A família é unida pelos seus atos
Seul não interferiu quando comecei a ensinar seus futuros irmãos a história dos Vondelür. Eu só sabia da história e dos costumes porque comecei a pesquisar desde que comecei a morar em sua casa, pensei que deveria honrar os graahkinianos que moraram aqui antigamente, e agora estava sendo bastante útil.
O primeiro e o segundo filho eram ensinados iguais, eram tratados iguais, e mesmo que gerasse rivalidade no momento de assumir a liderança, havia relatos de lideranças que foram divididas. Ao contrário dos Trhonttier, os filhos seguiam os pais e eram ensinados por eles, todos eles, independentemente se seriam líderes. A família principal tinha obrigações, então era sensato que alguns dos filhos ficassem encarregados de explorar outros territórios ou cuidar de problemas dentro de Tieres. Era costume o segundo filho assumir o exército enquanto o primeiro liderava o povo e trabalhava com os graahkinianos de modo geral.
Nos dias que se seguiram foi ficando mais fácil aceitar minha verdadeira origem. Agora eu entendia porque não conseguia lidar com Veegan e seu autoritarismo em relação a família. Os Vondelür eram mais unidos na divisão de tarefas.
Alinü fazia sua própria pesquisa sobre os Vondelür, eu podia entender, devia sentir a pressão que a liderança exigia, e devia se sentir na obrigação de solucionar essas questões sozinha. Eu tinha dado Sopro da Morte para ela, e comecei a trabalhar em fazer uma espada para mim. No último ano tinha começado a aprender a arte de produzir uma espada elemental, um requisito fundamental de um graahkiniano.
—Você deveria perguntar de uma vez o que Volinüs quer com tudo isso. — Alinü falou de maneira objetiva, mas sorria, porque fazia gracejos com meu filho em seu colo, e ele ria. — Ela não te diria algo crucial sem querer algo em troca.
—Veegan ficará revoltada quando souber o que ela fez. Se já não sabe. — Seul já deveria tê-la confrontado sobre essa história. — Mas você tem razão. Ela deve querer algo.
—O que ela ganha em nós sermos a família principal e ela retornar ao posto de família secundária?
—Talvez ela queira um cargo, alguma posição de poder. Ser a última filha não a deu muitos privilégios. — Penso por um momento, tentando imaginar motivos para ela ter me dito tudo aquilo e ido contra as ordens da irmã mais velha. Alinü poderia vencer Veegan num duelo limpo, ganharia honra entre os graahkinianos e mereceria o cargo de líder. Ganharia prestigio e fama. — Ou uma união.
—União? — Ela me olhou agora, surpresa. — Com você? Até ontem vocês eram irmãs.
—Por isso que ela se uniria com você, depois da batalha. Seria mais vantajoso.
—A mim? E quem disse que eu me uniria a ela? Que vantagem eu teria?
—Volinüs é uma excelente guerreira. Lutou bem durante a guerra. — Ergo a sobrancelha na sua direção. — E seria bom para você ter uma companhia.
—Companhia? E quem disse que eu preciso disso?
—Eu. Você está solitária demais desde Hiver. Não é bom ficar sozinha.
—Não é tão ruim quando eu me mantenho ocupada. — Ela se voltou a criança.
—As crianças crescem. E Volinüs não me parece ser uma candidata ruim a você. Ela é esperta, tem astúcia, um temperamento forte. É decidida. E mais velha, é algo que pode te ajudar a ter estabilidade.
—Ótimos requisitos para a sua próxima esposa. — Ela sorriu para mim, provocando-me.
—Ela não ganharia nada se unindo a mim se você assumir a liderança.
—Supondo que ela queira ganhar o poder de ser minha esposa e ganhar as regalias que bem entender. Ela pode simplesmente querer uma relação estável com você. — Ela pegou um chocalho e balançou em frente ao rosto do garoto, que estendeu as mãos por reflexo. Ela mesma tinha feito o brinquedo, tinha garras segurando a bola central, como se fosse a pata de um dragão. — Por que ela teria se grudado a você naquela noite?
Eram as dúvidas que tínhamos. Não tínhamos como ter certeza sem que Volinüs decidisse nos contar, e talvez já fosse hora. Chamei por Petra, que não se demorou a vir correndo ao meu encontro, olhos vibrando em expectativa, querendo agradar. Eventualmente ela acabaria se cansando e desenvolveria as próprias vontades, quando não tivesse mais medo de ser mandada embora.
—Você pode organizar uma bolsa com os pertences do garoto? Pegue o leite no reservatório. Nós vamos sair.
—Seul não está aqui, está? — Alinü questionou.
—Eu cuidei de você, não é mesmo? Não preciso de ajuda.
Ela me ergueu uma sobrancelha duvidosa, mas eu a ignorei e peguei meu filho de seus braços, saindo do quarto dele enquanto Petra corria pelo cômodo para organizar a bolsa dele, e não demorou para fazê-lo, carregando por mim no caminho para a casa de Volinüs. Alinü veio junto, sequer questionava, ela queria respostas tanto quanto eu, e era bom ter a companhia de todos os meus filhos.
Tivemos um longo percurso, enquanto minha casa ficava nas margens leste de Tieres que dava para o mar Vaemerf, a casa de Volinüs ficava no centro da cidade. Meu filho estava curioso, movendo-se nos meus braços para descobrir onde estávamos indo, mas se tornou agitado quando parei em frente à porta da casa de Volinüs, quase como se quisesse ir embora. Ou talvez tivesse sido a movimentação pela praça em frente à casa. A cerimônia era preparada em torno do monumento de Graah que mandei construir no verão.
Um serviçal nos mandou entrar e correu pela casa em busca de sua senhora. Eu nunca tinha estado na casa de Volinüs antes, mas era uma casa bonita e grande, com mobílias confortáveis. Fiquei surpresa em encontrar quadros e esculturas espalhados pelo salão de entrada. Muitos eu não entendia o que retratavam, outros eram retratos de Graah. Cansada de esperar, avancei para a sala seguinte, e os quadros prosseguiam junto das esculturas, tudo muito impressionante e bonito. Encontrei uma porta aberta no canto direito do cômodo, eu me vi seguindo o caminho entre todas as obras de artes, curiosa com aquele lugar. Nunca imaginaria que Volinüs tinha essas coisas em casa, mas então, eu sabia muito pouco sobre ela.
Encontrei uma biblioteca enorme, com um segundo andar em arco, prateleiras eternas repletas de livros. Um retrato apoiado entre o primeiro e segundo andar por cordas de aço mostrava a imagem de vários graahkinianos festejando ao redor de Graah.
—Graah fundou Tieres, e os graahkinianos festejam a data no meio do verão. — A voz de Volinüs soou mais baixa e rouca que o habitual, eu me virei, vendo-a com um vestido de seda preto que valorizava sua forma e seus contornos, o cabelo preso e jogado de lado sobre o ombro. Ela estava linda, eu nunca a tinha visto dessa forma. — Os marientz lançaram outra onda? — Marientz era o nome verdadeiro para o povo do mar, era uma surpresa ela saber. — Sua casa foi destruída e estamos em guerra? O que está fazendo aqui?
—Vim te ver, é claro. Precisamos estar em guerra para isso?
—E por que trouxe seus filhos?
—Sentimos sua falta? — Sorrio, andando pelo cômodo, sentindo que meu filho tinha dormido no meu ombro. — Você tem uma casa impressionante.
—Não foi fácil organizá-la dessa forma. Mas os marientz me deram esse presente. — Ela gesticulou ao redor, parecendo orgulhosa. — Toda a história e literatura do seu povo estão nessas prateleiras. Então tomei a liberdade de anexar mais um cômodo. — Ela me guiou para outro corredor, onde uma sala com teto oval abria espaço para mais prateleiras, mas nem todas estavam com livros, e sim vazias. No centro havia uma mesa com papeis em cima e uma cadeira atrás. — Tomei a liberdade de escrever nossa história.
—Você escreveu tudo isso? — Pergunto sem disfarçar minha surpresa.
—O que acha que estive fazendo nos meus anos de vida, Vonü? Eu me ocupei em pesquisar a história do nosso povo e escrevê-la para as futuras gerações. Corrigi as outras obras antigas.
—Isso é incrível. — Admito, contornando a mesa e deslizando os olhos pelos papéis sobre a mesa. — Não sabia que você fazia essas coisas. É admirável.
—Você acha? — Ela soou duvidosa, mas não esperou por minha resposta. — Nem todos nasceram para travar lutas ou treinar um dia inteiro.
—Então você nasceu para preencher as páginas?
—Eu prefiro que diga que nasci para escrever a história. — Ela sorriu, eu tive que controlar o riso para não acordar o garoto. — Eu não tenho um berço para o seu filho. Devia ter mandado algum dos seus empregados me chamar.
—E perdido a oportunidade de conhecer esse lugar? Não. Foi uma ideia brilhante ter vindo aqui pessoalmente.
Ela me olhou por um longo momento como se avaliasse a verdade do que eu estava falando, mas não demonstrou se estava contente ou não, e sinalizou para que a seguisse pelo caminho que viemos, e então viramos para o outro lado, para uma sala com degrau no centro, onde havia assentos confortáveis que ela me mandou sentar. Organizei as almofadas no centro e depositei o corpo do meu filho sobre elas, impedindo que ele caísse e pudesse descansar. Volinüs desapareceu por uma porta, voltou alguns instantes depois, com Alinü logo atrás. Elas se sentaram nas poltronas de frente para mim, eu suspiro, pensando em como devia começar aquele assunto.
—A que devo a visita de vocês aqui? — Ela questionou, mantendo a voz baixa para não acordar o bebê.
—Temos assuntos inacabados. — Ergo as sobrancelhas. — Desde nossa última conversa?
—Queremos saber o que você ganha revelando a nós que somos a família principal. — Alinü decidiu ser mais direta, e isso fez Volinüs suspirar profundamente.
—Então já começamos o assunto desagradável. — Ela falou com visível desagrado, olhando para outro ponto do cômodo. — Eu não ganho nada, teoricamente.
—Mas de alguma forma recebe algo. — Alinü insistiu.
—Não é minha escolha. Mas receio que se não contar, trarão isso a vocês de uma maneira menos pacifica. — Ela massageou a ponte do nariz, piscando algumas vezes. — A família Vondelür requisitou uma união para a família Trhonttier em troca do tempo que você ficaria na casa dos meus pais. — Falou devagar. — Vigur está indisponível. Vaanë, Veegan e eu não estamos unidos a ninguém diante de Graah.
—Eles estão mortos. — Digo com cautela. — Nossos pais. Esse comando está desfeito com a morte deles.
—Não, porque a responsabilidade foi dada a Veegan. Mas ela não fará questão nenhuma em cumprir com o acordo, e vai me intimar a essa união porque eu contei a verdade para vocês. — Ela me olhou por um longo momento, havia intensidade dentro deles, uma melancolia que a fazia envelhecer mais um século. — A não ser que façam um acordo com Vaanë, eu sou a única que nunca passou pela cerimônia.
—Nem eu. — Alinü a encarou por um momento antes de me olhar também, controlando suas emoções para não demonstrar nada. — Eu posso fazer isso. É o certo a se fazer.
—Achei que uniões forjadas tinham ficado no passado. — Olho entre elas, incomodada com a espera de decisão que me inquiriam. Era isso que o povo espera de um líder afinal. — Eu não aceito. Você não é uma moeda de troca. — Digo a Volinüs, então encaro minha filha. — Não vai ser assim que você vai se unir a alguém. Não é Veegan quem vai me obrigar a acatar a uma ordem dos meus pais quando não teve a decência de me contar a verdade nesses meses.
—Você será ridicularizada por não seguir um acordo que nossos pais fizeram. — Volinüs me alertou. — Veronier me falou desse acordo quando me falou da sua origem. Você quer mesmo quebrar a palavra das pessoas que tem seu sangue, Vonü?
—Me deixe honrar as palavras que foram ditas, mãe. — Alinü pediu decidida, mas balancei a cabeça para negar, girando a cabeça para olhar meu filho.
—Uma união não deve ser feita por obrigação.
—Mas mãe-
—Volte para casa com Petra, Alinü. Eu quero ter uma conversa a sós com Volinüs.
Ela não me contestou, saiu do cômodo sem dizer nada, deixando sua frustração transparente. Eu não a faria se unir a ninguém. Ela era jovem e merecia as melhores chances. Volinüs se ajeitou numa posição mais confortável na poltrona, olhando-me com curiosidade.
—Você faz questão de seguir o que foi prometido? — Pergunto com calma, tentando entender o que se passava em seus pensamentos.
—É o certo a se fazer. — Limitou-se a responder.
—Se você não quiser, eu pensarei em outras formas de cumprir o acordo que foi feito. Não quero que se submeta a uma união. Principalmente por uma vingança sem sentido que Veegan está se dispondo.
—Eu aprecio sua honra em querer me ajudar a mudar o destino, Vonü. É mais do que já fizeram por mim.
—Então você não vai mudar de ideia.
—Não posso, ou não terei honra se não cumprir com a palavra que dei a minha mãe.
Suspiro, caminhando até onde ela estava, ajoelhando-me aos seus pés e segurando suas mãos entre as minhas no seu colo.
—Se nos unirmos, Volinüs, eu não te obrigarei a nada. Não pedirei nada em troca além de que seja verdadeira comigo.
—Se nos unirmos eu não abrirei mão da minha casa. E não serei mãe dos seus filhos.
—Eu não pediria isso. — Sorrio, acariciando seus dedos entre os meus. — Esse lugar é incrível. E pertence a você. Como eu disse, não te obrigarei a nada. Você falou a verdade quando todos mentiram para mim, e eu te admiro por isso.
—Me admira?
—Você é corajosa em ir contra Veegan. E também é surpreendente. Espero que essa união me faça conhecer mais sobre você, Volinüs.
—Então você aceita? — Havia um tom surpreso no fim de sua pergunta, como se duvidasse que eu fizesse isso de livre vontade.
—Sim, eu aceito. Eu volto amanhã para formalizar meu pedido como manda nossa tradição. — Levanto-me e me inclino na sua direção, beijando sua testa e parando ali, perto dela. — O garoto que você trouxe na festa em minha casa... — Começo, mas ela pressiona um dedo nos meus lábios para me fazer parar.
—Não se preocupe, não era algo sério. — Ela me ofereceu um sorriso, eu vi que escondia algo, mas decidi que não mudaria nada se insistisse. Então me afastei, mas ela segurou minha mão e me manteve diante dela. — Terei que chamar meus irmãos para que sejam testemunhas. — Falou devagar, e eu movo a cabeça para concordar. — E suas famílias.
—Se está tentando chegar até se deve convidar Seul ou não, eu não me importo. Nessa altura todos já sabem que não estamos juntas há algum tempo. Não devo satisfação a ela.
—Eu prefiro que ela não venha. Ela nem passou pelo ritual diante de Graah, e já quebrou juramentos. Eu não quero formalizar nossa união com alguém assim presente. — Ela tinha uma expressão séria no rosto, era adorável. — Mas seu filho pode vir. Tem sangue graahkiniano.
—Alinü e Petra não?
—Petra não passou pela cerimônia ainda.
—Mas se provou leal, isso não basta? Ou podemos esperar para formalizar depois da cerimônia, é em alguns dias, afinal.
—Talvez seja melhor esperar, então. Seus filhos serão devidamente nomeados. Não precisamos ter pressa.
—Só não quero que pense que não cumprirei minha palavra.
—Suas ações te precedem, Vonü. Sei que você é uma mulher de sua palavra.
Sorrio para as suas palavras, afastando-me para pegar meu filho sem acordá-lo, mas ele estava num sono profundo. Volinüs me leva até a frente de sua casa, passando devagar pelas salas decoradas e deixando que eu apreciasse suas obras. Eu a olhei parada na entrada, sua mão segurando a porta e seus olhos me estudando.
—Voltarei amanhã, sozinha. — Anuncio, ela faz uma careta.
—Por que?
—Para te ver, é claro.
Ela riu por um momento, esperando que fosse uma piada, mas somente ergui a sobrancelha na sua direção e acenei antes de ir embora. Uma mulher de minha palavra... Eu me perguntava se Volinüs tinha se mantido afastada de mim desde que cheguei em Tamber por causa desse acordo entre nossas famílias, para que não me aproximasse dela como irmã. Ela sempre soube que isso aconteceria. Ou será que tinha confiado que se livraria da união quando me uni com Seul? Se fosse assim, ela mesma teria se unido a alguém depois da guerra para não estar disponível para cumprir com a palavra de nossos pais, mas ela se manteve disponível e me contou a verdade. Eu me perguntava o motivo.
—Vonü? Vonü! — Vaanë correu em minha direção, cruzando a praça como uma criança. Eu parei e sinalizei para falar baixo, não queria que meu filho acordasse tão longe de casa. — Que bom que te encontrei aqui.
—Aqui? Na praça central? — Ergo a sobrancelha, desviando o olhar para o grande monumento de Graah. — Eu venho aqui todos os dias para saudar Graah. Saber as novidades da cidade.
—É mais bonito que o monumento antigo. — Ele também se virou para olhar, e andamos em torno de Graah. A grande estátua reluzia em dourado. O próprio anel de líder em seu dedo brilhava em ouro. Ela segurava sua espada, apontando em direção ao oceano, desafiando nosso inimigo. Na versão anterior, Graah apontava a espada, Sea, para os portões frontais. — A cidade estava precisando disso.
—Sim. Tieres não é Tieres sem Graah vigiando nossos inimigos.
—Eu... vi você saindo da casa de Volinüs. — Falou com cautela. — Sabemos que ela te contou sobre sua origem. Eu queria dizer que nunca te contei, porque sempre te considerei minha irmã. Você sempre esteve do meu lado quando eu era pequeno.
—E porque Veegan iria trazer a ira de Graah em sua cabeça se você dissesse algo. — Não o olhei, porque sabíamos que era verdade. — Volinüs também contou sobre a união.
—Ah. É um acordo mais antigo que o tempo. — Ele parou a minha frente, um sorriso constrangido nos lábios. — Quero que saiba que estou disponível, e me sentiria honrado se me escolhesse para se unir.
—Sem ofensas, Vaanë, mas seria mais simples se você estivesse me oferecendo sua filha. — Sorrio na sua direção.
—Trinia? Você se interessou por ela? — Ele sorriu animado.
—Eu só estava querendo dizer que não me uniria a você porque você é homem, e eu te considerei meu irmão a vida inteira.
—Então... — Ele olhou em direção a casa de Volinüs, entendimento passando pelos seus olhos. — Você escolheu Volinüs.
—Fizemos um acordo. Vamos nos unir. Formalizarei o pedido depois da cerimônia, então agradeço se mantiver segredo até esse dia.
—Oh, é claro. — Ele voltou a sorrir, relaxando um pouco. — Fico feliz que vamos nos manter unidos como família. Eu gosto muito de conversar com você, Vonü, odiaria que os nomes de nossas famílias pusessem um fim nisso.
—Não se preocupe, Vaanë. No que depender de mim, continuaremos a conversar como sempre fizemos.
Ele sorriu contente com isso, então nos despedimos, e eu voltei para casa, onde Seul me esperava na sala de entrada, pulando do assento quando me viu entrar, demonstrando a preocupação exagerada com os cabelos desgrenhados.
—Você enlouqueceu Vonü? — Ela me questionou, seguindo-me pelas escadas para o andar superior. — Sair com o garoto sem me avisar?
—Você não estava em casa. E não sou eu quem precisa de permissão para sair com nosso filho. — Pontuo sem paciência, tentando manter o garoto dormindo, mas ele começava a se mexer, emitindo sons, irritado. — Obrigada, você acabou de acordá-lo.
—Dê-me. Está na hora dele mamar.
Reviro os olhos, mas só o entrego quando chegamos no quarto dele. Ela se senta na cadeira de balanço, abrindo os botões da camisa e colocando o seio na direção da boca do garoto, que começou a mamar. Suspiro, parada na porta, olhando para o zelo que ela mantinha, como se segurasse algo que fosse se desfazer no menor sopro do vento.
—Não é como se ele tivesse corrido qualquer perigo. — Comento num tom mais baixo. — Tieres está segura.
—Eu prefiro saber onde meu filho está.
—Estava comigo, então estava seguro.
—Eu nunca colocaria nosso filho em risco.
—Eu nunca disse que colocaria. Nunca te proibi de sair com ele. O que eu não quero é que ele fique perto de Veegan.
—Então eu posso levá-lo onde quiser? — Ela me olhou com desconfiança.
—Não. Porque não confio que você vá me dizer se o levou com Veegan ou se não acataria a alguma ideia maluca que ela te dê sobre fugir com o garoto.
Ela balançou a cabeça, como se não acreditasse no que escutava, então voltou a atenção para o garoto. Ficamos em silêncio enquanto ele mamava, talvez não houvesse o que falar, ou talvez eu a tivesse magoado com as minhas desconfianças.
—É assim que seremos agora, Vonü? — Ela perguntou sem me olhar. — Você nunca vai confiar em mim com nosso filho? No fundo eu sei que você sabe que eu nunca prejudicaria a vida dele.
—Eu não quero errar de novo, Seul. Eu confiei em você e você quebrou isso.
—Então um erro te faz esquecer todos os motivos que eu te dei para ter confiado em mim para começar? — Ela cobriu o seio e ajeitou o garoto em seu ombro, olhando-me com mágoa. — Eu sei que quebrei os votos que fizemos no dia que realizamos o ritual, no dia que Alinü me amaldiçoou e você não matou Hiver. Eu honrei esses votos todos esses meses.
—Menos numa noite.
—Menos numa noite. — Concordou. — Depois de tudo que passamos, Vonü, nossa relação era tão frágil para uma noite ter destruído toda a confiança que tinha em mim?
—Eu não perdi toda a confiança que tinha em você, ou você sequer estraria nessa casa quando bem entendesse. — Digo lentamente, sem mascarar a tristeza que sentia em dizer isso a ela. — Mas agora eu estou magoada demais com você, Seul, porque depois de tudo que passamos, você foi capaz de me fazer sentir isso. Eu me surpreendi da pior maneira com você.
—Eu entendo. — Ela soltou um longo suspiro, movendo a cabeça, talvez entendendo nossa situação agora. — Eu sei que seria estupidez de minha parte pedir desculpa. Mas você acha que seremos capazes de reconstruir uma relação de confiança?
—Você quer isso?
—Pelo nosso filho, sim, eu quero. E também porque eu continuo te vendo da mesma forma. Você continua sendo a mulher que me salvou e acreditou na minha capacidade. Sem você eu não teria nada. — Suas palavras eram sinceras, mas eu não conseguia dizer nada, minhas palavras tinham se perdido. — Você não precisa decidir nada agora. Só... Pense sobre isso. Eu nunca afastaria nosso filho de você, Vonü.
—Bem... Antes que você saiba pela cidade, eu vou me unir a Volinüs.
—Volinüs? De repente? — Ela fez uma careta.
—Havia um acordo entre nossas famílias, era necessária uma união. Acabei de fazer um acordo com ela.
—Logo ela? A criatura mais desagradável da família?
—Volinüs é surpreendente. Não é a mais desagradável, eu garanto.
—Eu continuo discordando. Mas, você quer mesmo isso? Se casar obrigada?
—Não tenho escolha. É isso ou deixar que Alinü assuma meu lugar, e isso não seria justo. Ela tem toda uma vida pela frente.
—E você não?
—Eu já vivi muito. Começarei a mudar minha forma para assumir o estágio final de minha vida em poucos anos. — Ela estreitou os olhos na minha direção, confusa. — Graahkinianos demoram mais para envelhecer a última fase da vida, mas envelhecem. Isso varia de família para família. Mas acontecerá de maneira natural.
—É bom saber que nosso filho terá uma vida longa. Mas mesmo assim, você não merece envelhecer com alguém que não te fará feliz.
—Eu não tive nenhuma visão com Volinüs. — Isso a fez franzir o cenho em confusão, mas deixei que raciocinasse primeiro antes de esclarecer. — Eu nunca tive uma visão que não estivesse me dizendo que algo ruim aconteceria. Se um dia você tiver uma visão positiva, eu adoraria escutar.
—Eu nunca tinha parado para pensar sobre isso.
—É por isso que eu deixei de olhar para as visões. Coisas ruins acontecem o tempo inteiro, eu não preciso me preocupar com coisas que ainda não aconteceram.
—Então Volinüs pode te fazer bem ainda? — Ela me ergueu uma sobrancelha, eu estreitei os olhos. — Não se surpreenda se eu quiser te ver feliz.
—É cedo para ter alguma conclusão sobre Volinüs. Assim como foi cedo para eu ter decretado algo sobre Alinü. — Ela me fez uma careta com a comparação, mas eu somente suspiro com paciência. — Eu estou com ela desde que ela estava em minha barriga, Seul. Se ela te fez mal foi por minha causa.
—Eu não acredito nisso. Você realmente acha que ela pode mudar?
—Ela já está diferente. Mas ela tem que controlar seus impulsos. Ter essa energia de voulcan dentro de si não é tão simples, então não me surpreendo por você ter cedido a Veegan sem pensar uma segunda vez. Ter uma parte voulcan altera seu comportamento. — Olho para o nosso filho, cruzando meus braços. — Eu fico feliz que ele não tenha herdado isso.
—E se ele for mais fraco que os outros, Vonü?
—Tenha um pouco de fé em nosso filho. Dê uma chance dele se provar.
—Talvez você tenha razão.
Eu me aproximei e sentei diante dela, acariciando o pé do garoto, tão pequeno.
—Será uma reunião entre as famílias, depois da cerimônia de nomeação frente a Graah, minha união com Volinüs.
—Por que não durante a cerimônia?
—Ela quer que o garoto já tenha nome, e que Petra tenha passado pela nomeação também. Assim serão considerados graahkinianos.
—Não me diga que ela segue os costumes antigos. — Ela fez outra careta.
—Não sei se segue, mas tenho certeza de que os conhece muito bem.
—Tanta estupidez. Ela devia te agradecer por aceitar essa união.
—Eu não acho. Começo a achar que ela não se uniu a ninguém por causa dessa promessa. Se for assim, ela é uma pessoa admirável.
—Você realmente acha que ela se guardou para você durante todos esses anos? — Havia ceticismo na sua pergunta, mas não me importei. — Nem os cristãos são capazes disso.
—Então por que ela nunca se uniu a alguém sabendo que esse dia chegaria? Ela poderia simplesmente pensar que eu estava morta.
—Ou talvez ela não te dê o mínimo valor e te faça sofrer os restos dos seus dias.
—Bem... Viverei para descobrir. — Afasto-me dela outra vez, parando na porta. — Eu sei que até lá você será graahkiniana e estará unida a Veegan, mas Volinüs prefere que você não esteja presente na reunião.
—Isso nem é surpreendente.
—É só uma formalidade.
—Ela virá morar aqui?
—Não.
Afasto-me por fim, saindo do quarto, mas não vou além, Alinü está no fim do corredor, esperando por mim. Respiro fundo, preparando-me para o que viria a seguir, mas já me sentia cansada.
—Você está chateada porque não te deixei se unir a Volinüs. — Defino, mas ela não diz nada, somente me encara de volta. — Alinü, a menos que me diga que tem sentimentos por ela, eu não voltarei atrás.
—Ela tem sentimentos por você. — Falou por fim.
—E você fala isso com base em que?
—Bastou olhá-la quando chegamos lá. Ela se arrumou para te ver.
—Você está imaginando coisas.
—Admita. Ela foi contra as ordens de Veegan e te contou sobre a família principal. Se ela tivesse qualquer repulsa em se unir a você, nunca teria aceitado tão fácil.
—Está bem. Supondo que seja por isso, qual o problema?
—Faça alguma coisa. Não fique esperando como você fez com Seul.
Estreito os olhos, suspirando quando ela me virou as costas e foi embora. Que belo dia.
A cerimônia não demorou para chegar. A cidade estava toda decorada para a chegada do outono, e a praça principal, que abrigaria o centro do evento, estava repleto de panos coloridos pendurados em varais. Havia barracas montadas para o evento, cheias de comidas típicas, uma forma de ganharem ouro depois da guerra. As velas estavam protegidas do vento dentro de vidros que formavam uma cúpula ao seu redor, deixando seu brilho criar formas nos desenhos que as crianças pintaram nos vidros. Uma banda preenchia o som do ambiente, variando as melodias animadas para movimentar a multidão, seus instrumentos produzindo sons que eu nunca tinha ouvido.
Todas as crianças e jovens que foram poupados na guerra estavam ali, prontos para serem considerados guerreiros de Graah. No fundo todos nós sabíamos que eles continuavam sendo descendentes de nossos inimigos, mas eram jovens, e queríamos acreditar que tinham uma chance de serem nossos aliados se fossem criados entre nossos filhos.
Fiquei surpresa quando vi Volinüs no meio da multidão com um grupo de amigos, parecendo se divertir em meio a danças e risos. Ela parecia tão leve, tão jovem. Tão diferente do ar maduro e melancólico que encontrei nela em sua casa, há apenas alguns dias.
—Agora você vai me dizer meu novo nome? — Petra indagou, segurando a barra do meu vestido e chamando minha atenção de volta a ela.
—Daqui a pouco. Tenha um pouco mais de paciência. — Ela se chamaria Vounië, mas diante da descoberta de minha origem, não fazia sentido seguir a tradição dos Thronttier.
—Então ainda não posso te chamar de mãe? — A pergunta fez meu peito aquecer em felicidade.
—É claro que pode, querida, se é o que você quer.
—Mãe. — Ela disse com um sorriso amplo, eu me abaixei na sua altura, então a abracei, beijando sua bochecha.
—Você é um presente em minha vida. — Digo a olhar em seus olhos. — Mesmo antes de você possuir meu nome, você já era minha filha.
Ela me abraçou mais forte, então eu me levantei e olhei mais uma vez ao redor. Seul ainda não tinha chegado com nosso filho, queria evitar que ele ficasse agitado com os sons da cidade, mas quanto antes começássemos as nomeações, mais cedo ele voltaria para casa. Vigur e Vaanë vieram me cumprimentar, nada havia mudado entre nós, eles me olhavam da mesma forma e me tratavam sem diferença. Minha origem não tinha me feito sentir menos irmã deles, mesmo que soubesse que não era, agora eu sabia que não bastava somente o sangue para tornar as pessoas da mesma família.
Seul chegou logo em seguida, rodeada por Hroth, Ellion e Lino, todos impecáveis em seus trajes. Nosso filho parecia calmo em seus braços, mas ela o entregou para mim mesmo assim, oferecendo um sorriso, mas era visível que estava cansada.
—Você fez um bom trabalho. — Alego, então olho para seus trajes, um conjunto de seda na cor escura, deixando-a neutra. — Você está bonita.
—E você está formidável. — Sorriu ao olhar meu vestido, olhando para os pequenos para se certificar de que estavam ali. — Obrigada por me deixar arrumá-los na casa de Veegan. Todas as coisas deles estão lá.
—Tudo bem, imaginei que fosse ser mais prático para você.
—Onde está Alinü?
—Estamos prontos? — Alinü apareceu de repente ao nosso lado, eu quase a xinguei pelo movimento súbito.
—Acho que isso responde minha pergunta. — Seul a olhou, sorrindo de lado. Ela parecia feliz.
—Começarei as cerimônias então. — Alego, beijando o topo da cabeça do meu filho.
Eu sinalizei aos músicos para que cessassem a musicalidade, e isso atraiu a atenção de todos para mim, e todos ficaram em silêncio, recuperando-se das danças e dos risos. Agora era o momento esperado por todos. Eu pigarreei, preparando-me.
—Sejam todos saudados por Graah nessa cerimônia tão animada que o outono nos presenteia. — Começo a falar em tom alto para que minha voz ecoasse pela multidão, e todos murmuraram em concordância. Eu comecei a caminhar entre os graahkinianos, olhando nos olhos daqueles próximos a mim. — Hoje comemoramos em nossa cidade, em nosso lar, a chegada de novos membros em nossas famílias, acolhendo os jovens que jurarem lealdade a Graah e que lutarão por ela quando chegar a hora. Hoje festejaremos novas uniões, novas famílias que se formam e trazem a Tieres mais prosperidade, estreitando nossos laços com nossos antepassados e com as futuras gerações. — Eu parei quando Veegan apareceu a minha frente, rodeada pelos seus filhos e os irmãos, eu a encarei por um longo momento. Ela devia me odiar por ser eu a falar com o povo, por assumir meu posto como líder da família principal. — Hoje nos unimos pelo futuro do nosso povo e renunciamos a antigos conflitos. Graah nos ensinou a jamais lutar entre nossos semelhantes, jamais cultivar a guerra entre guerreiros de Graah. — Olho para Volinüs, que tinha as bochechas coradas e um sorriso brincando nos cantos dos seus lábios. — Hoje iniciamos uma nova fase da vida de todos os graahkinianos, em que o mundo saberá que somos resilientes e guerreiros, porque retomamos nossa cidade. E hoje iniciamos uma fase em que cumpriremos com as nossas palavras e honraremos os graahkinianos que lutaram para estarmos aqui hoje. — Eu me vejo sorrindo para ela, que parecia tão contente. — Hoje cumprimos antigas promessas, e eu espero que honremos Graah e nosso povo. — Pisco em sua direção, ouvindo seu risinho. — Hoje meus filhos serão reconhecidos diante de Graah, e serão conhecidos como verdadeiros graahkinianos.
Então me virei e voltei para onde meus filhos estavam, debaixo de um arco nos pés do monumento de Graah. Entreguei o garoto de volta para Seul, que sorriu, agradecida por poder dizer o nome que nosso filho teria.
—Nosso filho se chamará Enuvië. — Ela anunciou, eu estreito os olhos, confusa por um momento. Ela tinha decidido mudar o nome sem me dizer nada? — Enuvië Vondelür. — Ela ergueu nosso bebê sobre a cabeça, oferecendo seu nome para Graah. — Filho de Vonü Vondelür, e Seanë Vonlenië. — Ela sorria, pura felicidade brilhando no seu rosto, uma realização genuína. Então segurou o garoto em seu peito e olhou para o monumento em pura veneração. — Eu renego a vida que tive até hoje e me comprometo a ser a guerreira de Graah até o fim dos meus dias.
Ela me olhou, realizada, eu sorrio para ela, incapaz de questioná-la. Petra se agitou e pulou inquieta a minha frente, ansiosa por sua nomeação.
—Você se chamará Athen Vondelür. — Anuncio, e seus olhos brilham diante do próprio nome, então me viro para Alinü, cobrindo seu rosto em minhas mãos. — Você é minha primogênita, nada vai mudar isso. Alinü Vondelür, você irá liderar nosso povo quando seu tempo chegar.
Encosto nossas testas por um momento, encontrando, pela primeira vez, o orgulho e a emoção brilhando em seus olhos. Era tudo o que ela queria a vida inteira, ser reconhecida publicamente como minha filha, e não havia nada que me impedisse de fazer isso.
Seul, que agora era Seanë, nomeou seus irmãos, Hroth e Ellion, que se tornaram Suiër e Noiër Voleniër. Então ela se uniu a Veegan, fizeram o juramento diante de Graah, e eu tive que assistir, porque eu era a líder, e tinha a obrigação de assistir a todos que fariam alguma cerimônia diante do monumento. A filha de Veegan com Ehfae foi nomeada Vramiër, e Lino foi nomeado Greentur, ambos ganhando o sobrenome dos Trhonttier.
—Deixe que eu o leve para casa. — Seanë me falou, esticando os braços para pegar Enuvië, mas balanço a cabeça para negar.
—Vá aproveitar sua noite. Você acabou de se unir. Merece comemorar.
—Mas Enuvië vai ficar irritado em meio a tanto barulho.
—Não se preocupe. Mandarei que Athen o leve para casa. Ela sabe o que fazer se ele acordar.
—Então eu a levo até sua casa. E os garotos ficarão com ela lá. O que acha?
—Não sou contra. Irei para casa assim que terminarem as nomeações.
—Você gostou do nome de nosso filho? Sei que não foi o que tínhamos concordado, mas dado a descoberta de sua família, achei sensato mudar a escolha.
—Eu preferia que tivesse me dito, mas sim, eu gostei. — Eu entreguei nosso filho para ela, então me sentei na poltrona ao lado do monumento de Graah. — Espero que seja feliz em sua união e com seus votos a Graah.
—Obrigada. — Ela deixou nosso filho confortável em seus braços. — Significa muito vindo de você. Eu também quero que você seja feliz, mesmo que seja com Volinüs.
Isso me fez sorrir. Nos despedimos, ela levou as crianças embora, então Alinü colocou uma cadeira ao meu lado e suspirou. Ficamos em silêncio, assistindo os juramentos e as nomeações serem feitas, um clima leve pairando na cidade depois de tanto tempo. Eu não via Volinüs de onde estava, e me perguntava se faria alguma diferença.
—Você devia aproveitar a noite. — Digo para Alinü, percebendo vários jovens olhando em sua direção, procurando sua atenção. — É minha obrigação estar aqui, não a sua.
—Se vou ser líder, não posso fugir das obrigações que terei.
—Não é sua obrigação agora. Eu sou a líder, e estou mandando você ir se divertir.
—E você? Vai ficar sozinha? — Não respondi, ela suspirou, mas acabou se levantando. — Espero que encontre seu caminho. E espero que sua esposa esteja nele.
Ela queria que eu me encontrasse com Volinüs, queria que eu me esforçasse para conquistá-la. Talvez ela estivesse certa. Eu esperei que todos terminassem seus rituais, assistindo uniões inusitadas, em que jovens propunham no calor do momento. Tolos. Então fiquei aos pés de Graah e toquei seus pés, inclinando a cabeça para olhar seu rosto, torcido em desafio. Fiz uma prece para ela, pedindo que me agraciasse com sabedoria.
Não me senti mais sábia quando me virei para a multidão, escutando a música voltar a tocar, vários voltando a dançar e beber e comer. Eu avistei Volinüs, porque não tinha como não a ver. Ela usava um vestido vermelho que ia até acima dos joelhos, com um decote que fazia seus seios serem valorizados. Ela tinha os cabelos com algumas tranças, descendo pelas costas até seu quadril, que se movia no ritmo da música.
Respiro fundo, então avanço pela multidão, decidida, e paro atrás dela, apoiando as mãos em sua cintura, inclinando meu corpo para pressionar em suas costas, pela primeira vez percebendo que ela tinha alguns centímetros a menos que eu.
—Graah te deixou irresistível, noiva. — Digo em seu ouvido, ela acaba rindo antes de se virar, envolvendo meu pescoço e se mantendo perto.
—Aterkinë. — Falou em graahkiniano. — O termo certo é aterkinë.
—Ki aterkinë. — Minha prometida, respondo em graahkiniano, ela sorriu contente. — Você está fazendo inveja para todas as mulheres da cidade. — Continuo a falar em nossa língua, isso pareceu agradá-la.
—Está me cortejando, Vonü? — Ela também falou em nossa língua, confirmando minhas suspeitas.
—E se eu estiver?
—Eu diria que não é necessário, se vamos nos unir em breve.
—Você está errada. — Envolvo sua cintura, aproximando nossos corpos. — Nossa união pode ter sido arranjada, mas eu te tratarei como minha aterkinë. — Começo a guiar seu corpo no ritmo da música, pressionando os dedos em suas costas e a fazendo mover o quadril outra vez, meu corpo a ditar seus passos.
—E eu achando que você se perderia dos nossos costumes por ter vivido tanto tempo longe de seu povo. — Comentou, quase admirada.
—Eu posso saber menos do que você, mas estive recuperando o tempo perdido nos últimos meses. — Expliquei calmamente, recebendo seu hálito doce enquanto respirávamos. — Afinal, eu fui embora muito jovem.
—Ao menos você conheceu o mundo. Descobriu novos costumes. Se tivesse ficado estaríamos unidas há muito tempo, e você não gostaria de me conhecer na juventude.
—Por que não? — Sorrio, mantendo nossos corpos perto, os demais se afastavam quando nos percebiam e nos davam espaço. — Você achou muita confusão na juventude?
—Ah, sim. Eu dei trabalho para Veegan. — Ela riu, escondendo o rosto no meu pescoço por um momento. — Mas eu melhorei. Não sou mais daquela forma. Acabei entendo o que eu realmente queria, e comecei a estudar nosso passado, a escrevê-lo.
—Você vai me deixar ler algum dos livros que escreveu?
—Se você quiser, eles são de livre acesso.
Ela parecia com deleite pelo meu interesse. Era de se imaginar que ela se importava com o trabalho que desenvolvia, foi a primeira coisa que encontrei em sua casa, e era evidente que dedicava grande parte do seu tempo nisso.
—Você fez um bom discurso. — Ela comentou, voltando a me olhar. — Não sabia que fazia o tipo que fazia discursos.
—Eu não planejei, Graah sussurrou as palavras no meu ouvido. — Isso a fez rir, eu sorrio com o som, era natural, sem forçar um humor. — Eu não sou uma pessoa de discursos, você está certa. Mas talvez deva ter herdado algo de Tenä, meu pai. Soube que era um homem de discursos.
—Sim, ele era. Em todos os festivais, antes de todas as batalhas contra os marientz, ele fazia discursos. Inspirava as multidões. Se você deseja seguir esse hábito, posso te mostrar alguns discursos que ele escreveu e que conseguiram guardar depois da onda.
—Eu iria adorar.
Sorri, inclinando a cabeça e depositando um beijo no canto dos seus lábios, seu corpo diminuindo o ritmo da dança enquanto ela me olhava com curiosidade.
—Me leva até em casa? — Ela pediu um tempo depois, e eu concordo, segurando uma de suas mãos.
—Parece que espantei seus amigos para longe. — Comento, não encontrando nenhum do grupo que tinha visto mais cedo, no início da cerimônia.
—Eles devem ter encontrado a própria diversão.
—Então eu te divirto, ki aterkinë?
—Eu diria uma companhia interessante. — Ela me olhou por um longo momento, então passou meu braço sobre seus ombros e continuou mantendo nossos dedos entrelaçados. — Você sabe a dança que antecede a união?
—Sei que ela existe. Vaanë me falou várias vezes como a dançou quando se uniu pela primeira vez.
—É um bom começo. Eu quero que aprenda a dança. — Ela continuou andando, mas senti seus dedos pressionarem nos meus.
—Eu aprenderei. Tenho certeza de que Vaanë ficará feliz em ensinar.
—Bom. Será bom finalmente ter alguém que saiba dançar para me fazer companhia.
Era um bom sinal, pensei, ela estava me dizendo coisas que gosta para que eu possa conhecê-la. Aproveitamos o som distante da festa o resto do caminho até a casa dela, que não ficava longe, então paramos em frente à sua porta, depois de passar pelo jardim de entrada.
—Foi bom passar o resto da noite com você, Volinüs, te conhecer melhor.
—É bom ver que você está buscando seguir nossos costumes. Quando te vi pela primeira vez, em Tamber, em forma de voulcan, achei que tinha se perdido.
—Não foi minha escolha. Mas eu não abriria mão de minha origem.
—Você não queria ter a forma de voulcan? Nem os poderes? — Ela parecia cética, mas eu esperava por isso.
—A que preço? — Desvio o olhar, um riso triste saindo de minha garganta. — Eu era jovem e queria poder. Achei que estava sozinha e que meu povo tinha sido extinto. Mas não imaginava que as coisas chegariam até onde chegaram.
—Você abriria mão dessa forma?
—Eu abriria mão da forma e dos poderes, mas as memórias vão continuar em minha cabeça. — Olho para ela, aproximando-me, colocando seus cabelos para trás.
—Eu gostaria de conhecer sua forma verdadeira. Eu não lembro de você naquela época, quando éramos crianças aqui em Tieres.
Fecho os olhos por um momento, concentrando-me, sentindo minha pele produzir alguns incômodos, como se estivesse sendo picada por agulhas, focando em não deixar as escamas e os chifres virem à tona, mas mantendo a forma antes de ser voulcan, quando minha pele ainda era marcada pelos símbolos de Graah. Quando abro os olhos parecia ter conseguido, porque os olhos castanhos avermelhados de Volinüs percorriam meu corpo como se suas mãos o estivessem fazendo. Sorrio, permitindo que ela olhasse o quanto quisesse, em seu próprio tempo, até seus olhos estarem nos meus e suas mãos envolverem minha cintura.
—Agora sim, essa é a Vonü que estava escondida. — Ela falou, parecia contente.
—É difícil manter essa forma, mas fico feliz que tenha lhe agradado.
—Voulcan? — Questionou, eu movo a cabeça para concordar, ela morde o próprio lábio. — Se houvesse uma forma de te manter assim definitivamente...?
—Você não gosta da forma de voulcan, não é mesmo? — Ergo a sobrancelha, mas ela nega com a cabeça.
—Claro que eu gosto. — Se apressou em dizer, sorrindo para aliviar a tensão que sentia em meus ombros. — Você é perfeita em todas as suas formas. É só... É a primeira vez que te vejo como uma graahkiniana completa, fiquei empolgada. Não significa que tenha preferências.
—A forma de voulcan não te causa nenhum repúdio? — Dessa vez o ceticismo era meu.
—Repúdio? Não, não pense nisso. — Ela subiu as mãos em meu rosto, acariciando com sutileza. — Mas eu sei a história dos voulcans, sei como eles agem. Então talvez eu tenha receios. De certa forma você herda os traços de voulcans.
—Volinüs, você tem medo de mim?
—Não diria medo.
Suspiro, sem esperar que ela elaborasse, porque ela não precisava dizer mais que isso, e não a culpava. Voulcans não deveriam ser confiados tão facilmente. Inclino a cabeça, beijando sua testa por um momento mais longo, então me afasto.
—Descanse. Foi uma noite longa.
—Espere. — Ela segurou minha mão, esperando até que olhasse em seus olhos. — Eu não queria te magoar.
—Não se preocupe. Você terá tempo para confiar em mim.
—Eu confio.
—Mas teme o que sou capaz de fazer. — Suspiro, beijando sua mão antes de soltar. — Está tudo bem. Como você disse, não temos pressa.
—Vonü? — Ela chamou de novo quando me afastei, e outra vez parei para olhá-la. — Você vem jantar amanhã?
—Claro. Amanhã eu volto.
Fim do capítulo
Olá! Quero dizer que estou feliz com a participação de vocês aqui :D Muito obrigada ;)
O que acharam dessa união com Volinüs e a liderança de Vonü sobre os Graahkinianos? :)
Fiquem atentos, eu participarei do desafio do Lettera :D ou tentarei, porque nunca realmente escrevi contos hehe só o especial de Sweet Surrender :) espero que gostem, porque estou gostando de criar :D
Até o próximo ;)
Vonü --> o ü é mais fechado, assim como Alinü.
Seul Wittebi --> o W tem som de V, e Seul é dito mais rápido, como quando falamos "seu" mesmo, com o "u" mais fechado.
Marheeve --> o "ee" tem som de i mesmo, mas se lê mar-ive.
Hiver --> h com som de “r” mesmo
Graah --> como tem h no final, tem o som mais aberto.
Voulcan --> na história dos voulcans, o som é mais diferente, o V tem som de F, fica foucan para pronunciar.
Ehfae --> êfaê, basicamente.
Arin Ashoff --> Ash-off.
Lino (Greentur) --> O “e” mais prolongado.
Ellion (Noiër) e Hroth (Suiër) --> Com o “e” mais fechado.
Comentar este capítulo:
Irinha
Em: 16/06/2021
Eu gostei de vc ter dado a Vonü, uma nova chance de ser feliz, já tava com medo que no destino dela não tivesse uma companheira.bjs
Resposta do autor:
Não é mesmo? Coitada da guria, tantos anos de vida sem uma companheira ali, não sou tão ruim ahahah
Que bom que gostou :D
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]