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Amor incondicional por caribu

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Palavras: 4639
Acessos: 2287   |  Postado em: 06/06/2021

Vinte e três

 

- Merda! – Fernanda exclama, batendo com as mãos no volante.

 

Aquela era a segunda vez, só naquela semana, que ela ficava parada, com o carro enguiçado. Por sorte conseguiu um lugar vago, bem a tempo, antes que os motoristas que vinham atrás começassem a buzinar.

Era sempre o mesmo ciclo: o carro morria, ela ficava nervosa, os motorista buzinavam, ela começava a suar e assim dava início a sua dor de cabeça. Dificilmente encontrava alguma alma caridosa que a ajudasse a empurrar o carro para algum ponto em segurança. Por causa disso, estava com mais muque de ter que empurrar o carro quebrado do que de malhar (até porque ela vinha fugindo da academia já fazia um certo tempo).

Bem que disseram que comprar aquele carro não valeria à pena e que pagar um preço tão baixo poderia significar grandes gastos num futuro breve. Mas Fernanda se apaixonou à primeira vista, era um modelo que ela admirava quando era criança, achou propício realizar o sonho, depois de adulta. “O barato sai caro” e “carro é gasto, não investimento” eram as frases que ela mais tinha escutado nos últimos meses.

Não bastasse ter feito um mau negócio, era constantemente lembrada disso, por praticamente todos da sua família. E eles reforçavam os conselhos, todas as vezes que o carro quebrava – e eram muitas essas vezes! Cada hora quebrava uma peça diferente.

Ainda assim, deu um voto de confiança (já tinha até dado nome para o carro); Fernanda tendia a sempre acreditar no melhor de tudo – das pessoas, dos objetos, das coisas em geral. Aí parecia que a vida a testava, mandando situações que ela enfrentava um pouco com o coração na mão, decepcionada e frustrada. Como agora.

Levantou o capô só para que a fumaça do motor cessasse um pouco, e porque sempre via carros enguiçados com o capô aberto. Abriu o tampo, mas nem sabia o que deveria olhar lá dentro – não entendia nada de mecânica. Mas obviamente a fumaça não era nenhum bom indício. Ficou com medo de pegar fogo de repente, e ela ter que correr. Não estava exatamente vestida de acordo para escapar de um incêndio automobilístico.

Olhou para os lados, apenas para constatar o que já parecia claro: não tinha ideia de onde estava. Ia precisar chamar guincho, acionar o seguro e tomar diversas providências que definitivamente não estavam nos seus planos, quando saiu de casa alguns minutos antes. Quis soltar um palavrão, mas só chutou o pneu do carro.

 

- Ei, moça! – um rapaz grita, do outro lado da rua – Chutar não vai consertar o seu carro e pode te machucar.

- Você entende de mecânica? – Fernanda retruca, o vendo atravessar.

- Olhe, se eu não entender, vou ter problemas sérios quando chegar em casa e precisar explicar para minha mulher o porquê dessa graxa toda – ele responde, parando ao seu lado.

 

O rapaz tinha um sorriso no rosto e seu jeito amigável fez com que a irritação de Fernanda serenasse, pelo menos um pouco. Ela notou que ele estava mesmo sujo de graxa, mas era só na roupa – os braços e mãos estavam limpos. Então achou muita sorte encontrar um mecânico ali, bem na hora, e já era tarde, a maioria dos comércios já estava de portas baixadas. Se fosse do tipo supersticiosa diria que aquilo era um sinal.

Só não sabia do quê.

 

- Ele pifou – ela anuncia, meio categórica – Ultimamente o meu bichinho anda mais na oficina do que na rua. Só nesta semana quebrou duas vezes. É ótimo, me deixa na mão quando mais preciso.

- Ah, mas é sempre assim – o homem concorda, com metade do corpo dentro do capô do carro – É quase uma regra: se as coisas parecem ruins, podem sempre piorar. E sempre nos piores momentos.

 

Fernanda riu e balançou a cabeça. Aquele era o tipo de coisa que seu pai costumava dizer, inclusive com relação ao carro que, agora, ela se convencia mentalmente da necessidade de vender – e  urgentemente. Já sentia saudade de quando não sabia nem onde ficava a trava que abre a frente do motor, ou de quando vivia ingenuamente, desconhecendo as luzes que acendiam de repente no painel. Se compadecia sempre que via motoristas nos acostamentos das estradas da vida, porque sabia como era chato viver aquilo, situações que depois geravam histórias que ela sempre contava num tom dramático.  

Ela já tinha várias experiências acumuladas: o carro já tinha pifado em ruas movimentadas, em avenidas congestionadas, em estradas e até na garagem de casa, quando quebrou antes mesmo de ligar. Era muita emoção para alguém que só tinha renovado a CNH uma única vez. Definitivamente, Fernanda não queria mais esse tipo de aborrecimento.

Beatriz estava certa quando dizia que ela não precisava viver aquilo. Não precisava mesmo. Ninguém merece!

Olhou para o rapaz prestativo, que fazia força tentando tirar algo que estava emperrado no motor, e se conformou de que demoraria ali, e que por isso se atrasaria. Resolveu ligar para Beatriz, chateada, porque aquele evento atrapalharia todos os seus planos para aquela noite, que era muito especial para elas. Deu um suspiro profundo antes de discar.

 

- Oi, amor. Sou eu – ela diz, depois de uns instantes – Vou me atrasar. É, foi o carro de novo. Eu sei que você disse que ia acontecer novamente. Sim, sim... eu sei que preciso vendê-lo – ela vai diminuindo o tom de voz – Tá, amor, você já disse – Fernanda fala, com cara de pesar.

- Acho que vai ser melhor levar na oficina, dona – o mecânico comenta. Tinha virado o boné para trás e, apesar da barba rala, parecia um moleque – Vou precisar desmontar o motor do seu carro e não consigo fazer isso aqui no meio da rua.

- Ouviu, amor? Vou desligar, preciso ir até a oficina. É, tem um moço aqui que parou para me ajudar. Não, não precisa vir! Eu pego um Uber. Mas que teimosia, gente! Tá, certo, não vou discutir com você. Se quer vir, vem. A oficina fica na...

- Rua das Laranjeiras – o rapaz responde, limpando as mãos em um pano encardido, que estava enfiado no bolso traseiro de sua calça.

- Ouviu? É, é na vila que fica perto da casa da minha mãe. Fica a uns 15 minutos, mais ou menos. Vou te mandar a localização. Ótimo. Te espero lá. Também te amo, um beijo.

 

Logo que desligou o celular, notou que o rapaz demonstrava ter a intenção de empurrar o carro, sozinho. Apesar de aparentemente magro, Fernanda percebeu que ele era forte, no momento em que levantou as mangas da camiseta.

 

- Você pretende empurrar? – ela pergunta, um pouco descrente.

- Sim, eu trabalho naquela oficina ali, olha. É descida, moça. Só preciso que você fique no volante e freie, se vier algum carro no sentido contrário. Nós vamos pela contramão.

- Você está maluco?

- Ou isso ou o seu namorado chega lá antes de nós – ele responde, sorrindo mais uma vez.

 

Fernanda entrou no carro, esperou ele fechar o capô e dar a volta. Antes de colocar o cinto ele já segurava com força na janela do carona, se preparando para empurrar. Só então Fernanda reparou que a tatuagem no braço dele ia até o ombro. Imaginou que deve ter doído, e demorado para tatuar tudo aquilo.

Se lembrou da tatuagem de Beatriz, já tinha beijado letra por letra daquela citação impregnada em sua costela. Gostava de deslizar os dedos por ali, como se fosse braile.

Ela queria ter coragem para fazer tatuagem, já tinha passado várias vontades, com várias ideias, mas acabava que sempre desistia porque travava na permanência do desenho. Tinha medo de se arrepender, de depois pensar diferente, e até de engordar, e emagrecer, e deformar o que teria doído tanto para tatuar.

Samanta sempre insistia para que fizessem juntas uma “tatuagem de irmã”, simbolizando o elo entre as duas, mas mesmo muito sintonizadas elas nunca tinham entrado em um consenso sobre o que exatamente tatuariam. Até porque teria que ser em algum lugar que não fosse muito visível, pois Nívea era terminantemente contra que as filhas se riscassem.

Ironicamente, Wagner tinha um dragão tatuado no braço.

 

- Vai, eu vou dar impulso – ele diz, a trazendo de volta.

 

Desceram a rua com o rapaz assoviando alto, e fazendo gestos para alguns motoristas que passaram perto deles. Fernanda achou uma aventura trafegar na contramão, e deu uns gritinhos enquanto comandava o carro em ponto morto, com o pisca ligado.

Aquilo era muito mais divertido do que andar em cima do guincho!

 

- Moço, mas pode deixar, amanhã você conserta – ela diz, assim que ele abre o portão da oficina, que já estava trancada – Você já tinha até parado de trabalhar, eu agradeço muito pela sua ajuda, só de o carro não ficar na rua eu já estou feliz.

- Tudo bem, eu acho que sei o que é que está dando problema – ele responde, puxando do canto uma caixa de ferramentas nitidamente pesada – Só não consegui tirar a peça, que parece que está presa, mas aqui tenho as ferramentas todas. Se eu estiver certo, vai ser rapidinho.

 

Fernanda assente com a cabeça e dá uma rápida analisada no local, depois que ele acendeu as luzes. Havia três carros ali dentro, sendo que um estava em cima de uma plataforma suspensa. Ela caminhou até próximo dele e observou a parte de baixo do automóvel, que estava corroída de ferrugem. Dali, ela conseguia enxergar o teto.

Viu que, ao lado, o carro estacionado tinha só o banco do motorista, e no carona havia uma cadeira de praia. Curiosamente, na parte de trás tinha uma cadeirinha de criança, mas com uma coleira amarrada junto ao cinto.

No fundo da oficina, o terceiro carro, que era uma kombi, estava até que ajeitadinha. Olhando de fora, não parecia nem quebrada. E ela nem podia imaginar que há dias o mecânico quebrava a cabeça tentando consertar um problema que ainda não sabia de onde vinha.

Fernanda ficou um tempo ali, observando tudo à sua volta e imaginou como seria trabalhar naquele lugar. Além de ser um galpão que provavelmente era bastante quente durante o dia, tinha cheiros muito fortes, de produtos certamente nocivos à saúde.

Fora a sujeira que ficava na pele, que era difícil de tirar. Saía muitas vezes à base de produtos igualmente danosos. Uma trabalheira para limpar, para no dia seguinte sujar tudo de novo.

Ficou com dó quando viu seu carro ser martelado, embora parecesse que o mecânico sabia o que estava fazendo. Ela precisava urgentemente trabalhar essa questão do apego, achava isso muito perigoso. Quando via, estava lá, se lamentando em ter que deixar para trás um carro que ela tinha acabado de chutar, tamanha a sua frustração.

Aquilo certamente seria dito pela namorada, logo que se encontrassem. 

Quando constatou que não havia muito mais para ver ali, Fernanda sentou em cima de uma pilha de pneus (não achou nenhuma cadeira). Já estava cansada de ficar em pé e entediada demais para ficar só observando o passo a passo do conserto do automóvel. Não sabia exatamente qual era a noção do moço quanto ao tempo, o que ele julgava ser rápido. Para ela, já estava demorando, mas não tinha muito o que fazer, a não ser esperar.

Se lamentou por ter apagado os jogos do seu celular – seriam mais úteis agora do que o programa que ela instalou na semana passada, e que a fez deletar vários aplicativos, por falta de espaço no aparelho.

Sorriu, ao encontrar uma revista de fofoca, num cesto perto dela. Era velha, mas como ela nunca tinha lido, era uma revista nova. Seria melhor se entreter com assuntos fúteis a se aborrecer com a falta do que fazer. Ou com a chateação de estar ali, e não nos braços da mulher que amava.

Não se preocupou com o fato de que sujaria toda a calça, sentando nos pneus. A verdadeira produção não estava na calça, nem na camiseta azul-marinho decotada, nem mesmo na maquiagem, discreta. Fernanda tinha se arrumado especialmente para Beatriz – e apenas ela iria conferir a sua produção (que também era o seu presente). Soube, assim que viu aquele conjunto rendado de lingerie, que valeria a pena comprá-lo para um dia especial.

E o dia era hoje. Parecia difícil de acreditar, mas hoje elas comemoravam um ano de namoro. Ou melhor, há um ano tinham se beijado pela primeira vez (porque nunca nenhuma delas fez o pedido, ou oficializou o relacionamento, de alguma forma), então essa era a data que comemoravam.

Em vários momentos, Fernanda tinha a impressão de que fazia menos tempo que estavam juntas. Ainda havia muito de Beatriz para desbravar. Porém, em outros, parecia que era muito mais. Agora, por exemplo, enquanto folheava a revista sem prestar muita atenção, pensava em como Beatriz era preocupada e querida, fazendo questão de ir buscá-la ali, totalmente fora do seu caminho, só para evitar transtornos para ela. Isso era uma baita demonstração de cuidado! O fato de ter resmungado um “eu avisei” também era uma prova disso.

Mesmo contrariada, Fernanda sorriu. Lembrou como era sentir aquele friozinho na barriga sempre que via Beatriz no começo, e como era bom agora, que tinham mais intimidade, e os arrepios se davam pelo corpo inteiro. Eram outras sensações, que ela até gostava mais. Passado um ano, seu desejo sincero era ficar com a mulher para sempre. O seu amor a fazia muito bem.

A alguns passos de distância, alheio a todos esses pensamentos, Fábio se perguntava como poderiam ter feito aquele remendo tão mal feito no motor do carro. E como o namorado da mulher que a todo instante olhava para o relógio não tinha visto que ela tinha sido enganada – e por isso o carro estava sempre quebrando.

Quando pensou em dizer algo, se virou em sua direção, e no mesmo instante estacionava ali em frente um modelo importado que ele só tinha visto na televisão. O carro era tão silencioso, que Fábio nem ouviu chegando.

Viu então Fernanda caminhar sorrindo até a calçada e, após o vidro baixar, beijou o motorista. “Ou pareceu que tinha beijado”, ele pensaria, instantes mais tarde.

Fábio viu então a porta se abrir e de dentro do carro saltar uma silhueta que, definitivamente, não pertencia ao “namorado” da mulher que tinha chutado o carro, e que agora parecia diferente, toda sorridente, acenando para o motorista. Ele ficou ainda mais surpreso quando viu quem era.

 

- Olá! – Beatriz exclama, aproximando-se – Fábio? Tudo bom, lembra de mim?

- Sim, olá, eu lembro – ele responde, um pouco confuso.

 

Na verdade, ele não tinha muita certeza do que pensar. Tinha imaginado que o namorado da dona do carro que ele estava consertando fosse, primeiramente, um homem. Aí viu que era uma mulher, e sua cabeça deu um nó, querendo entender. Depois, buscou no banco de dados da sua memória o rosto da psiquiatra, e fez um cruzamento com a lista de nomes que surgiram em sua mente.

 

- Beatriz! – ele exclama. Ficou nítido que só agora se lembrava dela, de fato – Como vai?

- Bem! Eu vou muito bem e você? – ela pergunta. Estava surpresa também, mas parecia feliz de encontrá-lo ali – Há quanto tempo!

 

O rapaz estava diferente e, não fosse a tatuagem exagerada, talvez ela nem o reconhecesse. Tinha cortado o cabelo e a barba crescia em forma de cavanhaque. Estava mais bonito e parecia feliz, mais maduro. Era sempre satisfatório para ela encontrar algumas pessoas depois de um tempo e verificar que estavam bem.

 

- E a Bianca, o Joaquim? Como estão? – Beatriz quis saber.

- Todos bem. Tudo certinho, como tem que ser.

 

Os dois ficaram se encarando, durante alguns segundos. Há quanto tempo tinham se encontrado para a última conversa? Oito meses, talvez nove? Por um breve instante, cada um se recordou rapidamente das impressões daquela ocasião. Fábio se sentia um pouco transformado, desde então procurava vigiar mais seus julgamentos. Ainda era um exercício constante, e até cansativo, mas se inspirava no filho para continuar. Era tão agradecido àquela médica que achou muita sorte, e muita coincidência, ela estar ali agora.

Beatriz, por sua vez, trouxe à tona a sensação de que tinha falhado com aquele atendimento. Fábio (e muito provavelmente a esposa, que ela não teve a oportunidade de conhecer) vivia mergulhado numa escuridão difícil de se romper, e ela detestava admitir seus casos perdidos. Mas estava diante de um; tinha malogrado com aquele casal. 

 

- O carro da sua amiga está quebrando tanto porque não consertaram direito – ele diz, quebrando o silêncio, apontando para o carro de capô aberto – Eu encontrei um remendo muito do malfeito, arriscaria até a dizer que foi proposital.

- Eu não duvido, os mecânicos adoram a Fernanda, ela é cliente regular das oficinas. Mas o carro está “quebrando tanto” porque é um carro velho! – Beatriz retruca, sorrindo para a mulher.

 

Fábio notou a cumplicidade entre os olhares delas, já tinha visto discussões parecidas, grande parte da sua clientela era de pessoas apegadas a carros antigos, por motivos que variavam. A diferença era só que envolvia sempre casais de homens e mulheres, e Fábio ficou meio assim de estar pensando coisas. Voltou a atenção para o carro, que aguardava a conclusão do reparo.

 

- Manda essa coisa para o ferro-velho, garota! – Beatriz continua, cutucando a outra com a ponta do dedo.

- Ah, não me aborreça, Beatriz – Fernanda reclama, mas também estava sorrindo – E demora a consertar, moço?

- Na verdade, não – Fábio responde, apertando um parafuso com uma chave de fenda minúscula – Já até terminei.

- Viu só, Bia? Não é um carro velho. Eu que tive o azar de não encontrar nenhum mecânico competente.

- Agradeço o elogio. Mas se eu fosse você, passava esse carro para frente rapidinho. É só uma questão de tempo até o motor fundir. Você vai ter um problemão, é uma bomba-relógio. E essas coisas são bastante caras.

- Ah, não! Amar-Elo! Em estado terminal! – Fernanda exclama, com uma das mãos sobre a boca, de forma meio dramática.

- Viu? Não é implicância minha! Seu amigo está em fim de linha! –Beatriz implica, vendo que desta vez Fábio riu também.

 

Ele deu a partida no carro, que ligou, depois de uma gemidinha. Acelerou algumas vezes com o automóvel parado, só para verificar se estava tudo certo. Fechou o tampo e quando ia dizer algo,  entrou correndo por ali um menino de uns três, quatro anos. Parecia bem novinho, considerando a magreza e o tamanho, mas Beatriz reparou que ele tinha a agilidade típica de crianças um pouco mais velhas, era desenvolto nos movimentos.

Com a pele bem morena e os cabelos bem pretos, o menino tinha uma beleza peculiar. E olhou para elas de relance, antes de abraçar o pai.

 

- Esse é o Joaquim! – Fábio apresenta, sorrindo ainda mais. Nunca escondia o orgulho que tinha do filho, e menos ainda de Beatriz, que finalmente o conhecia – Joca, diz oi para a doutora Beatriz e para a...

- Oi, meninão! Eu sou a Fernanda! – ela cumprimenta, com um sorriso.

- Seu filho é lindo! – Beatriz exclama. Era sincera e isso pôde ser percebido através de sua voz.

- Oi! – Bianca cumprimenta, entrando na oficina.

 

Ela observara de longe as mulheres que conversavam com Fábio, cheias de risadinha. Percebeu que ele parecia conhecer uma delas, a mais magra. A outra, que era um pouco mais alta e com o cabelo ondulado, certamente era a dona do carro que permanecia com o tampo aberto. Bianca deu uma boa encarada na responsável por fazer o marido se atrasar para chegar em casa.

Achou as duas bonitas, com pinta de esnobe, cheias da grana, combinavam mais com o carro estacionado lá fora do que com o amarelo desbotado que o marido só desligava agora, deixando o silêncio imperar dentro da oficina.

Observou a roupa delas. O estilo deixava um pouco evidente as idades e a classe social de cada uma. Notou que a mais velha usava uma roupa toda combinando, o colar na mesma cor da blusa, e imaginou que ela ficava sempre horas escolhendo o modelito que desfilaria ao longo do dia. A outra não parecia dirigir um carro como aquele, parecia uma filhinha de papai, mesmo usando roupas simples, casuais, vestia calça jeans e camiseta. Mas era uma calça de marca, Bianca reparou, e a blusa também. Assim como o tênis, que parecia despretensioso, mas custava uma nota. Recentemente tinha visto um igual, num anúncio do Instagram.

Ela conhecia aquele tipo de mulher, eram que nem as clientes que passavam a compra no seu caixa no meio da semana, três horas da tarde, despreocupadas com qualquer atividade que não fosse gastar dinheiro com supérfluos enlatados e “embalagens econômicas” que na verdade custavam uma nota. Madames que nunca validavam o cartão do estacionamento, que levavam guloseimas para crianças, mas estavam sempre sozinhas.

Sempre compravam muitas besteiras e nenhuma verdura, nenhuma fruta (a não ser umas cristalizadas, que eram caríssimas no Viver). Nunca ensacavam a própria compra, que tinha sempre valores finais exorbitantes, mas elas sequer piscavam antes de sacar seus cartões que liberavam o pagamento apenas com a aproximação.

Eram pessoas soberbas, sempre com umas conversas muito aleatórias, às vezes até despudoradas, contando segredos na sua frente, uma total desconhecida. Como se ela fosse invisível.

Eram anos atendendo aquela gente, e ela se sentia calejada naquele trato. Ou na sua falta. Acabava sempre pensando que pessoas muito endinheiradas tinham o coração mais frio, eram menos dotadas de empatia. Talvez porque não se viam constantemente confrontadas com situações que exigiam a solidariedade, a rede de apoio que existe numa comunidade mais carente, onde todos se ajudam mutuamente.

Longe de sentir inveja, Bianca tinha vivido uma vida inteira sendo quem era, já estava acostumada à sua condição financeira, sua classe social. Tinha sido criada para encarar a vida diária como uma grande batalha, então nem tinha tempo para desejar algo que ela não poderia ter.

Claro que às vezes desejava poder comprar todas aquelas coisas também, havia muitas comidas no mercado que ela nunca tinha nem experimentado, fora as bebidas que de vez em quando ela dava uma olhada junto com Teresa, ciente de que jamais compraria – uma única garrafa custando tudo o que poderia ser investido em carne para um churrasco, por exemplo, com troco, parecia um péssimo negócio. E dava para ficar alegrinho com bebidas mais acessíveis.

A questão, para ela, é que esse tipo de pessoa, obviamente com grana, mulheres como aquelas duas que agora a encaravam, talvez a medindo, sempre faziam pose e agiam como se nem notassem a sua presença. É desgastante viver assim.

Beatriz olhava para a moça que chegara com algumas sacolas nas duas mãos. Apesar de Fábio nunca ter feito nenhuma descrição da mulher, ela teve a certeza de que era Bianca. Os cabelos, mais ou menos na altura dos ombros, eram de um tom em castanho que Beatriz nunca havia visto. Notou que seus olhos cor de mel estavam levemente contraídos, desconfiados.

A mulher era um pouco arredia, todo o gestual era muito claro nas suas intenções. Ela estava totalmente na defensiva, apesar de parecer em ataque. Se sentiu medida por Bianca, e por um momento esqueceu o que estava vestindo. Estava acostumada a ser avaliada no consultório, quando a olhavam assim, de cima a baixo.

Eram mais ou menos do mesmo tamanho, mas Bianca estava um pouco encurvada, talvez devido ao peso das sacolas, que ela finalmente apoiou no chão.

 

- Olá! – Beatriz responde, sorrindo cordialmente – Bianca, né? Eu sou a Beatriz.

- Oi, prazer, Fernanda – apresenta-se, dando a mão para a mulher.

- Oi – Bianca cumprimenta, aparentando agora estar um pouco acanhada, ou mais desarmada – Você é a psiquiatra, né? A que ajudou o Fábio quando eu...

- É ela, amor – Fábio interrompe, sorrindo agradecido para a médica.

 

Ela não parecia exatamente a figura que ele guardava na memória, que o encarava por detrás daquela mesa de vidro, sempre impassível, sem demonstrar o que pensava, o que sentia diante do que ele falava, mas era ela. Estava mais descontraída e sorridente, mas ainda assim era a médica que o fizera pensar sobre seus próprios pensamentos.

 

- Enfim nos conhecemos! – Beatriz comenta.

 

Bianca quis sorrir, mas não teve certeza se obteve êxito. Se sentia estranha, incomodada. E Beatriz provocava nela uma reviravolta de lembranças e sentimentos, que ela tinha se esforçado bastante para abafar.

Beatriz também não soube dizer se naquele momento conseguiu sorrir. Algo naquela mulher a fazia ficar com uma sensação de estranheza. Seus olhos eram familiares de alguma forma, e por mais que ela se esforçasse em não tentar lembrar-se de onde a conhecia, sua mente buscava incessantemente por um rosto como o dela.

Talvez por isso, teve dificuldades em fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, e percebeu que isso estava afetando a sua capacidade de interação. Era o que explicava.

Fernanda deu uma olhada para ela, como se estivesse estranhando, ou só estava curiosa para saber quem eram aquelas pessoas, que ela sabia até os nomes. Quando menos esperava, chutou de volta uma bola que Joaquim tinha jogado perto deles, fazendo o menino sorrir, com satisfação.

 

- Pois é. O Fábio sempre falou muito bem de você – Bianca responde. Foi tudo o que conseguiu dizer.

 

Lembrou de relance de quando perdeu o bebê, da tristeza que a invadiu, o vazio em que mergulhou. Nunca tinha se sentido tão mal, e imaginou como teria sido se tivesse aceitado sua ajuda. Como teria sido atravessar por tudo aquilo com o apoio daquela mulher, cujos olhos verdes estavam fixados nela?

Tentava entender o porquê de ela a encarar com aquele olhar esquisito. Os psiquiatras olhavam sempre assim para as pessoas? Ela certamente perguntaria a Fábio depois.

 

- Bom, não vamos mais tomar o tempo de vocês – Fernanda comenta, dando um tapinha na lataria do carro – Quanto eu te devo? Posso pagar no cartão?

- Imagina, eu jamais cobraria por esse serviço – Fábio responde, balançando a cabeça, em negativa – E eu nem fiz nada, só ajustei um remendo malfeito.

- Tem certeza? – ela insiste.

- Claro, é o mínimo que eu posso fazer.

- Eu agradeço muitíssimo! Você é muito gentil! Vamos? – Fernanda pergunta, encostando no braço de Beatriz – Eu sigo você.

- Ouça, Beatriz, eu tive uma ideia – Fábio comenta, antes que Fernanda desse partida no carro – Hoje à noite nós vamos fazer um churrasco em casa. Não é nada demais, é só uma reuniãozinha com os amigos mais próximos, para comemorar o aniversário do Joaquim. Eu queria muito que você fosse.

- Hoje? – Fernanda pergunta, um pouco desapontada.

- Mas você pode ir, também! – Fábio se apressa em dizer, apertando mais uma vez a tampa do capô – Desculpe, não falei direito! O convite é para as duas.

- É que na verdade nós já tínhamos um compromisso. Mas vou ver se conseguimos desmarcar – Beatriz responde, evitando olhar para Fernanda. Sabia que ela a fuzilava com os olhos.

- Bom, se conseguirem desmarcar, a gente mora ali naquela rua, número 22 – Fábio aponta para uma subida que havia logo em frente à oficina – O pessoal vai chegar por volta das oito da noite.

 

 

 

Fim do capítulo


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Comentários para 23 - Vinte e três:
Lea
Lea

Em: 24/01/2022

Quando o sangue chama é inevitável!!( Está mais que certo que são irmãs)

E algo me diz que e se, quando for descoberto o parentesco,a Bianca não irá aceitar de bom grado!


Resposta do autor:

 

Se prepare...!

Responder

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Drea
Drea

Em: 12/07/2021

Voltei... vc solta e dps amarra novamente, nem ia comentar por agora, vamos aguardar p v como vc fará.


Resposta do autor:

 

Olá! =)

A história segue o movimento do mar rsrs 

Que bom que comentou, msm que não fosse comentar rs

Espero que goste da amarração final!

Beijos!

Responder

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kasvattaja Forty-Nine
kasvattaja Forty-Nine

Em: 06/06/2021

Olá! Tudo bem?

 

Vamos ver se esse churrasco será com ''Picanha'' ou ''Bananinha'' — e vamos torcer para não ''baterem na carne'', aí desanda, não é? —, que ninguém engasgue com pedaço algum e que não tenha cerveja quente.

Torcendo pelas nossas meninas.

Quanto aos parágrafos longos, abordado nos comments anteriores, continue com eles, pois eles fazem termos uma interação maior com o seu texto. Beautiful.

E quanto à questão de misturar-se — não importa de que forma — héteros com homos na mesma história, por que não?

Continue, Autora, parabéns.

É isso!

 

Post Scriptum:

 

''A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede. ''

 

Carlos Drummond de Andrade,

 

Poeta, Contista e Cronista Brasileiro.


Resposta do autor:

 

Olá, dona 49! Tudo bem e vc?

É, não sei não, mas acho que nesse churrasco de gente diferenciada a cerveja vai estar choca rsrs

Mas a gente torce para que nossas meninas fiquem bem, msm assim!

 

Confesso que fiquei pensativa com relação aos parágrafos longos, ao tamanho da história... mas agora que chegamos na metade do livro, não tenho mais muito o que fazer, a não ser continuar escrevendo e terminar rsrs

Este sempre foi um livro grande, agora com a edição vai se transformar num livro enorme rsrs

Um beijo e ótima semana!

 

Responder

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 06/06/2021

Hum sei não viu o que vai rolar nesse churrasco.


Resposta do autor:

 

Algo me diz que vai ser meio indigesto...!

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cris05
cris05

Em: 06/06/2021

Partiu churrasco (rs)? 

Fábio de bobo não tem nada. Além da gentileza em convidá-las para o aniversário de Joaquim, vai fazer a "ponte " entre as Bias. 

Quem não vai gostar nada disso é a Nanda, mas Bia Beatriz depois compensa rsrs.

P.S Autora, consertou o tanque (rs)?

Beijos!


Resposta do autor:

 

O Fábio é um personagem importante, eu falo isso desde o início!rs

Achei fofo ele convidá-las pra festinha, embora tenha parecido um convite meio impensado.

Que será que vai rolar nesse churras, hein?rsrs

Fernanda ficou p* da vida, e com razão. Mas a Bia compensa msm (mas só no final do capítulo 25 rsrs). Inclusive estou escrevendo isso agora!

Vai ficar tudo bem. Mas segura que vem chumbo antes!

Beijos!

 

P.S.: não consertei o tanque rsrs É meu drama doméstico/semanal, só vou viver isso de novo na próxima sexta rs Mas acho que vou pedir pro cara desrosquear a caralha da peça, vou ter que chamá-lo pra vir aqui pra furar a parede rsrsrsrs Eu amo fazer furos nas paredes, mas só ele tem furadeira rsrsrsrs Oremos, amiga! 

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NovaAqui
NovaAqui

Em: 06/06/2021

O nome do pai era Severino. Fui conferir no início da história. Passei batida por isso. Às vezes leio e não foco alguma coisa

Será que a mãe delas é a mesma? Catarina?

Vamos ver


Resposta do autor:

 

Isso, Severino.

E na consulta com a Beatriz o Fábio conta que a Catarina, a mãe, deu o primeiro filho para o homem que a engravidou, antes de ela ter a Bianca, pq o sujeito era poderoso e ficou fazendo pressão.

A pergunta que fica é essa: será que ela é mãe da Beatriz?rsrs

 

 

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NovaAqui
NovaAqui

Em: 06/06/2021

Passou um tempo desde o último encontro dos dois e agora estão frente a frente de novo

Será que elas vão?

Acho que não. Fernanda vai querer um momento a duas isso kkkk

Será que os olhos de Bianca são iguais ao do pai de Beatriz?

Abraços fraternos procês aí!


Resposta do autor:

 

Pois é, frente a frente: Beatriz e Fábio, e Beatriz e Bianca.

Quis fazer alarde qto a isso no capítulo anterior, mas guardei a surpresa do encontro delas rs

SE elas são irmãs (rs), não é de pai! O pai da Bianca deixava o salário sempre num bar (fala isso lá no começo da história). SE são irmãs, é de mãe.

Risos

Eu se fosse a Fernanda, toda produzida, ficaria era passada de ver tudo ir por água abaixo por causa de uma festinha de estranhos. Ainda bem que ela é diferente, que daí temos história rsrs

Beijos!

 

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