Capitulo 13
Capitulo 13 - E se...
Joy desistiu de falar com o irmão ao perceber que já tentara inúmeras vezes e sem sucesso. Sabia que ele estava ocupado, só não lembrava com quê. Sua cabeça não funcionava. Tentava pensar com lógica, mas a mente parecia carregada de pedras pesadas e suas próprias ações eram despropositadas. Mudou de roupa 3 vezes, encheu o prato de Zayco outras tantas, isso tudo para tentar amenizar o desconforto que lhe preenchia o corpo todo.
De repente, dava-se conta que não tinha amigos. Amigos com os quais pudesse falar sobre qualquer assunto, gente que apenas ouvisse sem emitir opinião. Não tinha. Os amigos tinham ficado na adolescência ou durante a universidade em Nova York. Perdera-os pela vida. Perdera-se.
Agonia, era a única coisa que sentia.
Elena...em tão pouco tempo, ela tornara-se a amiga que não se lembrava de ter tido. Mas era mais, bem mais do que apenas uma amiga maravilhosa. Não conseguia ficar muito tempo sem saber dela, gostava de passar horas na sua companhia, achava-a linda, misteriosa e ao mesmo tempo transparente. Elena a deixava à flor da pele, trazia o seu melhor à superfície. Elena a fazia rir sem pudor, Elena despertava nela vontades despudoradas. Elena...Elena...
Buscou o ar. Sentiu-se sufocar. Precisava fazer alguma coisa. Precisava resolver aquele emaranhado. Ela era a mulher das resoluções e, no entanto, sentia-se atada.
Arremessou o telefone sem se importar se caía ao chão e deixou o apartamento. Estava em fuga. Em fuga de uma parte de si que acreditava estar morta, mas que na realidade, apenas tinha adormecido.
*****
--Disfarça essa cara de felicidade.
Risos.
--Para quê? Não és tu que sempre dizes que preciso me divertir? Expandir? Desabrochar?
--Sim para tudo isso, mil vezes sim. Mas tu sabes não é mesmo dona Troia, és tão fechada que essa versão exige um período de adaptação.
Gargalhadas altas.
--Até que parece que sou a única com cara de idiota...
Risos.
--Troia, resolvi ouvir os teus conselhos. Sabes quando na vida que vou encontrar alguém como o Ethan?
--Nunca!
--Exatamente!
--E olha que nem conheço a figura, mas ele opera milagres em ti, só posso concluir que é a pessoa ideal para a minha doida preferida.
Risos.
--Quero detalhes...
--De quê?
--Da sua conta bancária. Idiota!
Risos altos.
--Da inglesa, obviamente.
--O quê exatamente?
--Não sais de lá, Elena. Alguma coisa de muito especial essa mulher há de ter. Além daquele sotaque que arrepia a alma, daquela impetuosidade, ah a voz...
--Espera até olhares nos olhos dela...
Gargalhadas.
--Meu bem, já estou apaixonada pelo Ethan.
--Ah para. Nem vais ousar olhar para a Joy com esse teu olhar sedutor.
Gargalhadas.
--Elena, achas mesmo que eu olharia para a Joy? Sem contar que quero distância de confusão. Mulher é confusão.
--E tu me empurras para uma mulher...bela amizade.
--Meu bem, tu precisas de confusão. Precisas de vida, sair dessa zona de conforto que é exageradamente confortável.
Risos.
--É sério, Troia. Qualquer relacionamento é um desafio, ainda mais quando ousamos sair do nosso campo de ação. Essa Joy pode mostrar-te um mundo inteiro. Tu só precisas querer...
--Eu quero! E vou repetir pela enésima vez, tu és muito madura quando a vida não é tua.
Risos.
--É fácil quando não somos nós. E já sabes o que sempre digo, tu não tens as cargas que eu tenho...
--Quais? A tua irmã? Ela não é tua carga, mas tudo bem, já entendi e respeito o teu ponto de vista. Agora, se a Joy é uma revolução na minha vida, o que dizer do Ethan na tua?
Gargalhadas.
--Troia, de repente as coisas mudaram para nós.
--Como diria a doida da tua sala, saímos do inferno astral.
Gargalhadas.
--Para onde a senhorita vai com o maravilhoso que ainda não tive o prazer de conhecer?
Risos.
--Ele está ansioso para te conhecer.
--Então faça alguma coisa.
Risos.
--Sim senhora. Vamos para as Adirondacks.
--Hmmm, o senhor que não conheço é aventureiro.
--Sim, muito. Eu não conheço, mas ele diz que vou adorar.
--Vais! Fui há muito tempo, acho que ainda estava na universidade. É incrível e a senhorita vai adorar.
--E nós?
--Nós?
--Troia...
Gargalhadas.
--Em casa mesmo...acho...
--Hmmm...
--Eu conheço essa cara...
--Eu não falo as coisas porque a senhora já vem com aquele olhar de...
--De?
Risos altos.
--Vamos desenvolver essa relação...creio...
--Provavelmente...
--Elena, quero saber tudo.
--E desde quando foi diferente?
Risos.
--Agora quero mais do que nunca.
--Esqueça. Eu não falo das minhas intimidades...
--Não quero saber das intimidades de ninguém, mas quero saber as tuas emoções...ai estou ansiosa.
--Ansiosa pelo desenrolar da minha vida?
Gargalhadas.
--Tu não perdoas nada, ah grega insuportável.
Risos.
--Estou feliz, Milla. E por mais estranho que possa parecer, não estou tensa. A iminência de evolução da nossa conexão não me assusta...
--Isso é lindo, Troia. Lindo! Essa inglesa deve estar caída de amores pela senhorita.
--Não exageremos. Ela gosta de mim, isso é fato. Mas...
--Não me venha com reticências às portas de um fim de semana que se prevê mágico.
Risos.
--Eu adoro essa doida.
--E essa doida morre de amores por ti.
--Eu preciso ir embora. Graças aos céus que essa chefe incrível que nós temos, hoje não resolveu grudar em mim.
--São as energias.
--Hmmm?
Risos.
--Ela não é nem doida de te atrasar. E nem eu vou fazê-lo porque quero detalhes desse fim de semana épico.
--Exagerada! Ainda bem que não crio expectativas, as tuas já são suficientes.
Risos felizes.
--E vamos viver!
--Vamos! Vou embora. Ficas?
--Grega da minha vida, eu já vim com minha mala de viagem. Saio daqui diretamente para as montanhas.
--Meu Deus, esse Ethan é poderoso. Eu jamais imaginei ver-te entusiasmada com um fim de semana nas montanhas.
Risos.
--Nem eu. Mas, estou contando os minutos. Ele deve despertar uma Milanka que nem eu conhecia.
Gargalhadas.
--Divirta-se, maluca. - Elena beijou a amiga demoradamente.
--E essa inglesa despertou uma mulher carinhosa aí dentro dessa grega.
--Cala a boca.
Risos.
--Detalhes...todos...
--Hum-hum...espera sentada.
--Vá logo ser feliz e sem medos.
--Sem medos! Tchau, maluca adorável.
--Tchau, grega insuportável e insubstituível.
Gargalhadas.
*****
Elena olhou para o telefone em suas mãos e desistiu de dar atenção à leve ansiedade ou coisa parecida que insinuava entrar na sua alma. Já era a segunda vez que ligava para Joy e ela não atendia. Tinham conversado ao longo do dia e tudo parecia fluir para uma noite linda. Um jantar a duas e o resto do fim de semana todo. Não queria nada além daquele cenário e todas as inúmeras possibilidades que adviriam.
--Estou linda Myk?
O gato parecia admirá-la. Ela se sentia numa sessão de fotos para uma revista de tanto esmero que tivera ao escolher a roupa e os acessórios.
--Ela quer fotografar-me, não posso ir sem glamour. Se bem que nem estou com muito glamour, apenas cuidei um pouco mais dessa Elena.
Riu alto e aprovou o seu reflexo no espelho.
--Myk, estou levemente ansiosa, mas sem medo. Uma sensação de que é a coisa certa a ser feita. Ah, e se não quiser nada demais eu sei que estará tudo bem. A inglesa é uma mulher e tanto...
Sorriu enquanto metia a blusa no cós da calça.
--Eu gosto como ela me olha, Myk. Eu me sinto a mulher mais linda e sexy desse mundo. É uma coisa que entra na pele, percorre cada célula minha e parece que vou derretendo...eu sei, gato. Loucura.
Mykonos permanecia impávido olhando para ela.
--Ah, e eu devo parecer uma idiota quando olho para ela. Tenho a certeza que saem estrelas dos meus olhos. Eu a admiro, Myk. Ela é brilhante. Ela fala das fotos com tanta paixão que é impossível não se apaixonar pela arte dela. E ela é doida, engraçada e ao mesmo tempo, às vezes parece ter uma tristeza no olhar, ou inquietação, sei lá...isso também me encanta. Sim, gato, estou perdida...mas eu gosto.
Riu alto enquanto tentava fazer algo diferente no cabelo.
Alguns minutos depois, quando já se preparava para sair, percebeu Mykonos olhando para a pequena bolsa de viagem que estava ao lado da porta.
--Ah, amor da minha vida, hoje não volto para casa. Prometo que amanhã venho te amar como mereces, mas hoje a grega vai transbordar um pouco.
Elena ajoelhou-se e afagou o gato com muito amor. Ele adorou o carinho, algo raro.
Ela gritou de felicidade.
*****
Elena já não conseguia equilibrar suas emoções. Em alguns momentos estava feliz, mas imediatamente entrava naquela sensação de pânico, incerteza. Estava à porta do edifício onde Joy morava há mais de meia hora e ela não atendia o telefone. Aliás, se pensasse com clareza, ela já não atendia há bastante tempo. Ligou mais uma vez e nada. Tocou o interfone, nada. Perdeu a conta das vezes que tentara.
Não queria entrar em pânico, mas Joy estava com a perna machucada. Tinha tirado a tala naquele dia e a probabilidade de alguma coisa dar errado era enorme. Se pensasse na teimosia dela, aí sim as coisas podiam sair do controle.
Apesar de estar com um casaco, já começava a sentir frio. Olhava de um lado para o outro na tentativa de ter alguma ideia e nada. Não conhecia muita coisa de Joy, e da sua vida em Nova York, não conhecia nada. Não sabia se ela tinha amigos, não sabia a quem ligar. Falara com o irmão dela, mas através de uma chamada de vídeo, não tinha como contactá-lo.
Naquela rua fria, começou a dar-se conta que não sabia quase nada daquela mulher.
--Eu sei o suficiente... - Tentava convencer-se.
Tentou mais uma vez ligar para ela. O telefone tocou muitas vezes e ninguém atendeu.
Algum tempo depois, e ainda às portas do edifício, viu uma moradora sair para passear o cachorro. Por descuido, ela deixou a porta aberta. Era a sua oportunidade e não pensou duas vezes.
Dentro do edifício, o coração batia desgovernadamente. Parecia querer dizer-lhe alguma coisa. Joy morava no ultimo piso e tinha elevador, mas preferiu subir pelas escadas. Precisava se acalmar. A essa altura, as mãos tremiam e a cabeça latej*v*.
--Deixa de exagero, Elena. - Repetia vezes sem conta.
Na porta do apartamento de Joy, tocou a campainha. Nada. Ligou mais uma vez. Nada. Bateu na porta com o nó dos dedos. Nada.
O silêncio era assustador.
Bateu mais uma vez com força até sentir dor nos ossos dos dedos. Silêncio.
De repente ouviu um latido. Zayco.
O Cão parecia estar atrás da porta e ladrava sem parar.
O coração de Elena despencou como um looping de montanha russa.
--JOY! - Gritou enquanto batia sem parar na porta.
*****
Joy já nem sabia há quanto tempo perambulava sem rumo pelas ruas do Queens. Sabia que estava longe de casa porque já andara bastante. A única coisa que conseguia fazer era andar sem destino. A cabeça estava num turbilhão e não conseguia focar num único pensamento. As emoções estavam em mais absoluto frangalho.
Sentou-se numa praça qualquer. As pernas acusaram cansaço, afinal tinha acabado de tirar uma tala da perna direita. Que imprudência...
Não conseguia pensar na dor física. A alma parecia estar dilacerada...alma...nunca se preocupara com esse nível de emoções.
Emoções...
Em Nova York, e numa vida focada apenas nela, percebera que jamais dera crédito às suas emoções. Nem sabia se as tinha...
Respirou com alguma dificuldade e olhou para o nada. Precisava agir, ou reagir.
--Quanta insensatez...quanta imaturidade...- E batia na sua própria cabeça.
Sentiu-se uma leviana e das piores.
William...
Parou de respirar até voltar a puxar o ar com força.
Agora percebia tanta coisa...
Até que ponto era diferente do seu pai? Aquela pergunta provocou uma avalanche de emoções no seu peito.
O egocentrismo do pai era contagioso...
A vida de repente obrigava-a a tomar atitudes sensatas e ela não fazia a menor ideia do que fazer.
Olhou as horas no relógio de pulso. Já era tarde, talvez agora o irmão lhe atendesse. Procurou o telefone e percebeu que não o trouxera.
Respirou fundo e resistindo à dor, pôs-se de pé e decidiu voltar para casa.
*****
Joy arrastou-se para fora do elevador. A perna doía, mas em nada se comparava à apatia que a fazia sentir-se miserável.
Deu alguns passos e estancou abruptamente. Elena estava sentada no chão ao lado de sua porta.
Não conseguiu resistir mais. Não tinha a menor condição. As pernas falharam e iria ao chão não fosse a rapidez de Elena que a abraçou com força.
--Joy...dê-me as chaves, por favor. - Elena tremia.
Joy entregou-lhe as chaves e percebeu que ela própria também tremia. Da cabeça aos pés.
Entraram em casa e Zayco veio a correr lamber a dona. Ele parecia aflito.
Elena encostou Joy na parede e olhou-a dentro dos olhos. Sorriu aliviada. Abraçou-a com força. O coração batia com força e ecoava pelo corpo todo.
-- Nunca mais faça uma loucura dessa. Senti coisas que nunca senti...
E ela apertava Joy que tremia sem parar.
--Fiquei aflita, imaginando tanta coisa...Ah Joy...não sabia o que fazer, a quem ligar...senti desespero e me vi sentada no chão sem reação...medo de que algo tivesse acontecido contigo...
Elena respirou e percebeu que Joy não estava bem. Ela tremia e tinha pânico no olhar.
Carregou-a para o sofá onde sentaram lado a lado. Percebeu que Joy olhava de um lado para o outro e parecia dispersa.
--Meu bem, não precisa fazer jantar algum. Pedimos alguma coisa ou invento meus pratos sem futuro...- Elena tentou amenizar as coisas e arrancar um sorriso de Joy. O sorriso que deixava tudo leve. Mas, Joy tinha lágrimas nos olhos. Nunca a vira chorar.
Elena abraçou-a com carinho. Foi a única coisa que pareceu-lhe sensata naquele momento. Talvez até vital.
--Que bom que estás bem, Joy. Que bom que estás aqui. - Apertou-a nos braços com força.
Joy desabou num choro convulsivo. A principio, Elena não entendeu que aquelas lágrimas eram de dor. Mas, aquela mulher despertava nela algumas habilidades até então desconhecidas. Percebeu que o coração batia em desespero. Notou que ela não tinha forças...
Aquela não era a sua Joy.
-- Joy, estás desesperada, eu consigo sentir isso pelo bater do teu coração e vejo confusão nos teus olhos...- A essa altura, Elena já estava com medo do que viria a seguir.
Joy pareceu querer entrar dentro dos olhos dela. A aflição era gritante. Enterrou as mãos na cabeça e desabou sobre as pernas.
Sim, alguma coisa tinha mudado drasticamente.
Ela ergueu-se e ameaçou abraçar Elena, mas desistiu a meio do caminho.
Levantou e começou a andar de um lado para o outro. Tremia violentamente.
Sem entender nada, Elena viu-se presa à cadeira. Estava com medo. Mas o medo sucumbiu diante do desespero de Joy. Levantou e abraçou-a. Joy desfaleceu. Chorou como uma criança. Minutos se passaram até que Elena ganhou forças para falar.
--O que aconteceu? - Perguntou com a voz calma. Por dentro explodia em ansiedade.
Joy pareceu ter acordado. Mas, na realidade, entrou num mundo sem sentido. Desvencilhou-se do abraço e começou a falar como uma máquina.
-- Vim embora porque não aguentava mais. - Gritou. - Minha vida era sem sentido. Eu era perfeita demais, só que para os outros. -Parou de falar e olhou para a rua através da janela. Respirou fundo e continuou. - Eu não quero prémios anuais de excelência na gestão. Não quero ser o orgulho de ninguém. Vim embora sem pensar, ou melhor, pensei muito, mas deixei muitas pontas soltas, acho que pela primeira vez eu fui imprudente...bendita imprudência. - Concluiu completamente esgotada.
Elena não entendia nada. Mas o desespero de Joy atingiu-a com força. Com a cabeça a mil e sem saber como agir, fez a pergunta que lhe pareceu quase óbvia.
--Estás a falar da tua outra vida? - Perguntou com a voz baixa. Nem ela entendia aquela calma aparente. Estava a um passo de explodir.
Joy virou-se. Não, não foi ela. Aquela imagem era um espectro da Joy. Não tinha vida. Não tinha aquele ar de mistério associado a um sorriso perfeito. Não tinha o brilho no olhar. Ali não havia nada além de descrença.
--Que vida? Eu não vivia, Elena...não vivia...
Ela andou de um lado para o outro e parecia articular o que diria a seguir.
--Agora estou viva com todos os imprevistos, as inconstâncias e incertezas, agora estou viva, correndo riscos, estando à flor da pele...- E ela batia nos punhos.
Elena não entendia nada e permanecia calada. Na realidade não sabia o que fazer. Joy parecia à flor da pele e ela jamais expusera as suas emoções, logo, não sabia como ajudá-la.
-- A história é longa e há quem possa achá-la linda, de muito sucesso, perfeita. Demorei a perceber que vivia pelos outros e quando esses outros são a tua família e as expectativas que colocam sobre ti, é tudo tão atrofiante...
Joy chorava sem pudor e Elena limitava-se a olhar para aquela figura, agora revoltada.
--Por muito tempo eu acreditei que era aquilo e nada mais. Até que descobri algo que faz meu coração disparar e que não me vejo fazendo outra coisa pelo resto da minha vida. Mas isso, não tem nada a ver com o que esperam de mim. Nada.
Respirou com força mais uma vez.
-- Sempre fui muito cerebral, razão acima de tudo. As emoções sempre controladas, até que num rompante eu mandei tudo para os ares...melhor coisa que fiz na minha vida...
Sorriu de forma triste.
-- Me despi da Joyanne. A Joy nasceu...renasceu, só fui Joy quando era criança...
Elena sentiu uma vontade de abraçá-la até mudar-lhe aquele estado de alma. Mas, não conseguiu mover-se. Estava com medo do final daquela conversa...muito medo.
--Aposentei a empresária sempre certa, aquela que seguia à risca as diretrizes do pai e ainda dobrava ou triplicava as aspirações financeiras dele. A Joy renasceu...a Joy sonhadora esqueceu de calcular todos os riscos. A Joyanne jamais esqueceria...
O olhar dela causou uma inquietação angustiante em Elena.
Joy parecia perdida...
De repente, ela entendeu. Algo no olhar dela a despertou para a realidade. Talvez fosse o desespero, talvez a súplica, ou quem sabe o culminar de um vazio profundo.
--A tua outra vida voltou...- Disse num tom muito baixo. Tinha medo do eco das suas palavras.
Joy olhou-a sem a ver, estava longe, muito longe.
--Vim embora sem respeitar algumas coisas. Agi no impulso necessário, causado pelo desrespeito do meu pai, mas esqueci coisas importantes...esqueci do William...
Aquele nome soou como sirene na cabeça de Elena. Era o nome que tinha visto nas inúmeras chamadas perdidas no telefone de Joy. Então era alguém importante. Claro que era.
--O William tinha viajado...ele viaja muito e eu não pensei em nada. Agi movida pela minha vontade de fazer algo por mim, agi por raiva do meu pai...agi sem pensar racionalmente.
--Quem é William? - Pergunta idiota, mas precisava ouvir da boca dela, quem sabe assim ficasse claro...
Joy mordeu os lábios e respirou fundo. Tentou falar, mas não conseguiu.
--Ele é...- Foi a vez de Elena respirar fundo. - Ele é teu marido?
Joy arregalou os olhos.
--Não! Não sou casada. Era sim casada com os hotéis do meu pai e o William é um aficionado por trabalho como eu era. Tínhamos os mesmos ideais, nossas conversas sempre giravam em torno dos mesmos assuntos...foi isso que nos levou a ter uma relação.
--Há quanto tempo? - Elena nem sabia o que dizia.
--Quase um ano, aliás fez um ano eu já estava aqui em Nova York.
--Onde ele está nesse momento?
--No Dubai. Primeiro ele foi ao Japão fazer um curso de aperfeiçoamento e agora está no Dubai, onde pretende fixar residência. Não falo com ele há algum tempo e ele não faz a menor ideia das minhas decisões. Ele acha que vim para cá fazer um treinamento e que volto em breve. Se for bastante sincera e honesta, devo admitir que eu deixei isso no ar, subentendido...tive medo de vir para cá e me frustrar e ter de voltar...fui programada para vencer.
Elena não sabia o que pensar. Daquela Joy não entendia e começava a achar que nem de si entendia alguma coisa.
--Fui covarde. Tive medo de fracassar, e essa sou eu...
--Não faz sentido...
Elena falou mais para si, mas Joy a olhou expectante.
--A Joy que eu conheço parece ser humilde, corajosa e corre riscos não calculados. Eu não sei se te conheço...eu não sei de mais nada...
--Eu era outra pessoa até há poucos meses. Só percebi que estava infeliz num dia que compartilhei com o meu pai uma foto minha, que me tinha rendido muitos elogios e ele desprezou com veemência. Ele deve ter achado uma loucura eu ter tanto brilho nos olhos apenas por uma foto...mas era a minha vida que estava ali. Nova York me mostrou isso...
O fato de Joy estar completamente perdida ficava cada vez mais claro aos olhos de Elena.
--Vim para cá, larguei tudo, nada daquilo me servia mais. Deixei o diretor logo abaixo de mim encarregue de tudo e vim me aventurar por aqui. Meu pai não acreditou e tinha a certeza que voltaria em uma semana. Já estou aqui há mais de 1 mês e quero ser fotógrafa.
--Esta parte está resolvida e sim, tu és uma excelente fotógrafa. - Elena sorriu com tristeza no semblante.
--Em relação ao rumo profissional não há questão...
Aquela frase sentenciava muita coisa, mas foi o olhar de Joy que determinou o caos que se seguiu.
O mundo de Elena desmoronou. Naquele instante queria verter todas as lágrimas possíveis, mas não conseguiu. Sempre fora difícil chorar e nem aquele baque violento conseguira provocar tal proeza.
Respirou fundo e andou pelo apartamento de Joy. Queria saber o que dizer, não queria sentir aquele ardor por dentro, queria voltar para a sua vida pacata e perfeita. De repente tudo era morno como sempre fora.
-- Então resolva o resto, ache o teu caminho... - Disse com tristeza estampada na voz que lhe provocou um desconforto gigante na alma.
--Eu gosto de ti, Elena. -Joy disse devagar.
--Eu também gosto de ti, do que estávamos a construir. Mas o teu namorado deve estar a chegar em Nova York, e acho que é nisso que tens de focar.
Elena foi movida por um sentimento novo. Alguma coisa nova explodia dentro do seu ser.
Joy deixou-se cair no sofá. Estava abatida, visivelmente sem forças. Seu cachorro apareceu de algum lado e deitou aos seus pés.
Aquela cena quase fez Elena despir-se de qualquer orgulho. Por segundos esteve tentada a ajoelhar-se aos pés dela e dizer aquelas coisas todas que sentia. Sentia tanto...sentia tanto a ponto de não entender nada.
Beijou-lhe o topo da cabeça e arrastou-se para fora daquele apartamento.
*****
Joy demorou algum tempo a entender que Elena tinha ido embora. A sensação que experimentou causou-lhe uma espécie de queimação na pele. Teve vontade de sair a correr atrás dela, mas não tinha nada para dizer. Elena parecia certa do que queria e com certeza não merecia uma pessoa covarde como ela.
Precisava conversar com o irmão, precisava entender melhor o que William queria, mas no momento, só conseguia alimentar seu cão.
Zayco, à sua maneira, entendia o que se passava com a dona e não a largava.
Depois de colocar comida no prato de Zayco, Joy ficou parada olhando para nada.
Nada.
Uma sensação escancarada de agonia, causava-lhe tonturas.
Precisava comer alguma coisa, mas não tinha a menor condição de se movimentar naquela cozinha. Poderia estar feliz...poderia ter desfrutado de um jantar memorável ao lado daquela pessoa incrível...poderia tanta coisa e, no entanto, estava confinada ao vazio.
Música, sim...alguma coisa para dissipar a loucura.
Playlist aleatória e a mente em devaneio. Natural Blues, Boostraps e já não tinha mais lágrimas. Estava vazia.
*****
Amanhecia e Elena estava sentada num banco no Astoria Park. Não sabia como lá tinha ido parar já que vagara pelas ruas a noite toda. Sentiu-se confusa. Não sabia se estava acordada ou dormindo. O velho sonambulismo estava de volta, ou pelo menos era o que parecia.
Alguém passou por ela a correr e teve a ideia de perguntar as horas. O rapaz respondeu. Ela estava mesmo ali e bem acordada.
Esticou os braços sobre a cabeça. Os ossos estalaram. Parecia que tudo estalava. Os olhos estavam pesados, a cabeça também. O coração batia, mas apenas numa cadência necessária para mantê-la viva. Apenas isso.
Olhou para um lado, depois para o outro. Queria encontrar alguma coisa. Rumo, talvez.
Notou que o telefone estava no bolso das calças. Segurou-a entre as mãos e suspirou. A mãe tinha ligado algumas vezes. Sorriu mesmo estando muito triste.
--Melina sempre sabe das coisas...
Precisava desanuviar os pensamentos, nada melhor do que música. Ressentiu-se por estar sem os fones, mas nada a impediria de ouvir alguma coisa que a tirasse daquele estado de apatia.
Viajou na melodia de Dead in the water de James Gillespie. A música sempre alcançava na perfeição o que lhe ia na alma.
Sentia algo parecido com raiva. Mas não era de Joy. Não conseguia. Concluiu que ambas estiveram entorpecidas, mas a realidade poderia ser cruel...e era.
Sentia raiva de si. Na sua mente martelava a frase que lera em algum lugar, felizes daqueles que desconhecem...
Era feliz na sua vida pacata, ou se não era, não fazia a menor ideia que existiam outras possibilidades.
Bendita ignorância.
Agora, sabia que havia um mundo de possibilidades...agora sabia que podia sentir as tais borboletas no estômago...sabia que podia desejar que o tempo voasse para ver outra pessoa...sabia que queria partilhar coisas com uma outra pessoa...sonhos...desejos...vida...
Sabia que as realidades que criava nos seus devaneios literários, poderiam de alguma forma existir.
E agora?
Fim do capítulo
Um forte abraço a ti que leste este capitulo.
Nadine Helgenberger
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Rosangela451
Em: 01/09/2020
Poxa ......sabia que tava tudo indo bem demais
Tadinha da Elena, como joyesquece um detalhe tão importante como o fato de ter um NAMORADO
Pqp joy,que mancada
Tadinha da Elena
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Veka
Em: 23/08/2020
Voltei!
Oi Naná!
Eu passei alguns capítulos esperando o que a senhorita iria apontar. E aí a senhorita aprontou! kkkkkkkk... Das partes que vc mais gosta, drama!
A gnt se envolve nesse encanto que são as duas juntas e esquece que elas não tê um relacionamente fixo. O que existe muita da vida dela que não sabemos, e que a Joy tem a outra vida dela.
Foi forte a reação da Joy, o desespero, a sensação e o estar perdida. Já a Elena foi racional como se esperaria dela. E a conversa delas foi bem o que se esperaria das duas. O que me deixou surpresa vou a ação final da Elena, o beijo no topo da cabeça.
Obrigada por nos presentear sempre!
Beijinhos....
Veka
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Aurelia
Em: 02/08/2020
Quanto sofrer, passei esse capítulo todo com uma agonia no meu coração. Tenso e intenso, Elena em entrega e agora leva esse choque de realidade, o que fazer agora? Joy precisa resolver essa outra vida e ficar livre para essa nova vida, acredito que com mais cores. Bjos
Resposta do autor:
Querida,
Com certeza com muito mais cores. Vamos acompanhar esse processo rumo ao arco-íris :)
Muito obrigada por comentar. Bjs
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NovaAqui
Em: 28/07/2020
Que capÃtulo cheio de dor, mas elas vão conseguir superar isso
Elena vai sofrer um pouquinho..
Resposta do autor:
Querida :)
Romance sem sofrimento nem é romance rsrs
Elas vão sofrer, cada uma à sua maneira.
Bjs e muito obrigada por comentar.
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patty-321
Em: 27/07/2020
A vida é feita de ilusões e expectativas, mesmo quando vc não tem nenhuma, conscientemente. O que a Joy precisa é realmente se encontrar e se autoamar, perpassa por uma dose grande de autoconhecimento. Forças Joy, você não é obrigada a nada e nunca é tarde pra mudar. Capítulo intenso e tenso. Bjs
Resposta do autor:
Olá :)
Sim a Joy precisa despertar para uma vida que é possivel e que ela até agora nao conhecia. Há de levar o seu tempo, mas eu confio nela e mais, confio nessa grega maravilhosa que mesmo sendo mais introspectiva, levanta vulcões rsrsrs
Muito obrigada por comentar. Bjs
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Marta Andrade dos Santos
Em: 26/07/2020
Vixe que baque.
Resposta do autor:
Bjss, e muito obrigada por comentar.
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brunafinzicontini
Em: 26/07/2020
Que desespero, Nadine! Fiquei me sentindo do jeitinho que Joy ficou: "uma sensação escancarada de agonia"...
Pobre Elena! Uma expectativa tão cheia de esperança terminando na decepção mais dolorosa! Foi muito triste, realmente!
Você descreveu com maestria o momento de sofrimento da grega: "O coração batia, mas apenas numa cadência necessária para mantê-la viva. Apenas isso." Que linda sua escrita, autora! Dá para sentir junto com Elena esse instante de dor. Dá para entender perfeitamente o seu desconsolo por ter vislumbrado a possibilidade de ser feliz e depois despencar numa realidade amarga. Teria sido melhor, realmente, não ter se iludido com essa visão de felicidade - mas agora "sabia que as realidades que criava nos seus devaneios literários poderiam de alguma forma existir"... e isso tinha sido arrancado de si, estando tão perto de o alcançar.
Só nos resta esperar que aquela Joy encantadora possa ser resgatada e consiga recuperar a Elena perdida depois de tão grande choque.
Um forte abraço a ti, que escreveste este capítulo.
Bruna
Resposta do autor:
Bruna querida :)
Foi triste mesmo. Agora vamos ver como essas mulheres reagem rsrssrs
Como deves lembrar, eu adoro dramas rsrsrs. Criá-los, descreve-los, entrar neles através dos personagens, é o meu apice enquanto criadora de histórias rsrsrs
Muita coisa a caminho...rsrsrs
Bjs e muito obrigada.
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Mille
Em: 26/07/2020
Oi Nadine
Que baque foi o capítulo para Elena, agora a Joy terá que ser forte e corajosa para enfrentar a vida dela de antigamente e depois procurar a grega.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá Mille,
Pois é, atitudes requerem-se...rsrs
Bjs e muito obrigada.
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Nadine Helgenberger Em: 23/01/2024 Autora da história
Muito obrigada.
Bjs