A Última Rosa -- Capítulo 44

Sorrindo, Jessica sentou-se ao lado de Inês na cama, segurou-lhe a mão gentilmente e a beijou.

-- O que aconteceu, tia? -- perguntou preocupada -- Sua pressão baixou?

Um sorriso sem graça surgiu na boca da jovem senhora.

-- É bem provável, minha filha. Minha pressão anda maluca de uns tempos pra cá.

-- Me perdoa tia. Ando incomodando um bocado ultimamente, não é mesmo?

-- Deixa de ser boba, meu amor. Você nunca me incomoda, apenas me preocupo com você.

-- Eu prometo que em breve tudo se resolverá.

-- Jessica, só vou te pedir uma coisa -- Inês ouviu a sobrinha respirar fundo, mas mesmo assim prosseguiu -- Quando sentir, dentro de si, o desejo de vingar-se de alguém, dê uma parada, busque olhar-se como se fosse a outra pessoa, e peça à Deus que a ajude a libertar-se desses sentimentos primitivos e negativos que ainda traz dentro de você. Diga a ele que deseja aprender a perdoar.

Jessica se encostou na cômoda e olhou pensativa para ela. O mesmo discurso que acabara de ouvir da Michelle. Esse assunto de perdoar um assassino já estava passando dos limites.

-- Respeito demais a crença, a opinião ou religião alheia, as atitudes e posições diversas as minhas, mas tia, gostaria muito que a senhora e a Mi também respeitassem o meu ponto de vista.

-- Jessica, por favor...

Batidas na porta interromperam a conversa. Jessica foi atender e se deparou com Vitória.

-- Algum problema?

-- O advogado da dona Marcela está lá na sala.

-- Obrigada Vitória. Diga à ele que estou indo -- Jessica se virou para a tia -- Pegar o assassino virou uma obsessão para mim. A justiça Divina demora demais, tia. E eu não posso esperar.  

Assim que Jessica saiu, Inês deitou a cabeça no travesseiro, sentindo-se triste. Fechou os olhos e começou a conversar com Deus.

-- Pai, nos proteja desse Espírito sofredor. Afaste-a da Jessica!

Quando Inês disse essa frase, o Espírito avançou contra ela como se fosse atacá-la. 

-- Meu Deus! -- imediatamente, ela levantou as mãos para defender-se. Mas antes que a mulher a alcançasse, um homem magro que usava um enorme chapéu branco, colocou-se entre Inês e a mulher. Ele encarou o Espírito por um longo tempo, até que ela fugiu.

Inês estava ofegante, com muito medo. Agradeceu a Deus pelo bom Espírito que apareceu em seu auxílio -- Quem será esse homem que me defendeu?

-- A senhora é a única beneficiária do testamento da dona Marcela.

-- O senhor tem certeza disso?! Não pode ter acontecido algum engano? 

-- Garanto-lhe que não há nenhum engano -- disse, na sua voz antipática -- Fui advogado da dona Marcela por muitos anos e até lavrei o testamento para ela. Jessica Parker, é você, não?

-- Bem, sim, mas, eu não sabia de nada disso. 

Ele a olhou como se não acreditasse.

-- Bem, sabendo ou não, você é a herdeira. Aqui está o total de tudo que a senhora está herdando -- ele estendeu-lhe o documento. 

Jessica aproximou-se, apanhou o documento e fez uma rápida leitura. 

-- Isso é incrível, inimaginável! -- sua voz soou um tanto aguda. 

Henz olhou para ela por cima dos seus óculos de aros de ouro. 

-- Não terminei, senhora. Também há uma enorme quantia de terras ao sul de Hills.

-- Caramba! Desculpa -- resmungou, reparando no ar de desaprovação dos olhos gelados de Henz.

-- Podemos continuar? -- perguntou o advogado.

-- Vá em frente -- Corou ao ver seu olhar intransigente --- Prossiga, por favor.

-- A senhora também é herdeira de 40% das ações da companhia Salute.

Jessica levantou a cabeça e o encarou.

-- Peraí. Quer dizer que Marcela era parente dos Romano da Salute?

-- Romano é o sobrenome da esposa do tio da Marcela. Enrico era o irmão mais novo de Francesco, pai da Marcela -- esclareceu Henz.

Marcela nunca lhe havia dito, nunca dera nenhuma indicação.

-- A família Romano sabe sobre mim? -- perguntou, nervosa.

-- Acredito que Marcela os tenha informado de seu relacionamento. 

-- Não, não é isso. Eles estão sabendo sobre o testamento?

-- A família ficou sabendo um pouco antes do senhor Enrico falecer. Ele pediu a Marcela que no momento oportuno contasse tudo a você. E também que cuidasse do seu patrimônio.

Jessica fechou os olhos um instante.

-- Será que o senhor poderia falar tudo novamente, porque eu não entendi nada -- seus cabelos lisos e louros caindo-lhe nos ombros, a boca rosada, a figura meiga, a faziam parecer ainda mais jovem.

-- O que a senhora não entendeu?

-- Tudo.

Henz olhou-a como se tivesse sido ofendido.

-- Como assim? -- ele bufou -- Falei para as paredes?

Jessica cruzou os braços e fez um bico que quase bateu no advogado.

-- O senhor falou da herança que a Marcela me deixou, depois falou da herança desse tal Enrico, o que quer que eu pense?

-- Lamento, mas não sei de mais nada -- levantou-se.

-- Talvez o senhor possa me indicar alguém que me explique tudo com mais detalhes. 

-- Quem sabe a família Romano. Porém, não acho que seja uma  boa ideia procurá-los -- Henz abriu a porta -- Bem, sinto muito, mas tenho que ir. Acredito que já saiba que a herança ficará bloqueada até o final do processo, não é mesmo?

Ela fez com a cabeça um sinal afirmativo.

-- Só mais uma coisa, senhor Henz -- ela deu um passo à frente -- Caso eu seja condenada, quem receberá a herança?

-- O filho de Enrico -- disse, antes de desaparecer pela porta.

Tudo aquilo parecia um pesadelo. O dinheiro, as ações. Tinha a impressão de que a qualquer momento iria despertar e tudo voltaria a ser como antes.

Se ao menos Marcela lhe tivesse dito alguma coisa, comentado algo sobre a família do seu tio! 

Valquíria e Vitória estavam sentadas na cozinha, tomando chá, quando Michelle entrou.

-- O chatinho já foi embora? -- perguntou Vitória.

-- Quem é o chatinho?

-- O engomadinho.

-- Ah, o advogado, sim já foi -- respondeu Michelle -- Ainda não consegui falar com a Jessica, mas só de olhar para ela já sei que a conversa com ele a deixou muito perturbada. 

-- Não sei do que vocês tanto se queixam. Ficaram ricas, milionárias. Não percebeu? -- comentou Valquiria.

-- Claro que percebi -- Michelle franziu a testa -- A Jessica não se sente confortável em receber essa herança. Ela não acha que tenha direito a esse dinheiro.

-- Como que não? Marcela quis que fosse assim. É todo o direito de que ela precisa  -- comentou Vitória.

-- Vocês são bobas, eu no lugar da Jessica pegava esse dinheiro e me mandava pelo mundo. Só ia viver na farra.

-- Credo, Valquíria. Que pensamento mesquinho.

-- Mesquinho nada. Queria eu ter ganho uma herança dessa.

Michelle encheu uma xícara de chá quente e fumegante e foi sentar-se junto às amigas.

-- Jessica está querendo fazer justiça com as próprias mãos.

-- E o que tem isso? -- perguntou Valquíria, levando a xícara até os lábios.

-- Como assim? Não está certo, Val. A justiça é proporcional à pena. A vingança, por outro lado, pode ser mais violenta do que o crime original.

-- Eu acho que a Jessica está certa -- rebateu Valquíria -- Nós sabemos que a polícia prende hoje e amanhã o cara já está solto cometendo os mesmos crimes.

-- Eu penso da mesma forma -- afirmou Vitória.

-- Dessa forma, igualar-se ao criminoso, causando uma nova morte é o correto? O que deu em vocês?

Valquíria se levantou.

-- O que deu em você, Michelle? Até ontem você estava querendo amassar a cara da Augusta contra a parede, hoje você quer o que? Fazer uma massagem relaxante nela? Tem dó, ela quer jogar a tua noiva inocente na cadeia. Ela merece perdão?

Michelle ficou em silêncio. O que estava acontecendo naquela casa? O ódio tomou conta de todos?

-- Eu não penso em me vingar da Augusta, eu só quero que ela conserte o erro que cometeu -- Michelle respirou fundo, não queria entrar em atrito com a amiga -- Bem, vamos mudar de assunto.

-- Acho melhor mesmo -- Valquíria foi até a pia e começou a lavar as xícaras -- Como está a dona Inês?

-- Está melhor. Acho que foi uma queda de pressão -- Michelle empurrou a cadeira e se levantou -- Falando nisso, vou ficar um pouco com ela. 

Pepe fez uma curva à direita, em seguida à esquerda, depois, acelerou em uma longa reta.

-- Diminui, diminui -- berrou Nicolas, desesperado.

-- Só estamos à 120.

-- Ai Jesus! Sou muito jovem para morrer.

-- Tá bom, tá bom. Vou diminuir -- Pepe diminuiu a velocidade para 40 -- Assim está bom?

Nicolas olhou para ele irritado.

-- Agora está lento demais.

Pepe acelerou novamente.

-- Hu, hu.

Em um certo ponto da estrada, Pepe olhou pelo retrovisor, notando que o carro

preto continuava atrás.

-- Aquele carro está nos seguindo desde que saímos de casa.

Nicolas olhou para trás.

-- Será?

-- Não há dúvidas. A princípio não dei importância, pensei que se tratava apenas de coincidência, mas, ao diminuir e aumentar a velocidade ele fez o mesmo.

-- Tenta despistar ele.

-- Vou tentar.

Pepe tomou uma estrada secundária, viu que o veículo preto também saiu da estrada principal, sem ultrapassá-los.

-- O que ele está fazendo, Pepe? 

-- Esperando um lugar mais deserto da estrada.

-- Pra que, Pepe?

-- Pra isso! -- quando o carro preto emparelhou ao carro esporte de Jessica, Pepe olhou curiosamente para o lado e viu a arma apontada para eles -- Se abaixa Nicolas! 

Um dos ocupantes do veículo efetuou vários tiros contra eles. Alguns acertaram a lataria, outros o vidro da janela da porta traseira. 

Alarmado, Pepe afundou ainda mais o pé no acelerador.

-- Aiii... Faz alguma coisa Pepe!

-- Já fiz, me caguei todo -- tremendo dos pés à cabeça, Pepe pisou ainda mais fundo no acelerador -- Esse carro parece um avião.

-- Se fosse um avião agora não estaria como uma peneira.

Pepe olhou sério para ele.

-- A Jessica vai à loucura, ela ama esse carro.

-- Esquece o carro, o que importa é que estamos vivos -- Nicolas enfim relaxou -- Deixamos eles para trás? 

-- Ainda estou vendo faróis brilhando, mas bem longe.

-- Porque alguém iria querer matar a gente?

Pepe deu um sorriso irônico.

-- Cai na real cara pálida, não era a gente que eles queriam. 

-- Não?

-- Seja quem for, achava que a Jessica estava ao volante.

-- Então, eles desistiram quando viram que era a gente?

-- Com certeza -- Pepe olhou de lado para Nicolas -- Nossa loira está correndo perigo.

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo