Recomeço Capítulo 46

“Será que você é mulher suficiente para olhar?” Raquel ficou com essa pergunta na cabeça enquanto observava Ricardo que se mantinha encostado na parede.

Naquele momento, Raquel e Álvaro estavam no que seria a sala do apartamento.

— Ricardo, acho que já somos grandinhos para fazermos esse tipo de brincadeira — Álvaro falou tentando impedir a engenheira, mas ela pareceu lhe ignorar completamente.

Raquel não entendeu muito bem, mas tratou aquilo como se fosse um desafio. Olhava para o rosto de Ricardo e parecia que ele queria dizer que ela era fraca. Naquele momento, a última coisa que ela queria demonstrar era fraqueza. Começou a andar a passos lentos até o irmão, e Álvaro, que lhe seguia, começou a fazer sinal negativo com a cabeça. Não conseguia acreditar que uma mulher inteligente como a engenheira podia cair naquele tipo de conversa.

A passos apressado, Raquel deslocava sobre o contra piso do apartamento. A imagem a sua frente era de um outro prédio em construção. Sabia que estavam no quinto andar, mas isso de nenhuma forma lhe intimidava. Será que queria se parecer muito corajosa diante do irmão?

Álvaro que tentava seguir a engenheira, começou a ficar para traz sentindo uma aflição começando a tomar conta de si. Não sabia até onde Ricardo podia chegar com isso, mas temia o pior.

— Eu não tenho medo de altura, Ricardo — Raquel começou a se aproximar de onde o irmão estava. Ele parecia duvidar de que ela teria coragem de chegar tão perto o que poderia ser um abismo.

A engenheira não sabia o que estava acontecendo, mas queria provar algo a Ricardo. Será que isso tinha algo a ver com Sófia?

De repente, os seus passos passaram a ser temerosos. Não soube muito bem o que estava acontecendo, mas antes de ter qualquer resposta, Raquel passou na frente de Ricardo e sentiu algo tocando uma de suas pernas com força.

O seu corpo foi impulsionado para frente e ao olhar para o irmão, reparou que ele estava diferente. Seu olhar demonstrava uma frieza desconhecida por ela.

Sendo jogada para o perigo, Raquel sentiu um suor frio percorrendo suas costas.  Não conseguia mais pensar. O seu coração começou a bater forte em seu peito e fechou os olhos já pressentindo um impacto.

— Raquel — Álvaro gritou enquanto agarrava o corpo de Raquel — Eu disse que não era uma boa ideia — Olhou fixamente para Ricardo que sorria vitorioso.

— Tem que ser cuidadosa, Raquel, aqui, qualquer deslize é um tombo feio — Ricardo disse enquanto via sua irmã sendo amparada pelo arquiteto — Às vezes, nós que nos colocamos em situações de risco.

Raquel, após ser colocada sentada no chão, começou a sentir o seu corpo tremer. Ainda mais porque ao olhar para baixo se deparou com os funcionários da construtora trabalhando no que seria a área de lazer do prédio.

— Eu disse que era uma má ideia — Álvaro repetia várias vezes, pois notava que a engenheira estava totalmente em choque.

— Por que ele fez isso? — Perguntou-se enquanto olhava para uma marca de poeira em sua calça. Parecia que alguém havia lhe chutado.

            Ricardo que de longe observava. Sentiu-se satisfeito com o ocorrido, mas para ele, a sua vingança ainda não tinha acabado. Só iria sossegar quando Sófia voltasse para ele e Raquel sumisse de suas vidas.

            — Isso é só o começo, minha querida irmãzinha — Disse ao começar a descer os degraus das escadas.

            Na hora do almoço, o clima estava muito estranho. Ricardo comia tranquilamente enquanto Álvaro falava sobre assuntos diversos. Já Raquel, ela estava pensativa. Sentia um pouco de dor no lugar que havia sido atingida pelo irmão. Queria questionar o porquê dele ter agido daquela forma com ela, mas a engenheira preferiu ficar em silêncio. Não queria acabar passando por louca, pois pelo que havia observado, para Ricardo, o que havia acontecido com ela, foi apenas um simples incidente.

            — Raquel, está tudo bem contigo? — Álvaro questionou ao notar a engenheira muito pensativa. Havia se convidado para almoçar com os irmãos, já que Ricardo não aparentava estar muito lucido.

            — Sim, tá tudo bem — Raquel respondeu ao encarar Ricardo. Queria entender o porquê e começou a achar que ele já estava sabendo de toda a verdade. Ao pensar nisso, um nó se formou em sua garganta e seu irmão lhe encarou profundamente.

            O olhar de Ricardo para Raquel era muito frio. A engenheira passou a ter certeza que o irmão nunca esquecera o que havia acontecido no passado.

            — Tem que ser mais cuidadosa, Raquel — Ricardo desviou o olhar para a comida.

            O clima começou a ficar muito estranho.

Raquel passou a ver seu irmão de uma forma diferente. Talvez não fosse o bom homem que ela pensava.

-*-

As 15:00 horas, Raquel chegou em sua casa. Estava exausta. O dia não estava sendo dos melhores. A única coisa que lhe deixava bem era saber que iria ver a sua amada no período da noite.

Querendo relaxar um pouco, após pegar seu celular, jogou a sua bolsa em um canto qualquer da sala, e se deitou no sofá.

— É, Nino, melhor você ir se aprontando, pois irá ver sua amada hoje — olhou para o seu filho de quatro patas que lhe olhava todo arteiro.

Como de costume, ele havia a recebido com um abraço e pulos de alegria. Quando Nino fazia isso, Raquel se perguntava se ele achava que ela poderia lhe abandonar.

— Deve estar sendo difícil para você ficar tanto tempo nesse apartamento só. Preciso conversar com Sófia a respeito disso... quem sabe marcar um horário para passearmos os quatro– comentou e viu Nino abanar o rabo todo animado.

Tocar no nome de Sófia, fez Raquel se lembrar de seu amor.

Olhou pra tela de seu celular por alguns instantes e, em seguida, passou a procurar o número de Sófia em sua agenda.

Sabia que a loira estava trabalhando, mas estava morrendo de saudade de ouvir sua voz.

Após efetuar a ligação, o celular de Sófia chamou por poucos segundos.

— Oi, amor – Sófia disse com uma voz doce que fez o coração de Raquel se aquecer rapidamente. Até se esqueceu do dia difícil que estava tendo.

— Saudade de você... saudade de sua voz... saudade de estar com você.

Sófia riu toda boba do outro lado da linha. Esquecendo-se completamente de que, naquela manhã, ela havia sentindo uma sensação diferente lhe invadindo.

— Bom... não precisa ficar dessa forma, vamos nos ver hoje.

— É, vou poder conhecer melhor o seu pai... da última vez que o vi, eu o tratei com grosseria – Disse sem graça. Precisava se desculpar com Geraldo – Ele deve me achar uma mal-educada.

— Não pense dessa forma – Sófia se ajeitou melhor na cadeira em que estava sentada, na sala de Ricardo, mas ele ainda não havia ido para a empresa. Isso lhe deixava muito aliviada. Trabalhar com Ricardo estava sendo algo quase insuportável – Como foi a manhã com Ricardo? — Desde que começara a falar com Raquel, ela sentia a necessidade de fazer esta pergunta.

Ao ouvir essa pergunta, Raquel respirou fundo. Ainda tentava entender o que tinha acontecido, mas a cada minuto, ficava claro que seu irmão estava com a intenção de lhe machucar. Não havia sido uma brincadeira.

“Será que ele queria que eu caísse do quinto andar?” — Perguntou-se e começou a se dar conta de que talvez Ricardo já estivesse sabendo de tudo — Será que podemos conversar sobre esse assunto em sua casa? — falou e Sófia começou a estranhar. Será que seus pressentimentos daquela manhã estavam certos.

— Aconteceu alguma coisa?

— Sim, mas está tudo bem. Já falei, em sua casa conversamos sobre.

— Raquel... — Sua voz começou a demonstrar toda sua preocupação. Não passava por sua cabeça que Ricardo tivesse feito algo, mas sentia, naquele momento, que alguma coisa tinha acontecido.

— Amor, em sua casa conversamos. Não precisa ficar dessa forma... estou bem — Raquel direcionou o seu olhar para o local onde havia sido atingida por Ricardo — “Preciso saber exatamente o que está acontecendo. Ricardo não está normal” — Pensou.

_*_

             Já se passava das dezenove horas quando Raquel acabou de se aprontar. Estava um pouco nervosa, era a primeira vez que iria ver Geraldo como seu sogro e isso fez uma ideia surgir em sua cabeça. Havia pensado em pedir Sófia em namoro no sábado, mas por que não pedi-la naquela noite, na frente de seu pai.

— Vou pedir a Sófia em namoro hoje, Nino – Raquel estava na sala segurando Nino pela guia. Nino, naquele momento, estava usando uma gravatinha azul escuro que a deixou ainda mais charmoso.

Demonstrando que havia gostado da ideia de sua dona, o cachorro começou abanar o seu rabo.

— Você devia fazer o mesmo. Nina é cachorra de família – falou e Nino ficou sem graça – tá na hora de começar a assumir responsabilidades, Nino – Raquel riu e começou a sentir o seu celular vibrando no bolso de trás de sua calça.

Era Norma...

— Tem uma pessoa aqui que depois que reatou com seu amor, não quis mais saber de mim – A ruiva começou a falar causando uma crise de risos na amiga.

— Não é isso. Estive um pouco ocupada com a construtora.

— Hum – Norma não estava mais gostando de ver sua amiga tentar se encaixar naquele lugar que não lhe cabia mais – E como anda as coisas lá?

— Ahh... – Ao se lembrar do último acontecimento, não teve como Raquel não se sentar no sofá, pois sabia que a conversa seria um pouco longa – Eu acho que Ricardo já deve estar sabendo de tudo ou ele não anda muito lúcido.

— Raquel, eu não estou entendendo... como assim saber de tudo? Vocês nem contaram a ninguém... bom... sua família nem sabe que vocês já se conheciam antes de serem apresentadas em sua casa.

— Eu não sei, Norma, mas o Ricardo tá muito estranho... hoje, eu quase caí do quinto andar de um prédio... ele fez com que eu me desequilibrasse – Neste momento, Raquel até tirou o celular de perto de seu ouvido, pois Norma começou a fazer um discurso interminável para dizer no final “Eu sabia que daria nisso, você não me escuta. Quer ficar sendo aceita. Sendo que essas pessoas nunca te valorizaram como você é. Já chega dessa palhaçada. Não sei como compactuei com isso no começo" – Norma, mas ainda não tenho certeza de nada.

— Raquel, para, pelo que você falou, ele tentou te matar. Você não percebeu a gravidade disso? – Raquel começou a gritar.

— Eu não quero acreditar que meu próprio irmão tentou fazer mal a mim dessa forma, mas por outro lado, você tem razão. Não posso fingir que não aconteceu nada hoje.

Norma respirou fundo. Era difícil ter o papel de anjo da guarda de Raquel. Tentava protege-la dos males, mas a engenharia queria permanecer na zona de guerra.

— Eu não quero que você fique dando muita atenção para as conversas de Ricardo. Ninguém sabe o que pode estar passando na cabeça dele depois desse término com a Sófia. Não sabemos o que ele sabe realmente, ele pode muito bem ter pedido alguém para seguir a Sófia. Nunca passou isso pela sua cabeça?

— Norma, nunca passou pela minha cabeça que meu irmão poderia ter atitudes desse tipo.

— Pois, passe a pensar nisso. Ricardo gosta da Sófia... eles iriam ficar noivos. Com certeza, ele vai querer entender o que aconteceu. Por isso, minha amiga, peço pra você tomar cuidado... antes de se arriscar por aí, pense em sua amiga aqui que já está começando a ter fios brancos por sua causa – Gargalharam.

— Norma, não exagere.

— Não é exagero nenhum. Você é muito cabeça dura, Raquel, não escuta ninguém... e você não contou como aconteceu nesse prédio. Como você foi parar lá com ele?

— Como anda as coisas com Laura? Mandou mensagem? Ligou? – Mudou de assunto, pois sabia que a situação com sua amiga só iria piorar.

— Raquel...

— Norma, chega de sermão. Já entendi. Fui ingênua, eu sei... isso não vai mais se repetir – deu uma pausa – Fale de você e Laura.

— Ainda não tem Laura e eu... Não conversamos... Não liguei... Não fiz exatamente nada.

— Depois diz que eu sou cabeça dura.

— Raquel, para você é muito fácil se envolver com uma mulher. Para mim, é um grande desafio. E se eu não gostar? Sei lá... ela é bonita... atraente, mas acredito que para você se envolver com alguém você não pode usar somente esses adjetivos para descrevê-la... temos que achar assuntos que de alguma forma possa nos interessar.... como ocorre com você e Sófia. Eu não sei muito dessa Laura.

— Por isso que vocês precisam conversar. Conversar não tira pedaço. Chame-a para almoçar... leve ela em algum restaurante que você gosta... Não estou pedindo para você já ficar com ela, mas sim conhecer. Você ficou mexida com ela?

— Fiquei... por incrível que pareça, eu me pego pensando nela... e só a vi uma vez, mas...

— Não me venha colocar uma oposição em sua fala – Riram – Tire esse “mas" e acrescente algo bom. Se dê uma chance de conhecer alguém. Quem sabe a pessoa que você procurava para dividir a sua vida, é essa mulher que você está com tanto receio de se aproximar.

— Raquel... só você mesmo – Riu de nervosismo. Era estranho se imaginar saindo com uma mulher. Seria uma experiência nova pra ela – Amanhã, eu vou resolver isso.

— Que bom! Fico contente por saber disso – Levantou do sofá – Meu amor, agora tenho que ir. Nino e eu vamos a um jantar na casa de Sófia e resolvi de última hora pedi-la em namoro.

— É... agora resolveu não perder tempo.

— Pra que adiar se eu tenho certeza que Sófia é a mulher de minha vida, Norma? Eu sei que teremos que enfrentar muitas coisas para viver esse amor, mas eu não vou mais me abalar com isso. Sófia é a mulher que eu escolhi para estar ao meu lado em todos os momentos em minha vida... Não minto, às vezes penso em minha família, mas você está certa... hoje, eu percebi que você sempre esteve certa... Não vale a pena me sacrificar por eles... acho que não fiz nada de errado dessa vez, eu não sabia que ela tinha algo com Ricardo... com Paola, eu estive errada, pois sabia de tudo... agora como a Sófia foi um acaso desagradável... bom... Não vou mais impedir minha felicidade.

— Falando em Paola, será que por onde ela anda? – Norma não queria estragar o discurso de sua amiga, mas naquele momento, bateu essa curiosidade.

— Não sei e nem quero saber – Raquel disse com certa frieza. Achava bom não receber nenhum sinal de vida daquela mulher – Espero que permaneça onde está – Disse por fim.

Fim do capítulo