Capitulo 29
Eu caminhei em direção as duas, incrédula com a cena que estava vendo.
- Carla. - Eu a chamei. Ela se virou em minha direção e percebi que sorriu.
- Leah.
Carla estava... diferente. Havia algo em seu olhar que eu não conseguia descrever, parecia mais madura, como se tivesse envelhecido alguns anos nesses últimos meses. Estava com uma mochila preta nas costas, jeans rasgado e uma camisa de flanela vermelha e preta. Ficamos nos olhando fixamente por alguns segundos.
- Não acredito que está aqui. Eu te disse que era perigoso você vir.
Ela deu de ombros.
- Como sua mãe está? - Elis perguntou, cortando nosso contato visual. Percebi que estava um pouco desconfortável, talvez com Carla, talvez com o silêncio que tinha se instaurado.
- Sei lá. O médico disse que ela precisa fazer uma tomo, mas vai ser só a noite.
- Você não quer ir pra casa, meu amor? - Elis perguntou, frisando o meu amor.
- Não, eu... quero ficar aqui. Eu não posso deixar ela sozinha
Ela entrelaçou seus dedos aos meus e Carla desviou o olhar, com os polegares segurando as alças da mochila.
- Vamos sentar lá fora? Acho que preciso de um ar.
E nós três fomos pra frente do hospital, o dia estava nublado, provavelmente iria chover. Sentamos na muretinha em silêncio, eu entre as duas. Elis puxou assunto com Carla, perguntando da viagem, falando sobre a mudança do tempo, a pandemia, essas coisas banais.
- Eu vou pegar um café, vocês querem? - Carla perguntou quando o assunto acabou.
- Vai com ela. – Sugeri para Elis, fazendo carinho nas costas de sua mão. - Você deve estar com fome. Aproveita e come alguma coisa.
Ela me olhou um pouco insegura. Talvez querendo ir, mas não querendo me deixar.
- Eu trago pra vocês. - A outra sugeriu já se levantando.
Elis enfiou a mão no bolso, para pegar dinheiro, mas Carla não aceitou e logo se afastou atravessando a rua.
- Eu não acredito que eu to passando por isso. - Disse com pesar.
- Você precisa manter a esperança... Ela vai fazer um exame essa noite, o médico vai poder ter um parecer melhor dela...
Eu não consegui responder, fiquei ali grudada nela sem falarmos nada. Fiquei brincando com os nós de seus dedos, com a cabeça apoiada em seu ombro, até Carla voltar.
Ela chegou uns vinte minutos depois, segurando um porta-copos de papelão.
- Os três são puros, não sabia do que você gostava. - Carla disse a última frase olhando para Elis, que sorriu em retribuição.
- Está ótimo, obrigada.
Os copos eram de isopor e tinham uma tampa de plástico. Eu me sentia enjoada, mas tomei. As duas continuaram conversando sobre trivialidades, o café acabou e ficamos ali vendo as pessoas irem e virem. O próximo horário de visitas seria às 20:00. Meu pai e minha irmã chegaram por volta das 19:00.
Fiquei feliz por ver minha irmã. Ana olhou primeiro pra mim, depois pra Elis e por último Carla como se me questionasse o que estava acontecendo ali. Eu me levantei quando a vi e senti uma vontade enorme de abraçá-la, como nunca antes em minha vida, mas devido aos tempos atuais, não o fiz. Ela era pouco mais baixa que eu e eu a achava a mais bonita entre nós duas. Seu cabelo era castanho, com as pontas cacheadas e loiras. Olhos castanhos, mais escuros que os meus, iguais aos da minha mãe. Seu nariz era igual ao de nosso pai.
- Você nunca me ouve, né, Leah?
- Eu não podia simplesmente ficar em casa de braços cruzados.
Ela me olhou durante alguns segundos e se deu por vencida.
- Eu sei... eu também não consegui.
Meu pai subiu para o quarto no horário da visita, minha irmã foi em seguida. Eles dividiram os 30 minutos entre eles.
O médico conversou novamente com meu pai e trouxe boas notícias. Disse que na tomografia não havia dado nenhum sangramento no cérebro e que a partir disso eles começariam a tirar a medicação dela para ver como ela reagiria. Ele disse que tudo indicava que no dia seguinte ela estaria acordada. Ao ouvir aquilo abracei Elis e comecei a chorar. Eu não acreditava. Não via a hora de encontrar minha mãe de novo na manhã seguinte. Meu coração ficou mais calmo depois disso.
- Vamos pra casa? - Pedi, olhando para Elis. - A gente volta amanhã cedo.
- Claro, meu amor. - Ela concordou.
Eu soltei nosso abraço e olhei para Carla.
- Você vai ficar aonde? - Perguntei, enxugando as lágrimas com o antebraço. Ela deu de ombros.
- Meus pais estão em Santos ainda. Eu peguei um fretado pra subir pra cá.
Olhei para Elis. Ela respirou fundo, talvez contrariada, mas mesmo assim perguntou:
- Você quer ir com a gente?
- Não, não quero atrapalhar vocês. Eu vou tentar ligar pro Pedro pra ficar na casa dele. Meu antigo quarto ta alugado, então...
- Vamos com a gente. - Eu insisti. Ela olhou para Ana, depois pro meu pai, depois pra Elis, que assentiu com a cabeça.
Ela esboçou um sorriso e abaixou os olhos.
- Ta.
Caminhamos até o carro. Percebi o olhar de Carla no retrovisor quebrado que eu ainda não tinha mandado arrumar. Ela não falou nada. Elis pegou a direção novamente.
- Vamos pegar alguma coisa no caminho pra comermos? - Ela sugeriu. Eu estava sentada na frente com ela, Carla no banco de trás.
Entramos numa fila do drive thru do Mc Donalds que estava enorme.
- O que tem feito em Santos? - Perguntei, me sentindo um pouco mais disposta pra conversar naquele momento.
- Nada, pra ser sincera. Com essa pandemia estou trancada 24 por dia em casa. Hoje que furei a quarentena sei lá depois de quanto tempo. Tenho estudando, jogado videogame, essas coisas. - Fez uma pausa e então falou divertida - Eu comprei o Red Dead 2 que queria.
- Sério?! - Perguntei surpresa.
- Sim, é muito legal, cara. Muito mesmo. A história é sensacional. Pra mim está empatado com The Witcher.
- Não tem como superar The Witcher. Só pela Yennefer vale a pena jogar...
Ela riu.
- Claro que não, a Triss é a melhor.
- Nunca entendi sua preferência pela Triss.
- Ela é ruiva, você sabe...
Nós rimos. Eu me sentia tão leve naquele momento, tive esperanças de que tudo ficaria bem. Elis me observava de canto de olho, em silêncio. Eu pousei minha mão em sua coxa, querendo incluí-la na conversa. Ela me olhou.
- O que é um Red Dead?
- É um jogo de videogame. É tipo GTA no velho oeste.
- Ah.
Ela concordou, mas também não sei se ela entendeu minha comparação. Ficamos quase quarenta minutos na fila falando sobre trivialidades. Pegamos 3 combos pelo aplicativo da Carla que fez os pedidos ficarem mais baratos. Elis quis pagar o dela, em retribuição pelo café.
Voltamos para o apartamento e ao chegarmos, Carla ficou estacada na porta por breves segundos antes de entrar. Disse num tom baixo:
- Eu achei que nunca mais ia voltar aqui.
Tiramos nossos sapatos na porta, as máscaras jogamos no lixo e eu já fui para o banheiro, deixando as duas sozinhas. Arranquei minha roupa e a joguei no cesto. Fiquei me lembrando do sonho que tive com minha mãe. Será que tinha sido só um sonho? Será que era apenas uma coincidência? Ouvi Elis rindo na sala. Fiquei feliz por elas estarem se dando bem, tinha medo de que Elis quisesse jogar Carla pela janela. Deixei a água escorrer por meu corpo por longos minutos. Apoiei a cabeça na parede e fiquei ali por mais algum tempo.
Ouvi a porta do banheiro se abrir e depois se fechar. Poucos segundos depois senti Elis me envolvendo por trás. Eu me virei em direção a ela, enfiei a cabeça em seu pescoço e a abracei.
- Vim ver se estava tudo bem. - Ela disse baixinho.
- Obrigada por sempre estar comigo.
- Não agradeça, não fiz nada demais. Queria poder tirar essa dor do seu peito.
- Quando eu ver minha mãe bem amanhã, vou ficar melhor, mas já estou mais tranquila depois do que o médico disse.
Ela lavou meus cabelos, depois eu os dela. Beijei sua boca, correndo os dedos pelo seu rosto, sua nuca e ficamos ali abraçadas por mais alguns minutos até nossas mãos ficarem enrugadas.
Terminamos o banho e saímos enroladas até o quarto, nos vestimos e eu voltei pra sala. Carla estava fumando na sacada.
- Ei. - Eu mexi com ela me segurando na porta. Era tão estranho ter ela ali depois de tudo.
- Senti falta dessa vista. - Ela disse.
- É, eu vou sentir falta também quando sair daqui.
- Você vai se mudar? - Ela perguntou tragando seu cigarro. Eu peguei um Marlboro dela e o pousei em meus lábios. Ela tirou o isqueiro prateado de seu bolso e olhando em meus olhos acendeu.
- Estamos reformando uma casa em Mogi das Cruzes que a Elis ganhou de herança - Soltei a fumaça. - Vamos nos mudar pra lá.
Ela ficou me encarando, depois desviou o olhar.
- Uau. - Ela apagou o cigarro - Quem te viu, quem te vê, pequena.
Eu sorri por ela me chamar daquela forma. E flashes do nosso passado começaram a passar por minha cabeça como um filme. Lembrei-me do dia em que trans*mos naquela mesma sacada, a brisa batendo em meu corpo nu, eu estremecendo em seus braços... Até o fatídico dia da briga no estacionamento. Ouvi passos, Elis se aproximou com os cabelos molhados, estava com uma camiseta branca e uma calça de pijama.
- Eu separei uma toalha pra você - Disse num tom acolhedor pra Carla e achei aquilo mais estranho ainda -... Se quiser tomar um banho.
- Ah, não precisava se incomodar... - Percebi que ela ficou um pouco sem graça.
- Não é incômodo.
- Eu acho que vou cair no banho então, tirar esse cheiro de hospital de mim. Com licença.
"Com licença", isso era tão não ela.
E ela saiu apartamento a dentro. Ouvimos a porta do banheiro se fechar. Elis sentou-se em uma cadeira, cruzou as pernas e ficou me olhando.
- Voltou a fumar?
Eu dei de ombros.
- Me acalma.
- Vamos esperar ela sair do banho, ai comemos juntas. Ainda está sem fome?
- Não, o embrulho no meu estômago foi embora.
Ela se levantou, me enlaçou pela cintura, ficando na minha frente, senti seu corpo me pressionando contra o gradil. A noite estava ligeiramente fria.
- Você ainda sente algo por ela? - Perguntou baixinho me olhando nos olhos.
- Não. - Desviei o olhar. Fiquei pensativa. - Eu sinto uma certa nostalgia só, por me lembrar de tudo que passei com ela.
Ela permaneceu me olhando e então beijou meu rosto, depois minha boca.
- Eu sei o que você viu nela. - Disse.
- O que?
- Sei lá. - Ela deu de ombros. - Tenho que admitir que ela tem uma luz diferente. E ela é bem bonita por sinal.
- Estava ouvindo vocês rindo do banheiro. Fiquei aliviada. Sei que você não é uma grande fã dela.
- Ela é legal, agitada demais, mas gente boa. - Ela sorriu. - É estanho imaginar vocês juntas, você agora sendo minha namorada, ela sua ex. As duas aqui nesse apartamento. - Fez uma pausa - Eu lembro daquela festa que teve aqui, você chateada porque ela tava beijando aquela menina...
Eu sorri.
- Eu me lembro.
- Tem certeza que não ficou nem um pouco balançada hoje?
- Parece que quem ficou foi você. - Brinquei e ela riu.
- Ela é sua ex, não minha. Quer dizer, vocês são tão parecidas... têm os mesmos gostos... e aquela conversa maluca no carro? Eu não faço ideia do que vocês estavam falando. Quer dizer, eu sei que estavam falando de videogame, mas...
Não deixei com que ela concluísse a frase. Puxei-a pra perto beijando-a.
- Eu amo você, Elisheva Schneider. - Sussurrei. Ela gem*u em minha boca, colou sua testa na minha.
- Eu sei.
- Não pensa besteira.
- Ok.
- Promete?
- Prometo.
Fim do capítulo
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Manuella Gomes
Em: 14/09/2020
Bem civilizadas as três estavam. Acho que o momento exigia isso e só assim pra Elis e Carla se conhecerem um pouquinho.
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