Suas marcas escrevem sua história, mas suas atitudes ditam seu caráter
Eu não tinha ouvido meu filho chorar na última noite, o que considerei um progresso. Eu tinha ouvido seu choro nos últimos dias e nas últimas noites na agonia de não poder fazer nada, e na confiança de que Seul saberia o que fazer. Eu tinha que confiar nela.
Nesse meio tempo continuei como líder dos graahkinianos, meus irmãos me auxiliando em tudo que eu precisava saber sobre os costumes e o que deveria ser feito. A cidade estava prosperando nesse outono, todos realizavam a colheita do que plantamos na primavera, matavam os animais para guardar suas carnes no inverno, e também sua pele, para fazer casacos ou cobertores.
As defesas tinham melhorado consideravelmente, e o comércio se tornava mais caloroso, rendia mais, mas havia muito a ser aperfeiçoado. As pessoas começavam a me conhecer e a me respeitar, e não somente pelo meu sobrenome, mas porque eu tinha conduzido o exército para uma vitória. Veegan tinha me dado isso, e Seul tinha me salvado, então eu não tinha muito do que me orgulhar. Agora elas ficariam juntas, e eu estaria sozinha com Alinü de novo.
—Como você acha que vai ser agora? — Ela me perguntou naquela noite.
—Ela vai ficar até a cerimônia. Então estará livre. — Respondo com alguma tristeza, sem tentar mascarar isso dela.
—Ela deveria ficar até a criança crescer. É seu filho também.
—Ela continuará na cidade. Eu estarei com meu filho da mesma forma. E eu não a obrigaria a ficar onde não é feliz. — Abraço minhas pernas, sentindo frio vindo do oceano, o mar revolto com a tempestade que se aproximava.
—Eu disse que ela só traria problemas, há mais de dez anos. Você devia ter me ouvido e nunca cedido a ela. Agora ela tem poder, seu filho e ficará com a líder dos graahkinianos. — Senti seus olhos em mim, mas não a olhei de volta. — O que você fez para merecer isso, mãe? — Ela tinha começado a me chamar de mãe nos últimos meses, e isso me deixava feliz.
—Ela me fez bem, por mais que você não enxergue.
—Não estou vendo nenhum se você está aqui fora, chorando.
—Não estou. — Nego sem qualquer verdade, e ela suspira ao meu lado.
—Por que você tem que dar sua palavra para qualquer um que apareça na sua vida? Se não tivesse dito nada para o pai de Seul, nada disso teria acontecido.
—Eu mudei, Ali. E Seul teve parte nessa mudança. — Aperto mais os braços em torno das minhas pernas, apoiando o queixo entre os joelhos.
Estava ventando, o ar gelado arrepiava os pelos em meus braços, soltando alguns fios do coque que tinha feito. Estava cansada, mas não conseguiria dormir mesmo se tentasse. Amanhã veria meu filho e saberia se ele estava bem, faltavam poucas horas, e dormir não faria minha cabeça sossegar. Alinü se aproximou mais, passou um braço sobre meus ombros, sua asa repetindo o gesto e me oferecendo algum calor.
—Eu sei que você a enxerga como uma criatura petulante que só queria meu poder e me afastar de você, mas ela se arriscou naquela batalha quando já tinha acontecido tudo isso. E continuou comigo, mesmo não ganhando nada com isso, Ali. Ela não é terrível como parece. — Digo num suspiro, ainda olhando o mar.
—Se não fosse, ela não estaria te deixando e te afastando do mérito de criar seu filho. Você sabe que minha tia quem fará isso.
—Não. Veegan é honrada e segue os costumes a mais tempo que nós. Ela nunca faria isso.
—Então me explica. Se está tão conformada, por que está tão triste?
—Porque Seul é uma guerreira, e eu tenho que deixá-la escolher as próprias batalhas. As próprias companhias. E isso é triste, porque eu começava a achar que eu seria a pessoa que estaria do lado dela.
Ela me fez apoiar a cabeça no seu ombro, eu fechei os olhos, deixando as lágrimas cair no silêncio que se instalou, um silêncio reconfortante, apaziguador. Não era a primeira vez que Alinü me confortava, mas era a única vez que me permitia mostrar fraca diante dela, mesmo que não simpatizasse pelos motivos.
—Não vejo a hora da cerimônia graahkiniana chegar. — Ela falou após uma pausa. — Cuidar de Vounië. — Ela queria dizer Petra, mesmo que a cerimônia não tivesse acontecido, eu já a tinha dito que nome a garota teria.
—Ela gosta de você.
—Isso é um bom começo. Ela escuta o que tenho a dizer, tem força de vontade, mesmo que não seja muito habilidosa com uma espada, vejo que ela tem facilidade em aprender a língua graahkiniana.
—Você também teve, na idade dela. — Relembro. — Mesmo que devesse ter te ensinado graahkiniano primeiro, achei sensato que aprendesse a língua comum.
—Você fez bem. Eu estou fazendo a garota me ensinar a língua do povo do mar também. — Isso era uma surpresa. — É bom aprender a língua do inimigo, e aprender seus costumes, se formos lutar novamente, pode ser útil. — Não reclamei, talvez fosse sensato, sabia que nenhum orgulhoso graahkiniano se daria ao trabalho de aprender. — Eu gostaria que você me ensinasse o que sabe da língua dos voulcans.
—É um povo extinto. Por que você aprenderia isso?
—Todos achavam que nós éramos um povo extinto também. Quem garante que os voulcans também não resolveram se manter nas sombras?
—Eu prefiro não descobrir. Se eles estão vivendo em paz, melhor assim.
—Mas você vai me ensinar?
Não respondi de imediato. Não respondi ao todo. Eu não sabia se deveria abrir essa janela do meu passado outra vez.
Alinü ajudou a passar o tempo, e voltamos para dentro de casa ao amanhecer. As criadas já faziam o café da manhã, o cheiro era contagiante, fazia meu estômago roncar. Ainda assim, juntei os itens principais em duas bandejas, coloquei no suporte e levei ao segundo andar com cuidado, passando pelos demais quartos, com tudo em silêncio. As crianças não tinham chorado a noite inteira, o que era estranho. Bati na porta, ninguém atendeu, bati de novo, ouvi somente o som das crianças ao fundo, e nada mais. Os setes dias tinham passado, eu podia ver meu filho hoje. Então eu abri a porta, entrei com o café da manhã, e parei logo em seguida. Agora entendia porque nenhuma delas tinham respondido, e não devia ter ficado surpresa. Eu sabia, no fundo, que aconteceria, cedo ou tarde, eu só esperava que Veegan respeitasse as tradições, mas o que eu estava esperando de uma mulher apaixonada?
Ambas estavam dormindo, abraçadas e nuas, presas uma à outra. Suspiro com a imagem e as ignoro, indo para o berço do meu filho, que estava acordado, movendo os braços, abrindo e fechando as mãos. Sorrio quando o vejo, seus olhos azuis, iguais aos de Seul, curiosos a me observar. Ele era lindo e puro. Puro como um graahkiniano. Bastava isso para saber que ele não teria qualquer traço voulcan. E mesmo que fosse uma mistura de graahkiniano e mago, a marca em seu ombro me dizia que meu sangue antigo tinha sido mais forte. Eu me inclinei e o peguei com cuidado para que não chorasse, deitando-o em meus braços, movendo meu corpo para mantê-lo calmo. Ando até a janela, deixando que o sol sutil da manhã de outono acertasse parte do seu corpo pequeno.
—Você não podia ter esperado. — Escuto a voz de Veegan, mas não me viro, porque não precisava continuar vendo sua nudez. Escutei seus movimentos pelo quarto, o som dos seus trajes sendo colocados.
—Eu te digo o mesmo. — Falo baixo, beijando a testa do garoto. — Mas o erro foi meu por ter confiado em vocês para seguir os costumes.
—Vonü? — Era a voz de Seul, ela ainda parecia estar acordando, outra vez, continuei olhando pela janela, para o jardim da lateral. — Desculpe, eu não queria que visse isso.
—Eu vim ver meu filho. Mas também vejo que a líder graahkiniana é uma hipócrita, que fala com tanta honra dos costumes, e é incapaz de segui-los, como os demais. — Minha voz era controlada, eu me recusava a demonstrar qualquer sentimento por elas.
—O que está querendo dizer com isso, irmã? — Veegan puxou meu ombro e eu a olhei, seus olhos estreitos sobre mim.
—Você não tem honra para ser líder.
—E você tem?
—Eu não quero ser líder. Quando você passar sua filha pela cerimônia, seu cargo te espera. Não farei nada que te comprometa, você faz isso sozinha.
—Não fiz nada que seja proibido, a menos que você ainda queira reclamar sobre minha união com Seul.
—Não existe sua união com Seul. Existe minha união com Seul, que ela não se recusou em quebrar essa noite.
—Vocês não estavam mais juntas, e você sabe disso.
—Não ensinaram os costumes, ou você só aprendeu o que era conveniente? — Eu a vi travar os dentes, mas eu olhei para Seul, que agora se aproximava e parava ao lado da sua amante. — Você sabe do que estou falando.
—Eu sei. — Ela pareceu envergonhada, baixando os olhos para o nosso filho.
—Do que vocês estão falando? — Veegan olhou entre nós, completamente confusa e irritada por não entender do que falávamos.
—Quando você faz os votos, somente após a próxima união, quando você refaz seus votos com outra pessoa, que os primeiros juramentos deixam de valer. — Seul explicou quando eu não disse nada, mas ela continuava não olhando para nenhuma de nós, a realidade talvez caindo em sua consciência. — Então sim, eu quebrei meus votos com Vonü. Eu perdi qualquer consideração que ela possa ter por mim, certo, Vonü? — Ela me olhou, ainda orgulhosa, não menos culpada, mas não a respondi.
—Você sabia disso e não me disse nada?
—Teria mudado alguma coisa? — Seul a encarou, estreitando os olhos.
—Não. Mas eu preferia estar sabendo disso.
—A escolha foi minha.
—Sim, a escolha foi sua. — Falo por fim, suspirando, posicionando o bebê para que ficasse na vertical. — Eu não me importo que resolvam ficar juntas. Eu disse isso a você, Seul. Mas fazer isso durante o período em que era para se dedicar ao nosso filho? Eu esperava mais de você.
—Você não precisa falar com ela dessa forma. — Veegan protestou.
—Na época em que estava aprendendo os costumes, nosso tio relatou vários casos em que isso aconteceu, e a parte que rompia os votos podia ser afastada dos filhos ou afastada da família. — Veegan abriu a boca para protestar, mas foi Seul quem a fez calar, colocando a mão no seu ombro e se colocando a sua frente para me olhar, impedindo que continuasse interrompendo. — Mas é nosso filho, ele precisa de você tanto quanto precisa de mim. Eu não te afastaria dele. — Suspiro, acariciando a cabeça dele com carinho. — Mas agora deixarei claro que prefiro que qualquer decisão em relação ao nosso filho seja tomada após concordarmos. Eu não quero nenhuma influência de Veegan. Ela não ensinará nada ao nosso filho, e não ensinará nada a Petra, depois da cerimônia, assim como você, Seul.
—Você não precisa envolver Veegan nisso. Foi minha falha, não a dela.
—A falha foi de vocês duas, porque vocês deviam respeitar a ingenuidade das crianças. E envolverei Veegan, porque essa é a minha condição para que essa situação não saia desse quarto para os ouvidos dos meus irmãos e para o resto da cidade. — Inclino a cabeça para encarar minha irmã, que tinha o maxilar travado, engolindo a raiva e o orgulho. — Se souberem disso, nenhum de nossos irmãos iria querer que você ensine seus filhos. Sua família teria vergonha. O que aconteceu aqui, ficará aqui, e não falaremos para ninguém. Estamos de acordo?
Seul se virou para encarar a amante, esperando por sua resposta, mas nenhuma veio. Veegan era orgulhosa demais, mas não tinha outra escolha e isso a irritava, porque era a minha palavra que estava valendo mais que a dela naquele momento. Mesmo que ninguém soubesse que ela e minha esposa tinham quebrado os votos que fizemos diante de Graah, ela e eu sabíamos, e era o suficiente para a sua honra diminuir consideravelmente.
Meu filho começou a se mostrar desconfortável, irritado, e Seul desviou a atenção da amante para a criança, aproximando-se o passo restante com expressão preocupada, estendendo as mãos na espera que eu o entregasse.
—Ele está com fome. — Ela falou como se fosse óbvio.
Balanço a cabeça, levando-o até uma das camas e o deitando de costas, retirando sua roupa enquanto ele se mantinha agitado, seu choro começando a ecoar pelo quarto. Sua fralda estava suja, eu o limpei e troquei a fralda, colocando outra roupa confortável e o aninhando nos meus braços, deslizando um dedo pela sua bochecha e passando pelo seu lábio, ele sugou, revelando que estava com fome. Então o entreguei para Seul, ainda no silêncio penet*ante do quarto, e ela prontamente começou a amamentá-lo. Eu continuei ali, movendo os dedos pelo cabelo claro dele, vendo-o sugar o leite com fome.
—Ele será forte. — Digo casualmente, mas Seul não diz nada, fingindo-se concentrada na tarefa. — Algo mais aconteceu com ele além da primeira marca?
—Não. — Ela suspirou, olhando em direção ao berço da filha de Veegan, que começava a acordar, enquanto a mãe se prostrava orgulhosa na janela. — Mas não tenho certeza se ele será forte como deveria. Os pulmões são fracos. O parto o enfraqueceu.
—Ele vai se fortalecer com o tempo. Ele é um graahkiniano, afinal de contas. — Ela me olhou com surpresa, e eu imaginava o motivo. — Um graahkiniano. — Repito, e nós olhamos para ele. — Se preparem. Todos chegarão na hora do almoço, e a festa começará. Será memorável, como prometi. — Beijei a testa de meu filho e me levantei, caminhando em direção a porta, mas parei, olhando em direção a minha irmã. — Aguardo sua resposta, Veegan.
Eu as deixei sozinhas ao fechar a porta, provavelmente Seul a faria enxergar a razão daquela situação. Comi o desjejum com as crianças e com Alinü, que continuava ali. As crianças ajudaram a manter o clima leve, indagando sobre os bebês, que por algum motivo levou a mais histórias do meu povo. Eles ainda tinham os costumes do povo do mar, e eu não sabia se algum dia deixariam de ter, mas por enquanto me contentava pela sua curiosidade e seu aceitamento da nossa cultura.
Vigur e Vaanë foram os primeiros a chegarem em minha casa na hora do almoço, trazendo suas famílias. A tempestade ainda ameaçava lá fora, mas eu cobri uma boa parte do jardim na parte detrás da casa, e não demorou para que se fizessem confortáveis. Havia comida de sobra sendo servida, meus irmãos não se deixavam intimidar pelo tempo.
—Quando o garoto irá comparecer a própria festa? — Vigur perguntou, abraçando a cintura de Encatier, sua parceira.
—Seul o está amamentando. Sabe como são os bebês. — Digo num sorriso de lado. — Sempre com fome.
—É assim a vida inteira. Eles só mudam o apetite. — Encatier falou, fazendo Vigur rir, concordando.
—É uma pena que Veegan também tenha tido o filho, você deveria aproveitar o momento com sua esposa. — Vaanë falou, erguendo a taça de cerveja na minha direção antes de beber, parte escorrendo pelas laterais de sua boca e penet*ando na sua barba, que se mantinha com dois palmos de altura. — Esse momento passa rápido. E você não terá tempo com a liderança do nosso povo em mãos.
—Eu sei. Alinü foi uma experiência e tanto. — Relembro, bebendo da minha própria taça de cerveja.
—E você estava sozinha. — Trínia, a filha mais velha de Vaanë falou. A esposa dele tinha morrido durante a guerra, assim como seu segundo filho, de forma que só possuía uma única filha agora, que já era uma adulta honrada, além de um par de gêmeos. — Eu não imagino como isso seria se fosse eu.
—Você não precisa se preocupar com isso. Tem uma família que estará aqui para te amparar. — Digo num sorriso de lado, erguendo a taça para ela.
—Se soubéssemos para onde você foi levada, teríamos buscado você há muito tempo. — Vaanë pareceu incomodado, querendo pontuar isso.
—Nosso tio me levou para longe, achando que todos tinham morrido.
—Fomos imprudentes. Devíamos ter achado você.
—Se tivéssemos procurado, você não teria corrido risco ao lado de voulcans. — Vigur concordou.
—Então ninguém procurou. — Digo devagar, olhando entre ambos, que se mexeram desconfortáveis.
—Nós tentamos. Mas Veegan disse que tínhamos que ficar unidos. — Vaanë falou com suavidade, mas seus olhos não miraram os meus.
—Entendo. — Suspiro, não querendo me aprofundar no assunto, não durante uma festa. — Ela tinha que manter o povo unido. E as terras são vastas.
Ninguém falou mais nada sobre isso, e era melhor assim. Volinüs chegou logo em seguida, era a única entre meus irmãos que não tinha se preocupado em formar uma família ou ter filhos, mas trouxe amigos e o que imaginei ser seu companheiro do momento. Ehfae chegou na hora seguinte, com sua nova companheira, Seniër, e Verg veio logo em seguida, acompanhado de Britan e seu filho, Versiün. Alinü resolveu ficar perto das crianças, talvez ainda desconfortável com meus irmãos e suas famílias, ou talvez porque queria aprofundar seus laços com as crianças. Ela estava se esforçando muito, mas parecia levar jeito com os pequenos.
Seul apareceu no fim da tarde quando estava achando que ela nunca viria, e todos comemoraram, porque ela também trazia nosso filho. Um por um dos meus irmãos o pegaram no colo, fazendo seus desejos para a criança e nos desejando felicidades. Alinü foi a última, pegando o garoto com cuidado, tendo os olhos de Seul atentos em cada movimento que fazia.
—Que ele seja reconhecido pela sua braveza e pela sua força. — Ela o ergueu acima da cabeça, o garoto deu um risinho, apreciando o ato, eu acabei sorrindo com a interação. Ela o segurou perto de seu rosto para depositar um beijo em sua testa, oferecendo-o para mim, e eu não me demoro em abraçá-lo junto do meu corpo. — Você parece melhor, Seul.
—Eu me sinto melhor. — Seul falou, mas era mentira, porque tinha sinais claros de estresse e cansaço.
—Bem, espero fique bem. — Ela olhou entre ela e eu. — Vocês duas.
Ela se afastou alguns passos, mas logo meus irmãos e suas famílias estavam ao nosso redor, dançando, cantando canções antigas que eu tinha visto quando era jovem e meus pais eram vivos, e meus tios comemoravam a chegada de um novo filho. Eu estava feliz por ter um filho, mas não estava feliz com a separação, e menos ainda com o que tinha presenciado pela manhã. A mulher que dançava ao meu lado não era a mesma que eu tinha confiado meus pensamentos e escolhido desafiar meus costumes para estar ao lado dela. A mulher que estava ao meu lado era uma traidora, e também era mãe do meu filho.
—Eu já vi viúvas dançarem com mais felicidade na fogueira dos seus maridos do que vocês duas, no nascimento do seu filho. — Volinüs nos provocou, parando a nossa frente na roda que tinha se formado ao nosso redor de pessoas dançando e celebrando. — Que tipo de casal não celebraria o dia de hoje?
—Não somos um casal. — Seul respondeu antes que eu tivesse a chance, e minha irmã ergueu a sobrancelha para mim.
—O que isso quer dizer? Vocês se separaram tendo uma criança pequena?
—Sim. Concordamos com isso. — Seul me olhou, eu a encarei com alguma frustração.
—Só não concordamos em anunciar isso hoje. — Digo em tom controlado.
—É um dia para comemorar. — Volinüs prendeu os dedos na cintura, incomodada com o que ouvia a julgar pela veia saltitante na sua testa.
—Era um dia para comemorar. — Meus olhos ainda estavam presos em Seul, e ela olhou para o nosso filho em meus braços, parecendo arrependida. — Tem mais alguma coisa que queira acrescentar?
—Não é como se não desconfiassem. — Ela falou mais baixo, então encarou Volinüs. Abriu a boca para falar, mas parou quando Veegan se fez presente na roda. Ela não estava dançando ou comemorando, ela avançou entre nossos irmãos até Seul, e me encarou em desafio.
—O que está acontecendo aqui? — Volinüs questionou, olhando entre nós e percebendo o clima que se instalou. — Veegan, o que você fez?
—Eu me unirei a Seul diante de Graah. — Ela não tinha falado alto o suficiente para atrair a atenção dos demais, mas Volinüs a encarou em surpresa.
—Você continuou atrás de Seul mesmo ela sendo comprometida com Vonü?
—Você pode me culpar? Seria ir contra meus instintos. — Veegan manteve a voz firme, sem recuar.
—Sim, eu culpo seu orgulho por não aceitar sua derrota. Que vergonha de você, Veegan. — Isso era surpreendente. Volinüs era próxima de Veegan, não imaginava que ela não ficaria ao lado dela nessa situação. — Que vergonha de vocês duas. — Ela direcionou o olhar para Seul dessa vez, então cuspiu no chão, demonstrando seu desgosto, e se afastou da roda a passos duros.
—Será que podemos terminar aquela conversa, Vonü? — Veegan podia tentar esconder, mas tinha ficado afetada pelo protesto de nossa irmã.
—Claro. — Olhei para Seul, que parecia um animal acuado, então devolvi nosso filho a ela e a encarei em alerta. — Não saia daqui. — Em outras palavras, ela não deveria sair de casa.
Ela balançou a cabeça para concordar, então saímos da roda e eu conduzi Veegan para a parte mais afastada da festa, no caminho que dava para a costa norte da praia. O vento ali soprava mais frio, talvez porque o calor da festa estava longe, e o som do mar revolto era o único som que ouvíamos, as cantorias eram lembretes distantes.
—Então? — Pergunto sem olhar para ela. — Se continuar espalhando entre nossa família que você e Seul vão se unir, não vai haver mais acordo nenhum que eu possa oferecer.
—Não há como eu esconder isso de qualquer forma.
—Então eu suponho que não aceitará o acordo.
—Eu aceito. — Falou com voz arrastada, como se as palavras pesassem para sair. — Não ensinarei uma palavra ao seu filho, não farei nada para manter uma relação com ele, a menos que você queira.
—Não sou idiota a ponto de achar que Seul não irá morar com você, então não vou me opor que você interaja com ele. Mas saberei se você tentar ensinar algo a ele.
—Então deixará que ele permaneça com Seul?
—Durante a amamentação, sim. Depois pensarei no assunto.
—Não puna Seul por seguir os instintos dela. Você sabia que isso aconteceria.
—Não estou punindo Seul por ficar com você. Estou punindo vocês por terem desrespeitado a inocência de meu filho, por terem quebrado minha confiança. — Eu a olhei com raiva, porque me sentia magoada. — Na única vez em que confiei em você, Veegan, e você quebrou minha confiança, debaixo do meu teto, num ritual, numa tradição mais antiga que nossos pais, em frente ao meu filho. Você acha isso ameno para uma punição? Mesmo que você não soubesse sobre a quebra dos meus votos com Seul, você teve a audácia de quebrar seu juramento numa tradição de família.
—Eu a amo, eu não podia mais esconder isso.
—Eu não te pedi isso. Mas diante de Graah, eu desisto de você, Veegan. Eu desisto de você como irmã, você não merece ser a filha mais velha. — Digo com raiva, sentindo meus dedos pressionarem a palma com força para conter minha frustração. — Você é orgulhosa demais para admitir seus erros. Orgulhosa demais para ter ido atrás de sua irmã ao invés de sua paixão.
—Do que está falando?
—Do que você acha? Você é uma idiota em colocar uma paixão acima da sua família, Veegan, e isso é uma vergonha. Você é uma vergonha para os Del Trhonttier. Você não merece ser a primeira filha, e não merece ser líder. — Eu peguei o anel que me identificava como líder, e o joguei longe, em direção ao mar. — Você não sabe o que é honrar uma família, e nossos pais teriam vergonha de você.
A ira torceu seu rosto e o tornou vermelho mesmo no anoitecer, então ela socou meu rosto, eu recuei um passo, sentindo a queimação no meu olho esquerdo. Senti minhas asas se abrirem, não disfarcei as escamas nem os chifres, e quando a olhei, agarrei seu pescoço sem pudor, e a lancei para longe. Longe de mim.
—Diante de Graah, e você é incapaz de respeitar sua família. — Digo alto, vendo-a tentar se levantar. — Não me surpreende agora que você tenha escolhido me abandonar depois da guerra há quase dois séculos. Não me surpreende que nunca tenha me procurado depois que cheguei em Tamber, nem depois que venci a guerra do nosso povo. Você é uma impura, Veegan, e não merece ter o sobrenome dos nossos pais.
Então a líder estava quieta, frustrada e com raiva, tanto quanto eu, mas estava incapaz de negar o que eu estava falando mesmo que seu orgulho a impedisse de concordar. Volinüs apareceu primeiro, segurando-me pelos ombros mesmo que eu não fizesse menção de me aproximar. Seus pés sujos de areia indicavam que tinha estado na praia logo ali, então provavelmente escutou a discussão. Vaanë e Vigur vieram depois, segurando os braços de Veegan, que queria lutar. Verg tentou amparar a mãe também.
Eu percebi que a festa tinha acabado, porque ninguém mais cantava, e as famílias dos meus irmãos estavam perto daquela cena ridícula, surpresos, ou nem tanto, com o que viam. Alinü manteve as crianças longe, Seul não estava em nenhum lugar, o que, considerei, era melhor, porque significava que meu filho não estava presenciando aquilo.
—O que deu em vocês para lutarem como se fossem inimigas? — Vigur questionou, olhando para Veegan, porque ela quem tinha me agredido. — Somos uma família! Famílias não devem lutar entre si.
—Família não devia trair entre si. — Volinüs falou em tom azedo, olhando sobre o ombro enquanto se mantinha a minha frente.
—Do que está falando, Voli? — Vaanë perguntou em apreensão, confuso com o que via, talvez.
—Vocês ouviram Vonü. Veegan não respeita nossa família e desrespeitou nossos costumes. — Volinüs se virou por fim e encarou nossa irmã, tornando impossível para mim decifrar o que se passava nos seus olhos. — Ela não deveria retomar a liderança.
—O que você fez, Veegan? — Vigur a olhou preocupado, incapaz de negar que havia acontecido alguma coisa. — O que você fez? Por Graah, Veegan, fale algo em sua defesa.
—Eu lutarei com Alinü. — Anunciou, ignorando qualquer satisfação que pediam, e me olhou diretamente, desafiando-me a quebrar minha palavra de que não diria o que ela fez naquela manhã. — Uma luta de espadas e nada mais. Na primavera vai florescer o merecimento da liderança. Até lá você continua liderando nosso povo.
—Mãe, não faça isso. — Verg tentou impedi-la, temendo o próprio futuro.
—Se todos estão questionando minha liderança, então a colocarei a prova. Se sua filha lutar de maneira limpa e ganhar, então saberemos nossa resposta.
—Deixe que eu lute, mãe! — Verg insistiu. — Eu sei que consigo.
—É minha luta, minha palavra. O que me diz, Vonü?
Eu quase quis rir na cara dela. Querendo limpar sua honra sobre minha filha. Eu me virei e assoviei alto, num som rítmico, atraindo a atenção de Alinü, ela reconhecia o som, porque usava o mesmo assovio quando ela era criança e morávamos em meu castelo, na beira do Lago dos Ossos. Sempre era quando ela se mantinha curiosa durante minhas lutas, e eu sinalizava que ela podia assistir com o assovio. Ela pareceu efetuar uma ordem para as crianças, e Ehfae, com a filha no colo, assumiu seu posto para manter a atenção delas. Alinü bateu as asas e sobrevoou o espaço num voo baixo e rápido até onde nosso grupo estava, parando ao meu lado com ar interrogativo.
—Você desafiou Veegan pela liderança, meses atrás. — Relembro, e ainda que desconfiada, ela move a cabeça para concordar. — Você concordou em esperar até o nascimento da filha de Veegan. Agora ela te desafia a uma luta de espadas somente, após o inverno.
Ela encarou Veegan e os demais membros de nossa família, considerando minhas palavras, levando a situação com a devida seriedade. Isso era bom. Mostrava que ela tinha evoluído desde o momento que amaldiçoou Seul e desafiou Veegan. Então suspirou, endireitando sua postura e mantendo o olhar fixo em sua oponente.
—É o suficiente? — Ela questionou, mirando o corpo de Veegan e deixando evidente que se referia ao preparo dela.
—Sim, é o suficiente. — Respondeu com azedume, e estendeu a mão.
—Então o acordo está feito, diante de testemunhas. Lutaremos no primeiro dia da primavera, ao anoitecer.
Elas apertaram as mãos, formalizando o desafio. Então se afastaram, e Veegan foi embora, deixando um rastro de frustração por onde passava. Meus irmãos se olharam, desconfortáveis, eu pressionei os dedos no ombro de minha filha, buscando aliviar o clima.
—Eu prometi uma festa memorável. — Digo por fim, percebendo que todos soltavam o ar, aliviando a tensão que sentiam. — Garanto que todos vão se lembrar disso para sempre.
—O dia em que você calou Veegan. — Volinüs sorriu, retribuindo ao humor. — Estou do seu lado, independentemente do resultado.
—Uma família não deveria se separar em lados. — Vigur alertou em tom repressivo.
—Mas eu aprecio suas palavras da mesma forma, Volinüs. — Sorrio também, acariciando seu rosto com carinho, sentindo pela primeira vez que estávamos próximas, um calor preenchendo meu peito com o fato.
Ela sorriu, inclinando a cabeça com o contato, depositando um beijo na palma de minha mão antes de a segurar junto a sua, enlaçando nossos dedos.
—Vamos conversar. — Ela deslizou os olhos para Alinü. — Sei de algo que gostariam de saber, afinal de contas.
Nós concordamos, nos afastando da atenção dos demais para a praia enfim, o mais longe que minha propriedade ia. Volinüs continuou segurando minha mão, para a minha surpresa, mas não me incomodei, era natural e reconfortante. Alinü andou perto de nós, parecendo absorta em seus pensamentos, talvez na luta que teria de travar, talvez ao fato de que não tivesse uma espada e não praticasse com uma há meses. Nesse quesito, ela e Veegan estavam no mesmo nível. Ambas teriam dificuldades nessa luta, Alinü também seria testada de várias formas, não somente por atender aos requisitos de um líder, mas provar para mim que aprendeu a controlar seus impulsos. Teríamos um longo outono e inverno.
—Qual a sua memória mais antiga, Vonü? — Volinüs questionou de repente.
Eu lembrava parcialmente dos ensinamentos dos meus pais. Lembrava de brincar com Vigur e Vaanë quando eram pequenos. Nunca vi Volinüs pequena, eu tinha ido passar uma experiência com a família Vondelür, no início dos conflitos. Me disseram que era por eu ser a segunda filha, eu tinha que conhecer todas as famílias importantes, e manter uma relação saudável com a família principal. Nesse meio tempo ela tinha nascido, e as batalhas se intensificaram. Aleniü, a líder da família, me manteve protegida no subsolo da casa que agora era minha, até que meu tio veio me buscar. Eu não conseguia lembrar desse dia direito, mas tinha plena certeza de que Aleniü tinha mandado que eu não saísse dali naquele dia.
—Talvez... — Digo lentamente, forçando minha memória para mais longe, antes da guerra, ainda que fosse difícil. — Eu lembro de ter cinco anos e estar nessa praia. Uma mulher estava comigo, sentada, chamando por mim. Eu corria até ela, então ela me abraçava, e eu me sentia protegida.
—E você lembra do rosto dela? — Ela me olhou, um olhar enigmático e penet*ante.
—Era um rosto familiar. Devia ser de nossa mãe, certo?
—Você já se sentiu da mesma forma com Veroniër?
—Ela nunca foi carinhosa comigo, então eu não sei te responder isso.
—Há algo que eu sei, que Veroniër me contou quando eu tinha sete anos, e eu nunca mais esqueci.
—Deve ter sido algo importante.
—É algo que você cresceria sabendo, se não houvesse guerra. Mas então você foi levada, ninguém achou que precisaria te contar essa história, então você reapareceu, e ninguém tem coragem de te dizer isso.
—Dizer o que?
—Vonü, você não é filha de Veroniër e Vrontier. Você não é uma Trhonttier.
—De onde você tirou isso, Voli? — Olho para ela em busca de alguma piada, mas ela estava séria. — Isso não pode ser verdade. Eu fui criada como a segunda filha.
—Sim, no começo era a intenção. Veegan veio primeiro. Então vieram os gêmeos, e você sabe que isso nunca é bom sinal quando se trata de hierarquia na família.
Eu não conhecia Volinüs tão bem quanto conhecia os outros, mas imaginei que ela não mentiria sobre algo tão sério.
—E onde eu me encaixo nisso? Eu sou uma bastarda?
—Oh, não querida. Claro que não. — Ela me ofereceu um sorriso genuíno, apertando mais meus dedos entre os seus. — Eles te adotaram por um tempo para que ninguém começasse os murmúrios sobre o fato, até que eu nascesse, para ser exata, assim assumiria o posto de segunda filha.
—E o que deu errado? — Foi Alinü quem questionou, sem olhar em direção a Volinüs.
—A guerra atrapalhou muita coisa, pelo que entendi. Minha mãe demorou para engravidar de novo, você foi crescendo entre eles, se tornando um deles, e seus pais de origem não estavam gostando da ideia. — Era fácil imaginar o motivo. Uma criança pequena criada por outra família não saberia nada sobre a família de origem.
—Quem é minha família afinal? — Pergunto diretamente, então ela para de andar e fica de frente para mim, um sorriso ameaçando sair nos cantos dos seus lábios.
—Você acha que escolheu essa casa ao acaso, Vonü?
—Você não está falando sério. Os Vondelür nunca dariam um filho para a família secundária.
—Você era a quinta filha de sete. Eles acharam que não encontrariam problema se fosse pouco tempo, pelo que entendi, anos mais tarde.
Ela me explicou o que sabia. Eu fiquei alguns anos com os Trhonttier, sendo ensinada os costumes deles como se fosse um deles. Mas não era. Ninguém me disse nada. Quando Veroniër engravidou, fui devolvida aos Vondelür, já no início dos conflitos com o povo do mar. Eu não lembro de ter sido explicada nada sobre o que estava fazendo ali além do que me disseram, que devia aprender os costumes da família principal. Quando Volinüs nasceu e cresceu, eu ainda estava migrando entre os irmãos de Veroniër para aprender os costumes do nosso povo, Volinüs não sabia me explicar o motivo porque sua mãe não tinha tido muito tempo para lhe falar. Então o que eu pensei ser meu tio me levou embora, e nunca me disse nada sobre essa história. Se eu tivesse ficado, teria sido morta como minha família verdadeira.
—Confesso que nunca pensei nisso, e não sei como me sentir com isso. — Digo lentamente, enquanto fazíamos o caminho de volta pela praia. — Não me admira Veegan nunca ter tentado se aproximar de mim. Ela sempre soube disso.
—Isso, e porque a mulher que ela queria, estava querendo você. — Volinüs sorriu, Alinü acabou suspirando ao meu lado. — Por direito, a liderança é sua, Vonü.
Ela mostrou a outra mão o anel que eu tinha jogado fora, o que indicava que tinha buscado durante minha discussão com Veegan, então ergueu nossas mãos unidas e colocou o anel em meu dedo indicador. O anel era grosso e escuro, com runas ditando palavras de Graah.
—Por isso, não desista, e não deixe Veegan vencer aquela batalha. Eu escutei sua discussão e estou do seu lado. Ela não tem honra pelo que fez, e não se importa com a família tanto quanto você se importou, mesmo que não fôssemos a sua família verdadeira.
—Se eu não sou da sua família, foi por isso que ela fez questão de quebrar o juramento, não é mesmo? Ela queria me humilhar.
—Os motivos de Veegan são dela. O que eu sei, é que não concordo com a atitude dela. Você não acha estranho ela ter engravidado sabendo que enfrentaríamos uma guerra?
—Claro que sim. Mas como você disse, ela tinha os motivos dela, e eu não quis questionar.
—Questione. Se Veegan se importasse tanto com nossa família, ela teria me nomeado segunda filha e lhe contado a verdade quando estávamos em Tamber. Mas ela preferiu engravidar e alongar essa espera.
—Ela tem um ponto. — Alinü concordou, cruzando os braços enquanto andávamos pela areia. — Veegan tem agido em nossas costas, e está na hora de colocarmos um fim nisso, mãe.
—Você tem razão. — Digo casualmente, então olho para Volinüs. — Mas por que você me contou tudo isso? Você ainda quer ser nomeada segunda filha? Por que?
—Uma coisa de cada vez. Acho que você já teve notícias demais para um dia só. Vamos deixar o clima amenizar. Então retornamos ao assunto.
Com isso ela deixava claro que estava escondendo mais coisas, mas eu escolhi confiar nela, porque ela não estava sendo fiel a Veegan, e estava sendo sincera comigo quando não tinha a obrigação. Então avistei a minha casa, todos já tinham ido embora, os serviçais limpavam os vestígios do fracasso da festa. Seul estava sentada num canto com Hroth e Ellion, que comiam a carne desperdiçada e da melhor qualidade, que seria jogada aos cachorros ou distribuída ao povo.
Eu me despedi de Volinüs e mandei que Alinü dormisse em minha casa naquela noite, então me aproximei do local onde Seul estava, que se levantou para me olhar na mesma altura. Ela estava cansada e mesmo assim tinha me esperado. As crianças soltavam risinhos ao olhar para as minhas asas.
—Eu soube da briga. — Seul me disse, esticando a mão e tocando sobre meu olho, onde tinha sido feito o estrago, e imaginei que ela estivesse me curando, uma vez que senti alivio. — Eu não imaginava que Veegan chegaria a esse ponto.
—Eu imaginei. — Olho para as crianças. — Vão dormir. Vocês têm que acordar cedo.
—Então você não vai nos expulsar? — Ellion perguntou, recebendo o olhar de repreensão de Seul.
—Por que eu faria isso? — Pergunto, mas ele olha para Seul, que sinaliza para que respondesse, mas eu me abaixo e resolvo mudar a pergunta, olhando em seus olhos na mesma altura. — Você faria a mesma coisa que Veegan fez? — Aponto meu olho, agora curado.
—Não.
—Então não tenho motivos para expulsar vocês. — Ofereço um sorriso enquanto Seul acariciava os cabelos dele. — Amanhã vocês começarão a aprender a história da família que morou nessa casa.
—Quem? — Hroth perguntou timidamente.
—Os Vondelür. Eram a família principal. É importante que aprendam. Agora vão dormir.
Eles se despediram de Seul e correram para dentro de casa, então voltei a me levantar e olhei para Seul, cruzando os braços. Eu sequer tinha ideia de por onde começaria aquela conversa, porque havia muito que deveríamos decidir.
—Sinto muito. — Ela começou, e me fez descruzar os braços, segurando minhas mãos entre as suas. — Eu não queria que as coisas acontecessem dessa forma. Eu não queria magoar você. Logo você.
—Logo eu? — Ergo as sobrancelhas de maneira duvidosa. — Você ao menos pensou no que estava fazendo? Pensou nisso durante esses dias ou na última noite?
—Sim, eu pensei. Mas então as coisas aconteceram ontem e eu não consegui mais parar. Eu sei que você tem o direito de estar decepcionada comigo, mas eu nunca teria feito isso com o intuito de machucar você.
—É meio tarde para isso. Mas eu não vou te afastar do garoto. Ele também é seu filho. Mas ele não vai herdar o nome Trhonttier. Ele é um Vondelür, como eu.
—O que? — Ela ergueu as sobrancelhas, confusa, e eu tive que explicar a história que Volinüs tinha me contado há poucos minutos. Ela teve que se sentar para absorver a história, seus olhos perdidos enquanto pensava. — Então seus problemas com Veegan são piores do que eu podia imaginar. Ela sabia sobre isso?
—Todos eles sabem. E ninguém me contou porque era a tarefa de Veegan fazer isso. Mas ela foi incapaz, porque se eu não soubesse sobre isso, ela não teria qualquer problema em assumir o posto definitivo de líder dos graahkinianos.
—Então você será a líder? — Ela ergueu as sobrancelhas para mim, como se não acreditasse ainda. Nada me fazia mais sentido que isso agora.
—Tudo será decidido depois que Alinü lutar com Veegan. Mas mesmo se minha filha perder, por direito eu permaneço sendo líder.
—Como você está ao saber tudo isso? É só... muita coisa.
—Não sei. Hoje tem sido muita coisa. Eu quero dormir e ter a cabeça mais calma para saber como me sinto com tudo. — Respiro fundo, olhando em seus olhos azuis. — Então você entende que eu não posso deixar que nosso filho more na casa de Veegan.
—Você não vai me deixar ficar com ele?
—Não farei com meu filho o que fizeram comigo. — Digo decidida, ela suspira, descontente. — Você também é mãe dele, não vou te afastar dele e não impedirei que ensine os costumes da família que você vai se unir. Mas ele não seguirá nenhum.
—Você está me fazendo escolher entre viver com você e nosso filho e me unir com Veegan, e sabe que isso é uma grande injustiça.
—Você não nasceu graahkiniana. Você se tornará graahkiniana. Nos costumes do meu povo, quando duas famílias com costumes diferentes se unem, ambas as tradições são ensinadas. Mas você se tornará uma graahkiniana sem costumes, sem tradição. A menos que assuma o sobrenome de Veegan.
—E mesmo assim ele não seguiria os costumes dela.
—Não. Porque os Vondelür são a família principal, e a preferência para o seguimento dos costumes sempre será da família principal. Essa é a tradição quando as famílias principal e secundária se uniam.
—Que droga, Vonü. A maldição de Alinü deve continuar em mim.
Ela baixou o olhar, tremendamente frustrada. Os costumes não tinham sido feitos para serem justos, e sim seguidos. Se ela queria mesmo se tornar graahkiniana, então teria que aprender na prática o que aquilo significava. Eu me sentei ao seu lado, olhando para a casa.
—Já me tiraram coisas demais, Seul. Não me culpe por lutar para manter o que tenho agora. — Falo devagar, movendo o anel no meu dedo. — Foram dois séculos achando que eu era uma Del Trhonttier. Eles mentiram para mim. Eu não deixarei que façam meu filho achar o mesmo. Ele não será Trhonttier.
—Nem um Voleniê. — Ela falou com tristeza e rancor, então me olhou quando não digo nada, percebendo minha dúvida. — Seanë Volenië será meu nome. Achei que você pudesse considerar se ele tivesse meu nome. Ficaria mais simples para as duas famílias, não é mesmo?
—Duas famílias? Você acha mesmo que Veegan tem direito sobre essa criança?
—Não Vonü. Hroth e Ellion serão meus irmãos. Serão minha família. Eles terão o mesmo sobrenome porque seremos uma família. Então pensei que se você vai mudar o nome de Alinü e Petra para o seu sobrenome, nosso filho poderia ter o nome que terei. Ele estava em minha barriga. E você sabe que tenho o direito. — Sua voz era decidida, ela tinha sua razão, mas estava esquecendo um detalhe.
—Nos unimos enquanto você ainda era cristã. Ele poderia herdar seu nome cristão, se fosse o caso. Mas você se tornará graahkiniana, então os costumes ditam que a criança herde o nome da família com mais honra e reconhecimento. E mesmo que o bebê tenha nascido de você, seus direitos de decidir o sobrenome são perdidos porque você quebrou nossos juramentos.
Ela agarrou o colarinho amassado de minha camisa, balançando meu corpo com raiva. Então começou a chorar, e eu a abracei, pressionando seu rosto no meu pescoço. Acariciei seus cabelos claros, deixando que descontasse seu ressentimento em mim, sabia que tinha minha parcela de culpa naquela situação.
—Eu podia ter lhe dado tudo. — Digo no seu ouvido. — Mesmo nesses meses que não estávamos juntas, eu esperava que voltasse atrás.
—Você nunca teria me amado, Vonü.
—Você está enganada. — Ela inclinou a cabeça para me olhar, estreitando os olhos. — Eu estava pronta, Seul. Minhas escolhas se voltavam para uma vida ao seu lado. Eu realmente gosto de você, e se tivesse me dado mais uma chance, as coisas seriam diferentes agora. — Seguro seu rosto em mãos, movendo os polegares nas suas bochechas. — Mas no fim, você nunca seria capaz de me amar, porque você nunca deixou de querer Veegan.
—Eu sei, e sinto muito por isso. Apesar de tudo, você respeitou minhas escolhas e permaneceu ao meu lado. Mesmo agora, quando te dei a maior decepção de todas.
—Espero que Veegan te faça feliz. — Eu me afasto, levantando e afastando as emoções ainda vivas dentro de mim. — Sinta-se livre para dormir aqui em casa ou ir atrás de Veegan, nessa altura não faz mais diferença. Boa noite, Seul.
Fim do capítulo
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Lea
Em: 13/08/2021
Quem mais não é filhx da família que foi criada??? Seul é uma filha bastarda,agora Vonü é da "realeza" e não é irmã da Veegan e seus irmãos!
Como Vonü relatou,tudo foi tirado dela a vida toda! Ela não pode obrigar a Seul a ama- lá, porém ao menos que respeitasse a casa dela!!!!
Será que Alinü conseguirá lutar limpo????
Resposta do autor:
ahahahah por enquanto só a Vonü :D e a Seul também, de certa forma ahaha
A reviravolta do destino, não é mesmo?
Vonü só se lascou até agora, em outras palavras, será que cresceu mais um chifre nessa cabecinha? :D
Alinü é outra história a parte hehe
sledgcamren
Em: 07/07/2021
Vonü, se a Seul não te quer eu quero vem cá
Resposta do autor:
ahahahahah Vonü conquistando corações
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Irinha
Em: 13/06/2021
Assim como a Vonü , Seul também me decepcionou ficando com Vegaan, achei que o sentimento e brotar forte entre ela Vonü. Feliz por mãe e filha estarem se entendendo, Vonü merecia esse mimo.bjs
Resposta do autor:
Vonü e Alinü finalmente se entendendo :D E finalmente esse novo filho veio a vida hehe Vonü está cheia de filhos agora :)
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Marta Andrade dos Santos
Em: 12/06/2021
Nossa Veegan é escrota.
Resposta do autor:
Impulsiva ela, não é? Bem orgulhosa também kkkkk
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