Capitulo 5
Capitulo 5 - E se...
Elena abriu os olhos por breves instantes e voltou a fechá-los gem*ndo de preguiça. Já era a terceira vez que abria os olhos, mas sem a menor condição de sair da cama. Rolou de uma ponta à outra e enrolou-se ainda mais no édredon laranja que tanto gostava. Sem saber muito bem porquê, começou a sorrir e de repente ria e se enroscava ainda mais na coberta. Sentia algo que se assemelhava a uma paz sem sentido. Sorriu mais uma vez e ainda movida a muita preguiça, coisa rara, estendeu o braço e pegou o telefone.
--O quê?! Já são 10 horas?!
Pulou da cama sem acreditar no adiantado das horas. Nunca acordava tão tarde. Jamais perdia o horário. Jamais!
--Eu não ouvi o alarme? Mas eu sempre acordo antes do bendito tocar...
Mykonos apareceu na porta completamente alheio ao desespero da dona.
--Myk, porque não me acordaste? Viste as horas gato? Meu Deus, claro que ele não viu hora alguma. Eu estou maluca.
O gato miou e ficou andando ao lado dela, que rodava pelo quarto tentando entender aquela novidade.
--Eu entro às 9. Tudo bem que tenho flexibilidade de horários e que muitas vezes saio de lá já é noite. Mas, ainda bem que a chefe arrogante não está por aqui.
Pegou o gato e encheu-o de beijos. De repente veio-lhe à mente um sorriso perfeito e desatou a rir.
--Joy...- Mais um sorriso e apertou o gato nos braços a ponto de quase sufocá-lo.
Myk pulou dos seus braços e correu para a porta do banheiro.
--Desculpa Myk. Sei que não gostas de muitos apertos e nem eu.
Riu às gargalhadas da cara do gato que parecia julgá-la severamente.
--Tem alguma coisa errada comigo Myk...muito errada. Mykonos, eu não sei se estou tendo alucinações ou os melhores momentos dessa minha existência adulta sem graça.
Mykonos levantou a orelha esquerda, sinal de que não entendia nada.
--Não me julgues gato! Diga-me o que devo fazer. Acreditar que fui abençoada? Enterrar-me de uma vez por todas num hospício por estar a sofrer de alucinações?
A orelha esquerda permaneceu levantada.
--Ah, deixemos de conjecturas. Preciso trabalhar Mykonos.
Elena parou diante do espelho e olhou seu reflexo com atenção. Passou um dedo nos lábios e sorriu.
--É...ela é bem bonita. - Lembrou de um certo comentário ao vermelho natural dos seus lábios.
Correu para o banheiro às gargalhadas.
*****
Elena olhou as horas e não se espantou por já ser tarde. Precisava comer alguma coisa, mas estava com preguiça de sair. Muitas vezes pulava o almoço, exatamente por sentir preguiça e por não gostar de pedir comida no escritório. Milanka dizia que era mania, talvez fosse, mas não gostava e não estava disposta a mudar.
--Preciso me alimentar melhor...
Sorriu e rodou a caneta entre os dedos. Não era uma adepta de comida de plástico e nem comia tão mal assim, mas podia melhorar. Precisava de alguma rotina na alimentação.
Sorriu mais uma vez pensando que tinha rotina em quase tudo, mas na alimentação nem por isso.
Rotina...
A cabeça doeu levemente. Fome, talvez. Ou quem sabe excesso de projeções. Não sabia ao certo o que pensar.
Milanka sempre dizia que jamais conhecera alguém mais desapegada do que ela. Desapegada de tudo e as relações humanas não eram uma exceção. Sim, a amiga tinha razão, ela não tinha apego a nada, mas agora, sentia falta de uma conversa que fizesse sentido.
--Mas como, se nem eu faço sentido?
Suspirou profundamente.
A alegria da manhã dera lugar a uma inquietação que beirava ansiedade. Sentimentos que ela não conhecia, ou pelo menos, não com muita frequência.
Dava graças aos céus que a chefe não estava, quando Claire entrou na sala que dividia com Mathieu.
--Oi meu bem. Preciso de companhia para almoçar...bom, já é quase hora do lanche, mas estou faminta.
Elena sorriu. Claire caíra do céu.
--Ainda não comi...
--Eu sei. Paredes de vidro...
Risos.
Claire aproximou-se do seu ambiente de trabalho.
--Joy?
Elena quase pulou da cadeira. Ainda bem que tinha presença de espirito.
Seguiu o olhar de Claire e viu o nome Joy escrito muitas vezes numa folha em branco. Sim, estava doida. Ficou vermelha a ponto de a cara arder, mas disfarçou fingindo que mordera o canto da boca.
--Ai...
--Eu sempre faço isso, só não fico vermelha.
Risos.
--É minha forma de lidar com a dor.
--Já sei. Joy é personagem de algum trabalho.
Claire riu alto e Elena perdeu o foco. Viajou para o parque Astoria e pior, teve vontade de sair correndo para lá.
--Exatamente! Personagem da obra de Catherine Thurman... - Mentira deslavada, mas era a sua única saída.
--Intrigante...
--Muito! Meu Deus, que personagem intrigante! Deixa-me aflita...
--Isso é bom. Nosso trabalho flui melhor...
--Aham...
--Tenho essa mesma mania. Às vezes os personagens parecem morar na minha cabeça. E quando eu começo a imaginar algo bem diferente do que o autor escreveu?
Risos.
--Faço isso, mas logo recupero o foco.
Risos.
--Nosso trabalho é muito interessante. Ainda mais quando não temos aquela mulher nos ouvidos.
Gargalhadas.
--Vamos comer. A fome gritou agora. - Disse Elena pegando a bolsa e abraçando a colega em direção à saída.
*****
Ao final da tarde, no seu trajeto de Metro para casa, Elena ouvia música enquanto o meio de transporte seguia a sua rotina. As estações eram as mesmas, até alguns passageiros ela já conhecia, pois seguiam sempre no mesmo horário. Tudo igual, exceto pela sensação de nostalgia. Não era bem nostalgia, mas uma vontade de algo que não sabia ao certo se era real ou não, e que, sendo real, não poderia de forma alguma despertar aquele vendaval de sentimentos sem sentido.
No celular, ouvia agora Beautiful people de Ed Sheeran. Sorriu. A música refletia a sua própria existência, fora de lugar, sem se adequar a quase nada.
--Afinal o que queres da vida, Elena? Não estava tudo certo? O que mudou?
Olhou para os lados depois de um longo suspiro. Ninguém por perto, ou ainda a chamariam de doida. Mas será que alguém se importaria?
--É, teu caso é sério, Grega.
Sorriu e seguiu viagem perdida em pensamentos desconexos.
*****
Depois de uma corrida de meia hora, Elena tomou banho e vestiu o pijama. Tinha esquecido completamente que Milanka exigira que a esperasse acordada.
"Não reclames, lembra que és a senhora que não dorme quase nada, logo, não precisas de muitas horas e tenho coisas para te contar."
Sorriu ao reler a mensagem da amiga.
Olhou para o relógio e ainda faltava algum tempo até a doida voltar para casa. Andou de um lado para o outro, verificou se estava tudo bem com seus animais de estimação, e por fim olhou para o computador.
Há dias que não saía do lugar. Nada. Um completo vazio. O mesmo ponto de interrogação a gritar na sua cara.
Sentou sem a mínima convicção. Talvez organizasse arquivos, limpasse o computador. Mais do que aquilo com certeza não conseguiria. Suspirou de frustração e Mykonos apareceu abanando o rabo.
--Vieste verificar se ainda estou viva? Oh gato independente...
Riu quando Myk pulou para a sua mesa de trabalho. Ele sentou e ficou olhando para ela.
--O que foi gato? Agora é fiscal de incapacidade da dona?
Myk bateu uma pata no teclado e Elena riu com vontade.
--Ok, já entendi. Vamos tentar, mas depois não quero ver gato com cara de frustração. A minha própria irritação já me é suficiente.
*****
Elena não conseguia acreditar que tinha escrito aquilo tudo e em tão pouco tempo. Mas, nem era a quantidade de palavras que causava maior admiração. Tinha escrito algo bom, muito bom. Releu algumas vezes para tentar entender de onde viera tamanha inspiração. Em minutos, conseguiu rir, chorar e pensar com as palavras escritas.
Num rompante, desligou o computador e saiu da área de trabalho. Chamou por Mykonos, mas nem sinal dele.
Aproximou-se da janela e abraçou-se. Tremia de emoção, nervoso. Muitos sentimentos misturados.
--Mas o que está a acontecer comigo?
O coração batia alucinadamente.
A campainha tocou e ela sobressaltou-se. Ouviu o assobio que era característico de Milanka e correu para a porta.
Abriu a porta com um sorriso esplendoroso no rosto.
--Grega!
Abraçou a amiga com muita vontade.
--Hmmm?
--O que foi?
--Aconteceu alguma coisa?
Elas riram dentro do abraço.
--Não posso abraçar a minha chata favorita?
--Deves! Só não entendi essa efusividade. Aconteceu alguma coisa?
Silêncio e o abraço cada vez mais apertado.
--Bom, o que quer que tenha sido, eu só posso agradecer. Que grega gostosa de se abraçar.
Gargalhadas altas.
--Vamos?
--Vinho e chocolate?
--Sim senhora e do melhor que há.
Risos.
--Myk! - Elena chamou o gato.
--Mykonos também vai?
--Posso?
--Claro que sim.
--Já sei que vou ficar bêbada e durmo no teu sofá.
Risos altos.
--Na minha cama que é king size e agarrada às minhas costas. Mas, sem gato que fique claro.
Gargalhadas altas.
*****
A conversa das amigas seguia regada a bom vinho, chocolate e risadas. Milanka pulava entre assuntos, mas Elena já a conhecia e entendia muito bem aquela forma frenética de falar.
--Namorado? Como assim?
--Troia, esse homem apresentou-me aos amigos como namorada.
--Mas, já teve tempo para isso tudo?
--Bom, digamos que omiti algumas coisas...
Risos.
--Imagino que já saíam juntos há mais tempo...
--Eu não consigo esconder nada dessa grega.
Risos.
--Sim! Mas eu não quis comentar logo, porque sempre pareceu-me tão diferente e tive receio de estar a viajar...
--Diferente, como?
--Ele não carregou-me para a cama no primeiro encontro.
--O que normalmente diminuiria teu interesse...
--Elena, tu me conheces...não aconteceu e eu fiquei ansiosa pelo segundo encontro e mais uma vez não teve sex*, pelo menos nada explícito...conversamos, ele tem interesse por mim, pelo meu trabalho. Ele conta-me dos sonhos...
--Hmmm...
--É diferente e estou encantada. Mas não te preocupes, meus pés estão firmes no chão.
--Eu sei que sim. És a doida mais sensata que eu conheço.
Risos.
-- Troia, tu sabes muito bem as figuras com as quais tenho desfilado nos últimos tempos.
-- Sim! Sem contar aquela figura que permanece, não interessa se como principal ou...
--Essa, eu acredito que já tenha ficado para trás. Ela provocou bastante agora em Chicago e eu sequer prestei atenção. A diaba é bonita e sabe me envolver, a mim e a mais cem, mas o Ethan...
--Milanka, será que vi um brilho diferente nesses olhos?
--Deves ter visto uma constelação inteira. Eu gosto dele...
Risos.
--E eu já gosto dele por ter despertado isso tudo em ti.
--Eu já disse que sou maluca por ti, Grega?
Gargalhadas altas.
A conversa seguia cada vez mais animada.
--Troia, eu vou conseguir arrancar-te dessa clausura.
--Ah não sejas exagerada. Clausura?
--Elena, tu só vives no eixo Astoria - Manhattan.
--E que eixo!
Risos.
--Sim, o eixo é muito bom se bem aproveitado. Mas, tu sais de casa e paras no escritório e do escritório voltas para casa.
--Não seja exagerada. Saí com a Claire...
--Ah não, pelo amor de Deus.
Risos.
--Vou levar-te comigo um dia desses...
--Para onde?
--Conhecer os amigos do Ethan. Só gente interessante. Não precisas dormir com ninguém, mas pelo menos conheces gente nova. Quem sabe...
--A sério que queres ser promotora de namoros improváveis?
--Tu ainda nem sabes de quem estou a falar.
Risos.
--Não quero namorar ninguém...
--Amigas de Ethan? Sei que não tens problema algum com isso.
--Nenhum. Mas não estou interessada.
--Existem mulheres maravilhosas...
--Sim, como essa psicopata. Que uma hora te quer muito e na outra te ignora e desfila com outra na tua cara. Obrigada.
--Quem tem dedo podre sou eu. Tu, com essa meticulosidade que te assiste, mulher alguma te enganaria...
Gargalhadas.
--Sem mulher. Sem homem. E estou muito bem.
--Sabes o que pareces?
--O quê?
--Um ET.
Risos.
--Já me tinhas dito a mesma coisa...
Risos.
--Ou então uma dessas virgens misteriosas dos livros ingleses de séculos passados.
Risos.
--Ah, ou então, uma mulher à espera da sua alma gémea.
Elena riu até quase se afogar. Escusado será dizer que ficou vermelha como um tomate.
--Alma gémea? Conseguiste superar qualquer loucura.
Gargalhadas.
--Olha para ti.
--Hmmm?
--Linda, gostosa, inteligente, sensual, boa companhia...
--Tudo isso?
--Sabes quantos homens não matariam por uma noite na tua cama?
Gargalhadas.
--Troia, gostas de sex*?
--Adoro!
--Hmmm, resposta pronta, sem pestanejar. Gosto.
Risos.
--Essa cara de safada devoradora não me deixa margem para dúvidas. E o que fazes com o tesão?
Elena sorriu sentindo a cara arder.
--Se eu abrir o teu armário vou encontrar um arsenal de brinquedos? É isso?
A cara de maluca de Milanka quase levou Elena a perder o ar de tanto rir.
--Já sei! Quando passas fins de semana inteiros enfiada em casa, sem que eu coloque meus olhos nessa tua figura, estás na realidade submetendo algum homem a sessões de tortura sexual. Sexo tântrico?
Elena ainda morreria de tanto rir.
--Tens muita imaginação. E uma mente fértil para o erotismo...
--Eu sei disso. Sou capaz de escrever algo que deixaria os fãs de E. L. James mortos de vergonha.
Gargalhadas altas.
A conversa entre as amigas seguiu sempre regada a muita risada. Vez ou outra, Milanka parecia prestar mais atenção na amiga, sem que ela percebesse.
--Milanka, tu és completamente doida.
--Eu sei disso.
Risos.
--Troia...
--Hmmm...
--Eu sei que a observadora da dupla és tu...
--Pelo menos é o que sempre dizes.
Risos.
--Eu sou a doida, intempestiva...
--Hum-hum, e?
Risos altos.
--Ainda bem que nossos vizinhos se perderam no mundo.
Risos.
--A Sandra voltou, mas ela e a filha dormem cedo.
--Ainda bem, ou a policia estaria à minha porta.
--Paredes sólidas...
--Muito.
Risos.
--Mas o que estavas a dizer?
--Troia...
--Ai, conheço essa cara.
Risos.
-- Aconteceu alguma coisa?
--O quê?
--Não sei. Estás diferente, Elena.
--Quando ela me chama pelo nome...
Risos.
--Não sei explicar...
--Tente...
--Apenas um parêntese antes de dissertar.
Risos altos.
--Vá lá.
--Tu és muito sexy, mulher. Porr*! Quando exibes esse olhar profundo...quem é que te resiste?
Risos.
--Ok, sai do delírio. Continua o raciocínio.
Risos.
--Tem alguma coisa diferente em ti...
--O quê?
--Troia, nossas conversas são quase sempre monólogos desenfreados. Eu falando pelos cotovelos e tu arrematas ao final. Normalmente emitindo alguma opinião e sem jamais me julgar.
--E?
--Hoje foi completamente diferente. Foste espontânea, deste risadas. Houve uma interação perfeita. A tua postura corporal está mais aberta.
--Meu deus, dois dias em Chicago e voltas escritora, psicóloga, sensitiva...quero conhecer esse Ethan.
Risos felizes na madrugada.
--Vais conhecer o Ethan. Já falei de ti e há gostos em comum. Vamos nos divertir juntos.
--Sim senhora, mas agora vamos dormir porque já passa da uma, e daqui a pouco tempos uma editora à nossa espera.
--Vamos dormir coladinhas?
--Ah vá à merd*, Milla!
Risos altos.
Madrugada...
Sem conseguir dormir e para não acordar Milanka que dormia profundamente, Elena saiu da cama e foi sentar-se à janela.
O coração palpitava e uma vontade súbita de sair quase conseguiu dominá-la. Queria contar à amiga sobre a estranha do parque. A estranha chamava-se Joy. Sorriu. Aquele nome aquecia-lhe o coração. Contar o quê? Milanka concluiria que estava doida. Mais doida do que nunca.
Uma estranha que a deixava livre. Uma estranha que entrava em lugares trancados a sete chaves e sem fazer esforço algum. Uma estranha que...
Suspirou e desceu do parapeito para ligar uma música em volume baixo. Precisava de algum som que não fosse o coração acelerado e a mente a galope.
Oh Wonder cantava Lonely star e ela deixou-se embalar. Lágrimas quentes desceram pela face. É, não estava bem. Não costumava chorar. Tinha imensa dificuldade em deixar as emoções aflorarem...
Observou a rua silenciosa. Por onde andaria a estranha? O que estaria a fazer? Ela existia?
Pareceu-lhe ouvir um cão a ladrar. Peça da mente, claro.
O mais estranho daquela situação, é que tinha a sensação de ter aberto um portal, e de não ter medo algum de explorar o novo mundo.
Precisava ver aquela inglesa mais uma vez. Sim, não sabia como e nem se ela realmente existia, mas precisava vê-la.
--Parque Astoria! Amanhã vou correr no parque e com a ajuda dos meus deuses gregos, ela há de aparecer.
Sorriu e permaneceu ali devaneando.
*****
Milanka acordou em sobressalto e pulou da cama ao perceber que Elena não estava ali. Olhou mais uma vez e nada dela. Esfregou os olhos e tentou organizar as ideias.
--Esqueci de trancar a porta. Porr*.
Saiu porta afora correndo para a sala.
Viu a amiga sentada no parapeito da janela abraçada às pernas. Encostou-se à parede e levou as mãos ao coração.
--Ei, Troia. Tudo bem?
Perguntou já perto de Elena.
Elena não respondeu. Abraçou a amiga e chorou sem pudores.
Inédito. Inusitado. E ao mesmo tempo, tão real.
Algum tempo depois...
--Ciclos femininos. - Disse Elena ainda nos braços de Milanka.
Elas riram e Milanka conduziu-a de volta ao quarto.
Esperou pacientemente até que Elena estivesse a dormir profundamente, e levantou para trancar a porta de entrada. Já estava no quarto quando, por precaução, voltou, tirou a chave da fechadura e guardou.
*****
O dia na EWO corria como tantos outros, frenético, intenso, exigente. Eram os melhores, pelo menos para Elena, que mergulhava no mundo das palavras e esquecia sua vida nem sempre com sentido.
Levantou os olhos do computador e pensou na palavra sentido associada à sua vida. Nada fazia sentido. Queria o mundo, sim, de certa forma era isso que queria, mas tinha pavor de sair da sua zona de conforto. Não existia a menor possibilidade de ganhar o mundo sem sair da zona de conforto.
O engraçado da questão é que, jamais se preocupara com profundos mergulhos para dentro da alma. E de repente, parecia vital.
Mordeu a caneta e involuntariamente pensou na inglesa. Era bom conversar com ela. Mais do que isso, era libertador. Tinha em Milanka uma excelente amiga, mas não se desnudava. A amiga já aceitava aquela sua resistência como charme e nem questionava. Não era charme. Proteção, talvez. Mas proteger-se de uma amiga? Não fazia o menor sentido. Ela não fazia o menor sentido.
Pensou na mãe. Mais uma grande amiga que tinha. Melina a conhecia como ninguém, bastava parar o olhar nos olhos dela, que conseguia entender qualquer inquietação, alegria, medo...
Medo. Morria de medo de algumas coisas e no momento, morria de medo de estar a perder a sanidade.
Pensou na terapeuta, que insistia que não tinha nada grave com a sua mente. Ela repetia vezes sem conta, que tudo que precisava, era libertar-se de grades que ela mesma erguera à sua volta.
A inglesa não encontrou grade alguma...
A inglesa existia ou era fruto da sua mente prodigiosa?
--Eu não posso ter inventado isso tudo. Tem o cachorro...o sorriso...o cheiro dela...a risada...
Suspirou profundamente e apertou a caneta entre os dentes.
--Porr*! Controle-se Elena. Tu sempre tiveste o controlo de tudo.
Trabalhou mais meia hora e depois saiu para resolver uma questão no departamento de arte.
Em 15 minutos estava de regresso à sua sala e tudo voltaria ao normal, se não fosse um arranjo de dois girassóis sobre a sua mesa de trabalho.
Olhou de um lado para o outro à espera que alguém viesse remediar o erro. Claro que aquelas flores não eram para ela. Não era seu aniversário e muito menos uma data especial. Não, ninguém lhe mandava flores. E mais, ninguém sabia que adorava girassóis.
Nesse momento de devaneio e encostada à porta como uma estátua, Milanka passou ás pressas em direção ao departamento de Marketing.
Apenas piscou-lhe o olho e seguiu apressada. Elena não percebeu se ela notou ou não o arranjo de flores. Claro que não, ou teria feito mil perguntas.
--Agora tenho medo de um inocente arranjo de girassóis. - Bateu a cabeça em sinal de reprovação e entrou na sua sala.
Os girassóis eram lindos, mas não estavam sozinhos. Eram acompanhados de um grande envelope pardo.
Elena sentiu as mãos tremerem e a boca ficar imediatamente seca. Molhou os lábios e escondeu as mãos nos bolsos. O coração batia sem freio algum...
Segurou o envelope como se tivesse uma bomba. As mãos tremiam a tal ponto, que voltou a colocar o papel sobre a mesa.
Respirou fundo e abriu. Devagar, quase obedecendo a um ritual.
O coração podia perfeitamente sair andando pelos corredores.
Sorriu. Ficou séria. Pousou o conteúdo do envelope sobre a mesa e olhou para os lados.
Sorriu mais uma vez e sentiu calor no coração sem freio.
Uma foto sua. Não uma foto qualquer, mas uma obra de arte. Sim, aquilo era a mais pura expressão de arte. As lentes captaram absolutamente tudo o que sentira naquele instante...
A boca tremia. A cabeça dava voltas e o coração, esse continuava sem freio.
Instintivamente, virou a foto.
"A lente da minha máquina está apaixonada por ti."
Apenas essa frase escrita num post it.
Mas o vendaval no corpo de Elena....
*****
Perto da hora de ir embora e sem que tivesse adiantado uma vírgula do trabalho, Elena foi atrás de Milanka na sala dela.
Não sabia o que dizer à amiga, talvez que suas alucinações tinham atingido um nível patológico, mas queria desfrutar da alma leve da amiga.
Na porta da sala da amiga:
--Amor da minha vida...
--Oi?! Amor da tua vida?! A bipolaridade está gritante.
Gargalhadas altas.
--Juízo, criatura.
--Ah, esteja tranquila. Estou sozinha aqui.
--Jantamos lá em casa? Posso pedir lula frita ao molho de alecrim á moda grega que a senhora adora.
--Hmmmm, adoraria minha bipolar linda. Adoro a tua companhia e comida grega é uma loucura...
--Mas...
Risos.
--Ethan.
Gargalhadas.
--Não tenho nenhuma pretensão de concorrer com este homem.
Gargalhadas.
--Vou para casa tomar um banho e vestir algo mais apresentável. Vamos jantar e depois ir para não sei onde. Gosto desse homem.
--Já percebi.
Risos.
--Poderia pedir que me esperasses acordada, mas não sei a que horas volto e nem se volto.
Gargalhadas altas.
--Quero conhecer o Ethan.
--Brevemente, meu bem. E tu?
--Eu?
--Sim! Quando é que vais contar a essa amiga dileta o que se passa.
Risos e Elena vermelha.
--Nada de especial...
-- Ok, então depois me explicas esse brilho intenso no olhar acompanhado de uma expectativa nada velada.
--Milanka, desde quando és perspicaz?
Risos.
--Sempre fui, mas disfarço bem. A mudança em ti é tão evidente que até um cego notaria.
Risos.
--Vou para casa agora. Vens comigo?
--Quem me dera. Preciso do meu sofá e de silêncio. Mas, hoje é lançamento da nova obra de Milan Kirhos e a chefe deixou orientações explícitas que eu e mais alguns editores representássemos a EWO.
--Coragem, grega. Coragem!
Risos.
--Nem vou me dar ao trabalho de desejar-te uma boa noite.
Risos.
Elena já saía da sala de Milanka quando a amiga disse algo que a deixou trémula.
--Ah, quando a senhorita quiser, conte sobre o girassol que está na tua mesa.
Afinal ela vira. Claro!
Elena gaguejou e não conseguiu dizer uma frase com sentido. Claro que estava vermelha.
-- Eu já disse mil vezes, que acho essa tua timidez a coisa mais sexy do mundo. Mas essa mania de corar dá vontade de te encher de beijos.
Risos altos e Elena mais vermelha do que nunca.
--Estamos a viver não é grega? Fico feliz meu bem, nem imaginas o quanto. No teu tempo e se achares que deves, mate a curiosidade da Milla. Por favor.
Milanka beijou a testa da amiga e foi embora.
Elena caminhou pelos corredores e parou em frente à sua sala, cuja porta estava aberta.
Pousou os olhos nos girassóis e sorriu.
--Joy, tomara que existas fora dos meus delírios, tomara que sejas real. Mas nenhuma ilusão me enviaria flores e a Milanka viu.
Entrou na sala e pegou a foto nas mãos.
--Não estou doida!
Sorria enquanto admirava a foto com mais atenção.
--A lente dela está mesmo apaixonada por mim. Estou linda e feliz...
Longo suspiro.
--Quem me dera poder sair daqui e encontrar-te por aí...quem dera.
Fim do capítulo
E seguimos rsrsrs
Se fosse short (so na minha cabeça) terminaria no quinto capitulo, mas essas mulheres dão-me asas para voar e adoro voo livre...
Muito obrigada a todas que comentam. O feedback é muito importante para quem escreve. Obrigada minhas leitoras/comentaristas fieis, de coração.
Boa leitura e até o proximo encontro.
N Helgenberger
Comentar este capítulo:
Sione
Em: 07/01/2024
Essa aura de mistério entre essas duas, me enche de curiosidade e pensamentos desenfreados rsrsrs.
Essa grega deve ser a coisa mais linda quando fica vermelha rsrsrsrs.
Esperando muitos encontros na madrugada.
Sione
Em: 18/01/2024
De verdade rsrsrsrs.
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Veka
Em: 10/05/2020
Olaaarrr!!! Como estas, Naná?
Já era para ter comentado esse cap aq!!! Me passei, mas uma vozinha hoje aqui no meu ouvido e a sua nova postagem lembraram desse deslize!
Se eu não tivesse alergia a gatos, acho que adotava um, para ver se ele teria uma personalidade igual ao do Myk! Adorooo!!! Se bem, que podem me fazer mudar de ideia sobre gatos...
Bom, vamos la! Tô aqui firme e forte de que Joy existe! E que a nossa Elena poderá um dia curtir esse momentos sem pensar que é ilusão sua ou delírios!
Elena teve um daqueles momentos em que o cérebro conecta com a mão antes de vc processar o que tá fazendo... Joy......
Kd um com sua inspiração, não é Eleninha?.... E suas complexidades internas...
Ahh não vem n, Naná? Girassóis e a foto!!! Se a Elena estiver surtando, tamo surtando junto com ela.
Vou ali para o cap 6.
Inté!
Beijinhos...
Veka!
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Brescia
Em: 03/05/2020
Boa noite mocinha.
Gosto desse jeito maluquinho da Elena, das conversas internas com o seu eu que ainda não se encontrou , mas talvez ele precise de um outro eu chamado Joy para finalmente se completar.
Baci piccola.
Resposta do autor:
Muito obrigada.
Bjs
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NovaAqui
Em: 01/05/2020
Sonho não é
Girassol! A foto da lente apaixonada. Tudo materializado
Agora é ver como será essa noite/madrugada
Capítulo delicioso de ler
Que esteja tudo caminhando bem com você, mesmo com essas dores no punho, nessa sua Terra linda e abençoada
LVY â¤ï¸ðŸŒ»ðŸ¥°ðŸ˜˜
Abraços fraternos procês aí
Resposta do autor:
Querida, dores cada vez mais intensas. Nao gosto muito de arrepender das coisas que faço, mas nao sei onde estava com a cabeça quando inventei de escrever mais uma história. Juro por Deus que quis terminá-la no sexto capitulo, seguindo a ideia incial de short, maaaaaaas e as possibilidades que elas me dão? Devo passar uma vida a escrever essa história kkkkkk mas elas terão o que merecem. Quem tiver paciencia para acompahar, beleza. Quem nao tiver, paciencia rsrsrsrs. Sou teimosa, afffff
De resto, tudo na paz e espero que ctg e tua familia tb.
Muito obrigada. Bj
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cris05
Em: 30/04/2020
"A lente da minha máquina está apaixonada por ti."
Que lindo!
Não tiro a razão da Elena, essa inglesa é de fazer qualquer um surtar mesmo.
Torcendo aqui para que o próximo encontro aconteça logo, caso contrário essa pobre leitora que será capaz de surtar...rsrs.
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brunafinzicontini
Em: 30/04/2020
"A lente da minha máquina está apaixonada por ti."
Não bastasse isso, ainda os girassóis!
Muito emocionante! Joy é um sonho maravilhoso se realizando nos dias monótonos de Elena!
Meu Deus! Que mulher é essa? Seria possível existir alguém assim? Está causando a maior revolução na vida de Elena! A pobre grega chega a duvidar de sua sanidade mental! Mas quem não ficaria maluco, completamente envolvido e apaixonado por uma criatura misteriosa assim e tão cheia de encanto? É muita alegria para um coração solitário. Quando será o próximo encontro?
Beijos,
Bruna
PS: Continuo rezando para que tu te recuperes logo dessa dolorosa tendinite. Espero que teu paraíso esteja saindo da pior fase da pandemia. Quanto a nós, brasileiros, estamos ainda subindo a curva da morte, sem previsão do final. Um pesadelo real! Tua história é um bálsamo em meio a este cenário de pavor. Obrigada, querida!
Resposta do autor:
kkkkkkkkkkk se existir uma Joy quero para mim kkkkkk. Se bem que nao sabemos nada dela...ainda.
Bruna, tendinite ao rubro. Essa semana quis desistir de muita coisa porque nao sei muito bem lidar com dor fisica. Mas, ainda bem que existe meditaçao, fé em Deus e em dias melhores. Passei 4 dias a escrever a ultima cena do cap 6 pq simplesmente nao conseguia abrir o computador tamanha era a dor...enfim, sigamos no ritmo da tendinite.
Corona está dando as cartas por aqui. Na minha ilha nao, graças a Deus, mas na capital que é onde moro a coisa está feia. Mas, gr aças a Deus estou em casa :)
Espero que estejas bem ao lado da tua familia.
Muito obrigada. Bjs
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Nadine Helgenberger Em: 18/01/2024 Autora da história
Rsrsrsrs, a Grega é linda de qualquer jeito.
Bjs