A história gera o fruto de novos momentos
Lino voltou no dia seguinte, mas somente de tarde, e somente para me dizer que Veegan queria levá-lo para sua casa para terem um período de adaptação e saber se ele gostaria de morar com ela. Ele estava confuso, porque ela não tinha falado em fazê-lo seu filho ainda, nem seu empregado, então ele ficou com a vaga ideia de que moraria com ela da mesma forma que morávamos juntos agora. Mas ele queria mesmo assim, e queria minha aprovação. Como eu negaria? Ele merecia isso, e aceitei, porque Veegan nunca faria mal a ele.
Então eu fiquei com Ellion e Hroth em casa, porque Petra começou a acompanhar Vonü em seu trabalho pela cidade. No fim, Vonü já sabia quem escolheria, e não precisava de minha permissão mais, porque eu nunca concordaria em meu filho ser cuidado exclusivamente por Alinü. Vonü agora sabia sobre meus irmãos mortos, e já não dormíamos na mesma cama, porque já não éramos um casal.
O tempo passou. Minha barriga cresceu mais do que estava esperando, mas Veegan garantiu que eu teria somente um filho. Eu não podia praticar grandes coisas para não me cansar demais, mas aos 8 meses eu conseguia ficar alguns minutos levitando alguns centímetros acima do chão. Minhas asas estavam ficando fortes e resistentes, ainda que houvesse muito o que fazer para melhorá-las.
Os preparativos para a cerimônia começaram a ser feitos. Os graahkinianos gostavam de fazer comemorações no início do outono, quando a colheita ocorria. Eles diziam que era uma estação onde colhiam o que plantaram durante o ano, e isso fazia as cerimônias serem mais sólidas. Muito em breve, eu seria um deles. Teria um novo nome e meu próprio sobrenome, e Hroth e Ellion herdariam meu sobrenome, porque eles seriam nomeados meus irmãos, talvez assim ajudasse a amenizar a dor de ter causado a morte dos meus irmãos, anos atrás.
—Como você sabe, você ficará sete dias isolada com seu bebê. — Veegan me explicava, sentada ao meu lado na cama, porque eu estava me sentindo péssima naquele dia, e não conseguia sair do quarto. Veegan achava que o bebê logo nasceria. — Você receberá comida, mas ninguém pode entrar no quarto depois que o bebê nasce, então será somente vocês. — Ela sorriu, acariciando minha barriga exposta. — Os setes dias em que você mais conhece seu filho e estreita os laços.
—Mas ele não vai lembrar de nada.
—Você irá, e essas serão as lembranças mais importantes.
—As primeiras. — Digo num sorriso de lado. — Eu adoro que você esteja aqui, Vee, mas não deveria ser Vonü a me dar essas instruções? Eu sei que não estamos na melhor relação desde que rompi meus votos, mas... É nosso filho.
—Não é culpa dela. — Ela fez círculos em torno do meu umbigo antes de pressionar a mão, talvez sentindo os chutes que o bebê dava. — Ela me pediu de maneira muito... intensa, para te dizer os procedimentos. Ela não foi ensinada sobre eles no tempo certo, e queria que fosse feito de maneira certa.
—Intensa? — Pergunto em confusão. — Ela te ameaçou?
—Não exatamente. Só não tivemos a melhor conversa. — Ainda assim ela não se deixou abalar. — Ela está tentando seguir os costumes da mesma forma que você. Não a condene.
—Eu não a condenaria da mesma forma que ela está me condenando por querer fazer a cerimônia.
—Garanto que eu não estou reclamando. Vou adorar estar com você nessa cerimônia, dizer as palavras de Graah para os novos sangues entre nosso povo. No fundo eu sabia que você chegaria a essa conclusão. — Ela estava verdadeiramente feliz com o fato. — Você nunca se encaixou em ser uma cristã.
—E acha que vão me aceitar se eu me tornar seguidora de Graah?
—Você não será seguidora. Você será guerreira de Graah, e ela ficará feliz em ter você ao lado dela.
Sorrio com suas palavras, esticando a mão para tocar sua barriga, acariciando e sentindo os chutes fortes de sua filha. Seus olhos se desviaram do meu por um momento, descendo para o seu colo. Suas sobrancelhas ergueram, surpresa, e eu segui seu olhar, sentando rapidamente quando vejo o liquido escorrer entre suas pernas para os lençóis. A bolsa tinha estourado. Veegan teria sua filha agora. Eu quase entrei em pânico se ela não estivesse tão calma.
—Oh, está acontecendo. Mas meus preparativos estão todos em casa. — Ela sorriu para mim e se levantou, apoiando uma mão na cintura.
—Utilize os meus. Estão no quarto de hóspedes. — Eu me levanto e vou até ela, que se apoia em meu ombro. — Que ótimo momento para ter um filho, Vee.
—Você acha? — Ela riu enquanto a conduzia para a porta, então chamei pelas crianças. — Você sabe como fazer isso?
—Sim. Eu ajudei em alguns partos na minha vila. Sei o que deve ser feito. — Estávamos no corredor quando Lino, Hroth e Ellion nos encontraram, olhando com olhos curiosos para Veegan. — Lino, procure Verg e diga que Veegan vai ter o bebê. Ele saberá o que deve ser feito. Vocês dois vão me ajudar. — Lino saiu correndo como se eu tivesse dado a missão mais importante de sua vida, e os outros dois ficaram esperando em expectativa. — Organizem a cama como eu ensinei para vocês no quarto de hóspedes.
Eles também correram para realizar o comando enquanto levava Veegan lentamente até o local, apoiando a mão na sua cintura para oferecer apoio. Ela continuava calma, ainda que eu visse seu rosto começar a se torcer com as contrações. Eu a deitei com cuidado na cama, prendendo seus cabelos não mais tão curtos no topo da cabeça. Os acessórios foram colocados numa bolsa ao lado da cama, e os garotos ficaram encarregados de ficar ao lado de Veegan caso ela precisasse de algo.
—Não tão romântico agora. — Ela falou com humor quando comecei a tirar sua calça.
—Um parto não é nada romântico. — Digo num sorriso, sinalizando para que Hroth estendesse o lençol para cobrir a nudez dela, e ele o fez com seriedade. — Mas ficarei feliz em ser a primeira a ver sua filha.
—Ficará?
—Claro que sim. Ficarei honrada nessa tarefa.
—Então confiarei a você essa tarefa. Traga minha filha para os meus braços, Seul.
Eu me sentia contemplada por ela confiar em mim, e sabia que não era somente pelos sentimentos que nutria por mim, eu tinha construído uma relação com ela, por isso ela sabia que eu jamais faria algum mal aos seus filhos.
Ela foi ajeitada nos travesseiros até uma posição confortável, mas ainda demorou um tempo para o bebê chegar na posição desejada. Nesse meio tempo Lino retornou com Verg e Ehfae, o pai da filha de Veegan, então dispensei as crianças enquanto eles assumiam seus lugares ao lado dela, segurando suas mãos em apoio.
—Todos estão aqui, mãe. — Verg assegurou. — Meus tios e seus filhos, todos estão esperando pela notícia. — A notícia do nascimento com sucesso.
—Ficaremos aqui o tempo todo. — Ehfae falou com firmeza, então me encarou de maneira intensa, com raiva. — Você não deveria estar aqui. Eu fiz o nascimento de Verg e farei isso de novo.
—Ela fica. — Veegan comandou mesmo em seu estado vulnerável, olhando para ambos com desafio nos olhos. — Ela fará o nascimento.
—Os costumes-
—Eu estou seguindo os costumes. — Seu tom se tornou mais cortante, eu pressionei os dedos em seus joelhos, mantendo suas pernas abertas para ter visão do bebê, mas também olhava para o rosto dela, cheia de admiração. — Seul é a pessoa que mais confio. E muito em breve será graahkiniana.
—Mas não é agora. — Eu me virei e vi Volinüs, seguida por Vonü, que estreitou os olhos para mim, entendendo a situação sem que falassem nada. — Aqui não é seu lugar. Saia.
—Eu farei o parto e vocês não podem fazer nada sobre isso. — Digo com teimosia, porque eu acreditava na palavra de Veegan, e não sairia daquele lugar por nada.
—Quem fica no quarto é a família dela. — Vonü parou a minha frente e segurou meu pulso com firmeza. — Você me deu sua palavra, Seul. Você não deve ficar aqui.
—Eu estive com Veegan durante toda a gravidez, ao contrário de qualquer um aqui. Eu não vou a lugar nenhum. — Eu a encaro em desafio. — Agora me deixem fazer o que precisa ser feito, porque eu duvido que alguém aqui saiba fazer um parto adequado.
Vonü bufou em frustração, puxando o braço de Volinüs para fora do quarto. Volinüs me odiava e me desprezava, mas eu também não gostava dela e odiava sua proximidade a Vonü depois da guerra. Eu ainda fechei a porta e me voltei para Veegan, que sorriu para mim, logo em seguida fazendo uma careta de dor. Eu voltei ao trabalho. Havia feitiços que a deixaram mais confortável, mas eu não podia cessar sua dor, prejudicaria o parto.
Tínhamos começado o parto pouco depois do almoço, e o bebê finalmente estava na posição quando começou a anoitecer. Veegan começou a fazer força quando eu pedia, seus olhos sempre grudados nos meus, confiando em mim cada vez mais, criando uma ligação que ignorava qualquer pessoa ao redor, como se estivéssemos sozinhas ali.
Então a cabeça do bebê saiu, e foi questão de tempo até que ela estivesse em minhas mãos, chorando após alguns segundos que seus pulmões inflaram. Eu me aproximei de Veegan e coloquei o bebê em seus braços, entregando a tesoura para Ehfae, que sorriu pela primeira vez, parecendo agradecido. Ele cortou o cordão umbilical da filha, sorrindo o tempo inteiro. Verg pegou o cordão e guardou numa caixa reservada somente para isso, eu sabia que seria destinada a primeira refeição de Veegan depois do parto, e sabia que fariam o mesmo quando meu filho nascesse.
—Que minha irmã traga honra para a família, e felicidade para as nossas casas. — Verg foi o primeiro a oferecer as palavras, e o primeiro a pegar a bebê, embrulhando-a na coberta após limpar seu corpo.
—Que ela seja uma guerreira e comande nosso povo para as alegrias das vitórias. — Ehfae a segurou em seguida, deslizando um dedo pelo contorno do seu rosto enquanto ela ainda estava agitada. Então entregou de volta para Veegan. — Que Graah ilumine seus dias.
—Avisarei a todos que é uma menina e que nasceu bem, graças a Seul. — Verg se levantou e sorriu na minha direção, piscando um olho. — Vamos pai.
Eles foram e fecharam a porta, deixando-me sozinha com Veegan. Eu a ajudei a colocar a filha no berço que eu havia reservado ao lado da cama, então preparei um banho para ela enquanto trocava os lençóis e arrumava a cama para que ficasse confortável. Ela voltou com uma muda de roupas novas, e eu a ajudei a deitar, entregando de volta sua filha, sentando ao seu lado por um momento. A criança ainda era pequena e com dobras generosas, com um punhado pequeno de cabelos laranjas no topo da cabeça, os olhos ainda fechados.
—Você fez isso acontecer. — Veegan me disse, então estendeu a filha na minha direção. — Pegue.
Eu a segurei, ajeitando em meus braços com cuidado. Eu já tinha segurado bebês antes, mas fazia muito tempo, e agora era diferente. A garota parou de chorar depois de alguns segundos, eu sorrio, inclinando a cabeça e encostando nossas testas. Era uma sensação tão boa, estar perto de uma criatura tão pura e inocente.
—Eu espero que saiba que você sempre vai ter um lugar na vida dela agora. — Veegan me disse, eu a olhei, estendendo a mão para tocar seu rosto cansado. — E na minha, com ainda mais intensidade. — Seus lábios pressionaram na palma de minha mão, segurando meu pulso.
—Que sua filha seja persistente e maleável como você. — Digo por fim, devolvendo o bebê para ela. — Você já é uma guerreira exemplar e cheia de glória, e tenho certeza de que vai continuar sendo uma mãe incrível.
—Seu filho terá orgulho de possuir você como mãe. Espero poder estar ao seu lado quando seu momento chegar.
—Seu lugar estará garantido ao meu lado.
Inclino na sua direção, colando nossas testas e respirando o mesmo ar que ela. Ela sorriu, apreciando a proximidade, beijando minha bochecha e minha mão outra vez, repleta de emoção e cansaço. Ela sabia o que tinha que fazer agora, então eu a deixei sozinha, prometendo que traria a comida todas as vezes para que soubesse que eu estava ali.
Quando eu desci, encontrei toda a família dela na minha sala de convivência, comemorando a notícia, menos, é claro, Vonü, que me puxou para a cozinha, longe dos ouvidos de todos. Havia raiva nos seus olhos, mas ela respirou fundo, e eu vi cansaço e exaustão em sua aparência humana. Sem saber o que fazer, eu pressionei suas mãos em minha barriga, ela não demorou para acariciar, e algo pareceu quebrar dentro de si, porque ela escondeu o rosto no meu pescoço, e eu senti suas lágrimas em minha pele. Eu não me lembrava de ter visto Vonü chorar, mas a visão daquilo agora era bastante assustadora. Eu não soube o que fazer além de abraçar seu corpo, acariciando seus cabelos.
—Vonü. O que aconteceu? — Pergunto após um tempo.
—Nada, nada aconteceu. — Sua voz estava trêmula, e eu me esforcei para segurar seu rosto e fazê-la me olhar.
—E por que está nesse estado?
—Porque eu devia estar cuidando de você. Mas eu não sei como fazer isso agora.
—Não há muita diferença, Vonü. Você podia continuar agindo como antes, ao invés de se afastar.
Ela balançou a cabeça, enxugando as lagrimas e se inclinando na minha direção, seus lábios de repente pressionando nos meus. Fecho meus olhos, sentindo o que ela estava querendo de mim. Uma de suas mãos continuou em minha barriga enquanto a outra pressionava em minha nuca, mantendo-me perto.
—Vonü...
—Não estou presa a Hiver. — Ela falou contra a minha boca. — Eu quero estar com você, Seul.
—E você está. — Baixei sua mão de volta para a minha barriga. — Sempre estaremos unidas por causa dessa criança, e isso é bom. Você não acha?
—Você quer mesmo quebrar nossos votos, Seul? Depois de tudo que passamos, e vamos passar. — Ela sorriu para a minha barriga. — Temos um futuro juntas.
—Temos, realmente. Mas não como um casal. Seremos mães do mesmo filho e faremos tudo por ele.
—Seul...
—Eu amo Veegan. — Assumo em voz baixa, mas sabia que ela tinha escutado, porque seu rosto se torceu com desgosto. — E não vou te enganar sobre isso. Quando nosso filho nascer, eu passarei pela cerimônia de reconhecimento diante de Graah, então ficarei ao lado de Veegan. — Ela não se afastou, mas não ficou menos triste com o que eu estava dizendo. — Nós tentamos, Vonü. Mas nunca fomos realmente um casal. Nunca houve esse fervor de um casal, muito menos depois do casamento. Somos ótimas parceiras, Vonü, mas só estaríamos perdendo tempo se insistíssemos nisso, e não daríamos o melhor exemplo para o nosso filho se continuássemos juntas dessa forma.
—Talvez você esteja certa. Eu só queria que pudesse ter sido diferente.
—Foi como tinha que ser. Espero que possamos ter uma boa relação. Eu realmente gosto de você, Vonü, você é a mais gentil das criaturas, e não há ninguém como você.
—Não há ninguém mais surpreendente que você, Seul.
Sorrio, puxando-a para perto para mais um abraço. Ela beijou minha testa e acariciou minha barriga mais uma vez.
—Não saia de casa esses dias, tudo bem? Nosso filho está prestes a nascer.
—Sim, estou sentindo que está quase no dia.
—Eu vou preparar outro quarto para você. Agora é melhor você descansar. Vou te levar para o quarto.
—Claro. Estou exausta.
Nós chegamos no quarto, ela me deitou, e não por acaso percebi que era ao lado do quarto que Veegan estava. Não havia sons perceptíveis, eu esperava que ela tivesse conseguido dormir. Vonü organizou o quarto e começou a colocar as coisas que precisaria quando o bebê começasse a nascer.
—Vonü?
—Vou deixar alguns casacos no armário, para o caso de as noites serem mais frias. — Ela saia e entrava do quarto, buscando pelos acessórios.
—Vonü? Pare. — Ela parou antes de sair, então se aproximou quando pedi. — Fale comigo. Você está me deixando nervosa, e nosso filho não está calmo hoje.
—Desculpa. Sobre o que você quer falar?
—Você. — Ela ergueu a sobrancelha, confusa, sentando ao meu lado. — Como foi quando Alinü estava nascendo? Tinha alguém com você?
—Não, eu estava sozinha.
—E como você conseguiu fazer tudo?
—Foi difícil. Eu tinha coletado informações até então, mas quando aconteceu, fiquei em pânico. Fiquei a noite inteira fazendo tudo errado, o parto foi horrível, e quando ela nasceu, demorou para respirar. Achei que tinha matado minha filha, mas então ela chorou. — Ela sorriu, ainda que houvesse tristeza em seus olhos.
—Espero que eu possa te oferecer uma experiência melhor dessa vez.
—Não se preocupe. Andei aprendendo. Não vou te desapontar. — Ela acariciou minha barriga e se inclinou para beijá-la. — Você quer mais alguém no quarto?
—Talvez não dê tempo de Veegan terminar a primeira semana. Então talvez seja melhor não ter mais ninguém.
—Tudo bem. Você está com fome?
—Não, estou um pouco sem apetite. E com dores. — Suspiro, buscando por sua mão. — Quais as chances de ele vir hoje?
—Você quer que eu fale das minhas visões? — Ela sorriu com humor.
—Tudo bem, fale. Eu ignorei as minhas por meses.
—Acontecerá na lua cheia.
—Então já devia ter acontecido, porque estamos na lua cheia desde ontem.
—Entrando na lua cheia. Hoje ela está no ápice. — Sorriu, olhando para a janela, onde a noite dava espaço para o brilho da lua. — Provavelmente será essa noite. Então... se importa se eu ficar aqui?
—Eu me importaria se não ficasse. — Isso a fez sorrir contente. — Vonü? É um menino, não é?
—Você viu?
—Veegan me ensinou a sentir, então eu sabia, nesses últimos meses, que seria um garoto.
—Sim, você está certa. É um garoto. — Eu acariciei seus dedos entre os meus, tentando me acalmar. — Você pensou em outro nome?
—Sim. O livro de nomes graahkinianos que você comprou para mim foi bastante útil.
—Então? Quais você gostou?
—Eu não descartei o que sugeriu. Voontië. Gostei também. — Isso a fez sorrir. — Também há Vamür, que significa força do orgulho.
—Você está aprendendo a ler as runas. Estou impressionada que esteja conseguindo decodificar.
—Vaanë me emprestou alguns livros. Veegan estava com paciência para me ensinar. E ensinar as crianças aqui em casa também me incentivou a treinar com maior velocidade e determinação.
—E eu te admiro por isso. Você sempre foi curiosa sobre tudo.
—Sim, talvez isso tenha me ajudado a me adaptar, desde o começo. Mas o que você achou do nome?
—Vamür era o nome do meu avô.
—Oh, isso eu não sabia. — Não era sensato repetir o nome de um familiar, segundo Graah, iria perturbar aqueles que já se foram e não permitiria que a criança se tornasse diferente dos demais. — Tudo bem. Seria melhor se eu tivesse acesso à sua lista de familiares, mas eles não quiseram me dizer.
—Nem Veegan?
—Eu não pedi a ela. Se seus irmãos não queriam reconhecer nossa união, eu não estaria sendo justa com você ou com Veegan.
—Bem... isso não será mais problema depois que você realizar a cerimônia de reconhecimento de Graah. E então você e Veegan...
—Não precisamos falar disso se você não se sente confortável, Vonü. Vamos voltar aos nomes. — Ela não discordou. — Que tal Viriantier?
—É um nome bastante antigo. Estou surpresa que o tenha achado e considerado.
—Eu soube que foi o nome do primeiro amante de Graah. — Sorrio, ouvindo o riso dela. — Também sei que tinha sido o primeiro guerreiro a morrer para protegê-la. Achei trágico, mas também romântico.
—Como isso tornaria nosso filho um homem honrado? — Perguntou com humor. — Poderia fazer com que ele não tivesse um destino brilhante com um nome tendo um destino tão trágico.
—Eu sabia que diria isso. Por isso deixei o melhor para o final. — Ela ergueu a sobrancelha em expectativa. — Volün.
—Volün. — Ela repetiu, saboreando o nome. — Força imprevisível, ou do destino.
—Como nós. Desafiamos o destino, não é mesmo? Olha onde viemos parar.
—Sim, você tem razão. Representaria nossa história, e não acho que seja algo ruim. — Ela acariciou meus dedos e se inclinou para beijar minha bochecha. — Você tem minha aprovação, para qualquer dos nomes que escolher.
Eu continuei conversando com ela, como costumávamos fazer, com o clima leve e sem rancor. Sentia falta disso. Ela terminou de organizar o quarto e se deitou ao meu lado, dormindo após alguns minutos, verdadeiramente cansada. Dormi junto a ela, ou tentei, com dores na coluna e no quadril, mas não durou muito. Acordei com mais dores, e me desesperei quando vi sangue nos lençóis, sacudindo o corpo de Vonü, que também acordou assustada.
—Ele está morrendo! — Alerto em urgência, pressionando os dedos na barriga, tentando sentir seus movimentos, mas não havia nada. — Vonü, faça algo! Nosso filho está morrendo.
—Algo está errado. — Ela me falou, correndo para fechar a porta. — Isso não estava previsto. Fique calma, vai ficar tudo bem.
Ela tirou minha roupa e estendeu um lençol sobre meu corpo, abrindo minhas pernas e franzindo o cenho para o que via. Ela pegou panos e pressionou na minha vagin* por um momento, parecendo pensar.
—Você está perdendo muito sangue. Preciso que faça força. Ele precisa sair antes que eu faça algo para cessar o sangramento. — Ela me olhou, eu movo a cabeça para concordar. — Vamos fazer isso juntas, tudo bem? Quando eu disser, você empurra com toda a força que tiver.
Então começou. Eu nunca imaginaria que seria dessa forma, mas se era para ser assim, eu faria qualquer coisa para salvar meu filho. Então fiz força quando Vonü dizia, e respirava quando ela comandava, no ritmo, para não perder o foco. Eu não sabia como Veegan fez isso parecer tão fácil, mas eu me esforcei, tentei vencer a dor e a exaustão, mas elas pareciam mais fortes e insistentes, eu comecei a sentir que estava adormecendo, mas Vonü conseguia uma forma de me fazer voltar a consciência, pressionando um pano gelado na minha testa antes de continuar me incentivando a resistir.
—Estamos quase, Seul, aguente. — Ela falou de maneira urgente. — Estou vendo, ele está vindo.
—Eu não consigo mais Vonü... — Eu sequer reconhecia minha voz.
—Consegue sim. Você veio até aqui em busca dos meus poderes, Seul, você conseguiu mais do que imaginava. Agora nosso filho precisa dessa força. Ele precisa de você. Eu não consigo sozinha. Por favor. — Seus olhos estavam fixos em mim, sua mão repleta de sangue em meu joelho. — Aguente mais um pouco.
Então eu empurrei com a última força que tinha, eu gritei a voz que achei que não possuía mais, sentindo Vonü puxar o bebê de dentro de mim. Fechei meus olhos por um momento, sentindo um sutil alivio, meu corpo querendo desmoronar de exaustão. Ouvi Vonü andar apressada pelo quarto, sussurrando palavras graahkinianas que eu não conseguia entender naquele momento. Quando abro meus olhos, ela está outra vez entre minhas pernas, agora julguei que estivesse tentando cessar a hemorragia, o fator que deveria me deixar exausta. Mas eu não via o bebê, eu sequer ouvia seu choro.
—Nosso filho... Vonü... Nosso filho...
Ela não me disse nada, de repente concentrada. Eu esperei. Esperei porque não tinha mais força para fazer nada além disso. Mesmo quando terminou o que fazia ela não me olhou, os olhos perdidos em algum ponto na cama. Quando minhas pernas fecharam e esticaram cansadas no colchão, eu vi o que Vonü olhava, e aquilo quase me fez desmaiar. Meu filho estava paralisado sobre uma manta, com alguns vestígios de sangue, já sem o cordão umbilical. Ele estava morto. O corpo estava saudável, mas ele estava morto.
—Vonü? Vonü! O que aconteceu? Fale comigo.
—Ele está morto. — Ela embrulhou o bebê e me olhou, seus olhos vermelhos, contendo qualquer lágrima de cair. — O coração não está batendo. O cordão umbilical... Ele... Ele se enforcou. — Ela lutava para se manter estável, mas eu sabia que em qualquer lugar, um filho nascido morto nunca trazia bom presságio.
—Dê-me.
—Não. É tarde demais.
—É nosso filho e nunca é tarde demais. Agora me dê!
Ela hesitou, mas sabia melhor em me negar isso, então estendeu a criança e eu a peguei, seu corpo era gelado e pálido, olhos fechados e expressão atormentada. Eu não deixaria meu filho morrer. O pensamento era forte em minha cabeça. Talvez Graah estivesse me colocando a prova e estivesse me dando forças, porque eu desembrulhei meu filho e pressionei os dedos sobre seu coração, uma ideia me ocorrendo enquanto fixava os olhos no seu rosto perfeito. Eu senti a energia queimar dentro de mim, um suporte de Graah, então crepitou através de meu corpo e reverberou pelo meu braço até as pontas dos dedos, e o bebê se remexeu uma vez. Continuei. Fiz uma segunda vez. Vonü entendeu o que eu fazia e me ajudou, tapando o nariz da criança e soprando dentro de sua boca. Então ele chorou. Eu chorei. Vonü ecoou um grito pela madrugada, um misto de felicidade e alívio. Nosso filho estava vivo.
—Seul... Nós conseguimos. — Ela me disse, animada. — Nosso filho está bem.
—Sim. — Sorrio, embrulhando o bebê outra vez, movendo o dedo pelo seu rosto enquanto ele chorava, o melhor som naquela noite. A cor tinha voltado em sua pele e ele começava a se aquecer em meus braços. — Agora está perfeito.
—Deixe-me segurá-lo um pouco. — Vonü pediu, estendendo os braços. Hesitei por um momento, não queria deixá-lo. — Não vou levá-lo. — Garantiu, então eu consenti e entreguei nosso filho, ela o segurou com todo o cuidado, olhando-o com emoção e admiração, como se presenciasse um milagre. — Ele é lindo.
—Ele é um pedaço da nossa história.
—O pedaço mais importante. Quando esses dias passarem, darei a maior festa que essa cidade já viu. Graah ficará sabendo que nosso filho nasceu e que será seu maior guerreiro.
—Esses são seus votos?
—Não. — Ela sorria como nunca a vi sorrir. — Eu desejo que você seja forte e gentil, e que Graah reserve as melhores surpresas em sua vida. — Então ela devolveu o bebê, ajudando-me a segurá-lo.
—Ele será honrado como todos os Del Thronttier. E orgulhoso igual você.
—Você dará o nome de minha família? — Ela pareceu surpresa.
—É claro. Quero que ele se orgulhe da história dos seus antepassados. Eu estarei construindo meu próprio nome ainda.
Ela não contestou, inclinando-se para beijar minha testa. A porta do quarto foi aberta, e dela surgiu Veegan, carregando seu bebê adormecido numa faixa que dava a volta no seu peito. Fiquei surpresa em vê-la, mas sinalizei que se aproximasse, vendo-a fechar a porta e se aproximar lentamente. O cansaço tinha finalmente transparecido em sua face, eu sequer sabia como ela tinha força para estar em pé.
—Você não devia estar aqui por mais de um motivo. — Vonü falou primeiro quando ela se sentou ao meu lado. — Nossos pais não ficariam satisfeitos.
—Não há nada que impeça uma mãe de visitar a outra que deu luz na mesma noite. É uma situação especial. — Veegan se justificou. — Mas eu posso ficar longe se quiser.
—Não. — Vonü voltou a me olhar. — Foi uma noite intensa.
—Eu quis ajudar, mas era algo que vocês tinham que resolver. Estou feliz que tenham conseguido. Que vocês estejam vivos. — Ela sorriu para mim mesmo que não fosse o mesmo sorriso aberto que eu estava acostumada. — Como você se sente?
—Prestes a dormir por muito tempo. — Respondo num sorriso também, então olho para o meu filho. — Mas sei que não poderei.
—Posso segurá-lo?
Ela manejou naturalmente o fato de estar segurando duas crianças nos braços. Ela analisou meu filho, que tinha parado de chorar e se mexia involuntariamente. Era lindo vê-la com meu filho em seus braços.
—Que seu filho seja destemido além do oceano e que tenha raízes mais fortes que qualquer árvore. — Ela se referia ao povo do mar, mas também desejava que ele vivesse muito. Não era difícil imaginar que temesse pela sua vida depois do parto complicado que tinha sido.
Então ela me devolveu o bebê e acariciou meu rosto por um breve momento antes de se afastar, talvez por causa de Vonü ali.
—Veegan, já que veio até aqui, você pode ficar? — Vonü me deixou perplexa com o pedido. — Como você disse, não há nada que te impeça de vir aqui, mas há várias que me falam para deixá-los aqui. — Ela moveu a mão pelos meus cabelos, tirando alguns fios grudados em minha testa. — Ela perdeu muito sangue. Temo pela segurança de ambos aqui. Então... Seul, se você não se sentir ofendida, eu jamais duvidaria de sua capacidade, mas diante dessas circunstâncias, penso não ser prudente te manter sozinha.
—Você não se sentiria ofendida se Veegan ficasse aqui? — Pergunto.
—Se ela ficar aqui no intuito de preservar sua saúde e a de nosso filho, eu não vejo motivos para ser contra.
—Eu posso ficar. — Veegan alegou, olhando entre nós. — Mas é melhor poupar que nossa família saiba sobre isso.
—Concordo. Seul?
—Tudo bem. Não sou contra. Quero o melhor para o nosso filho. — E seria bom estar com alguém que já tinha passado por isso.
Vonü colocou nosso filho no berço ao lado da cama, então me pegou nos braços e me levou para o banheiro, onde preparou o banho com água quente e me colocou dentro da banheira, não deixando que eu fizesse o menor dos esforços. O calor da água ajudou meu corpo a relaxar, e Vonü limpou o suor e o sangue da minha pele como se massageasse cada parte. Nessa altura eu já conseguia manter a forma humana, de forma que as roupas se tornaram confortáveis quando Vonü me vestiu. Ela ainda trocou os lençóis e o colchão antes de me deitar nele.
Como Veegan ficaria ali, ela teve a ajuda das crianças para trazer a cama do outro quarto e os pertences dela. Petra estava mais do que contente em seguir as ordens de Vonü sem contestar, enquanto os garotos tinham que ser contidos para não verem os bebês. Antes de ir embora, Vonü acariciou nosso filho e se sentou ao meu lado, seus olhos dizendo tudo o que ela queria ecoar em palavras. “Fique segura e proteja nosso filho”, eu a imaginava dizer. “Eu confio em você”, diria por último, querendo assegurar de que pedir para Veegan estar ali não a fazia desconfiar de minha capacidade de zelar por nosso filho. Então beijou minha testa e foi embora.
Fim do capítulo
Olá pessoal!
Com vontade de ler algo diferente e que envolva bastante tecnologia? Venha conferir "Born"!
Ou compre direto pelo site: https://www.amazon.com.br/dp/B09KQW5ZJ7
Para mais informações da história, basta me seguir nas redes sociais:
Facebook: https://www.facebook.com/AlexMills.LitLes Instagram: https://www.instagram.com/alex.escritora/
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 13/08/2021
Meu destino está igual a da Vonü,sozinha consigo mesma!!
Agora é tempo de ser uma mãe melhor para seus filhos, inclusive a Alinü,se essa realmente não estiver tramando nada de ruim contra o irmão!!
Resposta do autor:
ahahahah não, que isso. O destino está sempre guardando coisas para todo mundo, tu só não encontrou seu destino ainda ;)
Vai que tu está como a Vonü e não está olhando certo as visões? xD
Tempo de melhorar as coisas mesmo, Vonü tem que aparar a grama do jardim agora.
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]