No dia seguinte, Carolina não deixou Ângela ir para a clínica com Aline, levou a namorada para o Hospital Matriz para ficar com ela por perto, não estava disposta a perder a mulher que amava para outra louca, sua vida parecia um hospício, cheia de gente doida querendo lhe prejudicar.

 

            Como se não bastasse os problemas com Vera, o pai de Ângela também foi preso por conta das investigações em sua empresa, tudo na vida de Vera estava de cabeça pra baixo. Perdeu a clínica, foi acusada de mais um homicídio, e com isso, sua prisão domiciliar estava por um fio, com tudo desmoronando ao seu redor, Vera teve um colapso e sofreu um infarto em seu apartamento.

            Mara ligou para Ângela e avisou o que estava acontecendo.

 

 

 

-- Oi Mara, tudo bem?

 

 

 

-- Menina, graças a Deus, sua mãe caiu aqui no meio da sala, acho que ela desmaiou.

 

 

 

-- Como assim, Mara? O que aconteceu? – Ficou preocupada --

 

 

 

-- Eu não sei, Ângela, ela estava aqui andando de um lado pro outro, de repente segurou o peito e caiu no chão.

 

 

 

-- Ela deve ter sofrido um infarto. – Colocou a mão na cabeça – Tá, eu vou levar uma ambulância aí. Vê se ela está respirando.

 

 

 

-- Fraco, mas está.

 

 

 

-- Tudo bem, eu já estou indo.

 

 

 

            Ângela saiu correndo pelo corredor do hospital e achou Carolina em seu consultório, entrou correndo interrompendo a leitura de algumas fichas de aplicação da residência.

 

 

 

-- Carol, preciso de ajuda, Mara me ligou, disse que minha mãe caiu lá em casa, está desacordada, preciso ir até lá.

 

 

 

-- Ângela, calma, ela caiu como? – Levantou-se --

 

 

 

-- Mara disse que ela colocou a mão no peito e fez uma careta antes de desmaiar.

 

 

 

-- Será que foi um infarto? – Levantou-se –

 

 

 

-- Pensei o mesmo.

 

 

 

-- Vou ver se tem alguma ambulância no pátio. – Pegou o telefone e discou o ramal do resgate –

 

 

 

            Depois de confirmar uma ambulância para ir até a casa de Ângela, as duas saíram em direção à cobertura que a médica morava. Chegaram rapidamente e encontraram Vera ainda desacordada.

            Mesmo com toda raiva contida em seu íntimo, Carolina e Ângela verificaram os sinais vitais da mais velha, ela ainda estava viva, aplicaram um medicamento, e a prepararam para levar ao hospital.

            Chegaram ao Hospital Matriz e levaram Vera imediatamente para fazer vários exames, durante o percurso, ela acordou um pouco atordoada e zonza, não sabia o que estava acontecendo, viu a silhueta de Ângela dentro da ambulância e acabou adormecendo novamente.

            Depois dos exames de eletrocardiograma e laboratoriais, Carolina fez um cateterismo para verificar se havia a obstrução coronária, confirmou o diagnóstico e Vera foi encaminhada para a cirurgia para fazer uma angioplastia. Procedimento que Carolina dominava como ninguém.

            Ângela ficou no balcão, Carolina a proibiu de entrar na sala de cirurgia para não afetar o procedimento, visto que era sua mãe que estava ali, apesar de toda mágoa que sentia de Vera, Ângela sentia o peito apertado, por mais que quisesse odiar Vera, esse sentimento não fazia parte da sua vida, não queria que a mãe morresse.

            Carolina cumpriu o procedimento com maestria, como sempre agia quando estava em cirurgia, terminou de enfaixar a perna de Vera e a liberou para levarem para a UTI. Quando saiu da sala, encontrou Ângela na porta a esperando e recebeu um abraço apertado, como se sua menina estivesse perdida e tinha acabado de ser encontrada.

           

 

 

-- Calma Angel, sua mãe está bem agora, ela vai pra UTI, deve acordar da anestesia daqui a uns vinte minutos, ela está fora de perigo. – Fazia carinho em seus cabelos –

 

 

 

-- Obrigada Carol, eu sei que não foi fácil pra você, mas também sei que você não a deixaria morrer sem socorro.

 

 

 

-- Amor, não faz diferença quem esteja naquela mesa, eu sempre vou atender a quem precisa, mesmo sua mãe querendo me ver pelas costas, eu não vou negar atendimento a ela se ela precisar. – Beijou sua testa –

 

 

 

-- Eu te amo. – Abraçou de novo –

 

 

 

-- Vem, vamos lá pra baixo.

 

 

 

            As duas médicas deixaram o centro cirúrgico e foram para o consultório de Carolina, Izabel apareceu pouco depois para saber o que aconteceu, pois a polícia foi avisada do problema de saúde de Vera e dois policiais foram mandados para ficar de vigia em frente à porta da UTI.

 

 

 

-- Carol, o que houve? Tem dois policiais aqui no hospital, disseram que a Vera está aqui, é verdade?

 

 

 

-- É sim, Bel. Eu acabei de fazer uma angioplastia nela, ela sofreu um infarto, está na UTI.

 

 

-- Menina, que loucura, logo você que salvou a vida dela? Como o destino é sábio! – Sorriu --

 

 

 

-- Não me fala em destino, -- Espalmou uma das mãos -- que ele já me pregou peças demais ao longo da minha vida. – Riu –

 

 

 

-- Cadê Ângela?

 

 

 

-- Foi lá na UTI ver a mãe, saiu antes de você chegar. – Sentou-se na cadeira – Tadinha, estava tão nervosa! Não adianta, ela pode ser uma canalha, mas é mãe dela. – Deu de ombros –

 

 

 

-- Eu imagino, é uma situação muito difícil pra ela, essa mulher podia acordar diferente e aprender a dar valor à filha que tem, não entendo esse povo, só pensa em dinheiro.

 

 

 

-- Amiga, eu desobstruí uma coronária, não fiz transplante de caráter. – Riu –

 

 

 

-- Eu sei, mas ver a morte de perto costuma mudar as pessoas, você bem sabe disso.

 

 

 

-- Eu sei, mas eu mudei meu comportamento, não minha personalidade, não sei se no caso da Vera ela abriria mão do controle, eu tenho até medo de deixar Ângela sozinha com essa mulher, só deixei ela subir pra UTI porque os policiais chegaram e vão montar acampamento lá na porta, senão ela só ia subir comigo.

 

 

 

-- Eu imagino. Você tem medo dela sumir de novo?

 

 

 

-- Muito. Ainda não me sinto totalmente segura. – Tirou os óculos – Mas eu preciso confiar nela, pelo menos tentar. E esperar que ela não aceite os desmandos da mãe.

 

 

 

-- Bom, eu vou voltar pro escritório, qualquer coisa vai lá, Roberta também ficou preocupada, mas não deu pra ela descer.

 

 

 

-- Diz pra Beta que está tudo bem, por enquanto, qualquer coisa eu aviso a vocês.

 

 

 

-- Então tá, até mais, amiga.

 

 

 

 

            Carolina ficou pensativa, tinha medo do que poderia acontecer caso Vera tentasse chantagear Ângela novamente, resolveu subir para a UTI e ver se estava tudo bem com a namorada.

            Chegando no sétimo andar, lugar onde passou um bom tempo recebendo cuidados quando estava acidentada, encontrou Ângela parada do lado de fora da UTI olhando através do vidro. Acariciou suas costas e a médica se assustou.

 

 

 

-- Está tudo bem?

 

 

 

-- Ai, que susto, Carol. – Colocou a mão sobre o peito – Está sim, ela ainda não acordou.

 

 

 

-- Mas vai a qualquer momento. – Cruzou os braços –

 

 

 

            Como Carolina previu, Vera ameaçou abrir os olhos, estava tonta, e começou a acordar, não sabia onde estava, estava um pouco desnorteada. Carolina chamou uma enfermeira e elas entraram para verificar a condição da paciente.

 

            Ângela continuou observando pelo vidro, Carolina verificou os sinais vitais, reflexos, e aos poucos Vera foi recobrando a consciência.

 

 

 

-- Onde eu estou? – Olhava em volta –

 

 

 

-- Você está no Hospital, Vera, você se lembra do que aconteceu?

 

 

 

            Carolina ia testando os reflexos da mulher que acabara de acordar e aparentemente estava tudo bem.

 

 

 

-- Eu estava em casa. – Apertou os olhos – Senti uma dor no peito, depois não lembro de mais nada.

 

 

 

            Vera foi se situando e com a visão se adequando aos poucos ao ambiente, reconheceu as feições de Carolina, não acreditou no que estava acontecendo, será que ela foi a médica que lhe socorreu?

 

 

 

-- Você?

 

 

 

-- Sim, eu, algum problema?

 

 

 

-- O que você está fazendo aqui?

 

 

 

-- Bom, pelo que eu sei, esse hospital é meu, e eu acabei de fazer sua cirurgia, você teve um infarto, e precisou de uma angioplastia de emergência.

 

 

 

-- Como eu vim parar aqui?

 

 

 

-- Eu te trouxe junto com Ângela.

 

 

 

            A cada frase, Vera ficava mais confusa, a mulher que ela prometeu destruir havia salvado sua vida, fez de tudo para humilhar e afastar Ângela de Carolina e por ironia do destino foi ela quem estendeu a mão para lhe ajudar quando precisou, mas Vera não iria dar o braço a torcer, continuaria seu comportamento arrogante e sem amor.

 

 

 

 

-- Por que não me deixou onde eu estava?

 

 

 

-- Porque eu honro o juramento que eu fiz quando me formei. Nunca vou deixar alguém sem atendimento, mesmo sendo você. E não aguentaria ver Ângela sofrer se você morresse.

 

 

 

-- Onde ela está?

 

 

 

-- Lá fora. – Apontou para a janela –

 

 

 

            Vera viu o olhar da filha, ela estava consternada, mas também via medo, aquele medo que sempre esteve ali, e que Vera adorava enxergar, mas naquele momento, algo parecia ter mudado, sentiu remorso por ter tornado a vida da filha um inferno ao longo de todos aqueles anos. Mas não sabia como consertar, não sabia como voltar atrás, não conhecia o amor, tudo o que fez a vida inteira foi manipular as pessoas, nem seu casamento foi por amor, foi por dinheiro, se deu conta que passou a maior parte da sua vida arruinando outras pessoas, a troco de que? Quase morreu naquele dia, perderia tudo de qualquer maneira, não sobraria nada. Mas tudo que ela conhecia era frieza e desprezo, e ainda agia assim por ser confortável.

 

 

 

-- Você está bem, precisa descansar, amanhã vai para o quarto se não houver nenhuma complicação, e depois poderá voltar para casa, você não pode mover a perna por pelo menos umas seis horas, e depois que tiver alta, não pode subir escadas ou pegar peso. E tenta não se aborrecer.

 

 

 

-- Mande Ângela entrar. – Ignorou as orientações --

 

 

 

-- Primeiro, você não manda aqui. – Guardou uma caneta no bolso –Segundo, ela só vai entrar se ela quiser, você não manda mais nela.

 

 

 

-- Sua insolente. – Ameaçou levantar-se – Droga – Ficou tonta –

 

 

 

-- Não faça esforço, você pode ficar tonta e enjoada ainda por causa da anestesia. Qualquer problema chama uma enfermeira. – Apontou para um botão na cama --

 

 

 

            Carolina saiu deixando Vera irritada com o atrevimento da médica, ainda tinha suas raízes de orgulho muito fortes, mas o arrependimento parecia estar lhe alcançando, só que não será muito fácil dobrar sua arrogância.

            Carolina encontrou Ângela do lado de fora e a abraçou, dessa vez ela não se esquivou, permitiu o abraço e mais, enlaçou o pescoço de Carolina buscando aquela sensação de proteção que só ela conseguia lhe passar. Afastaram-se e Carolina sorriu, sentiu mais segurança naquele momento.

 

 

 

-- Angel, ela quer que você entre, mas você só vai se quiser, e eu vou com você.

 

 

 

-- Eu não quero entrar lá, não agora, ela está bem, é só o que eu preciso saber.

 

 

 

-- Então vamos embora, vamos pra casa, o dia hoje foi cheio. Ela está bem, vai ficar na UTI em observação, mas você já sabe disso, não é? – Sorriu --

 

 

 

            Ângela olhou pelo vidro e viu o olhar de Vera sobre si, se arrepiou inteira e virou de costas deixando o corredor, Vera ficou ali sozinha dentro daquele cubículo gelado, imaginando o que teria acontecido se não fosse socorrida por Carolina e Ângela, poderia ter morrido, se recriminou por ter uma dívida de gratidão pela mulher que para ela, roubou o Hospital Matriz dela.

            Sentiu os olhos pesarem, um sono muito forte a atingiu, provavelmente algum medicamento foi colocado no soro, e dentro desses devaneios adormeceu novamente.

            E o destino voltou a brincar com a vida, encontros e desencontros que só as coincidências explicam, ou não.

Fim do capítulo