Capitulo 18
A Última Rosa -- Capítulo 18
-- Passou a tarde inteira trancada no escritório com a Augusta. Algum problema?
Jessica colocou-a sobre os lençóis de seda e deitou-se ao lado dela.
Marcela não aguentou mais e começou a chorar. Lágrimas mansas que lhe banhavam a face rosada. Jessica notou-as e beijou cada uma delas, até que Marcela se acalmou.
-- Alguma coisa errada, Marcela?
-- Gostaria de te oferecer muito mais que um simples beijo de boa noite.
Jessica olhou-a longamente, como se tentasse adivinhar seus pensamentos, e sorriu, como se compreendesse. Afastou-se dela, puxou o lençol para cobrir ambas e abraçou-a ternamente, apertando a cabeça de Marcela contra seu peito.
-- Vamos dormir, meu amor -- aos poucos, Marcela começou a se descontrair. Alguns minutos depois, dormia como se tivesse encontrado a paz.
O quarto ficou na penumbra. A noite torturante chegou e com ela, as horas que conseguiam transformar a mulher forte numa mulher fraca. As horas que levavam dúvidas ao mais confiante ser humano. E Jessica procurou se apegar a seu ódio por Maya com uma angústia desesperada porque sabia que, se não o fizesse, estar próxima a ela sem tocá-la, seria absolutamente insuportável.
Quando finalmente conseguiu pregar o olho, sonhou com Maya. Sonhos quentes e eróticos invadiam sua mente, deixando-a desconfortável, suada, com o coração aos pulos e sem ar.
-- O que vamos fazer hoje de manhã, meninas? -- perguntou Pepe, comendo um pedaço de pão com manteiga. Naquela manhã, o rapaz irradiava uma energia invencível, que parecia transpirar de cada um de seus poros. Vestido com camisa branca de manga longa e calça preta, lembrava perfeitamente Marco Antônio, o motorista dos Parker.
Michelle bebia lentamente seu café, enquanto observava Valquíria que comia com apetite seu prato de ovos com bacon.
-- Eu vou dar uma volta na praia com a Vitória -- Valquiria voltou-se para Michelle, com os olhos brilhando de satisfação: -- Você vem conosco, não vem?
-- Eu gostaria muito, mas a dona Inês, a tia da dona Jessica, me convidou para almoçar na casa dela.
-- Que chique amiga. Isso quer dizer que a coroa foi com a sua cara -- afirmou, Pepe -- Sorte sua, a dona Inês é muito conhecida na cidade pela abnegação, desprendimento e humildade, a base dos ensinamentos na doutrina espírita. Ela tem um orientador espiritual.
-- Sério? -- Michelle se arrepiou.
-- É sério. Ela reúne dons, como ouvir, falar e enxergar espíritos e ser instrumento deles na prática do bem.
-- Como você sabe de tudo isso, Pepe? -- perguntou Valquíria, curiosa.
Pepe sorriu para ela, antes de tomar o último gole de café.
-- Também tenho o meu mentor espiritual.
Michelle e Valquíria riram.
-- Podem rir -- disse o rapaz -- Querem saber o que ele disse que vai acontecer hoje?
-- Sim -- as duas responderam juntas.
-- Um encontro muito estranho. E que a minha missão é acompanhar tudo de perto para evitar que a impureza, devassidão e a imoralidade, invadam essa casa -- disse ele, com um tom de voz provocador -- Falando nisso, estou atrasado -- Pepe levantou-se e saiu imediatamente.
Valquíria olhou séria para Michelle.
-- Ele inventa qualquer coisa para fugir do trabalho. Ainda bem que hoje será um dia bem tranquilo aqui na mansão.
-- Porque? -- ela perguntou, curiosa.
-- Não vamos precisar preparar o almoço. A dona Jessica vai almoçar fora e a dona Marcela vai querer apenas um lanche.
-- Hum -- Michelle se recostou na cadeira e ficou pensativa por alguns minutos, mordiscando a ponta do garfo. Será que Marcela tem razão em achar que Jessica a está traindo com Natália?
-- Está bem, o que foi que houve? -- Valquíria agora a observava com atenção, consciente da fisionomia preocupada da amiga.
Depois de secar as mãos, Valquíria jogou a toalha em cima do balcão.
-- Não, meu bem, não houve nada! -- retrucou Michelle, sem saber o que explicar -- Apenas não estou com vontade de almoçar na casa da dona Inês.
Valquíria percebeu que havia um tom de medo na voz da amiga.
-- Porque você não está com vontade de ir? Não gostou dela?
-- Não é nada disso. A dona Inês é um amor de pessoa -- Michelle não sabia por que aquela mulher a deixava em tal estado, mas sentia-se incapaz de recusar o convite. Algo a empurrava para ele. Um misto de curiosidade e receio a dominava. O que Inês poderia saber sobre aquela história toda?
-- Então vá e divirta-se. Não dê ouvidos às besteiras do Pepe.
-- Claro que não -- Michelle olhou para o relógio enquanto falava e, desanimada, descobriu que já era nove e cinquenta -- Vou pegar minha bolsa, o motorista já deve estar chegando -- uma sensação de amargura e ansiedade a mantivera desperta durante quase toda a noite, de modo que ela já estava pronta, no quarto, logo que amanheceu.
-- Marquito! -- Pepe bateu na janela do carro, fazendo o motorista dar um pulo de susto.
-- Credo, cara. Quer me matar do coração?
-- Claro que não, delícia! -- ele se debruçou na janela do carro -- Ontem você me disse que hoje levaria a dona Jessica à casa da tia Inês, não é mesmo?
-- Sim, eu disse e daí?
-- E daí que ela me pediu para avisá-lo que hoje você está de folga.
O motorista estreitou o olhar, desconfiado.
-- Mas ela me requisitou para às 11:00!
-- Sim, sim. Por isso estou vestido de motorista, eu vou no seu lugar.
A forma como ele ergueu uma das sobrancelhas demonstrou claramente que não estava convencido. Sem dizer nada, ele apanhou o celular e começou a digitar.
-- Quero ter certeza...
-- Se eu fosse você não ligava.
-- Porque?
-- Ela está com a dona Marcela. E tem um motivo muito especial para ela pedir que eu vá no seu lugar.
-- Qual?
-- Operação super secreta -- Pepe se irritou com tantas perguntas -- Olha, quer ligar para confirmar, liga, mas, depois não me culpe. Eu sou o funcionário de confiança da dona Jessica. Sei dos segredos mais cabeludos dela... dos carecas também. Portanto, não estranhe a minha convocação para essa operação.
Marco Antônio saiu do carro e entregou a chave para Pepe.
-- É, acho que você não seria tão louco a esse ponto.
-- Relaxa, vai curtir o domingo vai.
-- Vou mesmo! -- em seguida o motorista virou as costas e saiu.
O carro parou em frente as escadas e um senhor de meia-idade, baixo, com um uniforme impecável, abriu a porta do veículo para que Michelle entrasse.
-- Obrigada!
Valquíria tinha razão quando disse que aquele lugar distante era realmente fascinante. O oceano azul ao longe formava um cenário maravilhoso. Quando abriu a janela do carro, sentiu o cheiro salgado do mar. Mas o vento era muito forte. Por isso, fechou o vidro depressa.
Era inacreditável pensar que a Jessica tinha escolhido morar ali, em Hills, muito distante de onde elas moravam. Quem poderia um dia supor que aquela garota simples pudesse voar tão alto, indo embora de onde havia crescido, para tornar-se uma das maiores perfumistas do mundo? A vida às vezes apresenta fatos assim. O reencontro delas é o exemplo perfeito de que a vida é uma caixinha de surpresas, que nos vive pregando peças às vezes boas e às vezes nem tão boas.
-- Falta muito? -- ela perguntou ao motorista.
-- Não, senhorita. Já estamos chegando.
Não muito distante, o carro tomou o caminho de pedras que formavam uma pequena avenida até a casa.
Michelle admirava-se ante a imponência da mansão, enquanto o carro trepidava sobre o cascalho da praia. Aquele não era um lugar apropriado para uma senhora morar sozinha. Era uma residência ideal para uma família grande, um lugar que exigia no mínimo meia dúzia de empregados para manter tudo em ordem.
Sentada no carro, Michelle ficou pensativa. Será que havia mais pessoas morando com a dona Inês? Encolhendo os ombros, deu uma olhada no relógio de pulso. Passava um pouco das dez.
Quando o motorista abriu a porta traseira, Michelle pegou a bolsa e saiu. Ela subiu as escadas até a entrada principal, onde uma empregada uniformizada esperava para lhe abrir a porta.
-- Bom dia, senhorita. Me acompanhe, por favor. A dona Inês está na cozinha preparando o almoço.
-- Bom dia. É ela quem está preparando o almoço?
-- Ela não deixa ninguém entrar na cozinha -- a moça sorriu -- Não se engane com as aparências, nós aqui somos mais que empregados, somos uma família.
A moça abriu a porta da cozinha para ela entrar, tia Inês foi recebê-la de braços abertos.
-- Minha querida -- ela deu um beijinho no rosto de Michelle -- Estou tão feliz por ter aceito o meu convite!
-- Não perderia esse almoço por nada -- ela disse sorrindo, apesar da realidade ser bem outra.
-- Já coloquei o marreco para assar, então, que tal tomarmos um aperitivo lá na varanda?
Pepe parou o carro em frente a mansão e ficou aguardando por Jessica. Colocou o pen drive no aparelho com uma música do Pabllo Vittar e começou a cantar junto:
Tá, tá querendo me amarrar
Ai, como eu tô bandida, ai
Tá, tá querendo me prender
Ai, como eu tô bandida, ai
Tá, tá querendo me amarrar
Jessica parou ao lado do carro e ficou observando a cena estupefata.
-- Pepe -- ela chamou, mas devido ao som alto, ele não ouviu -- Pepe! -- ela praticamente berrou.
-- Ah, chefe! Finalmente, entra aí.
Jessica o olhou atentamente, sem entender.
-- Aonde está o Marco?
-- O Marco está de folga. Na verdade eu dei folga para ele.
Jessica olhou a hora na tela do celular, estava mais de meia hora atrasada.
-- Tá, tá. Me explica no caminho -- ela se sentou no banco de trás, apoiando a cabeça sobre o couro macio. Poucos minutos depois, a Mercedes deixou a propriedade e pegou a avenida.
-- Sabe, minha rainha, eu dei folga para o Marco porque fiquei muito preocupado com ele.
-- O que aconteceu com o Marco?
-- Coitado, terminou com a namorada há um mês e está descobrindo os chifres até hoje. Ele se achava tão forte, mas não suportou nem o peso dos chifres.
-- Eu conheço a namorada do Marco, nunca imaginei que ela fosse assim.
-- Pois é, o Marco é um corno apressado, levou um monte de chifres antes mesmo de se casar. Enfim, não achei seguro que ele dirigisse naquele estado. Não me perdoaria se algo acontecesse com a soberana.
-- Espero que ele fique bem.
-- Ele vai ficar, não se preocupe. Passou dos 30 anos todo mundo já teve um divórcio, um filho, um distúrbio psicológico ou um chifre. Isso é normal.
Tia Inês estendeu a mão e pegou o copo de Michelle, que estava vazio, embora ela não se lembrasse de ter bebido tudo.
-- Então, a senhora sabe que eu sou a Maya?
-- Sim, e sei de tudo o que aconteceu entre você e a Jessica.
Michelle suspirou e olhou para o céu sem nuvens.
-- Então, a senhora deve me odiar.
Ela balançou a cabeça devagar e sorriu.
-- Não, eu não te odeio. Todos cometemos erros e temos arrependimentos, e o passado é o passado, não é algo que está acontecendo no momento ou que certamente acontecerá no futuro. Você é mais do que seu passado, ele não o define como pessoa. Quero conhecer a Maya de hoje e não aquela que a Jessica me fez conhecer. Toda história tem dois lados, ninguém está somente certo e ninguém está somente errado. Eu acho incrível como começamos a julgar uns aos outros de maneira absurdamente destrutiva ao saber de só um desses dois lados. Pessoas são hostilizadas e tem suas vidas destruídas aos montes, principalmente na internet, sem que tenham sequer uma chance de explicação e de dar a sua versão da mesma história.
Uma lágrima rolou pelo rosto de Michelle e caiu em seu colo.
-- Eu tenho a minha versão -- novas lágrimas rolaram por sua face -- Quando eu procurei a Jessica no dia seguinte para contar o que realmente havia acontecido, ela já tinha viajado.
Inês encheu um copo com licor e serviu-a. Michelle pegou o copo com as mãos trêmulas e tomou de um só gole.
-- Por diversas vezes eu implorei para que a Samantha me dissesse aonde a Jessi estava, mas ela jurou que nunca me contaria. E realmente nunca contou. Eu amava a Jessi, eu ainda amo a Jessi. Por favor, acredite em mim.
Curvando-se, Inês segurou as mãos da moça entre as suas.
-- Eu acredito em você, minha menina.
-- Eu vou contar o que aconteceu naquele dia...
Inês colocou os dedos sobre sua boca impedindo-a de continuar.
-- Você já ouviu a expressão "ouvir nosso coração" ou "permita que o seu coração o guie"?
-- Sim -- respondeu Michelle, entre soluços.
-- Meu coração já falou tudo o que eu precisava saber -- Inês se levantou e estendeu a mão à ela -- Agora venha dar um jeito nessa cara de chorona. A Jessica deve estar chegando.
Michelle a fitou, desesperada.
-- A Jessica?
-- Vocês levaram oito anos para terem essa conversa. Não vai querer fugir agora, não é mesmo?
CRÉDITOS
https://www.facebook.com/vandinhacontos
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
HelOliveira
Em: 16/01/2021
Tia Inês é o máximo...
Quanto ao Pepe eu não sei, oh ser pra inventar coisas...espero que ele não torne a coisas piores do que já são para Maya.
E o encontro vai acontecer espero que as duas abram seus corações.
Ansiosa pelo próximo
Bjos
Resposta do autor:
Olá HelOliveira
O próximo capítulo promete.
Até, beijos.
brunafinzicontini
Em: 14/01/2021
Muita emoção! Qual será a reação de Jéssica nesse encontro? Será que Maya terá oportunidade de esclarecer o acontecido? Essa tia Inês só merece aplausos!
Como é que Pepe pode ser tão atrevido? Incrível a sua ousadia em tomar o lugar do motorista! Se a Jessica não estivesse atrasada talvez fosse investigar a verdade.
Gande expectativa para o próximo capítulo!
Muiito interessante a leitura do site Somos Todos Um! Todos deveríamos dar mais ouvidos à voz do coração - não obedecer cegamente à racionalidade fria apenas, dar abertura aos sentimentos, à intuição.
Obrigada por sua resposta tão gentil ao comentário anterior, Vandinha!
Abraços,
Bruna
Resposta do autor:
Olá brunafinzicontini
A tia Inês é um ser maravilhoso. Ela é justa e vai ajudar Michelle.
O Pepe vai acabar levando uns tapas da Jessica. Escuta o que estou te falando.
Beijos, até.
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NovaAqui
Em: 14/01/2021
Esse Pepe é trambiqueiro. Como diz que o motorista é corno? Kkkkkkkk ele ainda vai apanhar muito
E o encontro vai acontecer, espera-se, se Pepe não sumir com Jéssica
Ele é louco o suficiente para isso
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Olá NovaAqui
Deixa o Marco descobrir o fake news, o Pepe vai se ferrar.
Beijos, até.
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