Meus pedaços por Bastiat
O despertar
Helena
Gostaria de ser uma pintora para eternizar em uma tela a beleza que vejo na mulher deitada na cama. Me encanto com o edredom branco que vai até a sua cintura e deixa parte das suas costas nuas. O seu cabelo, um pouco abaixo do ombro, espalhado. Espetacular bagunça que esconde uma parte do seu rosto e deixa o ar de mistério que sempre me atraiu. Meus olhos percorrem o seu braço, paro na sua mão esquerda no meu travesseiro, é a aliança dourada que chama a minha atenção. Há uma semana foi o meu aniversário e ainda desfruto do melhor presente. Isabel está aqui, esparramada e dormindo profundamente na nossa cama, na minha frente.
Suspirei como qualquer pessoa apaixonada faz e cheguei próxima a ela. Subi na cama para abraçá-la . Distribuí beijos pelo seu ombro direito, deslizei com carinho meus dedos na sua pele macia. O seu cheiro delicioso entrou pelo meu nariz quando cheguei em seu pescoço. Encantadoramente gostosa.
Isa mexeu-se um pouco. Afastei-me com receio de acordá-la. Ainda dormindo, virou-se, me puxou para me deitar sobre ela e me abraçou.
- Es muy temprano para despertarse, Helena. Duerme, cariño - disse com uma voz preguiçosa.
Aproveitei o momento para me deleitar do calor que seu corpo tem voltado a me proporcionar. Me ajeitei no seu pescoço, fechei os olhos e enrolei uma mecha do seu cabelo no meu dedo para fazer um cacho.
Não posso me demorar muito, tenho que descer para preparar o café da manhã. Infelizmente já passou do horário, senão adoraria ficar.
Quando senti o abraço perder força e a minha mulher voltar ao sono profundo, levantei-me devagar, cobri seu corpo e saí da cama. A atriz mais nova me parece cansada demais e é domingo, pode dormir até mais tarde.
Parei por mais alguns segundos para ficar admirando o seu peito subir e descer. Sua respiração tranquila, seu rosto sereno acompanhando de um sorriso leve nos lábios. Posso apostar que é a mesma felicidade que estou sentindo. Como a amo.
Deixei a espanhola no nosso quarto e desci as escadas na direção da cozinha. O relógio me mostrou ser quase dez e meia da manhã. Aposto que a Giovanna estará emburrada por deixá-la esperando.
- Demorou! - Reclamou minha filha assim que me viu. - Cadê a mamá?
- Ela está com muito sono, princesa. Melhor deixá-la dormir mais um pouquinho.
Sem dizer nada, a pequena continuo com a cara fechada e batucou seus pequenos dedos na mesa. O mesmo que faço quando sou contrariada.
Comecei a preparar sua vitamina e colocar a geleia de morango no pão para ela. O barulho do liquidificador me impediu de nos falarmos, mas aproveitei para dar um beijo no sua bochecha e deixei o alimento na sua frente.
Desliguei o aparelho e coloquei a mistura de frutas no copo. Deixei na sua frente como o pão, porém Giovanna nem se mexeu.
- O que foi, filha? Desde cedo você está emburrada.
- Estou brava. Muito brava.
Segurei a risada quando me olhou tentando fazer uma careta no seu rosto. Sentei-me na cadeira de frente para ela.
- Por quê? Quem sabe eu possa te ajudar.
Giovanna pareceu pensar. Fiquei aguardando sua resposta com paciência.
- Eu quero viajar com você e a mamá amanhã.
Fiz um beicinho para ela que me imitou logo depois e acrescentou as mãos juntas na nova tentativa de convencimento.
- Eu e a sua mamá não conversamos sobre isso? Não prometemos que vamos fazer outra viagem e te levar?
- Mas eu posso faltar essa semana, as aulas já estão acabando.
- Tem certeza de que pode faltar? Que eu saiba você tem as atividades finais. São importantes.
Na verdade, ela não tem nada demais na escolinha, mas, além de querer passar um tempo a sós com a espanhola, é bom criar a responsabilidade dos estudos desde cedo.
- Está bem... - concordou contrariada. - Mas você promete mesmo me levar na próxima? Eu, você e a mamá.
- Já está prometido, Gi. Assim que chegarmos, vamos nos sentar com você para fazer o roteiro - ganhei um sorriso tímido como o da Isabel. - Agora coma porque você precisa se arrumar para a festa da sua amiguinha e daqui a pouco a Nina vem te buscar.
Minha pequena atacou primeiro a vitamina. Levantei-me para preparar o meu café. Só de abrir o pote para pegar o pó, o aroma já me deixou com vontade de beber o líquido que me traz energia.
Em questões de minutos ficou pronto, Giovanna me perguntou se dava tempo de ficar um pouco com o Chico. Falei que têm 5 minutos, é o tempo de terminar o meu desjejum.
O café, a omelete e o pão não me sustentaram. Tive que preparar uma salada de frutas que termino de comer agora. Aposto que a Isabel vai acordar tão esfomeada quanto eu. Melhor já deixar a mesa posta.
Levei o meu nariz até meu ombro direito. Eu adoro o cheiro dela misturado ao meu. Parece uma combinação perfeita de amor e paixão. Definitivamente, nós ainda somos completamente apaixonadas uma pela outra.
Fechei os meus olhos, procurei apenas o seu perfume. Um sorriso brotou quando deixei me levar pelas lembranças da noite passada. A felicidade fez morada nesta casa e o desejo se apoderou do nosso quarto.
Despertei dos meus pensamentos quando ouvi a voz da Nina me desejando um bom dia. Devo estar com cara de boba pois seu rosto entrega um riso contido.
- Bom dia, Nina - respondi a sua saudação.
Não consegui voltar a seriedade, estou feliz demais e não temo esconder por achar o que os outros vão pensar. Quero mesmo é que todo mundo saiba que sou a pessoa mais feliz do mundo.
- Um dia eu ainda quero encontrar um amor que me deixe suspirando assim pela cozinha de casa - disse olhando para mim.
- Eu estava suspirando?
- Sim, senhora.
- Como eu sou cafona, desculpa.
- Você e a Isabel. Acho que foi na quinta, quando estava indo embora, que flagrei os olhos dela vidrados em você enquanto lia alguma coisa.
"Parei de ler o roteiro no meu notebook após alguns segundos de desconcentração. Senti um par de olhos em mim. É a Isa sentada no outro sofá enquanto finge que lê uma revista de moda, mas na verdade vira e mexe olha na minha direção. Já estamos quase uma hora e meia nesse silêncio, apenas satisfeitas com a companhia uma da outra.
- O que tanto me olha, vida? - Perguntei tentando manter os olhos na leitura do parágrafo.
- Eu amo te ver trabalhando. Gosto quando você coloca esse óculos e se mantém concentrada. Fica sexy. Te acho linda quando sorri ao ler algo interessante no roteiro e coloca um dedo perto da boca porque está pensando. Te admiro tanto, cariño.
Olhei para a espanhola, o amor da minha vida.
- Deve ser a mesma sensação que sinto quando te vejo em cima do palco ou quando está como a diretora.
Meus olhos que estavam na covinha que enfeita seu sorriso, desceram encontrando a sua camisa social bem aberta.
Isa deu risada quando notou meu olhar, levantou-se e em poucos passos já estava atrás da poltrona.
- Vou te deixar trabalhar, cariño. Primeiro vou tomar meu banho e então ficar te esperando.
Arrepiei-me quando seus lábios se aproximaram do meu ouvido e sussurrou:
- Termina logo.
Isabel foi e levou a concentração que eu deveria ter para terminar isso hoje. Natália vai me matar se não estiver na sua caixa de e-mail com as minhas observações logo cedo.
Balancei a cabeça indignada. As letras pararam de fazer sentido, parece que não fui alfabetizada. Eu só penso na Casañas.
Salvei o que já foi escrito e comecei a desligar o notebook. Amanhã me resolvo com a Nat..."
Saí da minha lembrança e dei de cara com a Nina ne olhando sorrindo.
- Fiz de novo, não é?
- Sim, ficou com cara de apaixonada. Aposto que estava pensando na Isabel.
Confirmei com a cabeça.
- Espero que você encontre um amor... mas você não estava saindo com um rapaz?
- Acabou tem uns dois meses. Ele era legal, mas faltava algo. Pode me chamar de boba, mas quero um amor que faça meu coração disparar.
- Hum... temos uma romântica aqui. Torço para você encontrar - pisquei para ela. - Quer tomar café da manhã, querida?
- Ah não, muito obrigada, já tomei em casa. Eu vou ajudar a Gi no banho e arrumá-la para a festinha.
- Obrigada por vir hoje, apesar de ser domingo. Giovanna queria ir sozinha, não queria as mães famosas dela roubassem a cena na festa.
- Sua pequena é cheia de personalidade já. Mas não se preocupe, já descansei bastante ontem e não faria nada hoje. Fora que vocês foram bem generosas no extra.
- Ah, era o mínimo. Espero que aproveite a festa também, coma bastante docinhos por mim.
Nina saiu da cozinha e eu resolvi lavar a louça da manhã. Antes, conferi as sacolas de compras, espero não ter esquecido nada para o almoço.
Comecei a cantarolar "Bem que se quis" de Marisa Monte enquanto ligava a torneira após ensaboar toda louça.
- ... Mas tanto faz, já me esqueci de te esquecer porque o teu desejo é meu melhor prazer e o meu destino é querer sempre mais. A minha estrada corre pro seu mar.
Terminei de cantar e sequei as mãos. Aproveitei a animação para colocar a ração do Chico e dar atenção a ele.
- Você também está feliz, Chiquito?
Recebi um latido alto em reposta. O abracei forte e beijei seus pelos escovados. Provavelmente a minha filha o penteou porque ele está arrumado.
- Agora vou ver se a dona Isabel acordou e colocar um biquíni. O que acha do branco?
Mais um latino e o entendi como se ele aprovasse a minha sugestão. Deixei-o perto da sua comida e subi as escadas que dão acesso aos quartos da casa.
Entrei no quarto que estou tendo o prazer de voltar a compartilhá-lo com a Isabel. Ela está tomando banho. Aproveitei para andar até o closet e abri a gaveta à procura do que pensei para curtir um dia de piscina.
Tirei o meu short, minha camiseta, minhas peças íntimas e comecei a colocar o meu biquíni.
Voltei para o quarto amarrando a parte de cima. Andei até a penteadeira e me olhei mais uma vez no espelho.
- Uuuuuuuh! Heleninha... Que bela visão logo pela manhã.
Virei-me na direção que se aproximava vestida de roupão e secando o cabelo com uma toalha.
- Bom dia, cariño - disse colocando a toalha de lado e me abraçando pela cintura.
Aproximei-me dela e dei um selinho rápido nos seus lábios.
- Bom dia, meu amor. Achei que dormiria o dia inteiro.
- Fomos dormir um pouco depois das quatro da manhã, Lena. Primeiro você começou com aquela história de já começar a lua de mel e depois ficamos conversando bobagens.
- Você me satisfez de todas as formas, sabia? Na cama, é óbvio, e nas conversas, como você me trata, no dia a dia. Sinto-me completa ao seu lado.
Isabel me puxou com uma mão pela cintura e a outra avançou na minha nuca fazendo com que nossas bocas se unissem.
A espanhola me beijava com vigor, minha língua dançava o ritmo frenético da dela. Cheia de vontade, enfiei os meus dedos no seu cabelo ainda um pouco molhado e pressionei ainda mais as nossas bocas. De um lado para o outro, sem perder a velocidade que exemplificava a nossa vontade.
A falta de fôlego foi o que nos separou. Quando não senti mais seus lábios nos meus, abri aos olhos um tanto anestesiada pelo desejo naquele beijo.
Um pouco ofegante, Isabel soltou:
- Eu fiquei sem palabras depois do que disse.
Ajeitei o seu cabelo e desci minha mão até o seus lábios.
- Beijando assim, você pode ficar sem palabras sempre.
Um sorriso, um beijo em meus dedos que estava em seus lábios e outro no meu rosto. Foi assim que a Isa se afastou de mim, pegou a toalha, sentou-se na cama e recomeçou a enxugar os cabelos.
- Helena, já são quase onze e meia da manhã! - Assustou-se ao olhar no relógio. - Gi no foi ainda, não é?!
- Não, Nina está ajudando-a a se arrumar.
- Como você me deixou dormir tanto? Deveria ter me acordado quando você despertou.
- Ih, amor. Eu acordei cedo, já malhei, tomei banho, fiz compra para o almoço, preparei o café da manhã, comi com a nossa pequena.
- Credo, Helena, que disposição é essa?! Só de pensar de você acordou para malhar em um domingo, já fico cansada.
- Quero compensar porque só consegui malhar 3 dias na semana passada. Acordei feliz, disposta e empolgada.
Dirigi-me até o closet com o olhar da atriz em mim. Achei uma saída de praia no fundo das minhas coisas. Está velha, mas dá para o gasto. A vesti e voltei para o quarto.
- Achei que a sua mala já estivesse feita, cariño. Por que está provando esse biquíni e a saída?
Olhei para ela sorrindo. Só a Isabel para achar que eu levaria essas roupas antigas.
- Vou fazer uma social na piscina com as meninas.
- Hã? Que meninas? - Perguntou um tanto assustada.
- A Lisa e a Nat. Eu sempre me refiro a elas como meninas, Isa. Esqueceu?
Ignorei a Isabel, peguei o meu celular para ver se tinha alguma mensagem delas. Apenas a Natália enviou falando que já estava saindo de casa.
- Por que você no me avisou, Helena?
- Eu tive essa ideia ontem à noite, combinei com ela, mas esqueci de te falar.
Dei risada de uma bobagem que o Eduardo me enviou. Abri alguns grupos, dei uma passada de olho. Depois de ter bloqueado o celular, notei o olhar pensativo da minha mulher.
- Algum problema com as minhas amigas? Achei que já tivesse superado a história da Natália.
- No pode cancelar? Quero descansar, vamos viajar amanhã.
- Que bobagem, Isabel. É só a Elisa e a Nat, não é uma festa. Vamos apenas ficar conversando, pegar um sol, nadar um pouco. Além disso, tenho um motivo especial - disse me aproximando dela.
- Que motivo?
- Tive uma ideia para juntar a Nat e a Elisa. Se não for hoje, não será nunca mais.
- Juntar?
Olhei para a cara de confusão da mais alta e achei graça. Sentei-me em seu colo sentindo nela o cheiro do banho recém tomado.
- Juntar, meu amor. Casalzinho, namoradinhas, essas coisas. Já passou da hora de me met*r e dar um empurrãozinho. No caso, um empurrão mesmo, Natália é mole demais.
- Mas a Natália não é hétero? Não estou entendo nada. Ela e a Elisa?
- Natália hétero, Isabel? - Dei risada. - Se você fosse mais perspicaz, notaria que a Nat é completamente apaixonada pela loira há anos. Tadinha, ela já sofreu tanto.
- Agora faz sentido - disse Isabel olhando fixo para alguma coisa no quarto.
- O que faz sentido?
Beijei o seu rosto e fiquei esperando a resposta que não veio.
- Isa? Ei! Vida? - chamei e fiz um estalo com os dedos perto dos seus olhos.
- O quê? Desculpa, estava pensando...
- O que faz sentido? - Perguntei novamente.
- Nada demais, Helena. Bobagem.
Se eu não conhecesse tão bem a espanhola, cairia na sua falta de explicação. Tem sido mais frequente esse olhar perdido, momentos de introspecção, pensamentos longe. A resposta mais comum é um sorriso e em seguida sua voz dizendo a palavra ‘nada' ou ‘depois conversamos'.
Isso tem me incomodado, porém procuro não pensar. Até hoje eu não engoli a enrolação dela para me contar com quem ela transou enquanto estávamos separadas. Logo pela sua reação exagerada, já sei que é alguém que conheço ou que ainda está próxima dela. Aposto em uma funcionária do Arte ou até da emissora. Apesar da minha ansiedade, quero esperar até que ela esteja à vontade para me contar, então não a pressionei a semana toda.
- Tem certeza? - Perguntei e não fui respondida. - Bem, se você não quer as minhas amigas aqui, tudo bem, eu cancelo. Mas gostaria de saber o porquê.
- Nós precisamos conversar. Preciso te falar uma coisa e espero que você compreenda. Isso está me matando.
A campainha tocou, levantei-me do seu colo.
- Deve ser a Nat... não tenho certeza sobre o que quer me contar, mas imagino. Se enrolou todo esse tempo, pode esperar mais um pouco.
Sem me olhar, Isabel disse:
- Claro... você pode receber suas amigas. Podemos conversar mais tarde.
- Ótimo. Então melhora essa cara e vamos descer.
- Vá na frente, não acordei muito disposta hoje.
Ignorei totalmente o assunto. A última coisa que quero é ter que me dividir entre a Isabel e minhas amigas. Meu sonho formar um quarteto de amigas, com dois casais será melhor ainda.
Segui até a porta e antes de sair, virei-me na sua direção.
- Amor, se anima, vai ser legal. Não enrola para descer e tomar o seu café, o almoço vai ficar por sua conta. Elisa estava com vontade de comer o seu polvo, tive o trabalho de ir comprar, então capricha.
Fechei a porta e desci as escadas correndo quando ouvi a campainha tocar mais uma vez.
Cheguei no meu portão, pulei de felicidade quando vi a Natália. A pequena me abraçou apertado.
- Que felicidade é essa, Heleninha?
- Eu vou passar o domingo com as minhas duas melhores amigas, tenho que ficar feliz mesmo. Trouxe o biquíni?
- Já estou com ele por baixo do vestido, amiga.
- Ótimo, vamos entrar - convidei já caminhando com ela ao meu lado. - Você já deve ter tomado seu café, mas vamos comer alguma coisa. O almoço vai demorar porque a Isa acordou tarde.
- Acordou tarde é?! Imagino que a noite tenha sido boa.
- Madrugada adentro, amiga - sorri com malícia.
Entramos juntas em casa. Nina e Giovanna já desciam as escadas e vieram na nossa direção.
- Nossa... quem é? - Natália perguntou olhando para a babá.
- Já vamos, Helena. Gi não está linda? Ela mesma escolheu a roupa - disse Nina para mim.
- Conseguiu ficar mais linda do que já é, minha princesa. - Falei dando um beijo na franja da minha filha.
- Bem, já que a Lena não nos apresenta, eu sou Natália, muito prazer. Tudo bem?
Vi a minha amiga esticar a mão e a babá apertá-la com mais que simpatia.
- Sou Nina, também é um prazer conhecê-la. Tudo bem, obrigada, e a senhora?
- O quê? Senhora? Assim você me ofende, sou amiga da Helena, mas sou bem mais nova do que ela.
- Nat? - Me irritei com seu comentário.
- Ah, não quis dizer que a senhora... - Nina tentou se explicar.
- Você. Me trate por você.
A atitude da Natália me surpreendeu. Além de não soltar a mão da babá, ela ainda a puxou para dar um beijo em seu rosto.
Sem graça, a menina-mulher afastou-se e desviou o seu rosto.
- Vamos, Nina. Já vai começar a festa - Gi a salvou.
- Claro, vamos.
- Já se despediu da sua mamá?
- Sim, eu passei no quarto e dei um beijo nela.
Despedi-me das duas reforçando a recomendação para a Giovanna maneirar nos doces como sei que a Isabel já fez.
Assim que as duas saíram pela porta, Nat disparou:
- Amiga, por que você não me disse que a babá da sua filha é tão linda?
- Natália, ela é hétero.
- Assim como eu! Olha, combinamos mesmo.
Dei um tapa leve no seu braço para recomeçar a caminhada na direção da cozinha.
- Agora eu entendo o motivo do seu ciúmes dela com a Isabel. Lembra que você surtou quando soube que a contratou?
- Esquece isso. Nina é uma ótima pessoa, errei no meu julgamento.
- Nina... Até o nome dela é lindo.
- Natália! Ela é só uma menina. Não permito que você brinque com ela.
- Bem, ela me pareceu maior de idade e pode muito bem se decidir sozinha.
Achei a minha amiga estranha. Geralmente ela não fala desse jeito, nunca a vi dando em cima de alguém, sei apenas de suas aventuras depois que aconteceu.
- É assim que você diz que ama a Elisa?
Sua feição mudou de contente para séria em questão de segundos. Sabia que tinha algo de errado nela.
- Esquece a Elisa porque eu já estou esquecendo.
- Puta merd*! O que aconteceu?
Natália serviu-se de um pedaço de pão e o colocou na boca. Uma tática para não falar.
- Não vai me contar? Mesmo?
Cruzei os braços e fiquei esperando a sua resposta.
- Certo, eu já deveria ter contado para você, mas é que eu estava assimilando tudo ainda.
- O que a loira fez?
Natália apoiou suas costas no armário, cruzou os braços e começou falar:
- Mesmo depois de chegar à conclusão de que você não apareceria no Comer & Beber, eu e a Elisa continuamos no local. Pedimos uma bebida, duas, três... ela ficou um pouco alterada. Não chegou a ficar bêbada de cair, mas mesmo assim a levei para minha casa, precisava cuidar dela.
Vi Natália morder o canto direto do lábio inferior. Uma mistura de chateação e nervosismo.
- A deixei no outro quarto que tem na minha casa para tomar banho e dormir. Mas acho que por nós dormimos tantas vezes juntas, Lisa se achou no direito de me esperar na minha cama depois de tomar banho. O único problema é que eu saí nua do banheiro. Fiquei sem graça, mas ela achou divertido. Não me achou bonita, não vi desejo em seus olhos, nada. Ali caiu a minha ficha de que sou apenas uma amiga.
- Mas, amiga...
- Para piorar a situação, como uma tonta, perguntei se eu era atraente. Ela disse que não sabia dizer por que eu sou a melhor amiga dela, assim como ela citou que não sentiria nada se você aparecesse pelada na frente dela. Depois ela... bem, foi assim.
- Depois ela o quê? Fala!
Minha sócia hesitou um pouco. Eu pedi com o olhar para ela dizer.
- Depois ela deu um exemplo, disse que só de pensar na mulher que ela gosta, já se sente atraída. Foi horrível.
- Então a Lisa tem alguém? É isso?
- Não. Não mesmo. Mas ela gosta de alguém. Além do balde de água fria em mim, ainda tive que ficar ouvindo merd*. Pior de tudo é que a mulher não liga a mínima e já disse que não gosta dela.
- Eu não sabia que a Elisa gostava de alguém. Tem certeza disso? Ela nunca me disse nada.
Em poucos passos, Natália aproximou-se de mim com serenidade.
- Como eu já te disse: eu estou esquecendo-a. Acredite, nos últimos meses, eu tentei. Fiz de tudo mesmo. O seu aniversário foi a minha última tentativa, preciso seguir em frente.
Eu via dor nos olhos da minha sócia. Entretanto, dessa vez é dor de saber que perdeu e não de sentir medo de ser rejeitada. Apenas a abracei. Meu bebê grande merece tanto alguém que a ame. Por que a cineasta tinha que ser tão idiota? Natália a faria muito feliz, tenho certeza.
Decidi ocultar o meu plano. Talvez eu faça alguma tentativa, não sei. Porém, se a Elisa gosta mesmo de outra, será difícil fazê-la notar a Nat. Aliás, preciso conversar mais com a loira, essa paixão deve ter acontecido quando se afastou de mim. Isso talvez explique o distanciamento, ela estava sofrendo pela tal mulher.
Dei vários beijos carinhosos na bochecha da minha amiga.
- Amiga, dê um tempo para si, não atire para todos os lados. Pensa um pouco mais, vai com calma para não magoar ninguém - a aconselhei.
- Está com medo de que me envolva com a babá da Gi?
- Você não vai se envolver, vai machucá-la. É sério, ela é a babá, mas é minha amiga também.
- Não se preocupe, Heleninha. Ela não é heterossexu*l*? Não vai ter perigo ela passar na minha casa pela semana já que eu vou ficar com a Gi enquanto viaja.
Preparei-me para mais um bronca, mas fui interrompida.
- Buenos días, Natália. Tudo bem?
- Já é boa tarde, espanhola. Tudo certo e você?
Isabel afirmou um sim através de um aceno e começou a limpar a bancada.
Quando notei que ela tirou o lenço do pescoço e começou a colocá-lo no cabelo, a questionei:
- Amor, não vai comer seu desjejum?
- No tengo hambre, cariño.
- Isa, você não comeu nada ainda.
- Já está na hora do almoço - disse abrindo a geladeira.
- O almoço pode esperar, Elisa nem chegou ainda. Come alguma coisa primeiro.
Sem resposta, a mais nova passou a abrir os armários e pegou farinha.
- Isabel, as coisas para o polvo na chapa com feijão manteiguinha e aioli picante estão na sacola.
- Não vou fazer polvo, Helena. Vou fazer ravióli de alguma coisa que não sei ainda.
Troquei olhares com a Natália que percebeu algo de errado no ar assim como eu.
- Faça o polvo, amor. Será uma desfeita com a Lisa e comigo que tive o trabalho de comprar tudo fresco como você gosta.
Vi quando fechou os olhos e respirou fundo. Não reconheço essa Isabel irritada.
- Ok, Helena.
A farinha foi colocada no lugar de antes. Depois, Casañas começou a pegar as panelas.
- Amiga, eu vou lá para a piscina, tudo bem? Pegar um sol com o Chico.
Concordei com a sua saída, Nat entendeu que preciso ficar a sós com a minha mulher.
Enquanto a espanhola começava a fazer seu mise en place, receosa me aproximei. Toquei a sua mão quando tentou pegar a faca, isso fez com que ela me olhasse.
Levei minhas duas mãos até o seu rosto e a trouxe para perto de mim. Beijei com carinho e prolonguei o contato.
- Meu amor, o que aconteceu? - Perguntei olhando em seus olhos.
- Está tudo bem, cariño.
Isabel até tentou desviar, mas a fiz continuar em contato comigo.
- Eu sei que não está. Por favor, não se feche de novo. Fala comigo.
Fiquei feliz quando ela acenou que sim, senti até um alívio.
- Ligue para a Elisa, cancele esse almoço. Conversa com a Nat, dê alguma desculpa. Vamos subir, nós precisamos conversar.
Senti um frio na espinha, algo de muito grave está acontecendo. Parece que estou no escuro novamente, não entendo nada.
- Boa tarde, casal.
Afastei-me da Isabel e olhei na direção da voz.
- Boa tarde, amiga.
- Desculpa invadir sua casa, mas o porteiro já me conhece e o portão estava aberto.
- Deixa disso, Elisa. Eu daria até a chave da minha casa para você. Vem, quero um abraço.
A loira caminhou até mim e nos abraçamos com força.
- Está gata, amiga. Cheirosa também - a elogiei.
- Olha quem fala, Helena Carvalho, a beleza em pessoa!
Um celular que estava na mesa tocou. Caminhei até ele e só pela capa cafona vi que era da Natália. Peguei o objeto que piscava "mãe" no visor.
- Nat esqueceu o celular. Pode ser importante, vou levar para ela.
Voltei até a Isabel e depois de deixar um selinho, sussurrei no seu ouvido:
- Depois conversamos. Independente de tudo, saiba que eu te amo. Muito.
Pegando-me pela cintura, a espanhola olhou nos meus olhos e também sussurrou:
- Eu também te amo, mi amor. Te amo muito, nunca duvide disso.
Não contente com o selinho, Isa me roubou um beijo mais demorado.
Saí da cozinha após mandar um beijo para a Elisa que não deu a entender que me acompanharia.
Ouvi os latidos do Chico quando cheguei mais preto da área de lazer. Natália brincava com a bola de pelos jogando a sua bolinha preferida para ele.
- Nat, seu celular tocou. É a sua mãe.
Entrei o aparelho nas suas mãos e ela retornou à ligação.
Achei engraçado a minha amiga revirando os olhos com uma possível bronca da sua mãe.
Agachei para pegar a bolinha que a bola de peles me entregava. Saí correndo para que ele viesse atrás de mim. Dei a volta e retornei ao mesmo lugar quando Natália encerrou a ligação. Joguei o brinquedo longe, meu cachorro saiu correndo.
- Estava parecendo uma criança, Helena.
- Bem, pelo menos não recebo bronca da minha mãe pelo telefone.
- Ah, cala a boca!
- O que aconteceu? - Perguntei segurando o riso.
- Esqueci o almoço que ela fez hoje.
- porr*, Natália! Vai para o lanche da tarde. Dá tempo de chegar no interior. São o quê? Três horas de viagem?
- Por aí. Mas não estava muito a fim de ir mesmo. Prefiro ficar aqui.
Chico trouxe seu brinquedo de volta e Natália o jogou.
- Helena, está tudo bem mesmo? Isabel me pareceu irritada. É comigo?
- Fica tranquila, o problema é que ela queria descansar e eu combinei essa social com vocês. Avisei só hoje.
Disfarcei para fugir de contar algo para a Nat. Aprendi que tem coisas que precisam apenas de uma solução entre mim e a Isabel. Essa conversa misteriosa é uma delas.
- Agora entendo a sua mulher, no lugar dela eu também estaria irritada. Ainda tem que cozinhar, tadinha.
- Ela gosta, palhaça.
Eu e a Natália caímos no assunto de trabalho. Ficamos quase dez minutos discutindo algumas ideias e brincando com o Chico.
- Ficamos aqui de papo e esqueci de te avisar que a Lisa chegou.
- E cadê ela? - Perguntou olhando pelos meus ombros.
- Depois fala que está esquecendo - debochei. - Ela ficou na cozinha com a Isa.
- Eu já a esqueci, Helena.
Minha sócia sentou-se na espreguiçadeira e começou a digitar algo no celular. Deixei o local dando risada.
Entrei em casa e ouvi um pequeno grito da Isabel. Corri até a cozinha.
Perto, ouvi minha amiga dizer:
- Deixe-me ver isso, Isabel.
- Não toque em mim Elisa! Você não veio pegar um sol, ficar na piscina e conversar com a Helena e a Natália? ¡Vete de aquí! Déjame cocinar. Déjame en paz.
- Isabel! - Chamei a sua atenção nervosa pelo seu jeito estúpido de tratar a minha melhor amiga.
Quando me aproximei, sua mão estava com muito sangue.
- Amor, o que aconteceu?
- Me cortei, só isso - disse apertando o dedo e fazendo careta.
- Bem, com licença. Nat já caiu na piscina? - Elisa perguntou sem graça.
- Acho que não, a deixei lá tomando um sol.
- Ótimo, vou lá.
Elisa saiu com a cabeça baixa. Olhei para a Isabel nervosa.
- Que grosseria foi essa?
- Quê?
- Eu escutei a sua grosseria com a Lisa. Ela só estava querendo te ajudar e você não deixou nem que ela te tocasse.
- Eu no preciso de ajuda, já me cortei antes na cozinha, estou acostumada.
Balancei a cabeça em negação. Andei até uma gaveta que deixo um kit de primeiro-socorros para não ter que ir buscar no quarto se algo acontecer na cozinha.
Retornei para perto dela e comecei a limpar e fazer um curativo. Não a olhava, estava chateada demais com sua atitude. Eu achei que elas fossem amigas.
Coloquei um último esparadrapo. Peguei a sua mão e finalmente a encarei.
- Se você está com algum problema comigo, resolvemos depois. Eu inventei esse almoço, minhas amigas não tem culpa de nada. Para com essa grosseria ridícula porque eu sei que você consegue ser educada.
- Cariño, no é com voc...
- Não quero saber. Depois nós conversamos - busquei me acalmar para continuar. - Você quer ajuda?
- Não precisa, já estou terminando. Em 30 minutos já está pronto.
- Ótimo... Eu posso te pedir uma coisa?
- Claro, Helena. O que quiser.
Confundi-me mais ainda com essa ambiguidade. Isabel me trata bem, mas não está como antes.
- Fica tranquila durante o almoço, tente interagir com as minhas amigas. Depois, vista algo mais confortável e vá para a piscina. Vamos nadar juntas, quero subir nas suas costas, ser como antes.
Isabel me abraçou com carinho. Passei os meus braços por ela e correspondi ao seu carinho.
Nos separamos com um sorriso no rosto de cada uma.
- Vou dar atenção para as meninas, tudo bem? Tem certeza de que não precisa de ajuda?
- Sí, já estou finalizando e depois arrumo a mesa.
Despedi-me dela com um beijo no seu rosto.
Está tudo bem, tentei pensar.
[...]
Meu coração ficou aperto durante todo o almoço. Eu estava ali, sorria, acompanhava as bobagens que a Natália falava, mas o clima estava pesado.
Isabel conseguiu ser gentil, até conversou, deu risada, contou uma história como gosta. Seria tudo perfeito, se eu não estivesse com essa sensação ruim.
Sentada na beira da piscina, com os pés dentro da água, olhei para a Elisa que estava próxima a mim e sentada da mesma maneira, mas na outra borda.
O papo estava bem aleatório. Apenas falávamos sobre as últimas notícias e sobre política. Totalmente fora do meu roteiro. Lembrei-me do real motivo pelo qual a chamei para vir até minha casa.
- Amiga, e seu coração? Não está namorando? Apaixonada?
- Não estou com tempo para isso, Helena. Quase não tenho saído.
- Mas, assim, você já olhou ao seu redor? Pode ser que o amor esteja mais perto do que imagina.
- Por que eu acho que você está jogando uma indireta? - Disse me encarando.
- Não estou, amiga - dei risada. - Só acho que se você abrir mais os olhos e enxergar além... pode ter alguma surpresa. Mas se você não quer notar, não posso fazer nada.
De repente os olhos da Elisa brilharam e ela perdeu a fala.
Procurei a direção que ela olhava, olhei para trás e dei de cara com a Isabel ajeitando o seu maiô.
Tudo ficou lento. Pelo menos a minha mente passou a funcionar em slow motion quando tirei meus olhos da espanhola para olhar a minha amiga. Vi a loira molhar os lábios e morder o inferior. Tudo isso olhando para a minha mulher.
Apavorei-me.
Elisa olha para o meu amor com admiração? Não. Admiração não... desejo.
Fim do capítulo
Por hoje é isso, mas não vou demorar. Volto domingo pela manhã ;).
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dannivaladares
Em: 28/03/2021
Oh, loko!
Rain
Em: 19/02/2021
Olha, por essa eu não esperava. Nat e Nina? Eu não estava imaginando isso, mas gostei!
Parece filme essas tentativas da Isabel contar a Helena e não da certo. Ela teve muitas oportunidades por não soltou logo de vez. E agora, as coisas ficaram difíceis. Eita, que agora as coisas vão pegar fogo mesmo.
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Baiana
Em: 31/01/2021
Natália e Nina um possível casal? Gostei!
Affe,ainda continuo com ranço dessa grosseria da Helena,ela não sabe ser delicada quando quer impor sua vontade para Isabel.
Parece que finalmente ela percebeu que a amiga da onça é apaixonada por sua esposa, só espero que ela não coloque a culpa em Isabel,e insista em uma separação para digerir a surpresa,depois de tudo que elas passarem,seria muita imaturidade
Resposta do autor:
Sim!!! Gostei também desde que veio na minha cabeça.
Não acho que seja grosseiria propriamente. Helena tem um personalidade de explosão desde o começo. Mas entendo o que quer dizer.
Abs!
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GabiVasco
Em: 31/01/2021
Autora comecei o capítulo toda emocionada e acabei chorando.
Fiquei curiosa com o que rolou na cozinha para a Isabel ter se cortado, teria a Elisa passado do limite? Tentou alguma coisa?
Estou com dó da Helena mas ao mesmo tempo quero que ela não faça a louca e brigue com a Isabel. Ainda bem que quando eu acordar já terei um capítulo, não aguento a ansiedade.
Resposta do autor:
Hahahaha começou tão bonitinho mesmo, sorry.
Tá vendo como sou boazinha? Postei rápido :).
Abs!
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LeticiaFed
Em: 30/01/2021
Ai,ai,ai,ai,ai... Helena percebeu o olhar, o mistério de Isabel e vai juntar dois mais dois, quero nem ver o bafão. Mentira, louca pra saber de tudo ;) Ate amanhã, bj!
Resposta do autor:
Hahahaha gosta de um barraco, né?!
Beijo!
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FabiSilva
Em: 29/01/2021
Mais um capítulo instigante… eu nem sei descrever a sensação que tive lendo esse capitulo. Finalmente a Helena percebeu que a amiga nutre sentimentos pela sua mulher. Não consigo imaginar qual vai ser a atitude da Helena agora enxergou esse fato. Espero muito que ela como uma boa atriz consiga atuar nesse momento e converse a sós com a Isa.
Resposta do autor:
Helena é sangue quente demais para fingir...
Abs.
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