Nenhuma semente floresce se não se sentir cuidada
E nossa vida realmente mudou. Até o final daquele dia nós nos mudamos para a casa enorme que Vonü me disse ter sido da família Vondelür, a família que ficava acima da sua antigamente, e que foi exterminada durante a guerra, protegendo seu povo daqueles que eu ajudei a trucidar na última noite. A casa era linda e conservava história, e encontramos utilidade para seu espaço entre nossas asas e as crianças que abrigávamos. Todos ainda estavam assustados por tudo que deviam ter visto, mas com o passar dos dias comecei a chegar até seus corações, e eles se tornaram menos defensivos com minhas aproximações.
Eram onze crianças, com idades entre dois e dez anos. Quatro eram meninas e todas eram as mais novas, menos a única que tinha nove. Os outros cinco eram meninos, e o mais velho era o que mais nos odiava e tentava influenciar os demais para o mesmo sentimento, mas eles eram jovens demais para entender o motivo da resistência dele.
Verg se uniu com Britan, e o bebê passou a se chamar Veeten. Veegan não o deserdou, mas também não aceitou os fatos pacificamente. Então ficou decidido que Veeten não aprenderia a lutar e não assumiria nenhuma posição de poder no futuro, e se Verg tivesse mais filhos, todos teriam o mesmo destino. Logo, os filhos do segundo filho que Veegan esperava, se fossem puros, teriam mais direitos que os filhos de Verg. Achei aquilo pura estupidez, mas eram os costumes, e mesmo minha religião faria pior nessas condições.
O inverno se adensou com a passagem do ano, e ao menos isso nossos costumes se cruzaram, e eu pude participar da comemoração, ainda que de maneira diferente. Eles tinham danças especiais, bebidas e comidas especificas, que eram demasiado apimentadas, e oferendas para Graah, que os ofereciam mais um ano, e agradeciam pelo ano que tiveram. Na manhã seguinte, todos faziam voto de silêncio por um dia inteiro, resguardando-se a contemplar o que tinham feito no último ano. Pura contemplação, reflexão. Um dia dedicado a reconhecimento e auto aceitação. Um dia que não havia qualquer movimento ou som na cidade. Era ensurdecedor, como se pudesse ouvir os pensamentos de todos. Mas foi um dia que as crianças quiseram se aproximar mais de mim, já que Vonü estava isolada no quintal.
Havia um cômodo da casa que eles gostaram, Vonü tinha criado vários brinquedos que estimulavam as crianças a interagirem entre si e que era um artificio para ensinar os costumes dos graahkinianos. Eu imaginava que ela só aceitaria as crianças se elas seguissem seus costumes, afinal, eles viveriam entre seu povo, nada mais justo que conhecessem a cultura e a seguissem.
Naquele dia, propus aos mais velhos que construíssemos o castelo de Graah. Eu não tinha entendido direito se era literalmente um castelo onde a Deusa de Vonü vivia, eu só sabia que era um lugar grande e central, tão grande quanto a honra do seu povo, e as casas dos graahkinianos ficavam ao redor num grande círculo. Então o jogo educativo sugeria um castelo, e tínhamos que montá-lo através de um jogo de perguntas e respostas, tudo em relação a Graah, e quem acertasse ganhava o direito de colocar uma peça da moradia da Deusa.
—Graah concederá a honra ao corajoso guerreiro que se aventurar nos jardins dela e derrotar o temível dragão que está destruindo suas plantações. — O que era mentira. Dragões eram criaturas magnificas que gostavam de viver isolados e que os magos do meu vilarejo conseguiram unir forças, mas claro que eu não podia dizer isso a eles. — Quem foi o guerreiro que lutou contra o dragão? — Pergunto enquanto olho para as quatro crianças ao redor da mesa baixa e redonda de madeira, fazendo o dragão de brinquedo andar sobre a pequena plantação ao lado da casa de Graah. O brinquedo fazia um som gutural infantil, do tamanho da minha mão e preto, com detalhes bastante realistas.
—Eu! — Lino, o garoto de dez anos, falou com entusiasmo, levantando seu corpo comprido para a idade e estendendo o boneco também realista que tinha uma espada elemental que brilhava.
—E quem é você, bravo guerreiro?
—Ceafü Virendele. — Declarou o nome do boneco, que tinha o tronco grande e cheio de músculos a julgar pelo tamanho da cota de malha que usava, o rosto coberto por um elmo pobre de cobre. Vonü talvez não gostasse de saber, mas eu tinha adaptado os bonecos e a maioria que usávamos nessa brincadeira tinham a pele escura como a dessas crianças, e estava dando resultado positivo, uma vez que eles se empolgavam mais se eles se identificavam pelos bonecos. Eu também tinha resolvido fazer com que eles se passassem pelos personagens, talvez assim memorizassem melhor. — Sou o melhor guerreiro do meu povo, e vou derrotar esse dragão!
—Não vai não! — Ellion, o garoto de 7 anos se levantou com outro boneco realista em mãos, esse com mais ouro na armadura e uma espada elemental mais rica em detalhes, como Sopro da Morte. Ellion era pequeno, mas tinha os cachos mais compridos entre as crianças, já no meio de suas costas. — Eu sou o guerreiro mais habilidoso do meu povo, e eu derrotarei esse monstro.
—E quem é você, oh, guerreiro habilidoso? — Eu me esforço para assumir um tom dramático.
—Sou Alierg Erendor.
—Vocês dois estão errados. — Hroth, outro garoto de 8 anos, levantou-se também, mais timidamente que os outros dois, expondo o boneco que não usava qualquer armadura, pouco à frente do corpo, com uma espada vermelha como Raio Lacerante. — Eu não tenho fama nem ouro, mas derrotarei o dragão porque Graah me concederá força.
—E quem é você, corajoso guerreiro? — Pergunto, sorrindo com a empolgação deles.
—Sou Tronë Dumbor.
—Tantos guerreiros dispostos a servirem Graah. — Digo num tom mais sério, olhando entre os garotos. — Quem de vocês dará o golpe final no dragão?
—Eu! — Eles gritaram juntos.
—Mas somente um receberá a recompensa prometida por Graah. O que vocês farão?
—Lutaremos para ver quem é o mais forte e capaz. — Lino falou primeiro, virando-se para os outros com seu boneco de Ceafü, pronto para lutar.
—Você vai perder! — Ellion logo aceitou o desafio, movendo o boneco de Alierg como se movesse uma espada desajeitada.
Hroth ficou em silêncio, eu olhei para Petra, erguendo as sobrancelhas como sinal que era para entrar na história. Ela moveu a cabeça e se levantou com a boneca que simbolizava Graah, usando um vestido mais antigo que o tempo e mais lindo que as estrelas segundo Vonü, com uma joia mais valiosa que o próprio passado. Ela portava uma espada grande e que continha todos os elementos, embora eu não aconselhasse ninguém a utilizar um vestido junto de uma espada. Ela era a única que não possuía os símbolos no corpo que os graahkinianos possuíam, e em sua aparência original ela devia parecer Vonü antes de possuir os poderes de um voulcan, mas agora ela se parecia com uma Petra adulta, com a pele escura e o cabelo volumoso.
—Vocês lutarão entre si enquanto o dragão destrói toda a minha plantação? — Petra os questionou, contendo o risinho no fim.
—Vejam! É a própria Graah! — Lino falou primeiro, se virando.
—Demonstrem respeito a Deusa! — Ellion falou, tentando manter a voz grossa. Então todos se ajoelharam, o que me surpreendeu. Eu não tinha mandado que fizessem isso, mas Vonü também nunca me falou sobre como veneravam sua deusa, então não impedi que o fizessem. Talvez fosse assim que seus pais venerassem seus deuses totens na praça central.
Nesse ponto as crianças menores pararam de brincar e começaram a prestar atenção no que estávamos fazendo, todos curiosos com o que os mais velhos estavam brincando. Isso era melhor do que eu esperava. Talvez os pequenos fossem mais suscetíveis a aderir à cultura graahkiniana, não deveriam ter sido ensinados a própria cultura, e esse laço com os mais velhos ajudaria a influenciá-los.
—Se vocês não podem decidir quem vai lutar com o dragão, então todos farão isso. — Ela apontou para Lino. — Você será o primeiro.
Ceafü avançou em direção ao dragão, e eu virei o dragão para que os dois bonecos se encarassem. Lino fez uns movimentos com o seu, simulando a luta, e eu fiz o possível para mostrar um oponente a altura para um dragão. Lino lançou o boneco no chão de maneira dramática quando apertei um botão do boneco e saiu uma extensão de sua boca, simbolizando o fogo. Petra fez sua boneca saltitar, balançando a espada para mostrar que Graah tinha impedido que o guerreiro fosse morto. Ceafü voltou para junto da deusa, então Alierg avançou, mas sequer lutou, porque Ellion o fez permanecer parado, balançando o boneco sutilmente, simbolizando que ele estava com medo. Então Tronë avançou em busca de salvar o outro, mas sequer teve a chance de lutar, e Graah teve de salvá-los antes que o dragão os esmagasse.
—Do que vocês precisam para ganhar do dragão? — Graah os questionou.
—Se eu tivesse sua espada, poderia ganhar. — Ceafü falou primeiro.
—Se eu tivesse sua coragem, poderia ganhar. — Alierg falou depois.
—Se eu tivesse sua astúcia, poderia ganhar. — Tronë finalizou.
—Se cada um tivesse essas coisas, então não teriam nada. — Petra me olhou com confusão. — Eu não entendi essa parte. Se eles tivessem tudo isso, seriam imbatíveis!
—O que Graah está querendo dizer, é que se cada um tivesse o que queria, não seria suficiente para lutar contra o dragão, porque estão lutando sozinhos. — Expliquei, e ela arregalou os olhos, compreendendo. — Então, o que vocês acham que podem fazer para derrotar esse grande dragão?
—Lutarmos juntos! — Lino falou com entusiasmo, olhando para os demais. — Vamos juntos!
Os três fizeram isso, e eu deixei que derrotassem o dragão de brinquedo, virando-o com as pernas para cima. Eles comemoraram, e eu deixei que terminassem de montar o castelo, porque tinham decorado a história, e já estava no horário do jantar, eles deviam estar com fome. Quando me levantei, senti alguém me abraçando por trás, eu inclinei a cabeça e vi Vonü, oferecendo um beijo na minha bochecha.
—Você está profanando a história de Graah. — Ela falou no meu ouvido em tom leve, então soube que não estava zangada.
—São crianças, eles não aprenderiam as histórias se não tornassem isso uma brincadeira. Mas veja, eles aprenderam a história de Ceafü, Alierg e Tronë. Os três soldados eternos de Graah.
—Os três generais de Graah. — Ela me corrigiu. — Mas você tem razão. Eles estão aprendendo, graças a você. Você leva jeito com crianças.
—Eu tinha dois irmãos mais novos, eu aprendi na prática como mostrar os ensinamentos da bíblia de forma que eles entendessem. Com eles é mais fácil. — Indiquei as crianças a nossa frente, brincando entre si. — Eles gostam de lutas, e sua cultura é repleta de guerreiros. Estou com a faca e o queijo em mãos.
—Eu não sabia que você tinha irmãos. — Ela me virou para olhá-la, segurando-me em seus braços. — Por que nunca me contou?
—Porque eu nunca mais os verei. É menos doloroso não falar.
—Por que não? Eu nunca te proibi de ir atrás deles.
—Minha mãe me expulsou de casa, lembra? Eu fui excomungada. Não há nada para mim lá. Minha mãe nunca deixaria que eu chegasse perto deles. — Ela me olhou sem dizer nada, com preocupação e culpa, mas eu abracei seu pescoço e beijei seus lábios. — Eu escolhi isso, sabia do que teria de abrir mão.
—Nunca da sua família. Nós podemos viajar na primavera, ou até mesmo agora.
—Não podemos e você sabe disso. De qualquer forma, você não devia estar fazendo voto de silêncio? Por que está falando? — Sorrio, tentando tirar a preocupação do seu rosto, ainda que não tivesse resolvido.
—Eu estava ouvindo vocês lá de fora. Então achei que pudesse ser mais útil aqui em cima se te ajudasse com eles. — Ela olhou para todos, um por vez, mas todos estavam entretidos. — Mas você lida muito bem com eles, com as histórias. É surpreendente.
—Vonü? — Petra parou ao nosso lado, segurando a barra da camisa de Vonü. — Por que Graah não tem generais meninas? A diversão sempre fica para os garotos!
—É claro que Graah tem generais mulheres. Você quer ouvir sobre elas?
—Claro que sim! — Ela ergueu os braços, pedindo que a pegasse, e Vonü não hesitou em segurá-la junto a si.
—Depois do jantar. — Alerto. — Está tarde e a comida já deve estar pronta.
—Ela está certa. Vamos comer primeiro, então eu contarei a história de Ameron Histoië, a guerreira que lutou cem lutas. — Vonü falou com um sorriso de lado, conseguindo a comemoração da garota. — Agora ajude a levar os mais jovens lá embaixo. Graah valoriza aqueles que cuidam dos mais novos.
—Farei isso. — Ela sorriu e beijou a bochecha de Vonü, que a soltou no chão.
—Estou vendo que a está conquistando. — Comento, assistindo ao seu lado enquanto os quatro mais velhos ajudavam os outros no caminho para fora do quarto e em direção as escadas, seguindo-os de perto. — Ela gosta de você. Gosta de Graah, você quer...?
—Escolhê-la? — Vonü completou meu raciocínio, os olhos fixos nas crianças. — E você? Você quer uma criança? Talvez uma mais nova?
—Mais nova? Não. Em breve terei nosso bebê, e eu não quero uma experiência prévia.
—Cada criança é de uma forma. Mas eu entendo o que você quer dizer. Você quer um mais velho para dar o exemplo. — Ela me olhou, oferecendo a mão quando desci o primeiro degrau, eu aceitei o apoio. — Você está pensando nos meus costumes. Mas eu não estou tentando te fazer segui-los.
—Não? — Sorrio com humor. — Querida, estou vivendo entre todos vocês, graahkinianos, não há como eu não conhecer seus costumes e acabar seguindo o que vocês fazem em algumas ocasiões. — Indico as crianças. — Como ensiná-los.
—Sinto muito por isso. Eu quem deveria estar fazendo isso. — Ela desviou o olhar, culpada, então ficamos em silêncio até o último degrau, quando ela parou a minha frente, agora na mesma altura por causa do degrau. — Eu sempre disse que não tentaria mudar sua fé, mas estou fazendo isso agora.
—Não é sua culpa, Vonü. Como eu disse, estou vivendo entre vocês e seus costumes, na sua cidade. Não é como se eu fosse poder espalhar meus costumes entre vocês. — Respiro fundo, cansada. — Eu sou a única cristã da cidade.
—Do que você precisa, Seul? Para manter sua fé? Podemos separar um espaço na casa para você se dedicar a isso.
—Não é necessário. Meu Deus está comigo, independentemente do lugar. Separar um lugar para ele é isolar aquilo que acredito. Deus está em todos os lugares, mesmo que ele me puna por espalhar a palavra de Graah.
—Você sempre diz que ele te pune, Seul. Ele te pune por não casar com homens. Ele te pune por querer crescer. Te pune por casar com quem você quer estar. E agora te pune por me ajudar com essas crianças. Desculpe, mas seu Deus nunca está contente?
—Não comigo. Sou uma pecadora.
—Graah te vê somente como uma guerreira honrada, que derrotou nosso inimigo apesar de tudo. Graah faria festas em seu nome. — Sorriu, beijando minha mão com carinho. — Ela nunca te puniria por lutar.
—Prove, então. — Enlaço nossos dedos. — Prove que Graah é misericordiosa, e eu aceitarei sua palavra.
—Não. Você tem seu Deus, e eu não mudaria isso.
Claro que não, pensei, ela era honrada demais para isso, ainda que eu achasse que ela devia ter tentado mesmo assim. Seguimos para a sala de jantar, onde havia uma mesa separada para as crianças, menor, com dois serviçais que os serviam. Comi em silêncio, observando os onze jovens falarem entre si na língua comum. Todos aprendiam a própria língua primeiro antes de aprenderem a língua comum, ainda que os graahkinianos das famílias principais façam seus segundos filhos aprenderem outras línguas e praticá-las durante toda a juventude, caso o primeiro filho precisasse de auxílio, o segundo ajudaria em negociações com outros povos.
Era inevitável aprender sobre o lugar que estava vivendo, suas histórias e seus significados. Não era ruim como cresci ouvindo, graahkinianos tinham temperamento forte e eram teimosos, isso era fato, mas não eram assassinos natos como diziam. Aprendiam a lutar desde pequenos, mas também aprendiam os garotos cristãos que nasceram em famílias com privilégio. Eles mataram famílias inteiras do povo do mar em retaliação pelas centenas que foram mortas há mais de dois séculos, mas era de se esperar que guerreiros vingativos não teriam misericórdia quando viram sua história ser destruída. Quantas vezes os cristãos não fizeram isso? Eu não podia ser cega para a minha própria história.
Vonü estava certa, Deus nunca está contente, mas eu ainda achava que ele buscava o melhor de dentro de nós. O único problema, é que eu nunca atenderia com o que ele esperava de mim. Eu não mostrei misericórdia para nenhum guerreiro do povo do mar quando estavam agonizando porque estava com raiva e com medo porque quase perdi Vonü. Por que eu continuaria servindo um Deus que nunca me perdoará? Doía pensar nisso.
Com o passar das semanas, a vida em Tieres começou a prosperar com o fim do inverno. Já não havia como negar que eu estava grávida, minha barriga crescia junto do apetite, e as comidas graahkinianas colaboravam por serem deliciosas. Nesse meio tempo, as crianças menores foram levadas pelas famílias que não tinham filhos, de forma que somente Petra, Lino, Ellion e Hroth continuavam em casa, e talvez permanecessem, porque ninguém queria crianças mais velhas e me recriminavam por abrigá-las. Eu não me incomodava em criá-las, fui eu quem ajudei com meus irmãos, mesmo que soubesse que Vonü ainda esperava por minha resposta, sobre adotar algum deles.
Com o passar do tempo começaram a fortificar os muros e a se prevenirem se utilizassem o mar outra vez para atacarem a cidade. As casas estavam preparadas para o impacto agora, e havia um plano de emergência. De qualquer forma, qualquer onda que viesse seria contida no litoral, onde estavam fazendo barreiras. Vonü e seus irmãos estavam coordenando todas as defesas enquanto Alinü liderava alguns grupos de patrulha pelas pequenas cidades onde o povo do mar tinha lutado e derrotado magos e demais raças que servissem ao rei. Os graahkinianos planejavam tomar esses lugares, mas sequer tinham pessoas suficientes para encher as Ilhas Tieres. Agora era necessário manter o que tinham conquistado.
Nesse meio tempo, Veegan era uma presença constante em casa, nada havia mudado em relação a isso. Ela gostava de acompanhar minha gravidez mesmo que fosse um filho de Vonü, mas eu também gostava de saber sobre o filho que esperava mesmo que fosse outro filho do pai de Verg, que por sinal me odiava.
—Você já pensou em nomes? — Ela me perguntou certa vez. Estávamos sentadas na grama recém aparada do jardim atrás de minha casa, onde as crianças se divertiam com espadas e escudos de madeira, tentando seguir o que Veegan tinha mandado que fizessem. Estava sol, mas eu não sentia calor. — Se for menina.
—Eu não tenho qualquer conhecimento sobre nomes graahkinianos. Provavelmente Vonü escolherá.
—Claro que não. Sempre será você quem escolherá os nomes dos seus filhos. Não Vonü. — Ela apontou as crianças. — Inclusive delas.
—O que? Mas eles já têm nomes.
—Se serão filhos de graahkinianos então terão nomes graahkinianos. — Ela pousou a mão em minha perna. — Se é você quem escolhe a criança e se é você quem está grávida, você sempre comandará as regras da família.
—Mesmo se eu der nomes cristãos para eles? — Pergunto em tom provocativo.
—Sim, se eles forem seguir esses costumes. — Ela sorriu para mim. — Você é mais graahkiniana do que pensa, Seul.
—Eu sei. Andei estudando.
—Oh, então está concordando que Graah é melhor que seu Deus? — Ela retribuiu a provocação.
—Eu gosto do que vocês falam sobre Graah, e sei que ela tem relatos mais antigos que Jesus
—Esse Deus é jovem e mimado. Se não fazem o que ele quer, ele pune como uma criança.
—E o que Graah faz quando vocês a desobedecem?
—Graah nos mandou seguir nossos instintos. Por que não faríamos isso? — Ela sorriu e se inclinou na minha direção. — Eu estou aqui, não estou?
Balanço a cabeça e desvio de sua investida, deitando a cabeça no seu ombro. Ela não pareceu incomodada e segurou minha mão, envolvendo nossos dedos. Eu gostava de conversar com Veegan, principalmente quando compartilhávamos o mesmo estado.
—Estou grávida de Vonü. — Digo baixo. — Como segundo filho eu sei que você também cuidará dos ensinamentos dele, assim como Vonü ensinará seu filho. Não acha que seria confusão demais?
—Se estivéssemos juntas? Não... Talvez um pouco. Mas eles acabarão entendendo. Nosso povo é resiliente.
—Eu não sou graahkiniana.
—Se está seguindo seus instintos, você é sim, mesmo sem ter nosso sangue. Assim como essas crianças serão consideradas, graças a você.
—Oh, Veegan. Você não se cansa? — Pergunto com humor, ela somente apertou seus dedos entre os meus. — Você devia adotar uma dessas crianças, de coração. Será bom ter duas crianças no seu lar.
—Meu próximo filho será com você. Então... Qual deles você mais gosta?
—Você sabe que não posso te responder isso.
—Eu sei que vai responder. Agora ou depois. Eu posso esperar. — Senti seus lábios pressionarem na minha cabeça.
—A garota gosta de Vonü. — Limito-me a dizer.
—Um garoto. — Ela falou devagar, pensativa. — Então serei mãe de mais um garoto e uma garota.
—Você pode dizer o sex* do bebê em sua barriga?
—Posso. E posso dizer o seu também.
—Não. Pedi que Vonü não me dissesse se tivesse alguma visão.
—Você não sente? — Ela pousou nossas mãos unidas em minha barriga, fazendo-me espalmar a mão no local. — Dentro de você. Você sempre vai poder dizer o que está esperando.
Fecho os olhos, buscando sentir alguma coisa. O que sinto primeiro é o perfume de Veegan pela proximidade, tão penet*ante e agradável, então sinto o calor do seu corpo e a maneira firme como segurava minha mão. Eu não devia estar prestando atenção nesses detalhes, mas a sensação de sua proximidade me fazia sentir forte e estável.
—Srta. Seul Wittebi?
Eu me assustei com a voz grossa que ecoou atrás de mim, e eu me levantei abruptamente, reconhecendo Arin em trajes formais, o que era estranho porque não havia nenhuma data pra comemorar.
—Eu mesma. Aconteceu alguma coisa, Arin? Ou está atrás de Vonü?
—Por favor, me chame de Sr. Ashoff. — Falou rudemente, olhos estreitos. Julguei que mesmo que o sol não batesse no seu rosto ele estaria com olhos cerrados para mim, então eu já sabia o que ele tinha vindo fazer. — Você tem um minuto para conversar? — Embora eu soubesse que ele não deixaria que eu falasse nada.
—Você não deveria falar com ela desse jeito. — Veegan falou firme em minha defesa. — Você sabe que se não fosse por ela, vocês estariam mortos na primavera.
—Meu assunto não é com você, Srta Trhonttier. Garanto que não tomarei muito do seu tempo, Srta. Wittebi.
—Tudo bem. — Toco o ombro de Veegan e ofereço um sorriso fraco, pigarreando antes de falar em graahkiniano com ela. — Ele veio fazer ameaças pelo que descobriu no meu vilarejo sobre mim, mas não fará nada. Não se preocupe. Volto em breve.
Ela me olhou com espanto, mas não disse nada. Arin me olhou com ainda mais repulsa como se fosse possível, e me seguiu para dentro da casa, onde teríamos privacidade. Eu o levei para um dos escritórios, e sentei numa poltrona de frente para ele.
—Eu ofereceria algo para beber ou para comer, mas não acho que teremos uma conversa agradável. — Falo num suspiro ao fim. — Então, se quiser ir direto ao ponto.
—É melhor dessa forma. — Concordou polidamente, então pigarreou, de repente desconfortável. — Quando você veio pedir por aliança, você ainda era uma de nós, falava como nós.
—Agora eu mudei. Não sou somente mago.
—Não é sobre isso. Vários magos vão atrás de poder. — Ele balançou a mão, afastando a ideia. — Eu procurei pelos representantes da Vila do Dragão para anunciar seus atos heroicos durante a batalha. Mas eles deixaram claro que não tem mais nenhuma relação com você.
—Então?
—Você foi expulsa da Vila do Dragão depois que tentou obrigar seus irmãos mais novos a fugirem dos ensinamentos do líder. — Ele esperou que eu dissesse algo, mas eu somente o encarei. — Você tem noção do quão absurdo isso é? Jovens precisam ser ensinados ou se perdem no caminho.
—Eu não fui ensinada. — Pontuo em tom neutro.
—Porque é mulher. Mulheres não devem ser ensinadas a arte da feitiçaria, porque se tornam malignas e famintas por poder. Olhe para você. — Ele mirou minha barriga de maneira acusatória. — Olhe até onde você foi para conseguir poder.
—Você acabou de dizer que magos fazem tudo para conseguir poder.
—Magos. Você não é um mago, você é uma feiticeira, e você se entregou a uma raça amaldiçoada. Você segue o que eles fazem e mora entre eles. Agora está esperando um filho deles. O que você quer com isso, garota?
—Eu não via porque ficar sentada em casa ensinando meus irmãos ou criando filhos com um homem que eu nunca vou amar. E meu pai pensava da mesma forma. — A raiva ardia no meu peito, antiga como o rancor, mas amadurecida no ódio.
—Seu pai era um homem desonrado. — Ele ergueu a mão quando ameacei defendê-lo. — Eu andei pesquisando sobre sua família, Srta. Wittebi. Sua mãe pode ter te criado como filha, mas você não é. Você é filha do seu pai com uma prostituta qualquer.
—O que? — Aquilo me chocou, e ele ergueu as sobrancelhas para a minha ignorância. — Você está mentindo. Meu pai nunca faria algo assim.
—Sua mãe não tem qualquer poder. Para ser mago, ambos teriam que nascer com algum poder. — Aquilo era impossível. Meu pai nunca esconderia algo assim. Mas eu também nunca vi minha mãe apresentar o menor sinal de possuir poder, e se Arin falasse a verdade, explicaria porque ela me olhava com asco. — O líder da Vila sabia disso. Ele me contou.
—Como ele saberia algo assim?
—Ele ajudou a encobrir o fato. Escondeu sua verdadeira mãe durante a gravidez, enquanto a esposa de Soofh, seu pai, simulava uma gravidez. — Explicou com surpreendente calma. — Ela aceitou cuidar de você como a própria filha, você devia ser grata por isso.
—O que aconteceu com minha mãe depois da gravidez? A verdadeira.
—Foi enviada para longe, não souberam dizer onde. Foi melhor assim. Foi a forma que encontraram para sua família não ser motivo de vergonha na Vila. Mas... — Ele respirou fundo, fechando os olhos e retirando os óculos para massagear a ponte do nariz, parecendo cansado. — Você levou vergonha para a sua família mesmo assim, recusando casamento por mais de uma vez. Então foi excomungada. E não feliz tentou levar seus irmãos junto quando foi expulsa. Você foi impedida e tentou atacar o líder. Fez seus irmãos lutarem com você nessa ideia insana.
—Eles odiavam aquele lugar! — Falo com raiva, saindo da poltrona. — Broon só os ensinava a serem idiotas que dobram os joelhos para qualquer um.
—Você matou aqueles dois jovens, Srta. Wittebi. — Ele se levantou com lentidão, mantendo o tom baixo.
—Eu não os matei! Eu nunca os machucaria. Broon foi um covarde. Ele matou meus irmãos!
—Ele fez o que tinha que fazer contra rebeldes.
—Ele atacou dois jovens inexperientes!
—Ele atacou seus cúmplices. E você fugiu. Deixou os corpos dos seus irmãos para trás e fugiu como uma covarde.
—O que você queria que eu fizesse? Ficasse e morresse?
—Era o certo a se fazer. Pagar por tudo que fez.
—E o que eu fiz? Eu lutei pelo que eu queria e acreditava? Eu não quis me rebaixar por um padre, por um homem, nem pela minha mãe. Eu queria liberdade e poder. E nem você nem ninguém poderia me negar isso!
—Eu entendo. — Ele suspirou e colocou os óculos de novo, procurando por algo nos bolsos até retirar um frasco preto de dentro. — Deus sabe o quanto isso é pecado, mas sei que ele apoiaria nossa decisão. Se você beber isso, Broon aceitará que retorne a Vila do Dragão para um julgamento justo. Esqueça tudo aqui. Esqueça essa criança. E ele aceitará seu casamento com a pessoa indicada.
—O que? — Eu só podia estar ouvindo coisas.
—Aborte essa criança, e você poderá ter uma chance de ser uma pessoa honrada entre seu povo. Aceite os fatos. Você não tem lugar aqui.
—Você está enganado. Eu nunca me senti mais em casa do que aqui. Eu sempre estive no lugar errado, e nada, exatamente nada do que você me ofereça mudará isso. Então me faça o favor de engolir essa poção e nunca mais coloque os pés nessa casa e na minha cidade. — Meu tom era controlado, mas eu sentia meu corpo tremer com raiva. — Saia agora enquanto eu ainda considero se mato você.
—Tudo bem, se essa é sua palavra final. Espero que saiba das consequências. — Ele se virou para ir embora. Não havia nenhum resquício de culpa ou sentimentalismo pelo que veio me dizer. Suas roupas formais só queriam me dizer que estava pronto para me expulsar definitivamente do meu povo e seus costumes. Era o preço que pagava por lutar pelo povo que me odiava. Agora eu era somente uma renegada do meu povo.
—E Arin? — Chamo por ele quando sua mão encosta na maçaneta, e ele se vira para me olhar. — Quando sair da cidade, leve seu Deus junto. Eu não preciso mais de alguém que me vire as costas.
—Deus não vira as costas para aqueles que creem Nele.
—O que adiantou eu ter acreditado nele por todos esses anos? Deus só me trouxe decepção e cobranças. Não devo mais nada a ele.
—Espero que mude de ideia, Srta. Wittebi. Deus sabe ser generoso para aqueles que se dedicam aos seus ensinamentos.
—Eu me dediquei a vida inteira. Tudo o que recebi foram queixas.
—Deus faz sua obra por caminhos tortuosos. Mas sempre está certo.
—Não dessa vez. Agora saia. Eu quero ficar sozinha.
Ele moveu a cabeça quase de maneira imperceptível antes de ir embora, talvez aliviado por se livrar de mim como todos queriam. Gritei com raiva, ergui a poltrona sobre a cabeça e a lancei em direção a porta, mas só chegou na metade do percurso. Maldito fosse o destino. Tudo me trouxe para o exato momento em que fui expulsa do meu passado como se não tivesse estado nele.
—Seul, eu sinto muito. — Veegan tinha entrado no escritório e eu não tinha percebido. Eu a encarei, sentindo meus olhos estreitarem. — Eu fiquei preocupada e acabei ouvindo sua conversa.
—Você não tem qualquer noção de privacidade. — Reclamo, sem me importar se parecia rude.
—Eu não fiquei com a melhor impressão com esse homem vindo falar com você. — Ela se aproximou sem hesitar, parando diante de mim com expressão revelando sua preocupação, mas também encontrei raiva. — O que você quer que eu faça com ele?
—Nada que mudaria os fatos. É pedir demais que não diga nada do que ouviu a Vonü? Eu não quero que ela saiba disso.
—Não se preocupe. Seu segredo é importante para você então é importante para mim. Não contarei a ninguém.
Suspiro, desviando do seu olhar preocupado e saindo do escritório, subindo para o meu quarto. Não queria ver nem ouvir ninguém. Aquele era um momento meu e de mais ninguém, não precisava da pena nem da preocupação. A decisão era minha para tomar.
Devo ter dormido em algum momento, porque quando acordei Lino estava deitado comigo, na cama, olhando-me com aqueles lindos olhos castanhos, curiosos e alegres. Sorrio para ele e ele retribui, em silêncio. Ainda havia um pouco de luz vindo das janelas, devo ter dormido o resto da tarde. Não havia mais ninguém ali, mas eu ouvia risos e conversas do corredor, julguei que Veegan ainda estivesse na casa.
—Você ainda está brava? — Lino me perguntou num sussurro. — Porque se estiver, nós podemos brincar de lutinha.
—É? Resolve para você?
—Sim, porque eu sempre ganho. — Ele sorriu convencido.
—Acha que ganha de mim?
—Não. Você tem chifres agora. Eu nunca ganharia.
Para pontuar o que estava dizendo, ele esticou os braços e tocou minha cabeça, mas não o couro, para o que crescia nele, e eu senti seu toque no que parecia ser meus chifres, ainda pequenos no topo da minha cabeça, eu sequer precisava ver.
—Eles são quentes. — Falou com curiosidade. — Por que?
—Estão relacionados ao poder, talvez seja por isso. Estão em constante crescimento. A energia flui por eles diariamente.
—Um dia eu poderei ter chifres e asas como você e Vonü?
—Não. Mas você será um guerreiro incrível se continuar se esforçando.
—Você acha?
—Não. Tenho certeza. — Sorrio para o brilho que atraí em seus olhos. — Sabe outra coisa que ajuda a passar a raiva?
—O que?
—Um abraço. O que você acha? Quer tentar?
Ele balançou a cabeça para concordar, então com cuidado eu o abracei, envolvendo os braços ao seu redor e apoiando o queixo no topo da sua cabeça. Ele retribuiu, pressionando as pequenas mãos em minhas costas, no instante seguinte começando a explorar o local onde saia minhas asas. Não me incomodei. Fecho os olhos, aproveitando o momento. Ele nunca tinha me deixado chegar tão perto, e agora estava repleto de curiosidade, sem agressividade ou me tratando na defensiva. Ele estava finalmente se deixando confiar em mim.
—Seul? — Ele chamou com voz abafada, e eu murmurei que falasse. — Você acredita em Graah?
—Você acredita?
—Acho que sim. Ela venceu os deuses dos meus pais.
—Ela venceu o Deus cristão também.
—Então agora você é graahkiniana?
—Não. Sou como você. — Falo devagar, respirando fundo. — Estou perdida aqui. Mas estou tentando achar meu caminho.
—Você acha que há um caminho para mim aqui?
—Se você quiser que tenha. — Acaricio seus cabelos. — Eu sempre estarei aqui se precisar de ajuda.
—Então eu quero ficar com você.
—Comigo? Bem aqui? — Sorrio, inclinando a cabeça para baixo e abrindo os olhos, mas era impossível ver seu rosto por completo.
—Também.
—E mais o que?
—Eu gosto quando você está ensinando as coisas. Você tem mais paciência que Vonü. E você deixa as coisas mais simples. Então eu quero ser graahkiniano, se você também for.
—Você quer seguir os costumes?
—Sim. Quero ser um homem honrado. — Ele inclinou a cabeça para me olhar, um sorriso de lado. — Quero ser forte. Quero ser o melhor guerreiro. Você vai me ensinar?
—É claro que sim. Não há qualquer dúvida em minha mente.
Ele sorriu animado e nós saímos da cama e do quarto, seguindo o som das brincadeiras no quarto dos brinquedos, onde Veegan se divertia ao se passar por Graah, com uma pequena espada de madeira e um escudo de brinquedo, erguendo no alto enquanto dava ordens. Eu me aproximei e pulei em suas costas, tirando a espada de sua mão e a erguendo mais para cima, ouvindo os risinhos de todos enquanto Veegan me segurava em suas costas.
—Vida longa à Graah! — Gritei, vendo Lino correr e pegar uma espada de madeira, erguendo para o alto também.
—Viva! — Ele foi o primeiro a repetir, então os demais se apressaram em erguer a espada de brinquedo.
—Viva! — Todos repetiram.
—Agora, quem quer jantar? Graah não quer seu povo passando fome. — Veegan falou com ânimo, não demorando para todos começarem a guardar os brinquedos. — Vamos comer então.
Ela seguiu as crianças comigo em suas costas, eu acabei rindo da situação, pressionando as mãos em seus ombros para me apoiar. Não fomos muito longe até nos depararmos com Vonü, que ergueu as sobrancelhas em surpresa por nos encontrar, olhando entre mim e sua irmã antes de prender as mãos na cintura. Ela sequer precisava ecoar os ciúmes que gritou em seus olhos, então desci das costas de Veegan e fui em sua direção, abraçando sua cintura antes de beijar o canto dos seus lábios.
—Bem-vinda em casa, esposa. — Digo num sorriso de lado. — Graah trouxe glória para o seu dia?
—Eu acho que sim. — Então ela sorriu para o que viu em minha cabeça, uma felicidade genuína, um orgulho ardente. — Parece que você tem novidades.
—Você gostou? Graah os fez crescer como um sinal.
—Parece que alguém andou tendo sonhos com Graah. — Veegan falou em tom zombeteiro atrás de mim, e eu me afastei de Vonü para olhar ambas.
—Talvez eu tenha mesmo. — Sorrio, cruzando os braços. — Quando meu filho nascer, farei a cerimônia junto dele, e me tornarei seguidora de Graah.
—Finalmente! Eu sabia que esse dia chegaria. — Veegan não hesitou em me abraçar, comemorando minha decisão.
—Você enlouqueceu? — Vonü continuou onde estava, cruzando os braços enquanto seu corpo se endurecia. — Você não pode fazer isso.
—Claro que eu posso. — Digo de maneira óbvia. — E farei isso.
—Por que faria isso? Até essa manhã você estava certa de que era cristã.
—Então Graah me enviou um sinal. Por que você não está feliz?
—Exatamente, irmã. Por que não está feliz?
—Porque eu te conheço, Seul. Você não decidiria isso se não tivesse acontecido alguma coisa. Principalmente algo assim, que você se importa tanto.
—Eu já te expliquei. Agora vamos. Temos quatro crianças famintas lá embaixo, além da criança que está na minha barriga. Vamos.
Ela não recusou, mas não concordou inteiramente, e me seguiu junto a Veegan para o andar inferior, ouvindo os risos e os pratos sendo servidos. Eu me sentei e me servi, sentindo os olhos de Vonü intensos em mim, como se procurasse por alguma coisa, por algum motivo, mas eu não me deixei envolver por isso, e Veegan me ajudou a manter o clima leve na mesa, seu humor envolvente difícil de resistir. Com poucas crianças em casa, agora elas se sentavam junto a nós, e se divertiam com as histórias que Veegan contava, porque ela era boa nisso.
—Então Vorut foi o guerreiro que mais lutou por Graah? — Lino estava interessado, é claro.
—Sim. Ele destruiu os inimigos ao lado de Graah.
—Ao lado de outros guerreiros. — Vonü a corrigiu, mas claro que Lino não prestou atenção no detalhe, e para isso eu cutuquei as costelas de Vonü, erguendo as sobrancelhas.
—Mas ele fez diversos atos heroicos para proteger Graah e seus companheiros.
Eles ficaram o resto do jantar falando sobre Vorut e outros heróis graahkinianos, enchendo seus ouvidos sobre as maravilhas da cultura para que descobrissem os pesares quando forem mais velhos. Era o certo a se fazer.
—Eu tenho alguns livros ilustrativos em minha casa, se você estiver interessado. — Veegan falou quase inocentemente.
—Estou! — Lino me olhou com olhos suplicantes. — Seul, eu posso ir?
—Está tarde, Lino. — Ergo a sobrancelha, olhando para Veegan por um momento. — Se amanhã Veegan não estiver ocupada, você pode ir.
—Não se preocupe, ele pode dormir lá hoje. — Veegan abriu um sorriso convincente, e para isso não havia como eu negar. — Há vários quartos vazios. Eu o trago de volta pela manhã.
—Tem certeza?
—Claro. Será um prazer. Você pode fazer uma pequena bolsa com as coisas dele para passar a noite?
—Sim. Lino, você me ajuda?
Ainda que me sentindo estranha com a situação, Lino estava animado, porque não sabia de nada, mesmo Vonü não disse nada, mesmo que visse as ideias rondando sua cabeça. O garoto me seguiu até o andar de cima, animadamente pegando roupas de dormir e roupas casuais para a manhã seguinte, além dos seus brinquedos indispensáveis que mais gostava. Eu me sentei na beira da sua cama, vendo-o se preparar, trocando suas roupas sem preocupações, sentindo meu coração se apertar com o que via.
Veegan tinha entendido tudo, e agora faria tudo para conquistar o garoto para levá-lo definitivamente para a sua casa, para o seu domínio. Qual era a chance de ele não aceitar? Veegan era líder de um exército, saberia mais do que qualquer um torná-lo um guerreiro, como ele desejava.
—Seul? Você parece triste. — Lino parou a minha frente, soltando a bolsa pequena que tinha organizado. — Você não quer que eu vá?
—Você gosta de Veegan, não gosta?
—Sim, ela é engraçada e sabe lutar. Ela é legal comigo sempre que vem.
—Você sempre se diverte com ela. — Concordo. — Mas você não ficou muito próximo de Vonü nesses meses.
—Eu tentei, mas ela sempre me olha da mesma forma que os outros. Com desconfiança.
—Eu entendo. Vonü tende a demorar para confiar nos outros, mas ela não quer seu mal.
—Ela é carinhosa com você, eu posso perceber. — Ele sorriu por um momento, como se lembrando de algo. — Diferente dos meus pais. Você via como eles se gostavam.
—Você não acha que gosto de Vonü?
—Vocês se gostam, mas não parecem estar juntas.
—Por que acha isso?
—Porque ela não te olha como Veegan te olha.
Sorrio, puxando seu corpo para perto, abraçando-o outra vez. Ele era jovem, mas era mais esperto, perceptivo. Ele seria um guerreiro incrível. Seria um homem maravilhoso. E eu queria vê-lo se tornando essa pessoa.
—Ei, está pronto garoto? — Veegan parou na porta, sorrindo para nós dois.
Ele me olhou, pedindo permissão, e eu balanço a cabeça para concordar. Ele pegou a bolsa com seus pertences e nós caminhamos até Veegan de mãos dadas, ela sorriu para mim e acariciou os cabelos de Lino.
—Não se preocupe, cuidarei dele. — Ela me garantiu.
—É bom que cuide mesmo. Lino é um bom garoto.
—Eu sei que sim. Ou você não o teria escolhido. — Ela piscou na minha direção e estendeu a mão para Lino. — Vamos? Teremos a melhor noite de todas.
—Vamos! — O garoto se animou e pegou a mão dela. — Boa noite Seul. Até amanhã!
Ele soltou minha mão e caminhou com Veegan sem olhar para trás. Eu sabia que ela iria propor a adoção para ele naquela noite, e agora eu sabia que ele concordaria, porque gostava dela mais que a Vonü, e eu não podia fazer nada sobre isso.
Vonü demorou para chegar em nosso quarto naquela noite. Tive tempo para tomar banho e arrumar nossa cama, e ela só apareceu quando penteava meus cabelos com o pente em frente ao espelho. Ela ficou em silêncio enquanto tirava os trajes e os guardava, ficando nua sem sequer olhar na minha direção, então entrou no banheiro e só saiu quando eu já estava na cama, prestes a dormir. Ela secou os cabelos cor de cobre e sentou na beira da cama, com as costas humanas viradas para mim.
—Veegan está passando tempo demais aqui. — Comentou em tom soturno.
—Sim, ela me faz companhia enquanto você não está, já que não posso sair daqui.
—Eu nunca disse que não podia sair.
—E para onde eu iria? Não conheço nada aqui e seria difícil demais explorar com quatro crianças junto estando grávida. Todos já me julgaram demais por mantê-las. Que dirá se eu andar com elas e Veegan pelas ruas. — Para isso ela não havia reclamação porque sabia que eu tinha razão. — E Veegan me ajuda com as crianças, com as histórias.
—Desculpa. Eu deveria estar fazendo isso. É só... tão difícil.
—Eu sei. Não se preocupe. Veegan ficará com Lino. Ela gostou dele e acha que pode inspirar os demais.
—E você? Já fez sua escolha? — Ela estava ansiosa com o fato.
—Não é só minha escolha. Você devia estar aqui para formar laços com eles. Talvez fosse menos difícil se você visse que são apenas crianças buscando o próprio caminho.
—Eu sei.
Ela se virou e deixou a toalha no chão, engatinhando na cama e sentando ao meu lado, beijando minha testa e me fazendo suspirar, então ela desceu os lábios pelo meu rosto e beijou os meus, pressionando os dedos nos meus ombros e me puxando para perto. Ela deslizou a mão até meus cabelos, mantendo-me perto até eu quebrar o beijo e encaixar nossas testas.
—Não está dando certo. — Digo baixo, olhando para baixo.
—O que não está dando certo? — Ela parecia confusa.
—Nós. Como casal. Mesmo agora, com você perto, eu te sinto distante. Você está aqui, fisicamente, mas sua cabeça está longe.
—Só estou cansada, Seul.
—Todos os dias, Vonü? — Eu a afasto definitivamente para olhar em seus olhos, mas mesmo assim ela se mostrava cansada, quase conformada. — Eu nunca consigo chegar até você.
—Você está sempre comigo, Seul, mesmo que eu não esteja em casa, contigo.
—Não é a mesma coisa. Eu vejo em seus olhos, Vonü. Eu nunca vou conseguir atingir sua alma como Hiver fez.
—Espero que não, porque ela quebrou várias coisas. E você não é dessa forma.
Suspiro, balançando a cabeça de maneira negativa. Havia tristeza e rancor na forma que falava, mas eu não podia mais fazer nada sobre isso. Ela se deitou e me olhou, um convite para que eu me deitasse com ela, mas não o fiz, ficando do meu lado da cama, virada de lado para olhá-la.
—Você nunca vai superar isso, superar Hiver, se não resolver as coisas de uma vez com ela.
—As coisas estão resolvidas. Eu não terei nada com ela. Eu quero você, Seul. Eu quero nossa família. — Ela parecia certa sobre as últimas palavras, mas não era o suficiente.
—Não entramos inteiras nesse casamento, Vonü. A culpa também é minha.
—Veegan? — Eu sabia que havia várias perguntas dentro dessa simples indagação, mas sequer precisava responder.
—Eu respeitarei os costumes, Vonü, ficarei aqui até nosso filho nascer, no início do outono. Realizarei a cerimônia e me tornarei graahkiniana junto das demais crianças. — Ela estreitou os olhos, entendendo o que eu estava dizendo, e não gostando do que ouvia. — Mas agora, há algo que você precisa saber.
Fim do capítulo
Vonü --> o ü é mais fechado, assim como Alinü.
Seul Wittebi --> o W tem som de V, e Seul é dito mais rápido, como quando falamos "seu" mesmo, com o "u" mais fechado.
Marheeve --> o "ee" tem som de i mesmo, mas se lê mar-ive.
Hiver --> h com som de “r” mesmo
Graah --> como tem h no final, tem o som mais aberto.
Voulcan --> na história dos voulcans, o som é mais diferente, o V tem som de F, fica foucan para pronunciar.
Ehfae --> êfaê, basicamente.
Arin Ashoff --> Ash-off
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Lea
Em: 13/08/2021
Querida Alex,sabia que você não nos daria um casal assim "de graça",sem conflitos sentimentais, não importando a época em que elas estejam!!!
E esse povo desse " Deus" que a Seul pertencia são difíceis,propor que a Seul mate o próprio filho!!
Resposta do autor:
Querida Lea, tudo que é dado é tirado ahahaha eu gosto de conquista, assim você segura mais forte (o que conquistou, veja bem), ou ao menos valoriza mais kkkkk então os meus casais sofrem mais a longo prazo :D
São difíceis não é mesmo? Que tipo de pedido é esse? :O
sledgcamren
Em: 07/07/2021
Espero que meu casal não se separe :(
Resposta do autor:
Será? D:
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Marta Andrade dos Santos
Em: 05/06/2021
Vixe melou.
Resposta do autor:
a porca torceu o rabo :0
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