Meus pedaços por Bastiat
Sozinha
Helena
O garfo na minha mão direita deslizou pela massa Alfredo em meu prato e tive que mais uma vez me censurar por estar brincando com um alimento. Eu sei exatamente o porquê de ter feito esse prato para comer, mas me recuso a pensar claramente sobre o assunto.
Ajeitei a postura na cadeira e coloquei a minha mão esquerda sobre a madeira escura. Meus olhos foram direito na marca da falta de sol que o meu dedo anelar adquiriu. Já está bem mais fraca, mas ainda presente. Marca feita por uma grossa aliança que entrou no meu dedo em dia ensolarado de maio e saiu 7 meses atrás. 3 anos de namoro e 12 de casamento que se foram pelo ralo.
Bem, na verdade, faz o total de 7 meses que tirei a aliança, mas ontem fez exatamente 1 ano que estou remoendo mais do que um término de casamento. Hoje eu tenho certeza de que perdi o amor da minha vida para sempre.
Sim, eu demorei 5 meses para retirá-la após a separação e ainda fiz isso com muito, muito, muito pesar.
Como eu queria que acontecesse a mesma coisa com a outra pessoa que compartilhou a palavra amor comigo. Mas foi tudo ao contrário. Ainda me lembro de vê-la tirando o nosso símbolo de compromisso na minha frente como se significasse nada. A pior noite da minha vida.
Idiota. Mil vezes idiota. Idiota é o nome que me chamo quando bate a decepção amorosa. Aliás, eu pensei que nunca mais passaria por isso na vida. A última tinha sido com o meu primeiro casamento, bem antes de começar a me relacionar com o motivo da maior alegria e tristeza que já vivi.
- MAMÃEEEEEE!!!
Despertei do meu doloroso devaneio como quem desperta com um barulhento despertador.
Larguei o meu garfo e olhei para o belo par de olhos castanhos claros que me encaravam com uma certa... raiva? Não soube identificar bem.
- Giovanna! - disse seu nome indignada. - Isso são modos? Por que você gritou? Eu estou bem na sua frente, filha.
- Desculpa... - vi ela morder o canto do lábio inferior em puro arrependimento - eu chamei usted várias veces, pero no ouvi tua respuesta.
Gi, como carinhosamente a chamamos, está a cada dia misturando mais o espanhol com o português, principalmente quando fica nervosa. Isso ela herdou da convivência com a mãe espanhola erradicada no Brasil. Não é apenas essa característica que as assemelham, elas possuem o mesmo tom de castanho e o ondulado nos cabelos, o nariz levemente avantajado já dá seus primeiros sinais, as covinhas em cada lado das bochechas, o sorriso que sempre começa com um levantar de lábios para depois escancarar as gengivas. Seus braços e suas pernas longas indicam que ela poderá facilmente alcançar os 1,75 de altura da outra mãe. Eu sempre serei a baixinha da família com 1,60.
Minha única filha me olha sem piscar. Eu imagino que esteja esperando uma bronca pelo modo que a estou encarando. Suspirei.
- Eu que devo te pedir desculpa, meu bem. Me distraí totalmente pensando... pensando... é... pensando no trabalho e não te ouvi.
Sua boca suja de molho abriu em um sorriso. Correspondi também lhe dando o meu melhor sorriso. Mas de repente Giovanna olhou para o meu prato e ficou séria.
- Você não comeu nada, mamãe!
Olhei para o seu prato e notei que está vazio. Só então me dei conta de que passei tempo demais presa em meus pensamentos.
- Eu estou sem fome - fiz uma careta ao perceber que não iria comer. - Estava bom?
- Melhor que o da mamá.
Minha filha sorriu sapeca e eu gargalhei. Abaixei e cheguei mais perto dela sussurrando:
- Agradeço o elogio, mas nunca diga isso para a sua mamá, Gi.
A mãozinha infantil tapou a sua boca como se quisesse esconder o riso.
Olhei para o relógio do meu celular que marca 19:21. Em 39 minutos, Isabel chegará para buscar a nossa filha.
8 meses que minha ex-mulher praticamente impôs que a Giovanna moraria com ela, passaria um final de semana comigo e outro com ela. Ou seja, eu só vejo a minha pequena a cada 15 dias.
"Vamos decidir tudo na justiça. Enquanto não sair uma decisão, ela ficará comigo", a voz firme com um belo sotaque da espanhola soou nos meus ouvidos. Ouvi isso quando fiz a proposta para a Giovanna passar 1 semana comigo e 1 semana com ela. Não entrei com processo algum. Por quê? Bem, não sei. Tenho esperança de que o bom senso volte à Isabel e que não precise de um processo ou mais brigas.
- Mãe, tem sobremesa?
Olhei para a Gi e fiz uma cara de tristeza para enganá-la. Seu biquinho de choro já estava sendo formado.
- Que tal um sorvete cremoso de coco? Gosta?
Vi a sua cabeça de forma positiva e mais uma vez naquela noite alargou um belo sorriso. Me levantei seguindo até o congelador.
Coloquei pouco em uma taça de sobremesa que peguei no armário e a servi. Antes de deixar a minha menina dar a primeira colherada, limpei sua boca suja de molho.
Bufei quando peguei o meu prato que nem foi tocado e o levei até a bancada. Talvez depois que a Giovanna for, eu aqueça a comida. Fome eu confesso que tenho, o problema foi a péssima ideia fazer essa massa cheia de lembranças.
"- Já colocou o sal na água, cariño?
- Sim, amor - sorri para a minha namorada.
Isabel pegou uma colher colocando em seguida na água e experimentou.
- Helena! Experimenta... - disse colocando a colher na minha mão.
Com receio, fiz o mesmo gesto que o dela.
- Ué, tem sal. Qual o problema, vida? - questionei confusa.
- Mas está salgada como a água do mar?
- Não... não está. Mas e se ficar salgado? Comida sem sal é só acrescentar depois, mas salgada fica insoportable - brinquei com o seu idioma.
- Você não confia em mim?! - Se fez de ofendida.
Beijei de leve os seus lábios que formavam um bico e as mãos de Isabel agarraram a minha cintura. Olhei para cima. Por que inventei de namorar alguém tão alta? O que era para ser carinhoso se transformou em um pequeno amasso quando sua língua pediu passagem e o beijo aprofundado.
Após a troca de um beijo de tirar o fôlego, Isa desceu seus beijos no pescoço e mãos bobas deram apertos na minha bunda. Nos separamos com os olhos brilhando, extremamente apaixonadas.
- É assim que você quer me ensinar a cozinhar, senhorita Isabel Casañas? - Questionei me desvencilhando.
Peguei uma boa quantidade de sal e coloquei na água que fervia. Esperei mais um tempo e só então coloquei o macarrão na água.
- O que foi? - Perguntei ao notar que ela me olhava sorrindo.
- Você está muy guapa cozinhando. Extremamente... sexy.
Em 2 anos de namoro, Isabel ainda continuava uma pessoa fechada, embora tenha melhorado muito na nossa relação. Os lugares que ela mais se sente à vontade para me fazer elogios são na cozinha do seu ou do meu apartamento e obviamente no quarto, mais especificamente em uma cama. Isa ama cozinhar. Costumo dizer que se não fosse a atriz maravilhosa que é, poderia ser uma chef de cozinha.
- Falou a mulher mais linda desse mundo.
Me aproximei dela e meus dedos tocaram o seu rosto em admiração.
- Não vi você cronometrando o tempo do macarrão, cariño.
- Puta merd*, me esqueci totalmente. Culpa sua!
Tentei sorrir, porém a minha namorada continuava séria.
- Minha culpa? Tenha mais concentração na cozinha, Helena.
- Não quero estragar o nosso jantar de namoro. Demorei muito para te conquistar.
- Não foi tanto assim.
- Não? Foram 2 meses, Isa! - Coloquei minhas mãos em sua cintura e apertei de leve. - Mas está valendo muito a pena.
Isabel sorriu abertamente e sua mão puxou a minha nuca para que nossas bocas iniciassem mais um beijo.
Sua língua se entrelaçou na minha. Gemi com o seu gosto doce, me deliciando com a sensação prazerosa. Eu posso facilmente beijar essa boca pelo resto da minha vida.
Aos poucos, o beijo foi lentamente parando. Nossos lábios se separaram com certa dificuldade, pois queríamos partir para uma continuação.
- Estou vendo que vai ser difícil cozinharmos juntas.
- Dessa vez a culpa foi sua. Quién resiste a uma boca linda tão próxima?!
Dei risada e bati de leve em sua bunda.
- Me ajuda, vai. O que eu faço com o tempo que esqueci de marcar do macarrão?
- Relaxa que é só ficar experimentando a massa.
- Ah, então tudo bem. Experimentar virou a minha especialidade mesmo. A melhor coisa do mundo é ficar beliscando tudo o que você prepara enquanto cozinha.
Ouvi sua risada e tive que acompanhá-la.
- Esse buraco sem fundo na sua barriga gosta até de coisas ainda cruas - falou ajeitando os seus óculos. - Pode experimentar já.
Uma ou outra beliscada no macarrão e ficou pronto. Isabel me ajudou na finalização do molho e em alguns minutos eu me vi diante dela com os pratos servidos e um belo vinho chileno para acompanhar.
- E então, vida? Está bom?
Perguntei com expectativa após ela mastigar diversas vezes e engolir a massa Alfredo pela primeira vez.
- Está... - fez um suspense que me torturou - perfeito.
‘Como é possível eu me apaixonar ainda mais por essa mulher?', me perguntei.
- Está falando sério ou só porque eu sou sua namorada? - Perguntei insegura.
Isabel pegou o garfo, enrolou uma quantidade de macarrão e esticou o braço até a minha boca.
- Prova - ordenou.
Assim que o sabor tocou a minha língua, sorri. Está maravilhoso! Igual ao dela.
- 2 anos de namoro e ainda não me conhece, cariño? Você sabe que se estivesse ruim eu falaria ‘uhum' ou no máximo que está ‘bom para quem fez massa pela primeira vez'. Está maravilhoso e eu estava certa: você leva jeito e cozinha muito bem.
- Feliz 2 anos de namoro, minha vida - falei emocionada.
- Eu te amo tanto, Helena. Feliz 2 anos de namoro para nós.
Isabel ergueu a taça de vinho e me fez brindar com ela.
Enquanto fazia o gesto, olhei as velas acesas e a mesa toda arrumada para um jantar romântico. Não vi momento melhor para fazer o que eu já planejava quando tive a certeza de que o que temos é amor.
- Isabel... é... - Busquei os seus olhos que rapidamente, como um imã, fixaram-se nos meus - eu quero que esses nossos momentos se repitam mais e mais vezes. Eu quero que a gente cozinhe juntas pelo resto de nossas vidas.
Sei que a minha namorada tinha entendido, mas seu extinto de auto proteção falou mais alto.
- Eu também adorei cozinhar com você...
Sua voz falhou quando acompanhou a minha mão direita pegando algo no meu colo e trazendo para cima da mesa.
Direcionei a caixinha vermelha de veludo para ela e pedi:
- Isabel Rúbia Casañas, você aceita se casar comigo?
Em um misto de surpresa e alegria, vi seus olhos brilharem.
- Sí - respondeu em espanhol e deu risada. - A minha reposta é sí, oui... definitivamente: sim!"
Me segurei na bancada. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas não permiti que caíssem.
Com certa pressa para fugir dos meus próprios pensamentos, cheguei perto da minha filha e peguei seu prato que estava de lado. Quando fui levá-lo até a pia, sua voz se pronunciou:
- Mãe, eu não quero mudar de escola.
- Eu sei, princesa. Nós já conversamos sobre isso ontem, lembra-se? Eu posso até tentar conversar com a sua mamá, mas ela já está decidida.
Eu até queria que ela me distraísse, mas não com aquele assunto.
Sem coragem de encarar a Giovanna, passei a lavar o prato. Desde a separação, a minha opinião sobre as coisas relacionadas à Gi simplesmente perdeu a importância para Isabel.
Olhei para o relógio de parede da cozinha e levei um susto ao perceber que em 15 minutos eu preciso entregar a minha filha para a minha ex.
- Gi, já terminou o sorvete? - Desesperei-me quando balançou a cabeça em negação como resposta. - Sua mamá já está chegando, termina logo para dar tempo de escovar os seus dentes.
- Por que essa pressa toda? Por que eu não posso dormir aqui e você me leva para a escola amanhã?
Aquele questionamento me tirou dos eixos.
- Porque sua mamá virou uma pessoa ridícula, egoísta, vingativa e acha que tem mais direitos com você... - parei de falar abruptamente.
Meu corpo inteiro entrou em tensão e me virei devagar na direção da pequena. Meus pensamentos saíram da minha boca sem dar tempo de filtrar nada. Torci para que Giovanna não ter ouvido, mas seus olhos estalados me revelaram o contrário.
- Giov... - tentei falar.
- A minha mama é o quê? O que é vin... ving... vin... vin-gativa, mãe?
Giovanna é uma garota muito esperta para quem tem 5 anos de idade. Apesar de não saber o que é vingança, ela sabe as outras e já imagina que não é nada bom.
- Eu não... me desculpa mais uma vez, meu bem. A mamãe está muito nervosa com uns assuntos do trabalho e acabou falando um monte de besteira - forcei um sorriso. - Na verdade, uma colega de trabalho é tudo isso e não sua mamá - falei me aproximando. - Já terminou o sorvete, não é? Vamos escovar os dentes que daqui 7 minutos você tem que ir para casa.
Giovanna me obedeceu prontamente e eu segui com ela até o banheiro.
Antes de colocar a escova de dentes na boca, mais uma vez ela me encarou e soltou:
- Mãe, você disse que eu tenho que ir para casa, mas me sinto muito mais em casa aqui onde eu vivi com você e com a mamá.
Engoli o nó que se formou na minha garganta. Eu senti que a minha filha estava muito mais sensível neste final de semana. Seus questionamentos me fizeram ficar nostálgica. Talvez seja por isso que estou me sentindo tão perdida.
- Foi o modo de dizer, princesa. É claro que aqui é e sempre será a sua casa. Eu quis dizer que onde você e a sua mamá estão morando é sua casa porque você passa mais tempo lá, só isso.
Ajudei com sua escovação e após o enxágue de sua boca, Gi me abraçou com força.
- Eu sinto muito a sua falta, mamãe. Queria a nossa família aqui em casa de novo.
Me segurei para não chorar. Minha pequena está triste e isso parte o meu coração.
- Ouça a sua mamãe, princesa. Acredite, eu te amo muito. Mais até do que você possa imaginar. Você é a pessoa mais importante na minha vida, nunca se esqueça disso. Eu te prometo que as coisas vão melhorar. Prometo também que eu sempre estarei ao seu lado.
- Te amo, mamãe - disse Giovanna se jogando em meus braços.
Foi a única forma que a minha pequena demonstrar que havia entendido.
Peguei ela no colo e fomos até o seu quarto pegar o seu urso preferido para em seguida descer as escadas.
Antes de sair com ela, olhei em seus olhos e fiz um carinho nos seus cabelos.
- Está tudo bem, meu amor?
Gi balançou a cabeça como resposta positiva, mas não sorriu.
Infelizmente não dá mais tempo de tentar arrancar alguma coisa dela. Ser introspectiva é outra semelhança com Isabel. Por eu ser mais comunicativa, sempre luto parar manter o diálogo. Não que sempre dê certo.
Abri a porta de casa às oito horas em ponto. Não que eu tivesse medo de atrasar, mas sim por receio de piorar a relação... Relação? Que relação? Isabel me ignora totalmente. Nossa bela história de amor transformou-se em um imenso nada. Eu virei nada para ela. Talvez a outra mãe da Giovanna, a ex-companheira que ela supostamente suporta, mas nem disfarça.
Como da maioria das vezes, o carro de Isa já está estacionado. Eu já sei o que virá a seguir, a cena dos últimos meses se repete:
Foi o tempo de colocar a Giovanna no chão para que eu visse a Isabel sair do carro e ir na direção da porta de trás, abrindo-a em seguida.
Seu rosto, como sempre, está quase coberto pelos cabelos que vão até metade das costas. Nenhuma olhada. Meus olhos se perderam nela que está usando uma camisa social branca, um jeans claro surrado e um tênis branco. Simples e linda como sempre.
Beijei o rosto da minha filha com certa demora. Em silêncio nos despedimos com sorrisos e acenos com as mãos. Giovanna correu para os braços da outra mãe que a espera.
Vi de longe a minha ex dar um beijo na testa da filha e a abraçar com saudade. Suspirei cansada.
Esperei Isabel prender a nossa filha na cadeirinha e fechar a porta com certa força.
Seus passos apressados demonstravam o desconforto de estar próxima de mim. Eu já deveria estar acostumada, mas ainda machuca. A porta do motorista foi fechada, e lá se foi a minha Giovanna para só voltar daqui longos 15 dias.
Voltei para dentro de casa e de novo me deparo com o vazio. Olhei em volta da grande sala procurando me reencontrar no meu próprio lar. Final de domingo já é triste por natureza, mas hoje o clima está mais pesado do que o normal. Já pensei em mudar de casa, ir para um apartamento menor, porém eu não consigo. Ainda mais com que a Gi disse hoje.
Um barulho me assustou. Meu estômago reclamou da falta de comida e com razão.
- Eu só almocei hoje... Não à toa eu estar com tanta fome.
Lembrei da minha massa Alfredo e caminhei até à cozinha afim de esquentá-la.
Em mais 10 minutos eu estou novamente sentada no mesmo lugar que ocupei na tentativa de jantar com a minha filha.
Assim que eu senti o gosto, fechei os olhos. Massa Alfredo foi o primeiro de muitos pratos que a Isabel me ensinou nos 15 anos que estivemos juntas. 1 ano depois daquele pedido de casamento, celebramos uma cerimônia simbólica com minha família e amigos próximos. Sonhávamos nos casar no papel, entretanto o Brasil só permitiu que fizéssemos isso de verdade em 2013.
Tantas coisas vividas. Lutas, alegrias, preconceitos, realizações.
Comi mais dois garfos, mas minha garganta se fechou. Não desce. É doloroso demais comer algo com tantos significados.
- Por que tudo teve que terminar assim? Que droga!!!
Peguei o prato com certa raiva e joguei na pia de qualquer jeito.
- Por que aquela idiota não me deixou ao menos tentar explicar?
Dei risada dos meus questionamentos e sai da cozinha.
Ao chegar na sala, joguei-me no sofá e comecei a chorar. Chorei por nosso 1 ano de separação. Eu nunca me imaginei longe da Isabel desde a primeira vez que a vi, sempre soube que era amor. Sinto tanta falta dela. Sinto ainda mais da família que construímos.
Eu não entendo. Juro que não entendo. Eu já passei por diferentes fases na separação. Primeiro senti uma raiva absurda pelas suas palavras, acusações e por não ter acreditado em mim. Depois tentei entender o que tinha acontecido, mas as respostas nunca foram encontradas. Cheguei até a suspeitar das atitudes da Isabel porque nos últimos meses, antes da separação, ela já estava distante. Ou estava de saco cheio da nossa relação ou estava com outra e não tinha coragem de me falar. A última hipótese me machuca ainda mais. Pior é que sem querer eu posso ter dado motivo para ela se encher de mim. Mas não é justo, ela nem ao menos me ouviu.
Fechei os olhos na tentativa de descansar. Fiquei refletindo por um bom tempo. Mergulhei mais uma vez na tentativa de entender se o real motivo da separação foi o que ocorreu. Mais uma vez cai na mesma armadilha de chegar à conclusão de que foi apenas uma desculpa.
Cansada e sentindo o peso do mundo nos meus ombros, despertei para a vida quando o celular fez o barulho de notificação de mensagem e o peguei.
Eduardo: Heleninha... sumiu hoje! Cad vc? Esta td bem? (21:49)
Incrível como o Edu sempre parece adivinhar quando eu preciso dele.
Helena: Estou triste. Preciso do colo e de comida (21:52)
Eduardo Mazza acabou se tornando o meu melhor amigo durante a crise do meu casamento. Eu, ele, Maurício Schmidt e Isabel formávamos o super quarteto quase que inseparáveis. Viramos uma família para além do reality de atores que eu apresento e eles três são os jurados. Depois do término entre mim e a Isa, parece que houve uma divisão entre nós. Edu ficou do meu lado e me deu todo apoio que eu precisei no começo. Acabei me aproximando mais do Rodrigo, seu marido, um amor de pessoa que sempre me ouvia chorar as mágoas. Maurício ficou do lado da Isabel e sei que eles mantêm a cumplicidade de sempre. Não que Maurício tenha parado de falar comigo, mas o afastamento mostrou que ele tem um lado.
Eduardo: estamos te esperando com vinho e pizza (22:01)
Dorme aqui em casa. Traz umas roupas (22:01)
Helena: obrigada. Tô indo (22:02)
Sorri com a mensagem. Me senti até mais aliviada por ter com quem me distrair já que o dia foi bem difícil. É bom acreditar no amor vendo o meu casal favorito. Eduardo é um dos atores mais consagrados do Brasil. Fã de esportes, o seu bronze está sempre em dia e não aparenta ter quase sessenta anos. Rodrigo, arquiteto e seu companheiro há mais de 20 anos, é um ativista tanto na área LGBTQIA+ quanto na luta contra o preconceito racial. Duas pessoas que admiro e tenho sorte de ser amiga.
Subi para o meu quarto quando ouvi o toque de mensagem mais uma vez. Achei que fosse o Edu mandando alguma figurinha engraçada, mas para a minha surpresa, quando olhei para a tela, está lá mensagem de voz da Isabel.
Espera... uma mensagem de voz da Isabel? De voz? Raríssimas vezes recebi uma mensagem de texto.
Meu coração disparou, mas não de amor, e sim com a possibilidade de ter acontecido alguma coisa com a nossa filha.
Imediatamente abri a conversa e dei play:
"- Helena! Que história é essa da Gi ir morar com você? Agora vai usar uma criança para me ferir ainda mais? ¿Qué carajo estás haciendo?"
Minhas mãos tremeram e eu olhei assustada para o meu celular. Giovanna quer morar comigo?
Olhei para as escadas e minhas pernas não sabem se sobem ou se descem. Eu estou em choque.
"Agora vai usar uma criança para me ferir ainda mais?".
- Merd*, merd*, merd*...
Resolvi subir e em poucos passos atravessei a porta do meu quarto.
Eu não sei o que pensar. Minha cabeça virou uma confusão. Por um lado, pensar na possibilidade de a Gi morar comigo me deixa extremamente feliz. Porém, por outro lado, tenho certeza de que as coisas vão piorar com a Isabel. Só por esse áudio, já sei que ela vai querer brigar. A última coisa que eu quero é colocar a pequena no meio dessa situação delicada.
Giovanna... é isso! Eu tenho que pensar na minha filha. Mais do que isso, tenho que fazer a Isabel pensar somente na nossa pequena também. Temos que fazer o melhor por ela.
Não pensei duas vezes e liguei para a espanhola.
No nono toque ela atendeu:
"- Gi não vai morar com você, Helena."
Comecei a achar que não foi uma boa ideia discutir por telefone com a minha ex muito nervosa. Com a voz mais calma possível falei:
- Isabel, por favor, tente manter a calma. Escuta-me, eu também estou sendo pega de surpresa com a Gi querendo morar comigo... - fui interrompida.
"- Ah, claro. Você quer que yo acredite nisso? ¿Es serio?"
- Isabel, escuta-me! Eu te juro que nunca fiz esse pedido à Gi. Quando eu sugeri dividirmos as semanas, você falou que resolveríamos na justiça, mas nunca entramos com processo... - mais uma vez não consegui completar o meu raciocínio.
"- Agora entendo por quê. Su plano era manipulá-la e conseguiu."
Eu tive que respirar fundo três vezes.
- Neste final de semana eu senti a nossa pequena triste. A última coisa que eu quero é que o fim do nosso casamento a afete de alguma forma. Eu acho que devemos entender o que está acontecendo com ela juntas. Vamos sentar e entender o que a fez pedir isso... eu não quero brigar, por favor.
Ouvi apenas a respiração da atriz de teatro do outro lado. Dei mais um minuto para ela e não obtive resposta.
- Isa?
"- Não me chame de Isa, Helena. E você no me engana mais com esta voz dolce. Yo no voy me sentar com você para nada. Eu só peço que não me tire a Gi."
- A última coisa que eu quero é isso. Pense na minha ideia de a Gi passar uma semana comigo e outra com você. Ela é só uma criança e não merece sofrer as consequências das nossas escolhas...
"- Sua escolha! Sua! Somente sua! Tú deberías ter pensado nisso antes de ter enfeitado a minha cabeça com um belo par de chifres."
O que veio a seguir foi a ligação encerrada.
Fim do capítulo
Olá, eu estou de volta! Demorei, eu sei. Agradeço as mensagens e os pedidos por estórias. Espero agradar mais uma vez.
E sim, é mais daquelas de sentimentos profundos e complicados.
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Donaria
Em: 14/02/2021
Olá autora....quanto tempo desde sua ultima historia!!! saudades de seus textos, suas personagens sempre intensas (pra não dizer complicadas ...rsrsrs), historias densas que nos agarram pelo colarinho e só soltam no capitulo final, sempre espetacular. Ja se passou tanto tempo que nem escrevo mais com meu nick name antigo (sophiebrt)....mas sem mais delongas me deparei com sua nova historia ...e em único capitulo já estou encantada com Helena...mas com suas historias é sempre assim me apaixonei por sua escrita nos 4 primeiros capitulos de "A Fortiori"....e fiz um verdadeira torcida por "Astrum"...me diverti muito acompanhando/sofrendo (rsrsrs) capitulo a capitulo. Uma pena que não poderei fazer o mesmo com esta historia, pois já está e muito adiantada....mas farei uma maratona porque já estou fisgada pela historia. obrigada por ter voltado, e estar nos prestigiando com uma nova historia que tenho certeza estara recheada de reviravoltas e amores intensos.
Resposta do autor:
Olá! Para não dizer dramáticas também, não é?! Hahahaha. Mas eu gosto mesmo.
Ah, eu lembro de você sophiebrt, adorava seus comentários! Bem vinda de volta, agora Donaria.
Fico feliz com a sua leitura, vou adorar saber o que achou no fim.
Imagina, a volta é um prazer para mim.
Abs!!!
Endless
Em: 29/12/2020
Eita... Quero ver quando Helena souber da amiguinha que transou com sua esposa, essa sim foi a grande traição... Se é que a amiguinha não deu um jeito de forçar a situação e deixar Isabel achando que transou... Vixe!!! Vai ser babado porque, se transou mesmo, sei não...
Maravilhosa história, uma das melhores coisas do ano novo vai ser ter capitulos...Finais?
Abraço e boa sorte!
Resposta do autor:
Mas nem apagou um incêndio direito e você já quer outro? Hahahaha.
Capítulos quaaaaase finais. Ainda tem uns bons pela frente.
Obrigada!
Abraços!
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denisenara
Em: 22/10/2020
Já estou adorando Isa e Helena...
Feliz pela surpresa e o privilégio de ler mais uma história sua.
Resposta do autor:
Feliz estou eu por sua leitura :).
Gratidão!
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