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Amor incondicional por caribu

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Palavras: 3933
Acessos: 3346   |  Postado em: 10/05/2021

Onze

 

- Grávida? – pergunta Fernanda. Apresentava um sorriso no rosto, mas seu olhar era de curiosidade. Beatriz também sorria, mas só com os olhos.

 

Estavam as duas sentadas no chão do ateliê de Beatriz, no meio de toda a “bagunça organizada” que só era encontrada naquele cômodo. Apenas seus joelhos se encostavam, mas era um gesto proposital. Desde o início Fernanda sentia certa resistência de Beatriz (que sempre cedia, até que com facilidade, apesar da aparente obstinação). Era notável que ela enfrentava embates e combates constantes entre seu racional e emocional. Coração e cérebro guerreavam – era tão nítido! Mas não falavam nada a respeito e por isso Fernanda vinha trabalhando tudo o que estava sentindo, pois não queria sufocar a mulher, ou assustá-la. Porque, sim, estava totalmente apaixonada por Beatriz, e se sentia uma adolescente perto dela, e vivia suspirando longe dela, toda emocionada. Então entoava nos últimos dias uma espécie de mantra, um comando mental para não demonstrar tanto o seu entusiasmo diante dela. Queria ser contida. Precisava ser!

Beatriz claramente tinha questões a resolver, mas Fernanda não se sentia à vontade para tocar naquele assunto com ela. Não ainda. Sabia que conversariam a respeito, eventualmente. As conversas delas duravam horas, envolviam diversos assuntos, era só uma questão de tempo. Ela só precisava ser cautelosa enquanto isso.

Vinha dando mais ou menos certo, até aqui. Até ela entrar naquele cômodo, passando por aquela porta que parecia secreta, que vivia fechada (quase guardando um mundo mágico mesmo – o mundo de Beatriz. Seu mundo artístico). Não sabia o que esperar. E não conteve em suas expressões o prazer que sentiu ao descobrir “o quartinho”, como ela associou o ateliê, de maneira automática. Não conseguiu! Não imaginou aquilo, ficou surpresa – e isso era nítido em seu rosto.

Beatriz colocou em sua mão a escultura mais recente. Fernanda mal piscava, quando sentiu o peso da pequena estátua de madeira entre os dedos, e com a pontinha do indicador sentiu os traços da mulher que puxava o filho, e alisou a cabeça do menino, como num afago. Lhe faltaram palavras. Se encheu de uma emoção incontida.

Desviou os olhos da peça por um breve instante, apenas para procurar o olhar de Beatriz, que a encarava com uma expressão que parecia deleite. Havia satisfação em seu rosto. De relance Fernanda percebeu que havia mais coisa no ateliê que merecia sua atenção, mas talvez um dia fosse pouco para absorver cada detalhe daquele ambiente – cada detalhe de Beatriz, que era cheia das surpresas!

Quem diria... mais um motivo para se apaixonar pela mulher que parecia outra pessoa, ali, sentada perto de sua poltrona verde, com os olhos brilhando em sua direção. Quis beijá-la, mas a atração pela escultura foi maior, e ela voltou sua atenção para a obra.

Beatriz começou a contar como sempre fazia suas artes, que nunca se programava, exatamente, que às vezes nem sabia o que ia sair ao final da criação. Revelou, brevemente, que sempre teve ateliê em sua casa (desde criança), ainda que chamado de outro nome. Falou alguns detalhes físicos, nas mãos, que só sentia nessas horas, mas Fernanda não ouviu. Estava absorvida por aquilo. Era raro se sentir assim! Nunca tinha mergulhado dessa maneira, na atmosfera tão íntima e tão pessoal de alguém.

Se sentia privilegiada porque não era preciso que Beatriz lhe dissesse o quão reservado era aquele espaço – e as informações que ela lhe dava naquele momento, gratuitamente e de bom grado.

 

- Aí nos últimos tempos as gestantes têm vindo com força – conta Beatriz, despertando Fernanda de seu transe – Já são três estátuas, com essa aí, e aquele quadro – ela apontou com a cabeça para a tela que estava no chão, de lado, apoiado contra a parede. Dava para ver o perfil de uma grávida, num fundo cheio de cor – Sem falar nos milhares de esboços – ela diz, abrindo um caderno de desenho, folheando diversas páginas rabiscadas, só de lápis. Infinitas grávidas – Quando vejo, é isso que estou desenhando.

- Mas que curioso! – Fernanda fala, tentando entender que tipo de obsessão seria aquela – Mas, gente, esse menino é perfeito! Olha esse rostinho! – ela estava novamente alisando a estátua. Cheirou a peça.

- Acho que “obsessão” é uma palavra forte demais – brinca Beatriz. Só então sorriu, porque a achou muito bonitinha.

 

Estava convencida de que preferia aquela versão de Fernanda: à vontade, descontraída, de pés descalços no chão. Até um pouco descabelada – ficava sempre, quando estavam juntas. Beatriz gostava de despenteá-la. Enfiava as mãos em seus cabelos quando se beijavam, levantava um cheiro bom, sentia vontade de se enfiar ali. Queria morar em Fernanda, mas não ousava permitir que isso sequer insinuasse passear pelos seus pensamentos. Havia ali um mecanismo esquisito de defesa que tentava protegê-la de Fernanda, então Beatriz só sentia, ainda trabalhando o processo de admitir o que sentia.

Beatriz era uma mulher prática. Questionava o que era o amor, verdadeiramente, e nisso divagava, sem chegar a nenhuma conclusão exatamente. E não sabia ao certo se era mesmo amor o que sentia. Era, sei lá, algo bom. Ficava em paz com Fernanda. Gostava das conversas, dos silêncios, das coisas não ditas através de gestos, que já eram delas. E quando estava longe era nela que pensava. Sorria sem querer. Isso são indícios fortes de amor, né? Ela não sabia dizer.

Notou que agora Fernanda parecia uma menina, encantada com os brinquedos do parque. Ela, por sua vez, ainda tocada pelo lado sensível de Beatriz, naquele momento se questionava se a outra seria capaz de ler seus pensamentos. Era comum a conversa se emendar à sua linha de raciocínio, como se trançando. Isso a fez rir, e a beijou, sem dizer nada.

 

- Onde você pegou essa madeira? – perguntou, provocando uma risada em Beatriz. Ninguém nunca tinha se preocupado com isso antes.

- Essa daí eu peguei um dia voltando do trabalho. Tinha chovido forte, caiu uma árvore antiga ali no cruzamento da Pacheco, sabe? – Beatriz viu a moça apenas acenar com a cabeça – A mala do meu carro é cheia de madeira, que vou encontrando pelo caminho.

- Quantas descobertas, numa noite, doutora! – Fernanda ri.

 

Beatriz também ri, embora o comentário tenha desencadeado uma avalanche de pensamentos que ela teria que dissecar mais tarde, quando não se sentisse tão displicente quanto às normas que ela mesma vinha se impondo. Era fácil dizer, mesmo que mentalmente, para não se apaixonar. Difícil era resistir às sensações que deixavam seu corpo entregue, à mercê de Fernanda. Seu coração era dela, vendo de uma forma mais poética. Além de outras partes, que latej*v*m quando estavam juntas – o que ela sempre constatava meio absurdada. Gostava nisso em Fernanda: ela provocava autoanálises muito profundas, e se analisar era o passatempo preferido de Beatriz.

 

- O céu está lindo – ela diz, fazendo Fernanda finalmente desviar os olhos para a janela por um espaço de tempo maior.

 

A vista do apartamento era incrível e dali podia-se ver o céu, o mar, que se mesclavam, se confundiam, e o sol, que começava a sumir de vista, preguiçoso depois de um dia inteiro de brilho. Ao longe, por detrás dos morros, era possível avistar uma tempestade que se formava e que em breve molharia também aquela parte da cidade. Se as janelas estivessem abertas talvez fosse possível sentir o cheiro da umidade previamente anunciada, que vinha com a brisa.

O pôr do sol tinha muitas tonalidades. Cores que Beatriz tentava colocar nas suas artes, e que Fernanda até ali pouco se dedicava a observar. Não era do tipo que olha muito para o céu; achava que quem tinha esse hábito era gente muito tocada, sentimental demais. Coisa que Beatriz não era (ou ela que acreditava que não era). Só por isso desviou a atenção do artefato de madeira que ela secretamente desejava possuir. Quis ver o céu de Beatriz, o que ela via; quis enxergar pela sua ótica e notou que essa era a primeira vez que sentia esse tipo de interesse por alguém.

Fazia uma semana que estavam saindo – mas nenhuma das duas parecia realmente se importar com isso, com o tempo. Até porque isso as fazia surtar por diferentes motivos (Beatriz era neurótica com a simples ideia de se relacionar, e Fernanda tinha receio de que um relacionamento com Beatriz poderia facilmente desestruturá-la psicologicamente, caso desse errado). Mas sentiam uma atração muito forte, quase magnética, e estar juntas era quase sinônimo de bloquear os pensamentos que as mantinham seguras em terra firme. Aí uma mergulhava na outra.

Era a primeira vez que Fernanda se envolvia com uma mulher mais velha, e ela não escondia a admiração que tinha por Beatriz, que era um modelo que ela almejava seguir na vida. Madura, estável, inteligente, independente. A achava tão linda que suspirava só de olhar para ela. Já Beatriz, que tinha uma lista escassa de relacionamentos, não só experimentava se envolver com alguém mais nova, mas também com o ineditismo de se relacionar com uma colega de trabalho – o que ela via com bons olhos, como sendo algo muito vantajoso. Nunca faltaria assunto se porventura acabasse a luz, por exemplo, e elas se vissem obrigadas a interagir.

Mas nem precisava isso, elas conversavam de graça, o tempo todo tinha algum assunto rolando. E por isso gostavam tanto da companhia uma da outra e cada minuto que passavam juntas era muito bem aproveitado. Uma semana no mundo das lésbicas pode parecer um mês e nesse meio-tempo tiveram tempo suficiente para se conhecer – e Fernanda já estava ali, no centro criativo de Beatriz. Coisas assim sempre faziam Beatriz questionar sobre o que é o tempo, realmente, e o valor que damos para ele. Mas ela tentava pegar leve nas suas teorias com Fernanda, porque sentia que suas opiniões pareciam às vezes avalanches para ela, e não queria afogá-la com suas conspirações, seus conchavos particulares. Secretamente, Beatriz se achava meio maluca.

Porém, impressionantemente, todos os cuidados que procurava ter pareciam sumir diante da mulher, e quando notava ela estava falando, em uma noite, mais do que tinha falado em anos de terapia. Numa dessas comentou sobre o ateliê, e quando soube Fernanda automaticamente se interessou, a princípio até achando que não era verdade.

Insistiu para conhecer o local onde Beatriz dava vazão à sua criatividade, e ainda estava em estado de encantamento e leve torpor, mesmo passados alguns minutos. Talvez fosse a luz do entardecer, que deixava tudo meio avermelhado, intimista, talvez fosse o perfume de Beatriz associado ao cheiro das tintas, da madeira esculpida em sua mão, que a deixavam daquele jeito, meio inebriada. Ou talvez fosse mesmo um lugar mágico, e tudo o que ela tinha de racional se esvaía com o sol, que já quase não aparecia agora. Tinha sumido no horizonte, levando embora o resto de sua sanidade. Que a esta altura ela já nem queria, mesmo.

Respirou fundo e se ordenou guardar o cheiro daquele local. Esperou Beatriz se levantar, acender a luz e se sentar novamente para deixar seus olhos, em êxtase, passearem por ali. Havia muitas cores, eram muitos detalhes. Observou tudo ainda alisando a estátua, que ela não dava mostras de soltar.

Diversas peças estavam expostas em prateleiras que pareciam improvisadas, mas estavam muito em simetria para ser. Algumas já estavam embrulhadas, tampando a vaidade de seus traços e ranhuras, prontas para serem doadas à casa mantenedora de uma instituição que trata de crianças com câncer, onde Renato trabalha como voluntário. A cada dois meses são promovidos leilões e o lucro é integralmente revertido para a instituição. Beatriz era uma das principais doadoras de obras cujas vendas superam milhares de reais. Ela se esquivava sempre da responsabilidade de assumir uma função no local, alegando conflito de agendas, e acreditava que assim era uma forma de ajudar. Fazia de coração. Além de também ser bom para trabalhar o desapego: ela nunca tinha ficado com nada do que tinha criado – apenas os esboços, os rascunhos e as tentativas que julgava como falhas, e que acabavam descartadas.

Fernanda ainda não sabia, mas no alto da prateleira mais alta havia uma caixa que guardava um álbum de fotos e um pendrive, com todas as centenas de criações de Beatriz – catalogadas, da primeira à mais recente, algumas com título, todas com data. Eventualmente os registros eram analisados; Beatriz gostava de observar como cada época da sua vida tinha um tema mais central, que comandava as artes todas. Agora, eram gestantes, mas outras a haviam antecedido.

Havia muita perfeição e riqueza de detalhes em tudo o que ela criava. Fernanda conseguia sentir, através de pormenores, o que cada peça queria transmitir. Provocava reações bem-vindas. O que a intrigava mesmo era o tema. De onde viria aquilo?

 

- Certamente você encontra alguma resposta para essa compulsão por mulheres grávidas dentro da psicologia, da psicanálise – aposta Fernanda, examinando mais uma vez a pequena estátua onde mãe e filho caminhavam juntos. Aquela era sem dúvida sua peça favorita (mas só afirmaria isso depois de observar outras mais de perto).

- Sim, eu sei que encontro – garante Beatriz. Ela estava sentada no chão, com as costas apoiadas em sua poltrona verde, os olhos ainda em direção à janela, já engolida pela escuridão da noite – Mas não busquei ainda nenhuma resposta. Sei que o motivo está aqui, dentro de mim, e mais cedo ou mais tarde vem à tona. Talvez não seja a hora, ainda está gestando, é algo prematuro. Quem sabe?

- Mas tem alguma sugestão?

- Eu, não. Ou melhor, tenho várias sugestões, milhares de teorias... são tantas que acabam se reduzindo a nada. Mas a Cícera aposta que tem a ver com um casamento iminente, com um lindo casal de noivos e uma protuberante barriga debaixo do vestido branco. Ah, peraí, só um detalhe: a noiva pode ser eu! – brinca Beatriz, dando uma piscadinha.

 

Fernanda riu. Sentou mais perto dela, segurou sua mão e a beijou. Entendia agora como Beatriz conseguia passar horas naquele lugar: o ateliê emanava arte. Era fácil se perder no tempo estando ali. E esse pensamento a fez se preocupar com a hora, e com a volta para a casa, que teria que ser em breve.

Gostava muito do rumo que as coisas entre elas estava tomando. Não fazia o tipo namoradeira e entre estudar e namorar, ela certamente ficaria com a primeira opção. Sempre tinha sido sua escolha até aqui. Mas Beatriz era uma ótima companhia. Não a fazia se desviar do foco (pelo contrário, despertava nela a vontade sincera de estudar mais, de pesquisar assuntos interessantes, desbravar o mundo do conhecimento, da mente humana). Era esperta, divertida e atenciosa. Era linda, também. E sexy!

Quis beijá-la e se controlou para não tirar sua roupa ao fazer isso. Aquilo tudo provocava nela um desejo intenso, mas se conteve porque estavam ali, no santuário de Beatriz.

Apoiou a estátua na mesinha que tinha ali perto, antes se despedindo da peça, num sentimentalismo que lhe pareceu meio desproporcional.

 

- A Cícera trabalha com você há bastante tempo, não é? – pergunta. Seus dedos permaneciam entrelaçados aos de Beatriz.

- Já tem alguns anos – ela responde, admirando o objeto finalmente liberto das mãos de Fernanda. Não eram raros os momentos em que avaliava suas obras e por alguns instantes até desacreditava que ela própria tinha feito. Mas olhar provocava a lembrança da sensação que experimentava ao criar, e era uma memória sempre muito viva, muito intensa. Se via na arte, e a arte fluía através dela, e ela não sabia onde ela começava e a arte terminava – A Cícera é como uma mãe para mim. E me trata como se eu fosse sua filha. Ou sua neta. Ela cuida de mim, sabe? Mas eu nunca pedi.

- Percebi mesmo a maneira como ela te olha. E como me olha. Mas me pareceu ser uma boa pessoa, quando a conheci no jantar – Fernanda se apressa em dizer.

- É, ela é uma pessoa fantástica, e não é nada boba, muito pelo contrário –Beatriz ri – Nunca me assumi para ela, não acho necessário, e ela vive insinuando que eu tenho que arranjar uma companhia. Mas ela...

- Ela o quê? – pergunta Fernanda diante do silêncio da outra. Apertou sua mão de leve, o que a fez olhar em sua direção. Seus olhos estavam num tom intenso, brilhantes.

- Ela sabe das coisas. Sabe de tudo. Não sei dizer. É até meio tolo o que eu vou falar, mas a Cícera não é como o resto das pessoas. Não é como eu ou você – ela ri, levando a mão ao rosto, como se tivesse dito algo muito absurdo.

- Ela tem superpoderes? – brinca Fernanda.

- Não são “superpoderes”. Não assim, com esse tom que você usou – elas riem – Mas é bem próximo disso. Que loucura, Fernanda! Olha o que eu estou dizendo!

- Me explica.

- Ela enxerga dentro da gente, sabe?

- Hum, sei – mente Fernanda.

- Ela é meio bruxa, não sei dizer isso de outra forma. Consegue ler pensamento, enxergar o futuro. Não sei – ela levanta os olhos ao final da frase, balançando a cabeça – Eu tento entender, racionalizar, mas com a Cícera é impossível. Ela desmonta todas as minhas teorias, sorrindo. Então desisti de tentar compreender. Mas reconheço o quanto isso soa absurdo. Se alguém me dissesse essas coisas eu juro que pensaria em internação.

- Eu acredito em você, Bia. Relaxa. Quando eu era criança minha mãe nos levava numa benzedeira que era mais ou menos assim. Curava a gente de doença que ainda nem tinha se manifestado.

- Pois é!

- Entendo o seu conflito – elas se beijam, com Fernanda meio que querendo consolá-la – E se for isso mesmo, ela percebeu quais são minhas intenções com você, por isso o olhar naquela noite. Soube que eu te beijaria antes mesmo de você saber – diverte-se Fernanda, beijando Beatriz com mais vontade desta vez – Ela sabe que não é você a noiva grávida do casamento iminente.

 

                Beatriz só concorda, mas não diz nada. Se não fossem os nós que as conversas mais profundas com Cícera provocavam em sua cabeça, ela questionaria, procuraria saber mais da opinião da mulher sobre as grávidas nortearem a sua inspiração nos últimos tempos. Ela saberia quem seria o casal de noivos?, quem era a grávida?

                O problema é que sempre que se arriscava a perguntar alguma coisa, Beatriz acabava com mais dúvida, com novas perguntas, ainda mais intrigada. Aquele, portanto, era um assunto ainda em andamento, ela deveria deixá-lo transcorrer com normalidade. Até porque possivelmente dentro de algum tempo tudo se explicaria – e aí Cícera faria aquela carinha, já conhecida, de quem já sabia das coisas e não disse nada, por puro divertimento.

Em poucos instantes começou a chover, e sem dizer nada, Beatriz e Fernanda se levantaram juntas e ficaram um tempo na janela, quietas – não falaram nem mesmo que estavam se molhando. Só se abraçaram e contemplaram as luzes do temporal, provocadas pelos relâmpagos, bastante intensos, e o frescor que a chuva trazia para seus rostos. A natureza sabia ser suave e intensa, ao mesmo tempo.

As horas passaram e a tempestade não deu trégua. Ainda chovia forte quando foram se deitar. Não tinham combinado de passarem a noite juntas, mas era mais sensato Fernanda ficar por ali. Beatriz achou fofo que ela se preocupou em avisar os pais de que dormiria fora, na casa de uma amiga. Mandou um áudio argumentando o porquê da decisão, dormir fora de casa no meio da semana, e mesmo assim seu pai ligou, preocupado, minutos depois. Beatriz ouviu Fernanda repetir o que tinha acabado de dizer na mensagem, e sorriu.

Ela mesma nunca tinha tido essa preocupação de avisar que dormiria fora, nem mesmo na adolescência. Antônio dera-lhe responsabilidades e liberdades quando ela ainda era muito nova, e Beatriz sempre se perguntava se tinha aproveitado aquilo da melhor maneira. Aos olhos de um adulto, sim. Mas quando jovem ela meio que se destoava dos colegas da mesma idade, que frequentavam festas praticamente todos os dias da semana enquanto ela se preocupava em ir para casa estudar e fazer leituras complementares.

 

- Se não aviso, meu pai se desespera. Sabe como são os pais! – Fernanda ri, ao desligar.

- Acho que sim – sorri Beatriz. Fernanda pareceu perceber o peso do que tinha falado, e fez uma careta – Deve ser divertido ter família grande. Eu cresci só com o meu pai, e ele viajava muito. Foram muitas as noites em que dormi sozinha, com uma babá ou alguém vigiando meu sono. Nessas horas eu sempre ficava pensando como seria ter irmãos.

- Sim, ter família grande é muito divertido. Mas é também muito barulhento, acredite! Eu tenho muitos irmãos, são três meninos e uma menina, todos mais novos, além da Samanta, que é minha irmã gêmea (que eu acho que é o ápice da irmandade, dividir o útero, nascer junto, só com alguns segundos de diferença, como é o nosso caso) – o comentário fez Beatriz sorrir – Minha mãe reclama da nossa bagunça o tempo todo, mas ama todos, nasceu para ser mãe. Ela vive falando que não tem preferido, mas eu sei que sou eu – Fernanda brinca.

- Eles devem estranhar não ter você lá.

- Devem, só por isso ainda moro lá.

 

                Beatriz sorriu. Era a primeira vez que via Fernanda como irmã mais velha. Achou bonitinha. E ela desempenhava bem o papel, mostrando algumas fotos antigas do seu Instagram, falando os nomes dos irmãos, que Beatriz não acompanhou com a atenção suficiente para decorar. Eram muitos. Mas achou as fotos ótimas, eram pessoas bonitas e sorridentes. A irmã gêmea de Fernanda era muito parecida com ela, mas parecia mais nova que ela.

                Quando foram dormir se abraçaram sem segundas intenções. Não que faltasse vontade de fazer algo, mas já era tarde, estavam cansadas, e sabiam que estar juntas não envolvia necessariamente sex* – e só queriam mesmo deitar de conchinha, ouvindo a chuva bater na janela. Às vezes isso pode ser mais íntimo que o ato de trans*r em si. Beatriz não quis pensar no assunto, e dormiu sentindo o cheiro do cabelo de Fernanda.

Na manhã seguinte, quando desceu para a cozinha, olhou meio encabulada para Cícera, que acabava de chegar com o jornal e alguns pães, notavelmente quentes. Aquela era uma estratégia para fazê-la comer, Beatriz sabia. Mas não disse nada.

Pensava em uma maneira de avisar que teria companhia durante o café, enquanto folheava o primeiro caderno do jornal, sem muita atenção. Não que devesse algum tipo de satisfação àquela senhora, mas por consideração julgava ser sensato dizer que tinha visita – que notavelmente tinha dormido com ela. Afinal, era a primeira vez que Cícera presenciava esse tipo de coisa.

 

- Prefere café ou chá, Bia? – ela pergunta. Tinha um sorriso quase indisfarçável no olhar, mas não deixou que a mulher visse.

- Pode ser chá – responde Beatriz, ainda fingindo interesse pelas notícias do jornal em cima da mesa.

- E Fernanda? O que ela prefere?

 

Beatriz sorriu para a pequena mulher à sua frente, que permanecia de costas. De fato nunca precisava contar nada para Cícera. Ela sempre sabia de tudo; às vezes até antes que o acontecido acontecesse.

 

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

 

 


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Comentários para 11 - Onze:
edianerocha
edianerocha

Em: 19/01/2023

MDS a Cícera é muito maravilhosa.

E esse capítulo, que coisa linda. Essa intimidade que elas estão construindo é tão gostosinha. Da até vontade!! 

Responder

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Andreia
Andreia

Em: 07/11/2021

Bom dia autora, estou adorando ler está história linda de todos os capítulos Te agora este que mais gostei de ler.

Cícera é fantástica não foi ela que falou as coisas par Bianca sobre bebê delas e as outras coisas.

Posso estar errada mais acho que mãe da Beatriz é mesma da Bianca, e pai dela não é flor que se cheira tem coisa q ele escondeu e Cícera sabe.

Tbm acho que antes da Beatriz se render totalmente p Fernanda que é fofa a Beatriz vai magoar ela com o jeito que ela foi criada.

E a Bianca e marido e os amigos deles são homofóbico pelas piadinhas preconceituosa que eles fazem os dois tem q mudar isso.

Vamos ver o que vai acontecer.

Abraços e bjs meu e da minha esposa.....


Resposta do autor:

 

Bom dia, querida leitora!

Que bom saber que está gostando da história! E esse capítulo é uma delicinha, mesmo! <3 É um dos meus preferidos <3

Não acho que esteja errada em suas suposições, ao contrário, ótimo faro! Quer dizer, digo isso em relação à parte do que disse (pq a outra parte vc se enganou, sim rs). Daqui alguns capítulos vai ficar mais claro, volta a comentar, só pra gente conversar de novo rs

A Cícera é uma personagem importante nessa trama! <3 

E olha vc acertando de novo, quanto ao namoro de Beatriz e Fernanda (tem que ter, né, os altos e baixos que a gente vive na vida real tb rs).

A grande jornada nessa história é de Bianca e Fábio, que precisam msm se livrar dos preconceitos! Amor não brota em solo contaminado, concorda?

Espero que aprecie até o final! Esse é um livro que tenho muito amor, é meu queridinho! <3

Ótima leitura!

Beijos, pra vc e sua esposa! 

 

Responder

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kasvattaja Forty-Nine
kasvattaja Forty-Nine

Em: 13/05/2021

Olá! Tudo bem?

 

''...estar juntas não envolvia necessariamente sexo – e só queriam mesmo deitar de conchinha, ouvindo a chuva bater na janela..'' Lindo! Adoro, à noitinha, aquele chuvisco batendo na janela, a mente solta, divagando... Com ou sem conchinha.

Falar que você escreve com sensibilidade é redundante, para mim. Bela história.

Espero um final cheio de purpurina.

É isso!

 

Post Scriptum:

 

''Quando o inverno chegar

Eu quero estar junto a ti

Pode o outono voltar

Que eu quero estar junto a ti

Por que (é primavera)

Te amo (é primavera)

Te amo (é primavera), meu amor

Trago esta rosa (para te dar)

Trago esta rosa (para te dar)

Trago esta rosa (para te dar)

Meu amor (hoje o céu está tão lindo)

Vai chuva

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva, é primavera)

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva, é primavera)

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva, é primavera)

Hoje o céu está tão lindo (vai chuva)''

 

Primavera - Tim Maia. Tim Maia - 1970. Compositores: Silvio Rochael/Genival Cassiano Dos Santos. Letra de Primavera © Warner Chappell Music, Inc.


Resposta do autor:

Querida dona 49! Adoro seus comentários, sempre mto gentis!

Te prometo muita purpurina! E um amor de verdade!

Beijos!

Responder

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Drea
Drea

Em: 12/05/2021

É autora já vi que vc gosta... Mandou eu relê a sinopse, me chamou de bruxa ( essa foi ótima ). Te digo, não vou relê a sinopse, vou ler outra história sua p tirar algumas dúvidas. Vc me lembrou de uma autora do spirit a romana_66 adoro a escrita dela,oh criatura que gosta de uma confusão, ir no embalo dela é viver em constante movimento,  Kkkk. Vc gosta de enigmas, poderiam escrever juntas acho q daria um bom caldo.


Resposta do autor:

hahaha

Isso, lê! Aqui no Lettera tem livro, tem conto, tem crônica! Tem enigma pra todos os gostos!rsrs

Não conheço a autora (nem a obra) que mencionou, mas vou procurar saber!

Simbora, no movimento!rs

Beijos!

 

Responder

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cris05
cris05

Em: 10/05/2021

Que bom que voltou, autora!

 E, pra variar, amei o capítulo rsrsrs.

Eu shippo Bia Beatriz com Fernanda. Acho bonitinho.

Queria bater um papo com Cicera tomando um cafezinho da tarde com bolo de fubá. Me amarro nela.

Beijos


Resposta do autor:

Ai, eu tb shippo elas rsrs Sou fã da Beatriz, e acho a Fernanda uma fofa!

E a Cícera, sem palavras. Adoro bruxas!rs

Que bom que gostou do capítulo!

Volto logo!

Beijos!

Responder

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