Capitulo 5
Já se passava das 14:00 e eu estava procurando algo para comer em minhas gavetas do armário. A casa estava uma bagunça. Eu poderia ligar pra Carla e dizer pra cancelar tudo, porque eu não tive coragem de ligar pra Elis. Seria muito mais fácil do que encarar a realidade.
Sério mesmo que você vai fazer isso, Leah?
Você nunca foi de ter medo de mulher.
Vendo meu ego machucado, me joguei no sofá da sala e peguei o celular nas mãos. Salem no mesmo instante já pulou em meu colo, aninhando-se em mim. Meu coração batia rápido. Eu estava muito nervosa. Eu devia acabar logo com isso. E então liguei. Tocou. Tocou. Tocou. Tocou. Eu não devia estar ligando. Tocou. Pensei em desligar. Ela não ia atender. Ela devia estar fazendo algo de útil. Tocou.
- Alô. – Ela atendeu, talvez gritando um pouco. Eu ouvi uma música alta que tocava em volta dela. Aquilo era o que? Não conseguia identificar, mas ela parecia estar na rua. Droga.
- Elis?
- Oi Leah! – Ela continuou gritando. Afastei o telefone do ouvido. - Tudo bem?
- Escuta, eu-vou-dar-uma-festa-aqui-em-casa-essa-noite-você-quer-dar-uma-passada-aqui?
Falei tudo de uma vez, acho que a velocidade de minha fala foi um pouco mais rápida do que o normal e percebi que ela ficou em silêncio. Eu não sabia se ela tinha entendido o que eu tinha perguntado porque naquele momento eu nem lembrava o que tinha falado pra ela, estava num estado que nem conseguia descrever.
- Elis? – Chamei-a, nervosa. Corria os dedos sobre o pelo macio de Salem. – Você está aí?
- Estou sim, quer dizer, seria ótimo. – Ela respondeu. Pude ver seu sorriso do outro lado da linha – Que horas?
- Lá pelas sete.
- Legal.
- Te mando o endereço.
- Até mais tarde então.
E ela ficou em silêncio.
Eu também fiquei.
- Um beijo. – Ela disse.
- Outro. – Respondi.
E ela desligou.
Eu abri um sorriso de orelha a orelha e fiquei olhando para o teto. Eu tinha ligado, não acredito. Era melhor começar a arruma a casa então, mas precisava comer alguma coisa antes. Coloquei Salem sentado no sofá e fiz um macarrão instantâneo. Depois dei uma geral no lugar, coloquei a roupa suja no cesto, lavei e guardei toda a louça, passei uma vassoura na sala e afastei os sofás. Escondi algumas coisas no meu quarto que poderiam quebrar.
Ao acabar coloquei as duas mãos na cintura, olhei em volta. Não estava perfeito, mas estava... ok.
Eu avisei o seu Osmar, o porteiro, que iria receber algumas poucas pessoas naquela noite, que ele não precisava ficar interfonando o tempo todo. Ele disse só que não podia fazer barulho depois das 22:00, que senão eu ia criar problemas, e eu disse que estava tudo bem. Ao menos até aquele momento eu achava que sim.
Carla e os meninos chegaram por volta das 19:20, Alice estava com eles. É claro que estaria. Nós já tínhamos nos visto algumas vezes, mas era apenas de relance. Alice era bonita, gordinha, seios fartos, aquele tipo de mulher cheia de curvas, cabelos curtos na altura do ombro, era loira. Chegou de mãos dadas com Carla. Eu tentei não me atentar a essa imagem, mas era impossível não parar de olhar para as duas juntas.
Thiago trouxe uma caixa de som e já se sentindo em casa colocou uma playlist de rock pra tocar, com algumas músicas que mais gostávamos de ouvir. Thiago tinha a cabeça raspada, estava de bermuda e camiseta preta, ele tinha uma perna mecânica. Tinha sofrido um acidente de moto há alguns anos e quase tinha morrido. Eu o tinha conhecido por Carla.
- Ce tá linda, Leah - Carla disse no pé de meu ouvido vindo por trás de mim, Alice estava por perto. – Adoro esse seu vestido preto.
Meu olhar se encontrou com o de Alice sem querer. Que merd*. Eu não conseguia evitar aquilo. Ela me fuzilou. Eu não sabia até onde ela sabia de mim e de Carla. Ignorei-a e me afastei, fui conversar com Pedro. Pedro era um rapaz negro de 1,80, era gordinho e tímido. Também era gay. Eu brincava que devia ser difícil ser tímido, ele sendo tão alto, porque ele chamava muito a atenção, aquele tipo de pessoa que todo mundo olha quando chega no ambiente.
A campainha tocou. Estavam chegando dois amigos do Thiago com suas respectivas namoradas. E atrás deles estava Elis. Ela tinha uma garrafa de whisky nas mãos. Nossos olhares se encontram e sorrimos. Sem que eu dissesse nada, me cumprimentou com um beijo no rosto. Estava perfumada. Usava uma camisa social preta, decotada, justa, uma calça jeans justa, salto.
- Foi difícil de encontrar?
- Não, vim de Uber.
- Legal.
Eu estava nervosa. Ela olhou em volta.
- Bonito seu apartamento.
- É bem simples, precisava de uma decoração melhor.
- Consigo te imaginar aqui, em cada canto, elaborando seus trabalhos ilegais.
Nós rimos, abaixei os olhos.
- E o gato?
- Está trancado em segurança no meu quarto. Depois eu te apresento ele.
- Como ele se chama mesmo?
- Salem.
- É por causa da Sabrina, a feiticeira?
- Mais ou menos, a Carla quem deu o nome, ela me chamava de bruxa quando éramos mais novas, ela dizia que eu tinha sonhos premonitórios.
Nós rimos de novo.
- Vocês se conhecem há bastante tempo então.
- Um pouco.
- Ela quem atendeu o telefone quando te liguei hoje, né?
- Isso.
Ela correu os olhos pelo ambiente novamente, parecia um pouco nervosa, se sentindo talvez um pouco deslocada.
- Quer beber alguma coisa? - Eu perguntei.- O whisky que trouxe, talvez?
- Seria ótimo.
Fomos até o balcão, peguei dois copos, servi duas doses para nós. Entreguei um copo pra ela.
- Lechaim – Ela brindou, em hebraico.
Não lembrava há quanto tempo não ouvia aquela expressão, significava “à vida”.
- Lechaim. – Respondi.
Tocava Sultans Of Swing do Dire Straits quando Carla aproximou-se de nós duas com Alice pendurada em seu pescoço.
- Oi Alice. – A cumprimentei, tentando me forçar a achar normal aquela cena. - Está servida?
- Quero uma cerveja, por favor, Leah. Você quer, linda?
- Quero. - Meu olhar se encontrou com o de Carla, a qual parecia estar se sentindo muito à vontade com tudo aquilo. Eu até conseguia ver um certo... prazer em seus olhos. Entreguei uma latinha na mão de Alice, outra na mão de Carla e quando a entreguei nossas mãos se tocaram.
Limpei a garganta.
- Elis, essas são a Alice e a Carla. – Apresentei-as.
Carla sorriu para Elis. Olhei para minha prima.
- Acho que já nos conhecemos mais cedo. – Elis disse. – No telefone.
- Ah, sim.
Meu olhar se encontrou com o de Alice, depois com o de Carla, depois com o de Elis. Alice deu um beijo no rosto de Carla que sorriu docemente e pensei que aquela festa talvez não tivesse sido uma boa ideia.
- Eu vou ao banheiro, com licença. - Eu disse, me afastando das três de uma forma meio apressada.
E então eu fugi pro banheiro igual um animal acuado. Não queria aquelas pessoas na minha casa. Não queria olhar pra cara de Alice beijando Carla na minha frente. Olhei-me no espelho. Peguei meu batom cor de café e o retoquei. Levei as duas mãos à cabeça. O que eu ia fazer? Molhei meus pulsos, depois molhei minha nuca. Fiquei alguns minutos ali, trancada até ouvir uma batida na porta.
- Já estou saindo. - Eu respondi.
Respirei fundo e abri a porta. Era Elis.
- Você está bem?
- Sim. – Forcei um sorriso. Desviei o olhar. Quando olhei para minha sala, percebi que haviam mais pessoas do que eu imaginava que viriam. Pessoas que eu nem sequer conhecia.
- Eu não sei se foi uma boa ideia eu ter vindo.
- O que? De onde tirou isso?
- Eu não sei, eu acho que já estou indo embora.
- Não, não vá. – Disse apressada - Desculpe, eu só não estava me sentindo muito bem. - Droga. Aquela festa idiota era só pra que eu pudesse vê-la e eu estava estragando tudo. - Vem comigo, acho que preciso tomar um pouco de ar.
Estava tocando Last Nite do The Strokes e todos estavam cantando num coro uníssono. Percebi que Carla estava dançando com Alice em frente à caixa de som. Não havia mais ninguém na sacada. Apoiei minhas mãos nas grades e respirei fundo.
- O que está achando de São Paulo?
- Não mudou muito desde a última vez que vim. Estou gostando de ter voltado pro Brasil.
- Está sentindo falta do Uruguai?
- Até agora não. Sinto falta do Juan.
Juan era o cachorro.
Eu sorri e olhei pra ela, apoiando meu rosto na grade, olhei para sua aliança.
- E do seu noivo?
Ela ficou talvez um pouco surpresa com a pergunta.
- Também. - Ela respondeu, desviando o olhar. - Mas ele trabalha muito, quase nunca está em casa, então estava meio acostumada a ficarmos longe um do outro.
- O que ele faz?
- Ele é médico, estava com muitos plantões ultimamente. Estávamos construindo nossa casa.
- Ah. Entendi.
Onde você está se metendo, Leah? Ela não é pro seu bico.
Ficamos em silêncio durante alguns segundos, até que dissemos ao mesmo tempo:
- Gostou da vista? – Perguntei.
- Aquela sua amiga... – Ela começou a dizer.
Eu olhei pra ela e sorri.
- Sim, a vista é linda. - Ela respondeu.
- Que amiga? – Indaguei.
- Nada. – Ela também apoiou a cabeça no gradil.
- Pode perguntar, que amiga?
- Eu não sei como perguntar isso.
E então eu já sabia aonde ela queria chegar.
- Carla?
- Sim.
- Ela e a outra garota...
- Alice.
Agora eu olhava diretamente para Elis. Ela colocou o cabelo atrás da orelha. Parecia nervosa.
- Elas... estão... juntas?
- Juntas como?
Eu já tinha entendido o que ela queria dizer, mas eu queria ouvir ela dizendo. E ela disse lentamente, como se escolhendo as palavras.
- Você sabe... como um... casal?
- É, acho que estão.
Começou a tocar Audioslave, aquela música Show Me How to Live e eles aumentaram o som mais uma vez. Olhei para a sala e conseguia ver Carla e Alice de onde eu estava.
- Eu pensei que... – Ela continuou.
- O que?
- Desculpe, nem sei porque estou te falando isso.
Ela riu, parecia nervosa.
- Pode falar.
- Quando te liguei hoje cedo e ela atendeu, eu pensei que, sei lá, vocês que estavam juntas...
Eu ri.
- É, não sei bem como explicar, é complicado.
Ela me olhou curiosa.
- Como assim?
- Digamos que estávamos, mas não estávamos.
- Como é isso?
- A gente se pega de vez em quando, mas não temos nada, ela sai com outras pessoas...
- Ahh...- Ela ficou em silêncio, olhou para a vista. Talvez pensando no que eu tinha acabado de dizer. - E você não se importa de vê-la com outra na sua frente, igual agora?
- Então, a verdade é que eu nunca tinha presenciado isso antes.
- Por isso estava no banheiro trancada?
- Não. Quer dizer, não sei.
Elis olhou para a sala, ali de onde estávamos, vendo as duas juntas.
- Ela é bonita.
- Carla?
- Sim.
- É.
Alice puxou Carla pra perto e então começaram a se beijar de uma forma mais quente no meio da minha sala.
Que caralh*.
- Você quer sair daqui? - Ela perguntou, acompanhando meu olhar de peixe morto praquela cena toda.
- Da minha própria festa? – Perguntei.
- É.
- Na verdade quero.
- Vamos.
Senti seus dedos se entrelaçarem aos meus e ela me puxou para fora dali.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Vanderly
Em: 20/05/2020
Olá, tudo bem?
Ei autora posta um novo capítulo!
Demorando!
No aguardo!
Beijos 🌹!
Vanderly
Resposta do autor:
Oi Vanderly!
To meio desanimada, mas vou voltar! To na metade do capítulo, em breve postarei o próximo.
Obrigada pelo carinho!
Beijão!
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