Entre quatro paredes não enxergamos o inimigo
Tamber não ficava longe de Maarheeve, a cidade onde Vonü estava morando, mas fazer esse cruzamento através de cavalos era antiquado demais, até mesmo para ela. Sua única justificativa era que não queria atrair atenção, e que por isso se passaria por pessoa comum. Quanta estupidez. Vonü atraía atenção mesmo na forma humana, mas não arrisquei pontuar o fato. Foi um dia inteiro de viagem, tendo que seguir a sombra de Vonü pela estrada no mato aparado no verão, que dividia o cavalo com a amante. Não falei nada durante toda a viagem, e me mantive longe do alcance de suas conversas, porque não suportava a presença de Hiver, cada vez mais presente.
Ainda tentava me acostumar que iria ao encontro de vários amaldiçoados, e que ninguém me escutasse chamá-los dessa forma, já que se intitulavam descendentes de Graah, a deusa que cultuavam. Eu ainda não entendia sua religião, mas também não me importava. Eu me perguntava quais eram as verdadeiras intenções de Vonü em me levar junto, uma vez que eu não teria qualquer utilidade nesse encontro além de acompanhar suas decisões. Mas eu não tinha como descobrir isso até que chegássemos.
Tamber era um pequeno vilarejo movimentado, com casas modestas e rebanhos contidos atrás de cercas. Era um local relativamente novo, as pinturas das paredes ainda não estavam desgastadas pelo tempo. O povo de Vonü estava hospedado nessas casas, aglomerados nessas construções ou acampando em estábulos, o que explicava a movimentação nas ruas. Vonü foi seguida conforme avançava pela rua principal até se formar uma multidão que me separou dela. Eles seguiram até um campo aberto no fim do vilarejo, onde elas desceram do cavalo e pareceram se anunciar, na distância que estava, era impossível escutar.
Prendi meu cavalo de frente a um restaurante, aproveitando a distração dos demônios para comer algo decente depois do dia de viagem, além de conseguir um quarto para dormir, porque estava exausta. Tive que esclarecer que acompanhava Vonü ou eles não me deixariam passar a noite sem antes me extorquir uma fortuna. Quem diria que alegar ser discípula de Vonü Del Thronttier me daria algum bônus. Eu tinha acabado de tomar banho quando ouvi batidas na porta, e mesmo a contragosto atendi, encontrando Vonü ali, para a minha surpresa, ao menos estava sozinha.
—Você sumiu. — Ela disse, erguendo a sobrancelha. — Mas vejo que achou um lugar.
—E você me achou. — Digo num sorriso de lado, então abro mais a porta para oferecer passagem. — Bastou dizer seu nome e eles me deram livre acesso, então nada mais justo que compartilhe a estadia com você.
—Coloque roupas, quero que assista a algo.
—O que? De noite? Viajamos o dia inteiro de cavalo.
—Não se preocupe. Vai servir para o seu treinamento.
—Então tenho que colocar roupas de treino?
—Não há necessidade. Você vai apenas assistir.
Fui obrigada a concordar, ela me deu privacidade para colocar as roupas, então me guiou pela rua principal até o campo aberto onde as dezenas de amaldiçoados estavam reunidos. As crianças estavam num canto, contidos pelos velhos, todos em sua forma natural, tantos num só lugar como nunca vi antes, até mesmo mais maduros que Vonü.
—Escolha um lugar para ficar, mas não fique muito perto. — Vonü me falou, parando a minha frente enquanto seus chifres e suas asas apareciam. — Aproveite o espetáculo e faça suas anotações.
—Você vai lutar? Contra sua própria espécie?
—Vocês humanos vivem lutando entre si. — Ela riu. — Não vou matar ninguém. É somente um teste.
—Se você os testar da mesma forma que me testa, então eles estão prestes a tomar uma surra.
—É o que veremos.
—Devo me preocupar em intervir se por acaso você parecer que está perdendo?
—Muito engraçado.
Ela piscou o olho para mim antes de se virar para os endemoniados, então aproveitei a deixa para me afastar e levitar até o topo de uma pedra, distante o suficiente para não ser envolvida no caos da batalha.
A batalha começou como uma tempestade num dia de sol, de repente e com força. Vonü atacava e desaparecia do mesmo local e reaparecia em outro, desfocando as lutas antes mesmo que tivessem a chance de revidar um ataque direto. Ela estava sem Raio Lacerante, que agora era minha espada, mas não parecia precisar dela, usava os punhos e os combinava com feitiços que ecoavam dentro da noite, acertando seus oponentes com estrondos fortes como os de uma árvore caindo. Seus feitiços eram refletidos no seu corpo, dando-lhe força ou causando uma onda de choque em quem tocasse.
Mas os amaldiçoados não demoraram para revidar, eles conseguiram decifrar os lugares em que ela apareceria, e logo vieram os espetáculos de luzes quando trovões e chamas foram usados em conjunto, acertando Vonü e a enfraquecendo o suficiente para fazê-la parar de desaparecer e lutar num ponto só. Eles podiam usar os elementos, afinal. Ainda que não tenha sido suficiente para retardá-la, porque ela avançou como um touro pela multidão, usando até mesmo seus chifres para afastar seus oponentes, seu corpo dançando como uma bailarina selvagem.
Em algum momento ela tinha uma adaga em mãos, o que foi útil para refletir os ataques que recebia de espadas e machados em diversos formatos. Foi quando ela se aproximou de uma mulher no centro que parecia ser importante, tinha a melhor armadura dentre eles, que reluzia no brilho da lua cheia, e ela brandiu sua grande espada escura, girando para cortar o pescoço de Vonü. Eu sabia que os amaldiçoados eram mais rápidos e podiam forjar espadas elementais, mas a espada dessa mulher era incrível. Era como Raio Lacerante, mas ao contrário da energia pulsante, a que emanava dela era escura e vibrava ao deslizar no vento, como se sugasse a energia ao redor e incrementasse sua velocidade.
Se Vonü tentasse aparar o golpe com uma adaga comum, a lâmina se partiria e ela ainda corria o risco de sofrer um grave ferimento. Então Vonü deslizou por baixo do golpe e cortou o tornozelo da mulher com a adaga, mas ao invés de desestabilizá-la, somente fez com que ela girasse e descesse a espada num poderoso golpe. Vonü poderia desviar facilmente disso se rolasse para o lado, mas sob o comando da mulher que enfrentava, cinco outros guerreiros se alternaram em segurar as asas dela e a manterem no chão para receber o golpe final da mulher. Vonü não poderia desaparecer dali se estava em contato com outras pessoas, e o golpe estava indo rápido demais para que tentasse desviar de alguma outra forma. Ela conseguiria escapar daquilo?
Eu me levantei na pedra, disposta a intervir, mas uma lâmina foi presa de repente contra o meu pescoço e um corpo pressionado em minhas costas, impedindo-me de avançar.
—Meu prêmio não pode intervir. — Era um garoto?
—Não há prêmio para perdedores.
Segurei a lâmina e reverberei uma onda de eletricidade que o fez convulsionar, afrouxando o aperto na lâmina. Antes que o corpo caísse no chão, eu me virei e o segurei pelo colarinho, olhando no rosto inconsciente do rapaz que tentou inutilmente me atacar. Que idiota. Se quisesse me matar, esse filhote de endemoniado teria que fazer muito mais que isso. Virei-me de volta para a luta, e Vonü tinha aparado o golpe com os pés, que seguraram os pulsos da mulher, que a praguejava entredentes. Vonü a empurrou e arqueou as costas, chutando dois guerreiros que seguravam suas asas, que desequilibraram os demais e finalmente a libertaram. Claro que ela conseguiria se livrar de alguma forma.
Eu me aproximei do caos carregando o idiota em meu ombro, erguendo seu corpo e o fazendo flutuar a minha frente, atraindo a atenção dos mais próximos, que bateram os cotovelos nos demais até chegarem na confusão onde Vonü e a mulher estavam.
—Esse pedaço de merd* tentou me atacar. — Digo com raiva, olhando ao redor enquanto adentrava na multidão. — Quem se responsabiliza por esse bastardo?
—Ele é meu filho. — A mulher com armadura brilhante falou em tom rude, avançando a passos pesados na minha direção, mas foi parada por Vonü, que segurou seu braço e a virou, encarando seus olhos de perto.
—Por que seu filho estaria tentando matar minha discipula? — Ela questionou em tom acusativo, mas a mulher se desvencilhou do apertou ao empurrá-la pelos ombros.
—Porque ele é um idiota tentando se provar.
—Já que ele sequer tem idade para se defender sozinho, você toma as responsabilidades pelos atos dele. — Digo para ela, jogando o corpo do garoto em cima de um dos guerreiros, utilizando as mãos para convocar Raio Lacerante e apontar na direção dela. — Então você lutará no lugar dele.
—Está me desafiando? — Ela ergueu as sobrancelhas, aproximando-se os últimos passos e parando diante de minha espada. — Você sabe quem sou?
—Oh, Deus. — Estreito os olhos e suspiro, reconhecendo-a. — Veegan?
—Você quer mesmo lutar comigo, Seul?
—Eu não sabia que você era uma... — Pauso, baixando Raio Lacerante e olhando ao redor, para todos os olhares curiosos que atraímos.
—Oh, por favor, não me chame de nomes vulgares que vocês cristãos inventaram. — Ela guardou a espada num coldre especial que parecia conter sua energia e se aproximou mais, um sorriso brincando em seus lábios. — Mas sim, sou uma graahkiniana. Se você se tornou discipula de Vonü deve imaginar o motivo que eu não disse nada.
—Devo saber de onde se conhecem? — Vonü parou ao nosso lado, olhando entre nós com uma expressão confusa.
—O festival de outono em Maarheeve. Nos conhecemos por acaso, mas foi inesquecível. — Ela olhou para Vonü e bateu em seu ombro de maneira amigável, como se trocassem uma piada interna. Eu quis ter a capacidade de Vonü de desaparecer daquele lugar. — Se soubesse que era sua, eu não teria feito nada, irmã.
—Irmã? — Aquilo me confundiu.
Elas eram completamente diferentes, e não somente porque Vonü tinha recebido os poderes de um voulcan, mas porque não tinham nada em comum mesmo na forma humana. Veegan também era alta, mas possuía a pele sutilmente mais bronzeada que Vonü e tinha os cabelos cor de cobre na altura dos ombros. Os olhos castanhos me miravam com malicia, e finalmente os olhos vermelhos de Vonü se arregalaram em entendimento. Todos ao redor tinham entendido.
—Eu só a estou ensinando a lutar. — Vonü falou depois de uma pausa, saindo do transe. — Além disso eu não-
—A luta acabou? — Eu a corto, guardando Raio Lacerante através de um feitiço.
—Sim, sim. Gostou do que viu?
—Então voltarei para o meu quarto, se terminou o que veio fazer aqui. — Eu ignoro sua pergunta, porque queria desesperadamente sair da atenção de todos ali.
Eu me afastei finalmente, tentando repor um mínimo de dignidade daquela situação. Todos começaram a se dispersar também, e eu não reparei que era seguida até Veegan me impedir de entrar na taverna em que tinha me hospedado ao se colocar a minha frente, um sorriso ainda brincando em seus lábios.
—O que foi? — Pergunto, percebendo a movimentação dos outros amaldiçoados retornando para os seus atuais lares.
—Você não devia ter vergonha da noite que compartilhamos naquele festival. — Ela me disse mais baixo, talvez notando meu desconforto.
—Você não devia ter escondido o que era.
—Oh, querida, e você comentou que era uma feiticeira? Fez alguma diferença no final? — Ela não esperou por resposta e segurou minha mão, beijando a palma sem tirar os olhos de mim. — De qualquer forma, vim te convidar para ficar na minha casa como um pedido de desculpa pelo que meu filho fez.
—Por que eu dormiria debaixo do teto do garoto que tentou me matar?
—Não se preocupe com ele. Vai ser bom para ele aprender que não pode tentar matar as pessoas simplesmente.
—Eu já estou hospedada aqui, Veegan.
—Não vou deixar você dormir num lixo quando posso te oferecer uma cama mais confortável. — Ela riu quando ergui a sobrancelha para a implicação em suas palavras. — Eu durmo no quarto de Verg, não se preocupe. Aceite, por favor. Eu estaria envergonhada na frente de todos se você recusasse uma compensação.
—Está bem, se você faz questão. Eu também quero respostas.
—Então busque suas coisas e eu te levo até minha casa.
Ainda que estivesse em dúvida se deveria ir, decidi que não havia alternativa melhor para tentar entender a ligação de Veegan com Vonü. Peguei a pequena bolsa com meus pertences e segui Veegan pela rua principal até virarmos à direita e depois a esquerda no fim de uma rua estreita. Tivemos que esperar um homem baixo e com a barriga grande demais para a pequena camisa que usava passar pelo beco antes de chegarmos até a pequena casa que Veegan diz ser sua posse.
Eu esperava mais. Talvez porque ela tinha feito sua imagem ao alugar o melhor quarto para a noite no festival de outono, ou talvez porque ela portava a melhor armadura do exército de demônios. Havia somente um andar e era comprida, estava com a tinta fresca, mas nem de longe era a casa mais chamativa ou confortável que já estive, e ela pareceu perceber meu desconforto, porque riu e me levou para uma mesa, onde me serviu cerveja. Não fui hipócrita em recusar, bebi a metade enquanto olhava ao redor, mesmo que não tivesse muito o que olhar, serviu para me distrair enquanto Veegan tirava a armadura em seu quarto, provavelmente a única coisa de valor que possuía ali.
Veegan logo se sentou diante de mim depois de a ouvir mandar o serviçal preparar o jantar. Bateu a caneca de cerveja na minha e bebeu um longo gole a ponto de sujar a ponta do nariz de espuma, que logo limpou com a barra da camisa.
—Então... Desde quando você está com minha querida irmã? — Ela questionou com um sorriso maroto, fazendo um esforço para esticar as pernas na outra cadeira.
—Não me pareceu tão querida lá fora. — Observei, mas ela somente riu.
—Não ligue para isso. Não sabia que era ela até você aparecer com meu filho.
—Não? E como descobriu?
—A voz. E também porque vi a espada.
—Vonü não tinha nenhuma espada.
—Raio Lacerante. Foi nosso pai quem fez. Passou para nosso tio, que ficamos sabendo que fugiu durante a guerra e levou Vonü junto. Foi como deve ter sido passado para ela. — Então suspirou, bebendo um gole de cerveja e me observando com olhos curiosos, mas ficou um longo período em silêncio antes de voltar a falar. — Agora a espada foi parar em mãos cristãs.
—Você não pareceu se incomodar com essas mãos cristãs no festival.
—E eu não me importo. — Ela sorriu com malícia. — Elas fizeram um bom trabalho. O que me incomoda é você estar ao lado de Vonü naquela forma e continuar se achando uma cristã legítima.
—O que isso tem a ver?
—Vonü é tão descendente de amaldiçoados como eu. Não sei o que ela fez para ficar daquele jeito. Mas não faz sentido você estar servindo de “discípula” dela quando você é descendente de feiticeiros. — Ela fez questão de pontuar as aspas no ar.
—Vonü tem poderes imensos. Eu quero aprender suas habilidades. — Balanço os ombros sem dar importância. — Eu mereci seus ensinamentos e sua espada.
—E o que você fez para merecer? — Ela se inclinou na mesa, curiosa, mas não digo nada. — Deve ter sido algo imenso, porque ninguém em nossa família daria uma espada elemental a uma cristã.
—Eu venci uma batalha. É tudo o que você precisa saber.
—Contra Vonü? — Perguntou em tom duvidoso, mas outra vez não respondi, e ela suspirou em frustração. — Agora você é tão misteriosa, Seul.
—Não é uma história que envolva só a mim. Então não cabe a mim te contar.
Ela se voltou a cerveja e eu olhei sua perna na cadeira ao meu lado, observando o sangue que escorria pela barra da calça. Suspiro com isso e me inclino na sua direção, levantando o tecido e vendo o corte profundo, soltando um suspiro em desgosto.
—Ela te acertou em cheio. — Comento, ouvindo seu suspiro em protesto.
—Não é nada importante. Já tive piores.
—Claro que sim. — Reviro os olhos enquanto analisava a ferida aberta. — Você tem uma cicatriz maior na coxa. Mas vai ter outra no tornozelo.
—Oh, você não consegue se segurar. Vocês magos veem um ferimento e não se aguentam dentro das calças até curarem.
—Vocês amaldiçoados não tem a capacidade de cura. Então, se não se importar...
—Eu sou a líder de um exército, Seul, eu te aconselho a não chamar ninguém dessa forma vulgar.
—Curioso que Vonü não se importe com essas coisas. — Digo em tom sério, olhando para o ferimento, então ela chuta minha mão para afastá-la e agarra o colarinho de minha camisa, inclinando-se sobre a mesa para me encarar de perto com fúria nos olhos. O momento abrupto me assustou, mas não revidei.
—Eu não sei quem é Vonü agora, e não me importa. Você está entre graahkinianos e você vai respeitá-los dessa forma.
—Ou o que?
—Ou serei obrigada a aceitar seu desafio, e nós lutaremos até você desistir de chamar meu povo de amaldiçoados.
—Está bem. Nós lutaremos. — Seguro seu pulso, mas ela ainda me encarava de perto em busca de confirmação do que eu dizia. — Mas você quer fazer isso antes ou depois de eu curar seu ferimento?
—Você quer me curar mesmo sabendo que vamos lutar?
—Deus falou sobre mostrar a outra face ao inimigo. — Argumento.
—Você me considera sua inimiga agora?
—Se você realmente quiser lutar, Veegan, então terei que te tratar como inimiga.
Ela suspirou e diminuiu o aperto, voltando a se sentar e erguer as pernas na cadeira outra vez. Ainda com paciência, subi mais o tecido de sua calça e pressionei as mãos sobre o ferimento, necessitando de uma concentração maior para fechar o corte, substituindo pela cicatriz. Utilizei o pano que estava sobre a mesa para limpar sua pele e minhas mãos.
—Você é boa nisso. — Ela comentou depois de um tempo.
—Você ainda vai sentir um incômodo nos próximos dias, mas eu posso esperar pela luta até você se recuperar.
Ficamos em silêncio até o tempo de a comida ficar pronta e os serviçais colocarem a comida na mesa e em nossos pratos. Se Veegan tinha se arrependido de me desafiar achando que eu cederia a sua vontade, ela não falou nada. Comemos em silêncio até aquilo se tornar um estorvo e eu não aguentar mais.
—Então... Você tem um filho. — Comento de forma casual.
—Que é um idiota igual o pai, mas não posso fazer nada sobre isso. É meu filho.
—E o pai dele?
—Ah, está explorando o caminho que faremos até Tieres. Deve voltar na próxima semana. Por isso Verg está desesperado. Quer ter algo para contar.
—Você é casada?
—Não temos a cultura de casar. — Ela sorriu para a minha confusão. — Estive com Ehfae pelo período que Verg nasceu. Então não tínhamos mais nada. É bastante simples. Vocês complicam demais as coisas.
—Tratamos o casamento como um investimento a longo prazo em uma pessoa, e não algo tão selvagem como para procriar.
—Quando você é uma raça em extinção, você precisa abrir mão de alguns prazeres se quiser continuar existindo. Então podemos parecer selvagens para você, mas vocês cristãos nos colocaram nessa posição.
—Vocês torturaram e mataram um padre.
—Ele queria que derrubássemos o monumento de Graah para colocar uma maldita cruz no local! — Falou com raiva. — Vocês não seriam amistosos com quem tentasse derrubar suas igrejas e seus santos.
—Bem... eu não disse que concordava com os métodos.
—Mas se pudesse tornar todos nós cristãos você o faria.
—Oh, por Deus. Será que não podemos conversar como pessoas civilizadas sem começar a discutir? — Pergunto com impaciência. — Como pudemos não discutir durante o festival?
—Porque não estávamos conversando!
—Eu não sei onde estava com a cabeça quando aceitei vir aqui.
Eu me levantei e peguei minha bolsa, seguindo para a porta, mas ela foi mais rápida e se colocou a minha frente, segurando meu rosto entre as mãos e me puxando para perto, o bafo de cerveja acertando meu rosto. Eu me assustei com a proximidade repentina, mas não a afastei, pega de surpresa pela lembrança de nossa noite no festival, provavelmente essa tinha sido sua intenção, porque ela voltou a sorrir, movendo os dedos nas minhas bochechas. Como ela conseguia sair de um confronto e se tornar tão dócil de repente?
—Vee... — Digo devagar, ainda segurando minha bolsa, mas sem saber o que dizer a mais.
—Vê? Nós podemos nos entender ainda. — Falou num sussurro. — Eu sei que sou uma idiota depois de uma batalha, desculpa.
—Você não perdeu. — Relembro.
—Mas também não ganhei porque meu filho é um idiota. De qualquer forma, fique aqui e vamos começar de novo.
—De que forma? Já nos conhecemos das duas formas possíveis.
—Encontraremos um meio termo e todos saem ganhando. O que acha?
—Está bem, eu concordo. — Afasto-me um pouco e estendo a mão para ela. — Meu nome é Seul Wittebi, sou descendente de magos, mas de uma linhagem mais baixa. E sim, sou cristã. Mas também sou discipula de Vonü.
—Prazer em te conhecer, Seul Wittebi. — Ela aceitou minha mão. — Sou Veegan Del Thronttier, descendente direta da segunda família mais pura dos graahkinianos, e atual comandante do exército do meu povo.
—Então você é uma pessoa importante, Veegan.
—E você é ousada em buscar mais poder, Seul. — Ela sorriu e pegou a bolsa de minha mão, ainda segurando a outra quando começou a me guiar pela casa. — Vou te mostrar seus novos aposentos.
Ela me levou até seu quarto, o cômodo pequeno como os demais, mas pelo menos tinha entrada para um banheiro próprio. Minha bolsa foi colocada numa cadeira ao lado do espelho na parede, ao lado de onde sua armadura estava. Eu apontei para a bainha presa no cinto de sua calça, curiosa.
—Posso ver?
Ela não hesitou em se exibir com sua espada mesmo no espaço pequeno, mas tomou o cuidado de não acertar nada enquanto se aproximava, ficando ao meu lado antes de entregar o cabo, deixando que eu suportasse o peso e me acostumasse com seus movimentos.
Era linda. Era mais escura de perto, mas havia eletricidade que circulava a lâmina, emitindo sutis zumbidos. Era poderosa, talvez mais que Raio Lacerante, mas estava fascinada com sua magnitude.
—Vocês conseguem fazer algo tão maravilhoso. — Digo num pequeno sorriso. — Eu queria ser capaz de produzir uma arma tão magnifica e poderosa.
—Ninguém faz igual aos graahkinianos, não é? — Ela falou orgulhosa.
—Não, ninguém.
—Quem sabe eu não faça uma para você?
—Você? Fazendo uma espada para uma cristã? — Rio, devolvendo sua espada. — Quantas cervejas você já tomou?
—Você está no quarto de uma graahkiniana, e dessa vez você sabe do fato. E só tomou uma caneca.
Eu deixei que se aproximasse depois de guardar a espada na bainha, envolvendo as mãos em minha cintura e colando seu corpo ao meu. O que eu estava fazendo, Deus? Iria me entregar outra vez a esta mulher? Mesmo sabendo sua origem? Mas o que ela tinha feito de errado, afinal?
Fiquei sem a resposta do que aconteceria, porque ela parou quando ouviu alguém entrar em sua casa, chamando pelo seu nome. Ela riu perto do meu rosto, avisando que era seu filho. Desejou boa noite e saiu do quarto, deixando-me sozinha com minhas dúvidas.
Fim do capítulo
Vonü --> o ü é mais fechado, assim como Alinü.
Seul Wittebi --> o W tem som de V, e Seul é dito mais rápido, como quando falamos "seu" mesmo, com o "u" mais fechado.
Marheeve --> o "ee" tem som de i mesmo, mas se lê mar-ive.
Hiver --> h com som de r mesmo
Graah --> como tem h no final, tem o som mais aberto.
Voulcan --> na história dos voulcans, o som é mais diferente, o V tem som de F, fica foucan para pronunciar.
Ehfae --> êfaê, basicamente.
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sledgcamren
Em: 07/07/2021
Esse livro é perfeito, estou amando!
Resposta do autor:
Olá sledg!
Fico feliz em saber!
Obrigada por comentar :D
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Andys
Em: 06/05/2021
Ah que a Seul E DANADA!
Ja pegou a irmã da mestra... ih que isso não vai presta! Arrumou briga com os herdeiros emdemoinhados isso que e coragem ou vontade de arranjar encrenca...hehe
Resposta do autor:
Ela é danada mesmo!
Esse caso entre elas ainda promete hahahah
Acho que é coragem de arranjar encrenca mesmo :D
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Marta Andrade dos Santos
Em: 04/05/2021
Eita Seul não perde tempo.
Resposta do autor:
ahahahah não mesmo, muito oportunista.
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