Os investimentos numa guerra não trazem lucros imediatos
Veegan convocou uma reunião dois dias depois, todos os irmãos reunidos na casa de Vaanë, que tinha um salão ligeiramente mais amplo que abrigava todos os corpos. Verg, o filho dela, também estava ali, provavelmente porque ela queria ensinar alguma coisa para ele, o que era bom, porque o garoto era um idiota como todos fomos na idade dele.
Veegan repetiu o que Seul deveria ter dito para ela, e eu não sabia o que Seul tinha feito para convencê-la de que marchar no inverno era boa ideia, mas deu certo, e eu agradecia. Não tinha investido meu ouro em minha própria desgraça.
—Se partirmos na próxima semana, evitaremos a neve mais grossa. — Vigur falou, ajeitando o capuz para cobrir seu tufo de cabelos. — E se tivermos lugar para nos abrigarmos, poderemos planejar uma investida mais eficaz.
—Eu não gosto da ideia de compartilharmos o campo de batalha com magos. — Vaanë falou carrancudo. — Quem garante que não irão se juntar a aqueles bastardos para nos atacar pela retaguarda?
—O povo do mar também os está atacando. — Observo, olhando ao redor.
—Mas nós somos os amaldiçoados. — Argumentou. — E o povo do mar se passa por cristão. Logo, se eles fizerem um acordo e os magos contarem nossos planos de atacar, então estaremos mortos.
—Exato. Que garantia temos nessa aliança? — Volinüs concordou com Vaanë, e eu somente suspiro.
—A mesma garantia que temos de ganhar essa guerra, sem a ajuda dos magos. — Veegan falou em tom firme, atraindo a atenção dos demais. — Sabíamos que seria arriscado. Ninguém aqui tem certeza de que sobreviverá a essa guerra. Precisamos dar um voto de confiança se quisermos nos tornar confiáveis.
—Sem alianças não ganhamos uma batalha. — Vigur acrescentou, para concordar com Veegan. — Decidimos que iriamos lutar sozinhos contra o povo do mar há dois séculos. E olha o que aconteceu. Fomos quase exterminados.
—Seremos exterminados se confiarmos em cristãos. — Volinüs falou de maneira azeda, olhando na minha direção, mas foi Veegan quem a respondeu.
—Estaremos confiando nos magos. Eles estarão tão desconfiados quanto nós estamos. Ficarmos discutindo o que pode acontecer não vai nos ajudar a planejar uma estratégia contra nossos verdadeiros inimigos. — Ela olhou ao redor, esperando que alguém retrucasse, mas ninguém falou mais nada, e Volinüs fez uma careta. — Os magos nunca foram um problema para graahkinianos. Não é agora que vão começar a ser.
—Se vamos para os Montes Gelados, como faremos para não atrair atenção? — Vaanë perguntou, apontando para o mapa sobre a mesa. — Temos 347 guerreiros até agora. Não é um número para se desprezar.
—Podemos nos dividir em grupos pequenos. — Vigur sugeriu. — Evitar as cidades e manter o disfarce humano.
Então começaram a discutir estratégias, debatendo qual seria a melhor. Eu não estava completamente concentrada naquilo. Ainda estava tentando absorver o que tinha visto na noite em que cheguei, o que ouvi, e tentando, inutilmente, não me sentir uma completa idiota, porque Seul tinha me alertado, mas eu tapei meus ouvidos para não admitir.
A porta do salão foi aberta, e Seul entrou vagarosamente, coberta com um grosso casaco de pele e uma touca de lã na cabeça, mas ainda tremia, e eu abri espaço ao meu lado para ela se sentar. Não sabia que tinha sido convidada para a reunião, e mesmo que meus irmãos se remexessem desconfortáveis em suas cadeiras, ninguém protestou quando ela assumiu o lugar ao meu lado, de frente para o fogo. Ela me olhou, seus olhos azuis me analisando como uma águia, mas eu somente sussurrei o que tinham discutido e o que estavam querendo discutir agora. Ela não reclamou quando passei um braço sobre seus ombros para aquecê-la, ainda que Veegan tenha feito uma careta azeda na minha direção.
—Talvez haja uma forma de viajarmos todos juntos sem levantarmos suspeitas. — Seul falou após algum tempo, tendo que erguer a voz para atrair a atenção dos demais. — Podemos nos passar por pessoas da igreja. Eles estão sempre viajando de cidade em cidade.
—E o que cristãos estariam fazendo fora da igreja no natal? — Volinüs questionou com um sorriso provocante.
—Espalhando a palavra de Deus, é claro. — Seul retribuiu o sorriso, então encarou Veegan. — Eles fazem excursões. Ninguém faz muitas perguntas para um bando de pessoas da igreja.
—E como esconderíamos as armas e armaduras? — Veegan perguntou em tom ameno.
—Os mantos podem esconder as armaduras. As armas terão que ser levadas nos cavalos. Se alguém nos parar eu posso criar uma ilusão para camuflar as armas, mas não posso fazer isso se as armas estiverem com seus donos.
—Ninguém viaja desarmado. — Vigur pontuou. — Nenhum guerreiro vai querer viajar para tão longe sem a própria arma, sabendo que está indo para a porta do inimigo.
—Não vamos lutar no meio do caminho. Nossa primeira missão é chegar nos Montes Gelados.
—Chegaremos mortos se alguém nos atacar.
—O exército do rei estará em casa, com suas famílias. Poucos estarão vigiando as estradas, e eu duvido que alguém tente arranjar confusão com pessoas vestidas como peregrinos. — Aquilo parecia uma boa ideia, pelo menos, ninguém tinha tido uma ideia melhor em horas.
—Ainda assim é um grande número de pessoas. Teremos que dividir o exército. Vigur estará no comando do grupo da retaguarda. Se alguém atacar o primeiro grupo, vocês chegarão com as armas. — Veegan falou em tom autoritário, e eu duvidei que alguém ali fosse contradizê-la. — O primeiro grupo deverá recuar ao sinal de qualquer perigo. Eu comandarei a vanguarda. Vaanë, você levará meia dúzia de guerreiros para ficarem de olho se alguém se aproximar do nosso caminho.
E assim ficou decidido que iriamos nos vestir de padres e freiras em nossa marcha até os Montes Gelados. Somente Seul para ter uma ideia dessas e fazer todos concordarem com isso. Veegan nos dispensou, dando ordens para que eu fosse para Marheeve conseguir o máximo de cavalos que houvesse lá. Além dos cavalos para as tropas, haveria cavalos para os suprimentos e para as armas? Eu não fazia ideia. Trinta graahkinianos vieram comigo, cada um seria capaz de levar até 10 cavalos se levassem seus serviçais, o que eu mandei que fizessem.
—Há mais três pequenas cidades ao redor de Marheeve. — Comuniquei na borda de Tamber, no alto do garanhão que Veegan me cedeu. Ele era preto e sua crina reluzia. Não me surpreenderia se fosse seu próprio cavalo. O animal era musculoso e tinha certeza de que era o mais veloz. Por que ela me cederia um cavalo desses é um mistério. — Se dividam e vão até essas cidades. Comprem até o último cavalo. — Porque é claro que Veegan me faria pagar por eles, então seu garanhão era o mínimo que podia me oferecer. — E me esperem na estrada de Marheeve até a tarde de amanhã. Viajaremos de noite para não chamar atenção. Há uma floresta que poderão se esconder. Todos prontos?
Todos gritaram em concordância, então eu instiguei o garanhão para frente quando senti um toque na minha perna. Era Seul, ainda com o grosso casaco de pele mesmo que não fizesse tanto frio como no norte. Estendi a mão para ela, que aceitou sem hesitar, subindo no cavalo e se recostando em mim.
—Já estava indo sem você. — Comentei no seu ouvido, e ela somente riu. — Não arranjem confusão. — Grito para os demais, que ainda me observavam com uma careta azeda, mas começaram a cavalgar. Se implicavam com Seul porque era cristã e achavam que ela era amante de Veegan, agora implicariam mais porque ela tinha saído de sua casa e estava montada no meu cavalo. Agora achavam que tínhamos um caso e que a roubei de Veegan.
—Você está mais quieta que o habitual hoje, mestre. — Seul falou sobre o ombro, então percebo seu toque no meu braço, talvez querendo atrair minha atenção.
—Mestre? — A palavra soou estranha em seus lábios.
—Estou evitando comentários. — Disse mais baixo. — Seus irmãos são mais rudes que você, como se fosse possível.
—Veegan te disse mais alguma coisa?
—Além do que você ouviu? — Seu tom era brusco, eu não a culpava. Tinha ouvido sua última conversa com Veegan, no começo não tinha sido minha intenção, tinha ido atrás dela em busca de conversar, mas quando entendi sobre o que falavam, pensei em ir embora. Depois lembrei que aquilo era um teste para saber até onde ia sua relação com Veegan e quão forte era sua determinação.
—Não foi nada além do que eu esperava que fizesse, Seul. O que estamos fazendo requer sacrifícios.
—E o que você sacrificou? — Ela estava com raiva, mas sabia que não era de mim. — Alinü é uma bastarda maldita. Não foi realmente um sacrifício. A não ser que ainda me considere repulsiva.
—Eu te considero uma companhia agradável mesmo quando está magoada. — Isso a calou. Respiro fundo, segurando suas mãos junto dos estribos, envolvendo nossos dedos a fim de acalmá-la. — E eu não acho que estejamos aqui por acaso.
—É por isso que está quieta nos últimos dias? Desde que voltamos você não tem falado comigo. — Ela voltou a falar mais baixo, o que agradeci em silêncio, assim não atrairíamos mais atenção da que já atraíamos. — Alguma coisa aconteceu? — Insistiu quando não digo nada. — Não é justo que você saiba de minha vida e eu não saiba nada sobre você, Vonü.
—Eu já te falei mais coisas do que disse a outra pessoa.
—Outra pessoa? Não é como se houvesse muita gente que tente saber. — Ela não parecia querer confirmação, então deixei que raciocinasse. Senti seu coração batendo e sua respiração travar algumas vezes contra o meu peito, o que significava que estava engasgando nas próprias palavras. — Hiver e Alinü...? — Somente murmurei em confirmação. — Então agora Alinü deve ser mais abrupta em seus planos.
—Nem tudo tem relação com você, Seul. — Falo entredentes, contendo meu tom.
—Então você sabe porque não disse nada.
—Você disse. Mas não importa agora. Hiver terá o que merece em breve. — Digo vingativa, sem querer mascarar meus planos.
—Então elas não perceberam que você sabe?
—Não. Ninguém em Tamber esperava nossa volta. Tenho que dar crédito a você e seus planos, Seul. Você percebe os fatos sem precisar de visões.
—Eu não percebi nada entre elas até vê-las, Vonü. Não achei que estivessem juntas ainda depois que viemos a Tamber até ver Alinü na cidade. O plano para irmos aos Montes Gelados foi pura intuição. — Senti seus dedos fazerem círculos sobre os meus, eu afundei o rosto em seus cabelos, aspirando o cheiro do perfume de banho, lembrando-me o doce frescor da cidra de maçã. — Vonü? — Ela soltou um risinho, como se tivesse pressionado os dedos em suas costelas. — Isso faz cócegas! Sua criatura diabólica, pare com isso. — Protestou, virando o rosto e se inclinando na cela para me olhar, um sorriso brincando nos seus lábios.
—Desculpa? — Sorrio, encarando seus lábios propositalmente, ela enrubesceu no mesmo momento, forçando-se a se mostrar ofendida antes de se virar para frente. Somente rio, percebendo os olhares de reprovação dos guerreiros que cavalgavam mais perto.
—E vocês reclamam dos cristãos. — Seul deve ter percebido a mesma coisa, falando mais alto. — Eu não casei com ninguém.
—Se eu não fosse irmã de Veegan sequer seríamos notadas. — Comento devagar, suspirando. — Acham que quero tomar o lugar dela ao tomar você.
—Me tomar? — Ela repetiu as palavras com desprezo, mas eu somente rio, instigando o cavalo a ir mais rápido. — É por isso que fui excomungada da igreja.
—O que isso significa?
—Significa que não posso pisar em nenhum solo sagrado, como a Igreja. — Aquilo era uma grande novidade.
—Mas você é cristã. — Digo de maneira óbvia.
—Sim, porque acredito em Cristo e em Deus. Mas pelos costumes da igreja, eu já devia estar casada. Meus pais tentaram me obrigar a casar quando eu tinha dezesseis, depois dezoito anos, mas eu recusei meus noivos no altar. O terceiro não aceitou a recusa e me fez ser excomungada. — Ela fez um som com a boca, fazendo-me rir. — Minha mãe pediu educadamente que eu saísse de casa e me deu todo o ouro que tinha.
—Imagino a surpresa dela quando você voltou para pegar aquela cruz.
—Ela achou que eu estava morta. Mas logo ela me aceita de volta em casa.
—Quando seu nome estiver sendo cantado depois da guerra? — Ela não respondeu, eu sorri, pressionando meu corpo em suas costas. — Ou quando estiver casada?
—O que, acha que Veegan vai propor? — Ela me provocou em retorno.
—Ela pode tentar.
Ela riu, eu ofereci um beijo em sua bochecha, e nós ficamos em silêncio o resto do caminho até Marheeve. Eu me concentrei em encontrar os cavalos, comprando das propriedades próximas a minha casa, porque eles me conheciam e não fariam muitas perguntas. Consegui mais cavalos do que achei que teria, mas talvez fosse porque Marheeve fosse uma cidade movimentada, com um bom comércio, e havia pessoas felizes em receber prata por algo que não usavam constantemente. Seul ainda conseguiu tempo para voltar a venda de seu informante para agradecer pela ajuda e trazer novidades sobre Brie, sua irmã. O homem ficou feliz, agradecido, e acabou a presenteando com um vestido vermelho, que ela não teve qualquer vergonha em aceitar. Ela me convenceu a voltar até minha casa, mas eu parei perto do lago, observando-a mergulhar no meio da noite.
A visão que tinha tido com aquele cenário ainda tirava meu sono, agora eu podia compreender melhor o que tinha visto. Alinü tentaria matar Seul, por isso o rio de sangue. E conseguiria algum dano grave. O que me incomodava era não me ver naquela visão. Eu não impediria Alinü de chegar até Seul?
—Não está tão gelado. Venha aqui. — Seul me chamou de dentro do lago, mas eu balanço a cabeça, negando. — Vai me deixar com frio aqui dentro?
—Por que você entrou? Você está com frio há dias.
—Entre!
Suspiro, retirando meus trajes e voltando a minha forma, entrando lentamente no lago até mergulhar, nadando ao encontro de Seul, que abraçou meu pescoço tão logo parei diante dela, no centro, buscando meus lábios sem hesitar. Era bom tê-la livre de impedimentos, sem medo de se aproximar, sem nojo, sem temer os pecados de sua religião. Envolvi sua cintura, sentindo suas mãos explorarem meu corpo, pressionando em meu peito, descendo pelas escamas em meu abdômen, enquanto a outra mão subia pelos ossos em minha cabeça, numa caricia exploratória. Sorrio, sem intenção de impedi-la, apoiando minha testa na sua, vendo seus olhos deslizarem pelo meu corpo em pura admiração.
—Você está começando algo que não vai até o fim, Seul? Que criatura diabólica você é. — Digo num sorriso de lado.
—Quem disse que não? Eu vou até o fim no que começo, você devia saber disso.
Ela me conduziu para o seu antigo quarto, fazendo-me deitar em seu colchão, tomando seu tempo para explorar meu corpo como sua nova descoberta pessoal. Não me incomodei. Depois de tudo o que Hiver fez, confesso que era reconfortante o ar novo que Seul radiava, testando meu corpo como uma criança ao novo brinquedo, exceto que ela tinha um zelo maior, como se pudesse me quebrar. Era quase engraçado se não fosse tão bom receber seus toques, primeiro, incertos e sempre curiosos, então adquirindo confiança e me fornecendo o prazer prometido.
Eu acordei com Seul deitada sobre meu corpo, deslizando os dedos pelos meus cabelos, subindo para os meus chifres, então ela me olhou nos olhos e sorriu, percebendo que não estava mais adormecida.
—Segunda rodada?
—A lua cheia já passou.
—Não me importa. — Ela ainda sorria, em pura alegria. — Estou me sentindo bem. Quero que você se sinta também.
—Não precisamos fazer isso até o ritual. Você sabe disso, não é? — Digo isso num tom gentil, porque sabia que esse era um assunto delicado, e coloco uma mecha do seu cabelo para trás de sua orelha.
—Você acha que estou com você agora por causa do ritual? — Sua sobrancelha ergueu, e dessa vez eu não sabia o que responder, porque ela as vezes conseguia ser um verdadeiro mistério. — Eu não vi porque não arriscar te conhecer melhor. Além de que não me sinto pronta para o ritual, achei que estando contigo me faria sentir melhor.
—Não precisamos fazer o ritual tão breve. Eu levei anos. — Relembro, e ela move a cabeça para concordar. — Mas você tem sentimentos por Veegan, e eu não quero que misture as coisas.
—Eu tive uma noite com Veegan, antes de começarmos a treinar, Vonü. Eu gosto dela. Mas me afastei quando percebi que ela queria levar isso adiante. Você sabe disso. — Ela suspirou, cansada, o brilho alegre em seu rosto se apagando. — Mas tudo bem. Eu entendi. Eu vou me lavar e voltar para a cidade.
Ela saiu da cama, pegando novos trajes e indo para o banheiro. Eu suspiro, vendo-a ir, todo o clima leve da noite anterior se esvaindo como fumaça.
Conseguimos os últimos cavalos durante a manhã e comemos algo antes de seguir para o local combinado na estrada de Marheeve. Seul tinha o próprio garanhão agora, e levava outros sete cavalos consigo, todos presos a uma corda e encantados por ela para não se rebelarem. Eu me perguntava se tinha sido encantada por Seul Wittebi, porque agora me incomodava essa distância.
O que ela esperava de mim? Ela tinha acabado de se afastar de Veegan e eu tinha acabado de descobrir a traição de Hiver. Até uma semana atrás, eu tinha pelo menos uma coisa certa na minha vida, e nem mesmo agora eu podia ter isso. O que ela queria? Nossas vidas já estavam complicadas demais com esse ritual e a guerra no meio do caminho, com uma visão perturbadora do destino de Seul. Até a guerra passar e tudo for resolvido, talvez eu soubesse a resposta.
Ao anoitecer todos os trinta guerreiros tinham chegado com dezenas de cavalos, e eu esperava que fossem o suficiente para a quantidade de graahkinianos que havia na cidade. Eu já havia gastado mais de minha fortuna do que na década que havia viajado com Alinü. Eu tinha que colaborar com Veegan para todos os guerreiros terem armadura e armas. Era inteligente da parte dela fazer seus irmãos sub generais, assim não seria ela a gastar sua fortuna e não seríamos nós a reclamar. Ela era uma desgraçada esperta. Não ne admirava Seul ter se rendido aos seus encantos.
Marchamos num silêncio penetrante durante a noite, ao menos agora os idiotas estavam contentes que Seul e eu não estávamos nos falando. Chegamos ao amanhecer com a marcha apressada, a maioria se praguejando pelas roupas comuns, porque a neve começava a cair pela estrada e em Tamber.
—Nada mal. — Veegan me cumprimentou na entrada da cidade, como se tivesse previsto nossa chegada. — Conseguiu mais do que eu estava esperando.
—Marheeve tem muitas pessoas. — Limito-me a responder, seus guerreiros passando pelos portões com os cavalos amarrados juntos, outros vindo ajudar a leva-los.
—Depois da guerra vou te recompensar. — Falou seriamente. — Espero que Trovão a tenha servido bem.
—Então ele tinha um nome.
—Claro que tem. Todos os bons cavalos têm nomes. — Ela segurou a guia do cavalo e eu desci, encarando-a com desconfiança por causa da conversa.
—Vá direto ao ponto, Veegan. O que você quer? — Talvez tivesse sido rude demais, mas estava cansada e com fome.
—Está bem. Venha comigo.
Ela não pareceu se incomodar, somente entregou Trovão para alguém que passava e deu ordens para que fosse alimentado e escovado. Fui com ela para o sul da cidade, para um pequeno pasto em que as vacas gordas estavam sendo ordenhadas por duas serviçais. Veegan se remexeu desconfortável no lugar, então retirou uma segunda bainha debaixo da capa preta e me estendeu a parte que deveria estar uma espada. Eu somente a olhei.
—Uma bainha vazia? — Pergunto, irritada.
—Toque.
Aquilo devia ser alguma brincadeira idiota, mas decidi que ela não me deixaria sair dali sem tocar a maldita bainha. Estendi a mão e toquei com as pontas dos dedos, sentindo o couro quente do cabo, mas não podia vê-lo, então o tateei e segurei, ainda confusa, e puxei. Eu não via nada, mas sentia o peso. Era como segurar uma espada longa. Veegan ainda segurava a bainha com uma mão quando se aproximou e deslizou a outra mão pelo espaço onde deveria estar a lâmina, um sorriso melancólico.
—Toque, não tenha medo. Não te fará nada.
Sem ter o que perder, eu deslizei a outra mão por onde ela passava, e quase não acreditei quando um corte fez sangrar minha pele, pingando sobre a espada, mas não revelando nada de imediato. Veegan pressionou minha mão no material gelado e úmido, o sangue escorrendo por toda a superfície, e como se um feitiço tivesse quebrado, eu pude ver a espada. Era longa, sua lâmina era pálida como gelo, seu centro pulsava, uma energia que emanava de maneira controlada em fortes vibrações que repercutiam por toda a lâmina. O cabo cabia uma mão, o couro era macio e resistente, trazendo a sensação de que eu segurava uma pluma.
—Nosso pai usava o mesmo elemento, você não deve lembrar. — Veegan me falou, um sorriso de lado. — Vai flutuar na sua mão. É pesada agora, mas você acaba percebendo que o peso dela diminui com o uso.
—Você fez isso para mim? — Aquilo era mais surpreendente.
—Claro. Estive trabalhando nela desde que lutamos. Afinal, você é minha irmã. Você lutou bem. Merece a espada. É tradição de família, lembra?
—Eu agradeço. — Digo admirada, não somente pela espada, mas pelo seu intuito de entregá-la a mim.
—Eu percebi que você foi a que mais se afastou da família por causa da guerra naquela época. Nossos pais te mandaram para longe, assim caso eu morresse você assumiria meu lugar. Foi por precaução. Mas acabou te afastando das nossas tradições e nossos costumes.
—Mas Vigur e Vaanë permaneceram com você e nossos pais. — Relembro, soltando um suspiro com o fato. — Eu sequer vi Volinüs nascer.
—Eu nunca concordei com isso. Mas estávamos em guerra. Todos os segundos filhos eram exilados para preservar a família. — Meu tio tinha explicado isso, mas não significava que eu gostasse do fato. — Mas foi um erro. Somos estranhas uma para a outra, Vonü. Isso é pior do que se estivéssemos todos mortos.
—Mesmo quando estávamos todos juntos você não estava lá, Veegan.
—Porque eu tinha obrigações. Não é como se eu tivesse escolha.
Ela passou a barra da capa onde minha espada tinha sido manchada com meu sangue, limpando a lâmina, desaparecendo da mesma forma que apareceu. Pegou a bainha do chão e bateu a mão para tirar a grama, guardando minha espada e me entregando.
—Podíamos ter as mesmas obrigações. — Digo, hesitando em pegar a espada. — A família principal fazia dois filhos seguirem a mesma conduta para assumir.
—Nosso pai não queria fazer isso porque a família principal vivia lutando entre si por causa desse costume. Eles nunca aceitavam a passagem da liderança para o mais velho porque sabiam as mesmas coisas e tinham o mesmo grau de habilidade.
—Então me manter na ignorância não te faria correr nenhum perigo?
—O que está insinuando, Vonü?
—Eu tenho mais poder que você agora.
—Está me ameaçando? — Ela estreitou os olhos, a mão que segurava a bainha baixando consideravelmente.
—Você tem razão. Somos estranhas uma para a outra. Você nunca me procurou nesses três meses que estivemos aqui. Se tivesse passado esse tempo tentando saber quem sou ao invés de criar essa espada, saberia que eu nunca ameaçaria alguém do meu sangue. — Eu viro as costas, sem almejar pegar a espada, sentindo-me frustrada. — Eu não preciso de uma espada. Eu nunca precisei. — Falo sobre o ombro.
—E o que você quer de mim, Vonü? — Ela gritou atrás de mim, mas não respondi porque não havia nada que ela pudesse me oferecer agora.
Eu esperei a lua nova para me vingar de Hiver, porque queria que ela acreditasse que receberia meu poder no lugar de Seul. Mandei que me esperasse numa cabana que montei longe de Tamber. Seul ficaria no meu quarto, no pequeno prédio que Vigur e Vaanë também dormiam, assim ela ficaria segura enquanto executava meu plano.
—Você pode me emprestar Raio Lacerante essa noite? — Ela me olhou da cama, meio sonolenta, parecendo confusa por um momento até deslizar os olhos pelo meu corpo, vendo o vestido preto que cobria meu corpo.
—Você vai ao encontro dela.
—Não é o que-
—Não me importa. — Falou rispidamente. Ainda deitada ela pressionou as palmas das mãos e as separou, revelando Raio Lacerante, que ela jogou em minha direção. — Mas se fizer isso hoje, não se preocupe em voltar.
Respiro fundo, guardando a espada antes de me aproximar dela, lentamente me posicionando sobre seu corpo, deixando meu peso se apoiar nela. Seu suspiro acertou meu rosto, mas ela não me afastou.
—Eu preciso acabar com isso de uma vez. — Expliquei num tom mais baixo. — Ou ela vai continuar rindo em minhas costas.
—Por que você se importa? Você não precisa fazer nada. Você só está fazendo isso para limpar sua honra.
—O que você faria no meu lugar?
—Eu não deixaria que tivesse um mínimo de sabor de vitória. Porque se ela souber sobre sua raiva, Alinü já terá ganhado.
—Quer que eu fique aqui? — Sugiro, acariciando seu rosto de maneira sutil.
—Para você me culpar por não obter sua vingança? Não, Vonü. A decisão é sua.
—Está bem. Eu acabarei isso rápido. Confia em mim? — Eu nunca tinha perguntado isso, mas ela não pareceu incomodada.
—Sim, Vonü. Confio minha vida em suas mãos.
—Então confie que voltarei logo e cuidarei de você.
Ela concordou, eu me afastei, mas ela segurou meu rosto e me puxou para perto outra vez, selando meus lábios. Sorrio, oferecendo outra carícia em seu rosto antes de vê-la colocar algo em meu pescoço, era uma pedra vermelha rústica, mas era linda.
—Para te dar sorte.
—Trarei ela inteira para você. — Seguro a pedra na mão, sentindo-a quente.
—Eu comprei para você.
—Alguma data especial? — Provoco, mas ela somente balança a cabeça, envolvendo meu pescoço e movendo os dedos em meus chifres.
—Tenha cuidado. Hiver sabe demais. Ela pode ser traiçoeira. — Seus olhos seguiam o gesto, então sabia do que ela estava falando. — Não me surpreenderia se elas já soubessem dos seus planos depois que enganei Alinü sobre nossa viagem para os Montes Gelados.
—Acha que podem ter algo tramado?
—Sempre.
—Então terei cuidado e serei rápida. Voltarei antes que você durma.
Selei seus lábios mais uma vez, então fui para o encontro de minha vingança.
Fim do capítulo
Olá! Soube que hoje é dia da luta contra a homofobia :) então que jeito melhor de passar esse dia que lendo mais romance LGBTQI+? Vou postar mais um capítulo de "o destino de Vonü" :D mas só porque vocês são maravilhosas e comentam aqui embaixo, então eu fico sabendo que tem gente viva por aqui :D Aproveitem!
Vonü --> o ü é mais fechado, assim como Alinü.
Seul Wittebi --> o W tem som de V, e Seul é dito mais rápido, como quando falamos "seu" mesmo, com o "u" mais fechado.
Marheeve --> o "ee" tem som de i mesmo, mas se lê mar-ive.
Hiver --> h com som de “r” mesmo
Graah --> como tem h no final, tem o som mais aberto.
Voulcan --> na história dos voulcans, o som é mais diferente, o V tem som de F, fica foucan para pronunciar.
Ehfae --> êfaê, basicamente.
Arin Ashoff --> Ash-off
Comentar este capítulo:
sledgcamren
Em: 07/07/2021
Quanto mais eu leio mais quero ler. To impressionada com a escrita!
Resposta do autor:
:D aw, obrigada! É bom saber que meu trabalho te agrada assim :D
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