Introdução Parte II
Iori terminava de guardar seus pertences na bolsa enquanto os demais alunos saiam da sala, despedindo-se da professora. Era fim de tarde, ela aproveitava a água fresca enquanto secava o suor no pescoço, uma música baixa ainda tocava ao fundo.
—Hey, Sasaki. — A professora chamou quando estavam sozinhas. — Já faz alguns meses que está aqui, estive querendo te perguntar algo.
—Sim, estou livre no sábado à noite. — Iori sorriu, fazendo a mulher rir enquanto se aproximava.
—Oh, então estou com sorte. Se estiver com fôlego, pode continuar aqui?
—Depende, essas janelas são escurecidas? — Ela gesticulou para as janelas que iam do teto ao chão na outra extremidade da grande sala. — Eu odiaria que Laura chegasse e visse minha bunda quando olhasse para cima.
—Se esse é o problema, eu posso terminar sem que você precise tirar as roupas.
Iori acabou rindo, empurrando a mulher pelo ombro sem força, que sorria, limpando o rosto com a própria toalha. Havia espelhos em todas as paredes, com barras metálicas para auxiliar nos alongamentos. O chão era de madeira polido, liso para deslizar. A mulher não era mais alta que Iori, tinhas os cabelos curtos e claros, com as pontas pintadas de roxo. Os olhos azuis miravam os finos olhos cinzentos de Iori, com um pequeno sorriso brincando nos cantos dos lábios com o clima descontraído que vigorava entre elas.
—Diga, Lana, qual a sua curiosidade hoje? — Iori perguntou, deixando a garrafinha com água no banco ao lado de sua bolsa, pressionando os dedos na cintura.
—Você já fez ballet, não fez?
—Oh, então você notou.
—No primeiro dia desconfiei. Nas demais aulas só confirmei.
—Você tem bons olhos. Sim, eu realmente fiz, mas quando era criança. Um pouco na adolescência. Então não tinha mais como conciliar os estudos com a dança, optei por minha carreira.
—Mas é evidente que leva bastante jeito ainda para continuar a dança. Noto que ainda faz movimentos clássicos do ballet.
—Eu não nego que gosto bastante de dançar. Gosto de ter aulas aqui com você.
—É bom ouvir isso. Estou trabalhando numa coreografia para um musical que vai estrear em alguns meses. Estou buscando implementar passos de ballet, e achei que você os faz da maneira ideal para o que estou fazendo.
—Oh, então a professora está pedindo minha ajuda?
—Eu diria uma troca de conhecimentos.
—Não se preocupe com isso. Estou aqui para me distrair, se isso te ajudou a se inspirar a trabalhar, não vejo por que não ajudar.
—O que posso fazer? Meu trabalho é um prazer.
—Deixe-me te fornecer sua fonte de prazer. Mostre a coreografia.
—Claro, tente me seguir.
Lana a guiou de volta ao centro, explicando a história do musical enquanto demonstrava a coreografia, sendo seguida de perto pela curiosidade e a atenção de Iori, que ao mesmo tempo em que buscava imitar seus passos, também a deixava observar a própria forma como fazia. A noite chegou sem avisos, Iori ainda estava entretida em inventar passos junto a professora, que adequava a coreografia com as novas ideias. Ao fim, repassando toda a dança mais uma vez, Iori se afastou em giros, estendendo os braços em gestos delicados, então lançou um simples olhar para Lana antes de correr em sua direção, sem avisos, e impulsionar o corpo para cima. A professora teve somente um segundo antes de entender o que ela estava fazendo antes de segurar sua cintura e a erguer com o impulso, sentindo o corpo dela se contrair no ar para se manter equilibrada. Acabou sorrindo, estendendo os braços com o fim da música, fazendo uma pose enquanto Lana dava alguns passos com ela ainda no ar.
Laura chegou nesse momento, parando na entrada para admirar a cena, cruzando os braços e sorrindo, contente quando ouviu os risos da parceira ao ser colocada no chão, abraçando a professora em plena euforia.
—Nós conseguimos! — Iori falou ainda a abraçar Lana. — Eu sabia que ficaria um final melhor assim.
—Sim, ficou, admito. Mas você podia ter se machucado. — Lana se afastou para olhá-la, então indicou sua perna direita. — Eu não tenho um bom apoio nessa perna. No fim de uma aula então, eu podia ter te derrubado.
—Eu estava preparada para isso. Mas sabia que você não me deixaria cair, você continua com um aperto firme. Não acho que o apoio seja um problema.
—Oh, então você fala como uma profissional. — Lana sorriu, afastando-se em direção aos bancos na entrada da sala, notando a presença de Laura, fazendo um gesto para que ela entrasse.
—Eu não diria profissional. — Iori a seguiu. — Mas estive sendo sua aluna por todo esse tempo. Você nunca mostrou qualquer dificuldade.
—Prática. De qualquer forma, obrigada pela ajuda. Como eu disse, podíamos terminar sem envolver roupas no processo. — Falou em tom zombeteiro, fazendo-a rir.
—Eu estava perdendo a diversão? — Laura perguntou em tom leve, aproximando-se de ambas.
—Talvez. Só revelo a parte divertida depois que você se matricular. — Lana sentou no banco, esticando a perna e sentindo dores.
—Tentando me conquistar também?
—Então você descobriu meu plano. Está dando certo? — Lana sorriu em sua direção, inclinando a cabeça, tentando disfarçar a sensação incômoda na perna.
—Talvez se me ensinar alguns passos também, em segredo. Assim surpreendo Iori quando sairmos.
—Claro, é só vir aqui qualquer dia desses, então eu te ensino algo.
—Seu plano funcionou bem. — Iori sentou ao seu lado, pousando a mão sobre seu joelho. — Agora também conquistou Laura.
—Parece que ganhei minha noite então. — Lana segurou a mão de Iori, acariciando sutilmente. — Você pode pegar minha bolsa? Está no vestiário. Acabei esquecendo lá.
—Claro. Eu já volto.
Iori retribuiu a caricia na mão de Lana antes de se levantar, batendo a mão na bunda de Laura antes de sair do cômodo. Ela assumiu o lugar ao lado de Lana, olhando para a cicatriz sobre a coxa direita.
—Ainda dói?
—Sim, toda noite. — Ela ofereceu um pequeno sorriso para amenizar a preocupação. — Mas eu tomo remédio, então melhora.
—O que aconteceu, afinal? — Ela fez uma pausa, desviando o olhar e balançando a cabeça. — Desculpa. Sei que nunca conversamos, não devia fazer essas perguntas.
—Está tudo bem. Estou acostumada com a curiosidade.
—Não se te fizer desconfortável.
—Está tudo bem. — Repetiu, então olhou pelas janelas mais à frente. — Você sempre olha minha cicatriz quando vem buscar Sasaki. É quase como se tivessem intimidade.
—Desculpa, não é minha intenção. — Laura a olhou, envergonhada por não poder negar. — Não vai acontecer de novo.
—Claro que vai. Você continua curiosa.
—Não é isso. Eu sei que está com dor. Eu queria te distrair, mas acho que não sou boa nisso.
—É doce de sua parte tentar. Eu aprecio isso.
—Quase não achei. Tinha caído no chão. — Iori voltou a sala, carregando uma bolsa azul de ginástica, colocando ao lado de sua professora. — Precisa de ajuda com alguma coisa?
—Não é necessário. Eu ainda tenho que fechar aqui, trancar tudo. Você está liberada.
—Tem certeza?
—Claro. Você já me ajudou bastante hoje. Vá aproveitar a noite.
—Eu vou, mas tente descansar. Você trabalha demais, professora.
—Não se preocupe. Vejo você na próxima semana.
Iori pegou a própria bolsa e acariciou o ombro de Lana antes de sinalizar para que Laura a seguisse. Laura hesitou após se levantar, mas não conseguiu pensar em nada para falar, então somente seguiu sua parceira para fora, descendo as escadas e a levando para o carro.
—Desculpa não te avisar. Acabei me empolgando. — Iori falou após ouvir o motor ser ligado. — Fazia tempo que não ficava envolvida na dança.
—Eu pude ver, mesmo que um pouco. É bom te ver animada e solta. Você fica estressada demais com suas viagens.
—Por outro lado, você sempre sai estranha quando vem me buscar. Ao menos hoje conversaram. Mas não parece que foi bem. O que aconteceu?
—Nada.
—Qual é. Se tiver rolado algum clima, pode me dizer. Já passamos dessa fase.
—Pelo contrário. Eu só falei besteira.
—Você? Eu duvido. Você conquista qualquer mulher, Lau.
—Não ela. — Iori riu com isso, Laura somente suspirou. — É a perna dela. Eu acabei perguntando.
—Laura... Pare de ser psicóloga fora do hospital.
—Como? Você sabe que ela tem dor.
—E o que você pode fazer sobre isso? Muitas pessoas sentem dor, querida. — Ela tocou a perna da companheira, acariciando com afeição. — Eu gosto de Lana, ela é uma excelente profissional.
—Então não me peça para fazer nada.
—Estou pedindo para não oferecer tratamento médico a todas as pessoas que encontramos. — Iori ofereceu um sorriso compreensivo. — Que gostamos.
—Eu não estou interessada nela.
—Não a acha bonita?
—Claro que acho. Eu só não a conheço. Você acha que ela aceitaria uma noite de aventura?
—Talvez? Ela não me pareceu hesitar quando flerto com ela. Ou se mostra envergonhada perto de você, nem desconfortável. — Iori deu de ombros. — Você fica estranha perto dela. Ela sempre está normal, natural. Mesmo hoje.
—Eu não sei. Não me sinto confortável pensando em fazer sex* com ela sabendo que ela está com dor.
—Ela não está com dor o dia inteiro. Mas entendo seu ponto. Não precisamos investir nela. Eu sei que faz meses desde que tivemos outra pessoa, mas estou contente em ficar só com você. — Laura sorriu, ainda olhando a rua a frente. — Acho que as experiências me ajudaram a ter mais confiança em você.
—Oh, meu amor. Não diga essas coisas enquanto estou dirigindo.
—Só quero que saiba. Eu amo você, Laura.
Iori se inclinou no banco, beijando sua bochecha e recostando a cabeça no ombro dela. Laura beijou o topo de sua cabeça, sentindo-se mais leve com a súbita declaração de sua companheira.
Na próxima semana, após voltar de mais uma viagem, o casal se encontrou com a mãe de Laura em um café simples, que optou por se manter nas mesas do lado de fora. O outono anunciava a proximidade do inverno, com algum vento mais frio espalhando as folhas secas pelas ruas. As calçadas estavam movimentadas, famílias procuravam fantasias para o Halloween, cada vez mais próximo. Maria, mãe de Laura, se divertia ao ver crianças animadas com a chance de ganharem doces e assustarem uns aos outros.
—Souberam que Cláudia está grávida? — Ela indagou com um amplo sorriso com a lembrança. — Logo será meu neto que estaremos procurando uma fantasia para o dia dos mortos.
—Oh, ela está? De quanto tempo? — Laura sorriu com a notícia, olhando para Iori ao seu lado.
—Algumas semanas, ela confirmou ontem. Agora ela e Miguel estão correndo com os preparativos do casamento antes que a barriga cresça.
—Eles ainda têm tempo. — Iori falou sem compartilhar o mesmo ânimo de ambas. — Eles marcaram uma data?
—Sim, querem se casar antes do inverno, então deve ser no próximo mês. É um bom sinal casar nessa época. Vão estar mais próximos durante o inverno, dará mais sorte.
—Um casamento precisa de confiança e companheirismo, não sorte.
—Querida. — Laura segurou sua mão sobre a mesa, virando-se para ela, estranhando seu súbito tom rude. — Um pouco de sorte no início de uma união não é ruim.
—Talvez, mas não acho que deviam iniciar a vida conjugal dependendo de sorte. — Iori a olhou, apertando sutilmente sua mão. — Temos muitos anos juntas, querida, acho que podemos ter alguma opinião.
—Quantos anos vocês estão juntas mesmo? — Maria perguntou com sutileza.
—Quase oito. Mas sei que Cláudia não tem nem a metade disso com Miguel.
—Iori... — Laura fez um pedido silencioso para que ela parasse de insistir no assunto.
—Está tudo bem, minha filha. — Maria bebeu alguns goles de água antes de voltar a falar. — São quase oito anos que eu conheço a língua afiada de sua mulher, estou preparada para isso.
—Vê, querida? Nos conhecemos muito bem. — Iori sorriu para espantar as preocupações da companheira, que balançou a cabeça, descrente.
—Eu desconfiaria se você não começasse a me questionar na primeira oportunidade. — Maria riu, sem se deixar incomodar. — Mas bem, você disse 8 anos. Eu estive casada com o pai de Laura por quarenta anos. Nos casamos cedo, éramos crianças imaturas e inexperientes, apaixonadas, que deixaram a vida os levar. Quando nos demos conta, éramos velhos e infelizes. Sabe o que nos manteve juntos por tanto tempo? Obrigações. Responsabilidades. Casamento é como trabalho. Você precisa dar duro para obter bons resultados. — Ela gesticulou para Laura. — Claudia, Fernando e Laura são o resultado de todo nosso trabalho. O que é bom. São filhos incríveis, seguiram o próprio caminho, teremos alguém para nos enterrar quando chegar a hora. Passamos nossa história adiante.
—Vê? Não houve qualquer sorte. Vocês trabalharam juntos para manterem a família unida mesmo que não tivessem a maior facilidade.
—Você não entendeu. — Maria fez outra pausa, bebendo mais água, deixando Iori impaciente propositalmente. — Tivemos sorte em termos um ao outro mesmo que não soubéssemos o que estávamos fazendo. Se fosse qualquer outro homem, quem garante que teria o mesmo resultado?
—Para você foi sorte casar e dar certo?
—E não foi sorte a forma como nos conhecemos? — Laura a indagou, um sorriso brincando no canto dos lábios.
—Sorte pode iniciar várias coisas. — Maria prosseguiu.
—Mas não manter funcionando. — Iori dessa vez olhou para Laura. — Se não tivéssemos insistido, a sorte de nos conhecermos não teria nos mantido juntas.
—Mas a sorte de terem se conhecido gerou o que tem agora. Assim como Cláudia acredita que terão sorte no casamento com a chegada desse filho, com a colheita do outono. — Maria a olhou com paciência.
—Eu entendo seu ponto, Maria, e respeito sua história. Mas eu quero que quando Laura e eu tivermos um filho, eu possa oferecer mais que sorte a ele. Eu só imagino o quanto pode ser complicado manter uma família. — Ela relaxou no assento, trazendo a mão unida a de Laura ao colo. — Eu lembro o quanto meus pais trabalharam duro para manterem todos unidos e protegidos. É o mínimo que quero poder oferecer a um filho no futuro.
—Filhos são para a vida inteira. Uma vez que se tem um em seus braços, suas opiniões acabam caindo por terra. — Maria sorriu mais abertamente. — Quando Fernando nasceu, foi um desespero por ser o primeiro. Depois veio Laura e achamos que saberíamos lidar mais fácil, então ela teve anemia e as coisas mudaram. Quando Claudia chegou, ficávamos desesperados com o número de vezes que aquela garota aprontava. Agora me diga, por que nunca me disseram que a fábrica de crianças não produz crianças iguais? — Ela riu, dessa vez ambas riram também, o clima mais leve voltando a vigorar.
—Eu só lembro de sempre ter o necessário em casa. — Laura falou em tom descontraído. — Mas estou feliz que Cláudia tenha decidido dar esse passo. Depois eu vou ligar para parabeniza-la.
—Sim, ligue. Tenho certeza que ela ficará feliz em te ouvir.
—Madre, temos que ir agora. A senhora quer que eu chame um carro ou quer que eu te leve em casa?
—Não se preocupe comigo. Estou velha, mas quero esticar minhas pernas. Não velha demais, ainda quero ver o nome García nos meus netos.
—Oh, não se preocupe. No que depender de sua filha, não vamos demorar a encaminhar mais um. — Iori falou em tom contente, inclinando-se para beijar a bochecha de Laura, que riu sem negar.
—Te vejo no próximo final de semana, madre. — Laura se levantou para contornar a mesa, beijando sua testa.
—Claro. Espero vocês em casa. — Maria se despediu de ambas com um abraço apertado.
Fim do capítulo
:)
Mais um pouco sobre a dinâmica do casal.
Capítulos que eu tiver que dividir eu vou post duas vezes por semana.
Estou encontrando problemas em divulgar as histórias no facebook (tenho um perfil lá só para divulgação) nas páginas de divulgação de história (spirit, nyah, etc). Facebook está marcando tudo como spam :D estou começando a achar que é perseguição. Nunca tive problemas com as outras histórias.
Nada que me impeça de continuar publicando :)
Até o próximo.
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