Capítulo 10
Dez minutos. A primeira chamada para meu vôo já tinha sido expedida. Meu traje sóbrio me enviava às cenas de Matrix. Calça e camisa pretas. Um sobretudo de mesma cor, pois o frio em Massachussets era esperado. Óculos escuros. A bota de cano curto e salto me deixavam ainda mais alta. Esse era meu estilo agora. Não era mais a adolescente que adorava os desenhos nas blusas e os tênis gastos. Eu estava indo para o mundo desconhecido e levava comigo as armas que tinha. A armadura da dor. A espada da desconfiança. Olhava os aviões taxiando longe, lembrando-me da noite anterior. Dei um suspiro longo. Nos braços de Amanda havia largado minha alma. Ela havia me dado mais que seu corpo. Havia aprisionado dentro de si, meu último momento de pureza. Guardou em seu âmago o resto que sobrou de uma menina que amou e se deixou ser amada.
-- Guilhermina...
Antes, talvez, a voz me fizesse estremecer ou me encher de ira. Mas eu estava vazia de qualquer sentimento. Retirei os óculos e me virei devagar para a mulher que, em poucos momentos, tinha me dado tudo e, da mesma maneira, tinha me tomado de volta. Pus meus olhos nela. O vestido azul de tecido leve e sem mangas deixavam à mostra a pele sensível e clara. Instintivamente a percorri em busca de algum hematoma. Encontrei os olhos âmbar. Doces e, agora recheados de uma aflição que não me era peculiar, mas não me comovia. A cor do cabelo era a mesma, mas senti falta do cacheado nas pontas. Ainda assim, não sentia as batidas do coração desenfreadas como antes.
-- Guilhermina, eu... Precisamos conversar.
Sem notar, abri um sorriso sem propósito. A surpresa e o medo em seus olhos estavam estampados no semblante patético.
-- Não, professora. -- falei calma e suavemente. -- VOCÊ precisa conversar. Sabe, analisando friamente tudo o que aconteceu, acho que você até pode ter seus motivos para fazer o que fez. -- respirei fundo olhando pros lados. -- Mas isso não importa mais, porque, o que você tem pra dizer agora, não é para mim. Eu não sou mais a menina que te entregou tudo o que tinha de bom. Essa morreu naquela sala da diretoria e, de novo, quando enterrou a mãe. -- vi as lágrimas dela começarem a cair uma por uma. Enxuguei uma delas com meu polegar. -- Mas uma coisa boa ficou disso tudo. As trepadas foram realmente maravilhosas. -- a transformação em seu semblante era visível. -- Se você não fosse uma professora tão ligada à ética, diria que é uma excelente prostituta...
Meu rosto queimou ao receber a bofetada forte, até sentir o sangue escorrer de meu lábio inferior. Vi o arrependimento nos olhos desesperados.
-- Mãozinha pesada, professora. Tem tido aulas com seu maridinho?
A Guilhermina que me domava, pegou o pulso da mulher pequena sem cuidado.
-- Sei do que gosta, professora.
Arrastei-a, ouvindo suas reclamações de que a estava machucando, levando-a ao banheiro feminino. Entrei num reservado empurrando o corpo frágil pra dentro sem nenhuma delicadeza.
-- Gosta assim, não é vagabunda?!! -- levantei seu vestido até o pescoço e, sem nenhuma paciência, rompi as alças do sutiã. -- Vou te dar o que merece, sua puta vadia!!!
Apertei os seios até ouvir seu grito de dor. Mordi, sem preocupação, os mamilos expostos, enquanto minha mão mantinha-se grudada em seu pescoço mantendo-a grudada à parede.
-- Guilhermina, está me ... Machucan...do... ahhh !!
Rasguei a calcinha com fúria e nem quis saber se estava molhada ou não... Entrei com três dedos de uma vez.
-- É assim que gosta, vadia?!!! É assim que aquele puto te come?!! É disso que gosta?!!
Ch*pei-lhe o pescoço para que a marca pudesse ser vista depois, enquanto ia enfiando com muita força e por muito tempo, até ela soltar o último grito e goz*r abundantemente em minha mão.
-- Eu... Te... Amo... -- falou entrecortando a voz, assim que soltei seu pescoço.
Nossos olhares se encontraram e, num momento de fraqueza, colei os lábios nos dela com sofreguidão, sugando-os esfomeada. O encanto durou pouco. O ser novo dominava-me mais uma vez.
Larguei o corpo meio estropiado e cuspi as derradeiras palavras.
-- Adeus, professora.
Lavei minhas mãos, coloquei os óculos escuros e saí do banheiro sem nenhum remorso.
Sentada em meu lugar, dentro da aeronave, apenas via pela janela o movimento de pessoas acenando para os passageiros. No Ipod que havia comprado recentemente, ouvia a voz sofrida de Sara Bareilles. Gravity... E as cenas acontecidas naquele banheiro percorriam minha mente, me fazendo ter espasmos de dor inacreditáveis, mas os olhos não deixavam as lágrimas caírem. Algum tempo depois...
-- Excuse me.
A voz feminina tirou-me dos devaneios. O sotaque britânico era indiscutível. Respondi em meu inglês apurado durante os longos oito anos de aulas.
-- Algum problema? -- perguntei séria, retirando os fones imediatamente.
A mulher ruiva de olhos extremamente verdes me olhava preocupada.
-- Seu lábio inferior está sangrando e... Seu rosto está inchado e muito vermelho.
Procurei um lenço na minha bolsa.
-- Use isto. -- me entregou uma caixinha de lenços de papel e chamou a aeromoça, solicitando uma bolsa de gelo.
-- Meu nome é Dyorgia... Dyorgia Price. -- ergueu a mão para o aperto.
O meu espanto com o sobrenome não lhe passou despercebido, enquanto eu respondia ao seu cumprimento.
-- Sei o que está se perguntando. Sim... Da família Price. A mesma da Price International Corporations. E você? -- sorriu sem se incomodar com minha indiscrição.
-- Guilhermina. Soares e Silva... Sem corporações. -- sorri me estranhando.
Ficamos nos olhando um pouco. Ela, curiosa, e eu, abismada com sua simplicidade. Mesmo com aquela distração, minhas mãos ainda tremiam da emoção anterior. Ela percebeu. Mexeu em sua bolsa e retirou de lá um envelope de comprimidos. Pôs dois em sua mão e me ofereceu junto com a garrafinha de água.
-- Não se preocupa, são calmantes. Homeopáticos. Vai te fazer relaxar em poucos minutos.
Agradeci e engoli os comprimidos para impedir a tremedeira.
-- É a primeira vez nos Estados Unidos? -- perguntou quando a aeromoça me entregou a bolsa de gelo.
-- É. -- senti o alívio imediato quando o gelo tocou minha pele ainda ardida.
-- Turismo? -- insistiu.
-- Estudo. -- fui lacônica sem querer.
-- Intercâmbio? -- arguiu no intuito de descobrir a verdade.
Eu sorri e desembestei logo a verdade toda.
-- Está bem. Bolsa em Harvard.
Vi um brilho de empolgação no verde infinito dos olhos.
-- Quantos anos você tem? -- vi que logo se arrependeu de fazer a pergunta, mas, mesmo assim, respondi de boa vontade.
-- Faço dezoito daqui a duas semanas.
Ela se espantou de vez.
-- É muito nova para ganhar uma bolsa! Até mesmo para quem é americana, uma vaga é uma tortura.
-- E você, quantos anos tem? -- chutava que teria uns vinte.
-- Vinte e quatro. -- disse concertando a postura na cadeira. -- Velha, não é?
Falou insegura sem olhar direto para mim.
Não me atrevi a iniciar uma conversa longa. Não naquele momento em que meu coração lutava para voltar ao lugar. Ela também não se moveu ou tentou retomar o diálogo.
Logo senti as pálpebras pesadas e o sono repentino me levou da realidade.
GRAVIDADE
Algo sempre me traz de volta para você.
Nunca demora muito.
Não importa o que eu diga ou faça
Eu ainda sentirei você aqui
Até o momento que eu partir.
Você me segura sem o toque.
Você me prende sem correntes.
Eu nunca quis tanto algo
Quanto afogar no seu amor
E não sentir a sua chuva.
Refrão
Liberte-me, deixe-me estar.
Eu não quero cair mais uma vez
Na sua gravidade.
Aqui estou e eu estou tão erguida
Assim como eu deveria estar.
Mas você está em mim e ao meu redor.
Você me amava porque sou frágil,
Quando eu achava que eu era forte.
Mas você me toca por alguns instantes
E toda minha força frágil se acaba.
Refrão
Eu vivo aqui de joelhos
Enquanto eu tento fazer você ver que
Você é tudo que eu acho
Que eu preciso aqui no chão.
Mas você não é nem meu amigo e nem meu camarada
No entanto eu não pareço poder deixar você partir.
A única coisa que eu ainda sei
É que você me mantém no chão.
Me mantém no chão.
Você está em mim,
Você está em mim,
Em mim inteira.
CAMBRIDGE...
Ali estava eu, encarando a estátua em bronze de John Harvard, benemérito da universidade mais antiga dos Estados Unidos. Eu estava na melhor do mundo e isso devia aos meus pais. A meu pai principalmente.
-- Estou aqui, pai... Por você... Por nós... Por mim...
Entrei no quarto que dividiria com outra aluna que ainda não havia chegado. Me joguei na cama, muito cansada. As primeiras aulas ainda nem tinham começado, mas me atrevi a conhecer a escola de ponta a ponta num tour quase infinito. Ouvi a porta abrir-se.
-- Impressionante, não é? Nada muda nesta joça! Acredita que é a segunda vez que enviam minha bagagem para a outra ala por engano?
O inglês carregado e familiar me assustou, fazendo com que me voltasse rápida encarando os olhos verdes divertidos. Desde o aeroporto, há um dia, tinha a sensação que a veria de novo, mas não achei que em tão pouco tempo. Ao desembarcarmos em Massachussets ela me deu o número de seu telefone. Indelicadamente, eu me fiz de desentendida e não lhe retribui a gentileza ligando de volta, afinal nenhum tipo de envolvimento, mesmo que fosse de amizade, era minha prioridade no momento.
-- Seja bem vinda a Harvard! -- estampou um sorriso divino nos lábios.
Não retribui o sorriso.
-- Dyorgia?
Estendi a mão para o cumprimento ao que ela simplesmente ignorou dando-me um abraço apertado.
-- Me chame de Dy. Então, já se instalou em nosso quarto? -- perguntou afastando-se e pegando uma mochila que deixou cair ao chão.
-- Ontem à noite mesmo. -- eu ainda matinha a minha cara séria e, ao mesmo tempo, de espanto.
-- Muito bem, eu faço pós no Business. Queria te fazer uma surpresa, mas acho que não gostou muito.
O sorriso maroto desapareceu do seu rosto e ela começou a guardar suas coisas com impaciência. Sem querer derrubou um vidro de perfume.
-- Mas que droga!!!
Jogou a mochila longe.
Sabia que ela estava decepcionada comigo. O mínimo que poderia fazer era pedir desculpas, mesmo sem vontade. Ela só queria se aproximar, e eu deixaria, mas com um limite bem demarcado para que não houvesse confusão de sentimentos. Prendi seu corpo com o meu.
-- Não fica assim, Dy. Sou esquisita mesmo.
Ela ergueu os braços e rodeou meu pescoço, apoiando a cabeça em meu ombro.
-- Desculpe. É que achei... Achei que poderíamos ser amigas. Não sabe o trabalho que deu arranjar essa vaga no mesmo quarto que você. Aí eu chego aqui e você nem me olha direito...
Olhei para ela mais espantada ainda.
-- Você... Isso não foi uma coincidência? -- endureci o olhar.
-- Não. -- largou do meu abraço e apanhou o frasco quebrado do chão indo no banheiro jogar no lixo.
O perfume era maravilhoso. Cheiro de novo. Cheiro de algo que começava em minha vida, longe das agruras do amor. Daria a ela a amizade que tanto queria. Só isso. O perfume voltou meus sentidos pra realidade e, pensando melhor, talvez desse a ela um pouco mais. Quem sabe?
-- Vem cá...
Chamei assim que ela apareceu no quarto.
-- Quero que saiba que ser minha amiga não vai ser fácil, já teve prova disso. Não suporto gente que mente. Não suporto covardia. Não suporto dissimulação. Posso aceitar cinismo. Sarcasmo. Até mesmo sacanagem. Mas odeio deslealdade. Seja sacana, mas seja leal. Seja cínica, mas não minta. Seja sarcástica ou dissimulada, mas faça na minha frente. Se tiver que me dizer algo, mesmo que seja muitíssimo desagradável, quero que o diga, porque é desta maneira que vou agir com você. Tenho planos para minha vida que não podem ser atrapalhados por fraquezas, nem pela minha, nem pela de ninguém. Então, Dy, Ainda quer ser minha amiga?
Havia um brilho de excitação e medo em seus olhos quando respondeu minha pergunta.
-- Até que a morte nos separe.
Fim do capítulo
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