Tempestade por Ana Pizani
Capítulo 2 – She'll make you curse, but she a blessing
“Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.(...)”
Carlos Drummond
Aline encaixotou todas as suas poucas coisas em poucos dias. Tudo se resumia a uma cama, um pequeno guarda-roupa, muitos livros e algumas roupas. Arrumou com a ajuda de uma velha conhecida da faculdade um caminhão pequeno para levar suas coisas. Imaginava a cara dos seus futuros vizinhos ricos vendo-a chegar ali empossada de sua total pobreza e riu alto sozinha.
Havia passado os últimos dois anos morando naquele apartamento que era de um conhecido seu muito legal não fosse ele o grande patrocinador e incentivador das festas no andar e até mesmo dentro do apartamento. Ele lamentou a saída da amiga, mas ainda assim ressaltou que o velho quarto estava a sua disposição caso quisesse voltar.
Aline era uma dessas pessoas que odiava dar satisfação do que fazia de sua vida e por isso poupou os detalhes sobre a sua nova moradia. Sabia que pagaria um pouco mais caro no novo quarto e ainda teria que dividi-lo com a chata da Débora, mas pelo menos teria um pouco mais de sossego para estudar e dormir.
Depois da sua primeira ida ao apartamento ainda houve mais duas visitas, todas sempre muito agradáveis em que Aline fazia as meninas chorarem de rir de suas piadas bobas. E duas semanas depois lá estava Aline com a sua pequena mudança rumo ao desconhecido já um pouco conhecido.
Débora abriu a porta relutante. Não havia pregado os olhos a noite toda e apesar do quarto escuro e da porta fechada não podia desprezar o som insistente da campainha. As meninas haviam saído há pouco e ela havia esquecido totalmente da mudança de Aline. Na verdade aquilo era a última coisa que queria lidar.
_ Oi, Débora! Podemos entrar? _ Aline parecia animada como se estivesse indo para algum show.
Débora observou o homem logo atrás de Aline carregando um pequeno armário com a ajuda de outro cara. Acabou saindo da frente e todos entraram.
Uma hora depois Aline estava sentada na sua cama recém-montada organizando e separando as poucas roupas que tinha por cores.
_ É sério que essas são todas as roupas que você tem?
_ Claro, afinal eu costumo repeti-las. _ Aline disse rindo da cara de Débora.
_ Haha, muito engraçado. Acho melhor eu voltar a dormir antes que você me mate de tanto rir.
Aline continuava a organizar as roupas agora dentro do guarda-roupa. Ajeita alguns livros e logo está deitada mexendo no notebook.
_ Acho que eu nunca mais vou dormir. Posso saber que espécie de livro é esse que você está escrevendo e por qual motivo digita dessa forma? _ Débora se vira novamente e é tomada por uma imagem que a perturba de alguma forma.
Aline está deitada apenas com um short jeans bem curto de costas para ela. Apenas de sutiã, ela deixa as costas à mostra e Débora a repara mais que deveria. Chega a imaginar qualquer bobagem que acaba por afastar do pensamento.
_ Estou terminando um trabalho para um colega de turma, agora deixe de ser chata e volte a dormir. Afinal, hoje é apenas sexta-feira e está tão tarde, duas da tarde.
_ Agora você vai me dar lição de moral?
_ Claro que não, a advogada aqui é você, certo?
Nisso o telefone de Débora toca e ela atende. Confirma alguma coisa com alguém e Aline tenta fingir não sentir algum desconforto. Acaba voltando-se novamente para o trabalho, ela precisava de grana e aquele artigo lhe garantiria mais “oxigênio” no final do mês.
Débora toma banho e enquanto isso Aline prepara algo para comer. Havia comprado alguns pães antes da mudança e enquanto faz café, é surpreendida pela advogada a olhando:
_ Você parece bem à vontade, né?
_ Desculpa, mas a cozinha é um ótimo lugar para se ficar à vontade, você não acha? _ Aline agia com total maestria ao lidar com a cozinha que impressionava. Enquanto a água fervia, ela lavava alguns copos que fazia dias estavam ali.
_ Pena que eu não poderei ficar para experimentar essa bizarrice que você chama de café.
Aline apenas sorri, contava com a companhia da garota para o café.
Débora bate a porta ao sair e Aline fica pensando bobagens. Logo desvencilha-se daqueles pensamento mórbidos.
Um mês depois, após perder uma aposta para Rosa, Aline se viu arrastada para a festa de aniversário de alguém que ela nem sequer conhecia.
_ Não consigo entender como alguém pode comemorar o aniversário numa boate. Parece o ambiente menos propício para isso, vocês não acham? _ Aline aceitava uma maquiagem rápida feita por Luíza enquanto Rosa terminava de maquiar Débora.
_ Aline, fique calada ou então eu vou transformar você num Coringa. _ ameaçava Luíza.
Débora ria das amigas e logo estavam num carro de aplicativo indo para a boate.
_ Só vocês mesmo para me obrigarem a ir numa festa hetero do outro lado da cidade. _ Aline estava de péssimo humor. Ainda assim, cumpria com a sua palavra e agora seguia rumo ao “suplício”.
Tentava evitar olhar para uma Débora extremamente produzida com o melhor que a moda e a riqueza podem oferecer. Os cabelos lisos e loiros batiam nas costas que estavam desnudas por um vestido preto muito curto além de lindas sandálias também pretas altas demais, fazendo Aline se sentir o ser mais pequeno do mundo.
Luíza e Rosa também estavam lindas, ambas de vestidos e maquiagens impecáveis. Rosa era a única comprometida do grupo e já na porta da boate encontrou o namorado, um rapaz igualmente bonito e bem vestido. Luíza havia terminado um romance com um cara de sua turma na faculdade de Administração, mas torcia para encontrá-lo na festa, já que o aniversariante era do primo dele. Já Débora estava sempre falando de algum cara que logo era esquecido até o próximo. Passava algumas noites fora de casa e Aline sabia que ela deveria ter alguém também.
Naquele um mês que se passou desde a sua mudança, Aline pode administrar melhor a atração que sentia por Débora e acabou se saindo muito bem e agora ela já se considerava parte daquela família de amigas.
É claro que ela conversava com algumas mulheres pela internet, mas raramente animava-se a encontrar alguém. Primeiro, porque tinha pouco tempo para isso e segundo por se sentir indisposta para entrar em algum tipo de relação neste momento.
Assim sendo, as garotas entraram na boate e logo foram convidadas para o camarote. Aline sabia que só estava ali por causa das garotas. Aquele tipo de lugar amava aquele tipo de mulher: femininas, bem vestidas e provocantes.
O namorado de Rosa, Maurício, parecia bem influente naquele ambiente, habitat natural daquela espécie de homem. Sentaram-se enquanto ele pedia bebida para todas. Até Aline acabou bebendo naquela noite.
Logo Débora apareceu com um ficante, um cara quase que idêntico a Maurício e Aline ficou se perguntando se havia alguma fábrica a produzir daquele tipo de homem.
Enquanto a música eletrônica tocava e as luzes piscavam em meio a escuridão da boate, Aline pode perceber os olhos de Débora por diversas vezes reparando-a.
Pela primeira vez na vida Aline usava um vestido. E ainda por cima curto. E ainda por cima lindo, emprestado por Luíza. A sandália apesar de baixa, era muito delicada. E apesar de não entender muito de moda, ela pode notar alguns olhares em sua direção, nenhum que lhe interessasse mais que aquele olhar enigmático que a olhava o tempo inteiro.
As horas foram se passando até que Rosa puxou Aline para o banheiro. Enquanto se moviam em meio às pessoas, Rosa tentava conversar com Aline:
_ Eu sei o que você está pensando.
Entraram no banheiro, uma em cada box.
_ E você não vai fazer nada. Porque a Débora não tem coração e pessoas como você podem ser destroçadas por garotas como ela.
Aline ficou muda. O banheiro lotado. Ninguém escutava ninguém. Cheiro forte de bebida. Saíram do banheiro em silêncio. Rosa segurando a mão de Aline atravessando a multidão de pessoas.
Foi quando voltou que Aline viu Débora se atracando com o ficante que ela entendeu melhor as palavras de Rosa. O que Débora nem mesmo Aline contavam era com a presença de uma ex ficante da lésbica oficial da mesa.
Uma garota linda, também belamente vestida, apareceu por detrás de Aline quando esta se levantava para pegar algo no bar.
_ Aline, quanto tempo?
Elas se abraçaram rapidamente enquanto Lívia devorava pelo olhar a historiadora com vontade.
_ Nem vou perguntar se você está bem, certo?
Aline sorriu e pode sentir Débora empurrando o ficante. Rosa acompanhava a cena enquanto Luíza beijava algum estranho na mesa ao lado.
_ Não sabia que você freqüentava boates. Seja uma boa amiga e me apresente suas colegas. _ Lívia sabia ser inconveniente quando queria. Tratou logo de cumprimentar as garotas.
_ Olá, sou a Lívia, amiga de velhos tempos da Aline.
Após os cumprimentos habituais, Débora que já estava muito bêbada disse que precisava ir ao banheiro e pediu para que Aline a acompanhasse. Sem entender o motivo da escolha, a mão de Débora segurou forte a de Aline e elas sumiram na multidão.
Logo elas estavam tão próximas uma da outra que Aline chegou a se sentir estranha, afinal a boate começava a esvaziar um pouco e havia espaço de sobra para passar. Ainda assim, foram quase que grudadas até o banheiro.
Débora abriu a porta do banheiro e empurrou Aline contra a parede.
_ Por que você está fazendo isso comigo? Por que está me provocando com aquela garota? _ Débora parecia fora de si. Aline tentou se justificar (se é que devia) e acabou se complicando ainda mais. Afinal, o que estava mesmo justificando?
_ Débora, você bebeu demais e este papo está muito louco. Vamos voltar para a mesa. _ Aline tentou abrir a porta, mas Débora a segurou.
Estavam tão próximas, tão bêbadas e ainda assim Aline podia sentir a energia do corpo de Débora a chamando, de alguma forma ela começou a olhar para aquela boca perfeita e quando deu por si Débora a beijou.
Foi um desses beijos com sede, beijos que raramente temos ao longo da vida. Aline sentiu seu corpo inteiro esquentar e começou a tocar todo aquele corpo e Débora correspondia com uma fome igual.
Nem deram por si quando alguém esmurrava a porta querendo usar o banheiro.
Fim do capítulo
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