Era um dia como os outros. Estava sentada de frente para Charlotte Wills, editora-chefe do World, o jornal de maior alcance do nosso estado. Poderia estar morrendo de nervosismo, pois ela estava lendo uma matéria que eu levara mais de um mês para concluir, no entanto, me mantinha em total êxtase. Reparando em cada gesto da mulher a minha frente.

Desde que havia entrado no World é que eu alimentara uma paixão por Charlotte. Ela era uma mulher incrível, no entanto, não dava bola para ninguém mesmo depois do falecimento de sua esposa.

--Margareth -- Ela direcionou o seu olhar para mim. A forma como olhava para as pessoas costumava intimidar, mas comigo não acontecia isso, pois de alguma forma achava que estava tendo um pouco de sua atenção -- Estou um tanto decepcionada -- Disse de uma forma fria, enquanto ajeitava os óculos na face.

Fiquei observando cada gesto seu em busca de uma justificativa para aquela fala. Definitivamente, ela não estava em um bom dia. Não era de me gabar ou achar que eu era fantástica, mas aquela matéria estava perfeita. Sabia que não iria receber nenhuma promoção por ela, mas esperava algum elogio.

-- Você é uma das minhas melhores jornalistas. Pensava que iria se superar dessa vez.

--Senhora, essa é uma das melhores matérias que já fiz.

Ela riu -- Se essa é uma das melhores, então não quero nem ver a pior, Margareth -- Neste momento, ela passou as mãos sobre o rosto. Eu poderia perguntar o que estava acontecendo, mas tinha noção que aquilo não me cabia, eu era apenas mais uma funcionária qualquer naquela empresa.

--Margareth, não estou em um bom dia... Saia, por favor -- abaixou o seu campo de visão e a única coisa que pude fazer foi me retirar.

Após sair da sala de Charlotte, fui direto para a minha mesa.

--Pelo visto se decepcionou com o seu grande amor -- Arnold falou zombeteiro. Ele trabalhava na mesa ao lado da minha.

--Acho que nem preciso falar o que aconteceu.

--A megera não achou boa sua matéria, pelo visto hoje ela resolveu descontar até em você.

--É... Arnold, hoje nem eu escapei -- Falei um tanto decepcionada.

--Você deveria parar de alimentar amores por essa mulher. Você sabe que é impossível e bom... Acho que só a Charlotte que ainda não percebeu que você tem uma quedinha por ela.

Suspirei e fiquei pensativa. Arnold estava certo, eu tinha que parar de tentar chamar a atenção de Charlotte e também de agrada-la. As pessoas próximas já estavam brincando comigo a respeito dessa minha paixão platônica e sabia que poderia custar o meu emprego depois. Charlotte não era uma pessoa que tratava bem seus admiradores.

--Quer sair hoje à noite? -- Arnold chamou a minha atenção.

--Para que lugar?

--Aquele barzinho de sempre. Hoje vai ter música ao vivo. Quem sabe você não conhece uma moça legal lá -- Arnold era meu melhor amigo. Um cara bacana, que tratava muito bem as pessoas. Isso que sempre me chamou a atenção nele, parecia que não tinha tempo ruim. Moreno, olhos castanhos e alto chamava a atenção das mulheres por onde passava, no entanto, era gay e muito bem casado com o James.

--Quem sabe -- Falei me atentando ao que começara a escrever em meu computador.

--Não me diga que vai passar o seu momento bad em casa tomando sorvete? -- Ele brincou.

--Não estou em um momento bad -- Gosto da Charlotte, mas chegar a sofrer por ela, isso nunca havia me acontecido.

--Eu sei, querida, mas você sabe, amo brincar com você.

--Eu sei, Arnold, mas hoje tenho que voltar a escrever aquela matéria.

--Ahhhh... Você vai fazer isso mesmo?

--Sim, ela disse que eu a decepcionei. Bom... Melhor eu voltar ao trabalho-- Voltei a me atentar ao que estava digitando no computador. Arnold não falou nada, mas sabia o que ele estava pensando.

Fiquei um bom tempo concentrada ao que estava fazendo no computador. Pouco ligava para a movimentação ou conversas das pessoas ao meu redor. Queria fazer uma matéria ainda melhor que aquela, mas não estava sendo uma tarefa fácil.

--Margareth -- Ouvi uma voz conhecida, mas o tom estava um pouco diferente.

Direcionei o meu olhar para o lugar de onde a voz vinha e me deparei com Charlotte e aquele olhar que não estava intimidador como de costume.

--Sua matéria será publicada no jornal de amanhã -- disse e eu fiquei confusa -- Reli e notei que estava equivocada. Realmente é uma boa matéria. Fez um bom trabalho, Margareth -- Charlotte estava um tanto sem graça. Ela não era muito de voltar atrás em suas decisões.

--Obrigada -- Não conseguia acreditar no que estava acontecendo naquele momento. Charlotte havia mudado de ideia com relação a minha matéria.

Um sorriso surgiu em meus lábios. Fiquei encarando a minha chefe e ela não parecia ligar muito para isso. Só me deu uma última olhada e saiu.

--Nossa, você tem sorte. Charlotte mudando de ideia, isso não acontece sempre -- Arnold falou animado. Eu estava da mesma forma. Pena que Charlotte era fria demais.

--Ainda bem, pois essa matéria que eu estava escrevendo estava horrível -- Fechei a página onde estava escrevendo e me recostei na minha cadeira, passando a respirar aliviada.

--Ela não liga nem um pouco para você, mas mesmo assim você continua louca por ela. Algumas pessoas realmente nasceram para ser trouxas -- Ele comentou divertido.

--Eu sei, porém não consegui evitar, quando a vi pela primeira vez, nossa... eu fiquei sem conseguir prestar mais atenção em nada. Todo aquele jeito dela sério e mandão me instigou.

Passei a olhar em direção a porta da sala de Charlotte.

--Você gosta de ser mandada -- Arnold brincou -- Então hoje podemos sair né?

--Ah... Arnold, eu não sei...

--Vamos, Margareth, você precisa se distrair e vê se encontra uma mulher bacana, pois dependendo dessa ai, você vai continuar virgem.

--Arnold, eu não sou mais virgem -- Falei balançando minha cabeça negativamente.

--Mas se continuar esperando por ela, é capaz de você voltar a ficar -- Rimos. Esse Arnold não tinha jeito.

--Está bem, eu irei, mas duvido alguém me chamar a atenção lá.

--Afff... Também você já vai assim... Tem que ir pensando positivo. Tipo: quando chegar lá, eu vou encontrar uma mulher que sabe mandar melhor do que a Charlotte.

Dei um tapa no Arnold, pois ele já estava exagerando.

***

Às 7:00 horas sai do trabalho e segui direito para casa. Quando cheguei, as luzes estavam acessas isso demonstrava que meu pai estava. Ele trabalha com o caminhão de entregas, nem sempre tem um horário fixo. E isso me deixa muito preocupada, pois sei que trabalhar durante a noite em minha cidade é muito perigoso.

--Filha, que bom que chegou. Estava aqui preparando o jantar -- Ele falou parecendo bem animado. Morava sozinha com meu pai, desde o dia que minha mãe havia falecido.

--Ohhhh... Pai, não ficarei para o jantar. Irei sair com o Arnold e alguns amigos do trabalho -- Falei ao colocar minha bolsa no sofá.

--Tudo bem, filha, você tem que sair para se divertir mesmo.

--Como o senhor está? --Beijei sua face.

--Indo, filha, você sabe que seu pai não é o mesmo -- Ele sorriu um pouco sem graça.

--Pai, já falei para o senhor, eu posso sustentar nós dois. O que ganho não nos daria uma vida de luxo, mas eu não iria ficar todos os dias tão preocupada contigo.

--Filha, você sabe, eu não quero depender de você. Quero que você guarde seu dinheiro. Um dia você vai chegar a se casar e irá precisar de uma casa, móveis... Quero que você ajunte seu dinheiro.

--Não vou me casar!

--Sei... Essas pessoas que falam que não vão casar são as primeiras que se casam -- Rimos juntos.

--Pode ser -- Neste momento passei a me lembrar de Charlotte, era uma mulher incrível e linda, tinha cabelos pretos cacheados, olhos castanhos e uma boca bem desenhada.

--Pelo visto tem uma pretendente -- ele comentou ao sentar ao meu lado com um prato de comida.

--Talvez, mas ela nunca vai me dar bola.

--Filha, escute uma coisa, nada é impossível. Quem sabe não acontece um milagre.

--Pode ser, Pai -- Me levantei do sofá -- Vou ir me arrumar.

--vai lá -- Saí da sala e deixei o meu pai jantando. Realmente aquele era o único homem que eu amava nessa vida.

 

Fim do capítulo