu os olhos para mim, e eu suspirei.
—Pare. — Digo em tom cansado. — Trínia, é o que você realmente quer? Jogar tudo isso aqui fora por causa de uma garota?
—Que escolha eu tenho? — Ela respondeu no mesmo tom, eu ouvi Enuvië se aproximar de nós. — Eu errei com você, Ali.
—E você quer errar com nossos filhos?
—Que escolha eu tenho? — Ela repetiu.
—Você a ama? — Era a última coisa que queria saber, mas eu não suportava ver meus filhos sofrerem.
—Eu amo o que temos, Ali. — Ela pousou as mãos nas cabeças dos garotos. — Amo nossos momentos.
—Mas mesmo depois de todos esses anos, você não conseguiu me amar. — Constato, mas ela não teve coragem de confirmar. — Acho que ninguém pode, afinal. É melhor você ir embora, Trínia. Vamos acabar com isso de uma vez.
—Eu sinto muito. Espero que um dia vocês possam me perdoar.
As crianças começaram a fazer barulho, pedindo que ela não fosse embora, mas eu os peguei no colo enquanto Trínia pegava sua bolsa e beijava a testa de cada um antes de ir embora. Os garotos choraram um oceano, mas me abraçaram e ficaram comigo. A guerra podia estar vindo para Tieres, mas eu já estava enfrentando uma grande batalha em casa.
Fim do capítulo
E aqui vamos nós para a Season finalle!
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