A Última Rosa -- Capítulo 17

 

Michelle olhou para a senhora, confusa. Ela se moveu e Michelle afastou-se instintivamente, para deixá-la passar.

-- Acho muito difícil a senhora me conhecer -- ela respondeu -- Me chamo Michelle e venho de muito longe. Sou a nova secretária da dona Marcela.

-- Olá, Michelle -- disse Inês, num tom de voz manso e rouco, olhando para ela -- Desculpa, pensei que fosse outra pessoa -- a senhora ficou em silêncio por um longo momento, como se não acreditasse no que a moça havia falado -- Me chamo Inês, sou a tia da Jessica. 

-- Olá -- respondeu ela, com voz insegura. Pensando que talvez, Jessica houvesse comentado algo sobre ela com a tia -- Foi um enorme prazer conhecê-la. 

-- Pode ter certeza que o meu prazer foi bem maior -- Novamente, o olhar de tia Inês a percorreu, numa inspeção enigmática.

Michelle começou a se sentir desconfortável. Os olhos da tia de Jéssica não paravam de encará-la e pareciam ler seus pensamentos com facilidade.

-- Bem, vou indo. Quero ver se dou um mergulho -- disse, tentando manter a entonação natural -- A Jessica está no quarto. Até outro dia, dona Inês -- Michelle se virou e começou a caminhar, só queria sair dali o mais rápido possível!

A voz de dona Inês soou surpreendentemente forte quando voltou a falar:

-- O primeiro amor é muito difícil de ser esquecido, não é mesmo? 

Ao ouvir aquilo, Michelle se virou de imediato.

-- O que a senhora quer dizer com isso?

-- Sinceramente, não sei -- ela riu -- O meu espírito orientador foi quem soprou no meu ouvido. Ele às vezes me prega peças, desculpa.

Michelle engoliu em seco, procurando controlar as emoções. 

-- Ah, tá -- ela estava tão nervosa que mal conseguia falar. Por sorte Pepe apareceu para salvá-la.

-- Pronto, já alimentei o demônio -- quando viu a tia Inês ele tapou a boca com a mão.

-- Quem é o demônio? -- ela perguntou, séria.

-- A dona Marcela.

-- Nunca chame alguém de demônio, somos todos filhos de Deus e ele é fiel a todos nós.

-- Eu sei que Deus é fiel, tia. Eu é que não presto -- ele teve a ousadia de dar uma gargalhada -- Desculpa tia, mas aquela mulher só pode ter parte com o coisa ruim. Eu sei que Jesus ama a dona Marcela. Agora eu, não cheguei nesse nível ainda.

-- Você está sendo radical, Pepe -- disse Michelle.

-- Como diz a minha irmã, Lady: Não estou sendo radical. Estou apenas me mantendo firme no meu posicionamento.

-- Sua irmã se chama Lady Gaga ou Lady Diana? -- perguntou Michelle, curiosa.

-- Lady Newton.

Michelle revirou os olhos.

-- Vamos, Pepe, com licença dona Inês, mas nós precisamos ir -- ela puxou ele pelo braço.

-- Calma mulher, a praia não vai fugir.

Michelle olhou para trás e viu a senhora parada à porta. Encolhendo os ombros e soltando um suspiro, ela caminhou lado a lado com Pepe em direção à praia.

 

Jessica abriu a porta para a tia entrar no quarto. Inês ergueu a cabeça para dizer boa tarde, mas seu sorriso se desfez no momento em que se deparou com a expressão de tristeza estampada nos olhos verdes. Instintivamente, aproximou-se e colocou a mão em seu rosto, acariciando-a com movimentos suaves. Olharam-se demoradamente e Jessica baixou a cabeça.

-- Minha vida está uma bagunça, tia. O universo parece conspirar contra mim -- se sentou, fechando os olhos.

-- Ela está aqui, não é mesmo?

Jessica levantou a cabeça e a olhou, com o peito palpitante.

-- Como a senhora sabe? Não me diga que o seu mentor espiritual já andou fofocando.

A senhora sorriu docemente.

-- Estou apenas presumindo, mas pela sua reação, acho que acertei na mosca.

Jessica confirmou, balançando a cabeça e continuou em silêncio, como esperando por mais. 

-- Mas, ela não se chamava Maya? E como ela descobriu que você está morando em Hills? Será que a Samanta deu o endereço para ela? E a Marcela? Meu Deus, não quero nem pensar no que pode acontecer caso ela descubra.

Houve um breve silêncio, cortado subitamente pelo longo suspiro dado por Jessica.

-- A Samanta está morando fora do país, nunca mais teve contato com a Maya. E o motivo por ela ter trocado de nome, eu não sei.

-- Você não perguntou? Jesus amado, como você é lerda, minha filha!

Jessica se levantou, visivelmente irritada com a tia.

-- Ah, tá. A senhora queria que eu a chamasse para conversar aqui dentro da casa? Até parece que não conhece a Marcela -- ela foi até a janela, abrindo um pouco a cortina e olhando para fora, piscando os olhos frente ao brilho do sol -- Não quero dar motivos para a Marcela criar fantasmas.

-- Até porque, a Maya não é nenhum fantasma, muito pelo contrário. Que mulherão! Tenho minhas dúvidas se você vai conseguir resistir à ela.

Jessica virou-se para ela, séria. As sobrancelhas claras arquearam, mas ela não chegou a falar nada. Isso certamente não acontecerá. Ela não lhe daria outra chance de estraçalhar seu coração. E havia muito mais em jogo agora. Era casada e tinha a obrigação de cuidar da esposa.

Em suas noites solitárias, perdeu horas de sono tentando não pensar nela. E mais horas pensando nela. Quando finalmente o seu coração estava mais tranquilo, ela apareceu.

-- Senta Jessica! -- disse Inês, apontando para a cama -- Quero te dar um conselho.

-- Ah não, tia. Sermão não!

-- Jessica! -- disse ela com dureza.

Quando a tia falava dessa forma não tinha como não obedecer. Jessica respirou fundo e sentou-se na cama, ao lado de Inês. 

-- A vida é imprevisível e sempre nos confronta com diferentes desafios e problemas. Muitas vezes, questionamos nosso passado e nos perguntamos o que teria acontecido se tivéssemos agido de forma diferente, mas tais pensamentos podem consumi-la e impedi-la de seguir em frente. Além disso, o hábito de remoer o passado pode provocar ansiedade e depressão -- pegando-lhe a mão, disse com determinação -- Expresse sua mágoa. A vida conta com diversas fontes de sofrimento, ser magoado por alguém é apenas um deles. Em vez de reviver o passado sem parar, deixe o que passou para trás. Converse com ela sobre a forma como se sente. Expresse seus sentimentos sobre o passado, isso também poderá ajudá-la a entender a forma como realmente se sente a respeito da situação.

Jessica abaixou a cabeça. 

-- Não é assim tão fácil, tia.

-- Ninguém disse que seria. Porém, ficar imaginando diversos cenários em sua mente não vai mudar o que já aconteceu, portanto, em vez de pensar no que poderia ter acontecido se você tivesse feito escolhas diferentes, concentre-se no presente e no que pode fazer agora -- Jessica balançou a cabeça, e Inês olhou para a sobrinha, levantando o rosto dela com um dedo -- Embora ninguém possa mudar o passado, podemos parar de remoer o que aconteceu e tomar as medidas necessárias para seguir em frente. Quando decide deixar algo para trás, você assume uma atitude proativa e segue em frente, em vez de ser uma eterna vítima do próprio passado. Diga: Escolho seguir em frente -- Mas Jessica não disse nada, e Inês novamente foi dura -- Jessica, me obedeça!

-- Escolho seguir em frente -- disse baixinho.

-- Fala alto, Jessica. Parece uma songamonga. 

-- Escolho seguir em frente -- ela berrou, sentindo-se ridícula -- Pronto, está satisfeita?

-- Ainda não. Por que tal decisão é uma escolha diária. Diga essa frase todas as manhãs, fale para si mesmo que você está deixando o que passou para trás, até conseguir superar o passado de verdade -- ela a abraçou fortemente e deu um beijo em sua testa -- Amanhã é domingo, quero que almoce comigo. Vou preparar um marreco recheado.

-- Não posso, vou...

-- Amanhã às 11:30. Não se atrase, gosto de comer cedo para tirar um cochilo depois do almoço.

Inês abriu a porta e saiu com passos rápidos. Tinha mais uma coisinha a fazer.

 

Pepe sentou-se ao lado de Michelle, sobre a toalha de banho estendida na areia, e apanhou um pão francês com uma fatia fininha de presunto cru. Michelle observava o rapaz com o canto dos olhos.

-- Como trouxe esse sanduíche?

-- Enrolado na toalha. Quer um pedaço? Só consegui preparar um, vim escondido da Vitória. 

-- Levou o chá para a Marcela?

-- Eu não. A Vitória levou -- ele enfiou o último pedaço do sanduíche na boca e a limpou com a mão -- A dona Marcela está há horas no escritório conversando com a doutora Augusta. Devem estar em um ritual de magia negra.

-- Credo, Pepe.

O rapaz virou a cabeça para trás, apoiado nos cotovelos, e observou atentamente as evoluções de um albatroz. Em seguida, deitou-se na areia e abriu os braços em cruz, como se quisesse mostrar a Michelle a envergadura das asas do albatroz.

-- Bicho grande -- comentou -- Até me lembrei do meu ex bofe.

-- Era grande assim?  perguntou Michelle, rindo.

-- Uma maravilha! -- Peter deu um sorriso largo -- Você já se apaixonou por alguém? Mas tipo assim, amor de verdade --  perguntou o rapaz, repentinamente curioso.

Michelle corou com a pergunta, afundou o cotovelo na areia com a atenção voltada para o mar.

-- Sim, foi algo que me pegou de surpresa, chegava a ficar totalmente sem ar.

-- Ah, isso não é amor. O nome disso é Coronavírus.

-- Droga, Pepe! Você não leva nada a sério.

-- Também, você fala cada coisa!

-- Vou molhar as pernas na água.

-- Se cair das pedras grite que eu vou buscar ajuda.

-- Nem vai tentar me ajudar?

-- Eu hein, arranhões só durante o sex*. Delícia!

Michelle se levantou e foi explorar um cantinho da praia onde os peixes nadavam em cardumes entre as pedras. Pepe estava deitado de bruços perto dali, recebendo o sol quente nas costas. Apanhou algumas conchinhas na areia úmida e esfregou-as nas mãos dentro d'água. Quando se virou deu de cara com a tia Inês. 

--  Desculpa, meu bem, se assustei você.

-- Não, não, tudo bem -- Michelle tranquilizou-a.

-- Está convidada para almoçar comigo amanhã. Não aceito não como resposta -- A senhora saiu caminhando, parou poucos metros adiante e se virou -- O motorista vem te buscar às 10:00.

-- Mas...

-- Até amanhã, minha menina.

Observando a mulher se afastar, Michelle se perguntou: 

-- Será que devo ir? 

 

 

Créditos:

https://pt.wikihow.com/Parar-de-Remoer-o-Passado

 

 

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Fim do capítulo