A única coisa grandiosa em Greatdale é o futebol*. Não aquele jogado com uma bola redonda e sim com capacetes e bola oval, o esporte mais amado da américa. A pequena cidade do estado de Ohio não tem grandes atrações e são os Yellow Jackets que tornam as sextas-feiras animadas. O estádio de King High* sempre recebe a cidade quase inteira durante a temporada de futebol e Greatdale fica em ritmo de festa exibindo as cores da escola: amarelo e preto.

            Apesar do grande investimento no esporte, os Yellow Jackets não vencem um campeonato há seis anos. Sempre se classificam com facilidade e conseguem ir fundo na pós temporada, mas eventualmente são eliminados antes da final. A cidade até começou a acreditar que estavam sob maldição do antigo técnico que sofreu um acidente fatal logo após a última vitória do campeonato que tiveram.

            A fim de tentarem voltar ao auge de melhor time de Ohio, contrataram Brian Allen como o novo técnico. Em seu primeiro ano ele conseguiu chegar até a final, perdendo o último jogo por apenas uma posse de bola. Mesmo com a derrota, o clima da cidade voltou a ficar esperançoso. "Esse ano é nosso!", todos comentavam animados com o inicio da temporada que se aproximava.

            Apesar dos Yellow Jackets serem as grandes estrelas da cidade, King High era uma monarquia, governada não por um rei e sim por uma rainha. Quinn Morgan comandava a escola desde que era caloura e agora como junior, faltando dois anos para se formar, estava no auge do sucesso. Ela não era apenas linda de acordo com todos os padrões de beleza, mas também extremamente fria com todos a sua volta, o que fazia com que ela tivesse uma aura de poder e sedução que poderia usar para conseguir o que quisesse de qualquer um. Todos a sua volta faziam o que ela queria por pelo menos um dos dois motivos: a queriam ou a temiam.

Ela era capitã das líderes de torcida e seguindo o típico clichê americano namorava o capitão do time de futebol. Todos que a olhavam acreditavam que sua vida era perfeita, mas isso era apenas porque Quinn sabia esconder seus sentimentos muito bem. Ela era na verdade uma pessoa solitária e triste, tentando sobreviver os últimos anos naquela cidade antes de ir embora para nunca mais voltar.

–  Já ouviu a novidade? - perguntou Leslie, uma de suas fiéis escudeiras e a maior fofoqueira de King High.

–  Tenho certeza que vou ouvir agora - disse Quinn como se não se importasse.

–  O que? - perguntou a segunda escudeira, Cathy, sem esconder a curiosidade.

–  A filha do treinador Allen vai se mudar para a cidade - segredou Leslie sentando-se à mesa da lanchonete Great Cook que servia como um dos maiores pontos de encontro da cidade.

–  E eu deveria me importar com isso? - comentou Quinn sem dar muita atenção enquanto brincava com o canudo em seu suco.

–  Ela é lésbica! - segredou Leslie e sorriu quando percebeu ter a atenção das duas amigas.

–  E como você sabe disso? - perguntou Cathy.

–  O treinador falou com os rapazes no treino! O Matt não te contou? - disse Leslie referindo-se ao namorado de Quinn.

–  Estou dando um gelo nele - tentou recordar o motivo, mas isso era tão comum que não conseguiu lembrar ao certo: teria sido por olhar para outra garota? Sujar sua roupa? Perder treino? Não lembrava e também não se importava.

– A Rainha de Gelo ataca novamente - brincou Cathy referindo-se ao apelido da amiga.

– O técnico simplesmente anunciou que sua filha era lésbica no meio do treino? - perguntou Quinn ainda sem acreditar na fofoca.

            Leslie confirmou que ouvira a história do próprio namorado, Spencer, que era recebedor do time e um dos melhores amigos de Matt. Segundo ele o treinador informou que precisaria cancelar um treino para buscar sua filha que iria se mudar para a cidade. Ao ouvir brincadeirinhas dos jogadores ao perguntarem se sua filha era gata, o treinador rapidamente anunciou que ela era lésbica e que eles não deviam mexer com ela.

–  Ele devia estar zoando os meninos! - disse Cathy - Ninguém fala assim com naturalidade que tem uma filha lésbica!

–  Ela é de uma cidade grande, as coisas são diferentes, por que não? - argumentou Leslie.

            As duas ficaram discutindo por alguns segundos enquanto Quinn se perdia em seus pensamentos. Ela já sabia que não era igual às suas amigas ou às outras pessoas da cidade, mas não gostava de pensar sobre isso por muito tempo. Já tinha muitos problemas em sua vida e esse poderia esperar até que ela estivesse na faculdade, bem longe daquela cidade.

            Os amigos de Sophie achavam que ela era maluca por querer passar os últimos dois anos do High School em uma cidade pequena sem nada para fazer. James e Kat tentaram convencê-la de todas as formas, mas ela estava irredutível.

– Você acha que nessa cidade minúscula vai ter lésbica fora do armário? - tentou Kat.

– Até hoje eu tive sucesso com héteros curiosas e elas estão em todos os lugares - Sophie brincou.

– É uma cidade pequena com pessoas de cabeça fechada! - argumentou James.

– E eu vou me divertir muito assustando todos eles! - riu.

– Lá nem tem time de flag*. Como você vai viver sem jogar futebol? - falou Kat.

            Sophie cansou de continuar com a discussão e se despediu com a desculpa de arrumar suas coisas para a mudança repentina.

            Ela amava Philadelphia, cidade a qual havia nascido e vivido grande parte de sua vida, porém não aguentava mais morar com sua mãe. A relação delas nunca fora muito boa e desde criança, Sophie sempre foi mais próxima de seu pai.

Brian Allen foi quarterback da NFL por alguns anos quando ela era bem pequena. Foi selecionado pelo Philadephia Eagles e teve alguns anos promissores no time antes de sua carreira desandar por conta de algumas lesões sérias que fizeram seu rendimento cair colocando-o como reserva, até finalmente decidir se aposentar.

            Ele sempre fora o herói de Sophie e os dois compartilhavam a paixão por futebol desde que ela era pequena. Treinavam juntos e a menina sempre sonhou em seguir os passos do pai como quarterback. Foi treinando Sophie e seu time quando ainda ela estava na Elementary School* que Brian descobriu sua segunda paixão: ser treinador. Teve muito sucesso com o time e com a filha, quem ele dizia ser ainda melhor do que ele era em sua idade. O problema é que conforme ela foi crescendo, apesar de seu talento inato, o fato de ser mulher atrapalhou seus planos de ter o futebol como total prioridade. Por ser um esporte totalmente dominado por homens no nível profissional, ela sabia que jamais poderia ser um quarterback universitário e muito menos na NFL. Acabou sendo incentivada a entrar no atletismo e se descobriu uma excelente corredora. Como nunca fora uma boa aluna, essa seria sua chance de entrar na Universidade e passou a ser sua prioridade desde os onze anos.

            Apesar disso seu amor por futebol nunca ficou completamente de lado e ela sempre treinava com o pai nos fins de semana e o acompanhava sempre que podia em seus treinos, quando passou a ser treinador de um time de High School de Philadelphia. Além disso ela adorava passar horas com o pai, vendo filmagens, criando jogadas e analisando times adversários. Brian dizia que Sophie tinha talento nato nos esportes sejam eles quais fossem. Era ótima jogadora de futebol, uma das corredoras mais promissoras do estado e acima de tudo, tinha um excelente potencial como treinadora, tanto que criou um grupo de flag independente em Philadelphia que ganhou muitas competições. Era o grande orgulho de seu pai, mas com a mãe a história era bem diferente.

            Sophie descobriu que era lésbica quando tinha doze anos de idade e seus amigos começaram a se interessar em namorar. Ela fazia muito sucesso com os rapazes visto que além de divertida, adorava esportes e era fácil de conversar. Porém enquanto os meninos tentavam sair com ela, tudo que ela queria era a atenção da companheira da equipe do atletismo.

            Quando se assumiu para seus pais, pouco depois, que alguns problemas começaram. Com seu pai foi muito fácil, Sophie podia jurar que ele ficara aliviado e até feliz com a notícia, porém sua mãe se dividia entre ficar em negação e culpar Brian pela situação, como se a aproximação de Sophie com o futebol fosse o motivo pelo qual ela era gay.

            Helen, sua mãe, acabou convencendo o marido de matricular a filha em uma escola particular pensando que aquele ambiente mais conservador pudesse ajudá-la a virar hétero, porém isso não adiantou em absolutamente nada. Sophie divertia-se chocando os conservadores com seu jeito irônico e ousado. Aprendeu com o pai a arte do trash talk e sabia muito bem como levar os outros ao limite. Sempre odiou bullying com todas as suas forças e nunca se deixava abalar com os valentões, divertia-se deixando-os irritados e sem graça. Seu comportamento acabou gerando inúmeras advertências e detenções e sua fama de rebelde e lésbica só piorou a sua relação com a mãe.

            O assunto acabou gerando o divórcio de seus pais e Brian mudou-se de cidade quando Sophie estava no segundo ano de High School aceitando o emprego de treinador em Greatdale. Aquele havia sido um dos piores anos da vida de Sophie, que brigava constantemente com a mãe e sentia muitas saudades de ajudar o pai nos treinos de futebol que tanto amava.

            No seu primeiro dia de aula de seu ano como junior, Sophie acabou sendo expulsa da escola depois de ter sido flagrada fazendo sex* no banheiro com uma outra menina. A escola particular provavelmente teria evitado a expulsão visto que Sophie era uma corredora muito promissora que elevava o programa atlético da instituição, se não fosse pelo fato dela ter quase reprovado o ano anterior e já ter sido advertida por inúmeros pequenos delitos. Aquilo havia sido a gota d'água para a escola e para Helen que se sentiu humilhada pela filha. Era obrigada a conviver com a sexualidade de Sophie, mas ela precisava jogar isso na cara de todos? Bastava que ficasse calada para que não a envergonhasse. Afinal, havia se esforçado muito para que a filha não perdesse sua feminilidade de forma a não expor sua sexualidade vergonhosa.

            Sophie não aguentou mais e decidiu que moraria com o pai, mesmo que tivesse que ser naquela mísera cidade que ela sequer visitara antes.

Fim do capítulo