CapÃtulo 45
Capítulo 45 linha dubia - Fernanda
Fizemos todo o trajeto com o carro da Caroline. Foi uma viagem bem tranquila, até que rápida, recheada de brincadeiras. Ela estava bem abatida ainda, mas bem mais calma e contente. O modo GPS humano foi novamente ativado e ela me guiou do hotel até a casa da Clara, sem perder uma rua. Durante toda a viagem ela ficou com a mão na minha perna, uma coisa tão simples que ela faz e eu acho super fofo. A casa da Clara fica na República, na verdade é um prédio pequeno, de uns 10 andares. Nem chegamos a subir, a Carol ligou pra ela e logo em seguida ela desceu.
- Que rápido esse elevador. Ela te ligou e você já desceu.
- Que nada Fer, eu moro no primeiro andar, um lance de escada e já estou aqui na porta. Mas gente que evolução, tem música nesse carro?
- Tá vendo, nada como uma portuguesa para colocar essa gineco nos eixos.
- Vocês duas, eu ainda estou aqui. Vocês fazendo piada da minha cara e eu no carro. Palhaçada! - A Carol entrando na brincadeira, mas reclamando.
- Ah vá Carol, quantas vezes te falei que precisava de música aqui. E você sempre com a seriedade de um mamute.
- Estou aprendendo.
- Aprendendo o que? A desapegar das coisas ruins? A ser feliz? - Essa paulada foi da Clara.
- Cara, pelo visto vou precisar de mais vinho do que eu pensei. Aguentar vocês duas e o Lucas vai ser dureza.
- Seu rosto tá melhor já. Um pouco menos inchado!
- Isso é maquiagem Clara, ele está super roxo, inchado. Vou precisar fazer uma fixação nas fraturas.
- Não vai dar pra estabilizar externamente?
- No rosto não - voltou a falar comigo - Amor, é ali. Para o carro na frente que o moço estaciona.
- Vai pagar estacionamento?
- Sim Fer, não vou deixar o carro largado na rua. Esse lugar não é dos mais seguros. - embiquei o carro em direção ao guichê do manobrista.
- Carol, como você vai fazer com o carro? Não dá pra levar pra portugal! - Clara puxando conversa.
- Vou colocar pra vender Clara. Vou ter que comprar um lá em Urros.
- Tem o meu lá Carol! - Pra que ela quer um carro, tem o meu!
- Ah Fer, não é porque tem o seu que eu não preciso de autonomia e liberdade. Vai que eu quero sair pra algum lugar, preciso do meu próprio carro.
- Não concordo, respeito, mas não vejo porque.
- Então Clara - ela apenas fez uma cara feia pra mim, como se deixasse claro que não iria mudar sua postura - vou deixar o Lucas responsável por isso. Vou assinar uma procuração para ele resolver essas pequenas nuances. Depois que eu fizer essa fixação no rosto e a medica me liberar, eu volto para Urros, sem olhar pra trás.
- Tá marcado já?
- Próxima segunda. Mais o tempo para chegar os parafusos e o fixador. Vai ser uma cirurgia rápida, nem uma hora.
- Vamos entrar maricotas ou precisam conversar aqui na porta? - chamei as duas
- Clara, nem se assusta, é o mal humor dela voltando! - Só olhei pra Carol, mostrando a língua pra ela.
Assim que chegamos a tal cantina, o moço da porta já reconheceu a Caroline, mesmo ela com o rosto inchado e roxo. - Dra, mesa para quantos? 3?
- Mesa para 5, estamos aguardando mais 2 pessoas.
- Ótimo, me acompanhem por favor.
- Obrigada. - Ela conversou com o rapaz, eu e a Clara fomos atrás conversando, seguindo os dois. O restaurante tinha claramente a cara de Cantina italiana, um ambiente mais escuro, cheio de bandeirinhas verde, vermelho e branco, penduradas no teto. As mesas estavam com toalhas vermelho e branco, as paredes eram rústicas, de tijolinhos. Eu não sou super fa de comida italiana, mas pelo menos o lugar era gostoso. Me lembrava um pouco os bares e restaurantes do Vale do Douro, feitos de pedra. Assim que sentei na mesa, não pude deixar de olhar a marca do azeite. Era até de uma marca boa, mas não era um Ganate.
- Fer, o que foi? - a Carol identificou na hora - Tudo bem? Quer ir para outro lugar?
- Não não, gostei daqui, parece aquele restaurante lá do Douro - ela confirmou com a cabeça - é que eu tava olhando o azeite.
- Azeite Fer? Hoje é dia de descansar a cabeça, trabalha depois.
- Não to entendendo nada, me atualizem - a Clara estava mesmo perdida, mas eu que falei de mais, a Carol sabe que não gosto de ser conhecida pelas fazendas ou pela produção de azeite - Eu tenho TOC com azeite, gosto muito de uma marca portuguesa e quase não como outras. Essa aqui mesmo é uma péssima marca.
- Amor, depois a gente chama o sr. Giovanni e você comenta do azeite. Agora esquece isso. Vamos pedir alguma coisa para beber, até o Lucas chegar?
- Pode ser. Podíamos tomar aquele mesmo vinho da última vez que viemos, você lembra?
- Sei qual é. Vou chamar o camarada e pedir. - ela do jeito sutil e firme de sempre chamou o garçom, pediu um vinho específico que pelo pouco que eu conheço é muito bom, pediu mais uns 2 petiscos para esperarmos o Lucas. O rapaz atendeu ela sempre chamando de Doutora, achei demais, excessivo, mas bonitinho.
- Carol, porque te chamam de doutora aqui? O tempo todo?
- Eu atendi a esposa do sr. Giovanni há alguns anos atras e ela é uma paciente que eu acompanho periodicamente. Depois disso eu acabei vindo conhecer o lugar, o Dr. Giovanni me chama de doutora, mesmo eu tendo pedido para não chamar. A equipe dele aprendeu assim também. Sem contar que venho tanto aqui que já virou um hábito.
- Eu mesma venho com a Carol aqui várias vezes, não é?!
- Sim, acabou se tornando um lugar frequente, o preço é bom, a gente se sente bem. Sei lá, eu gosto de vir aqui - o celular dela apitou, primeiro ela acabou que instintivamente olhando pra mim, como se fosse para ver se eu iria me estressar ou algo assim, eu sorri e acenei. Ela voltou ao celular - O Lucas falou que está estacionando o carro.
Esse pequeno lapso dela me olhar antes de atender o celular é em decorrência da porcaria de namorada que eu fui hoje cedo, sem respeitar o momento crítico que ela está passando e todos os problemas, quando sairmos daqui, preciso conversar com ela mais uma vez, pedir mil desculpas por essa atitude minha e falar que não me importo dela atender o celular, essas coisas. Não quero ela me olhando como se pedisse permissão quanto a algo.
- “Tia Aol, tia Aol” - escutamos esse som, ou melhor a voz ainda infantil do Bruno, chamando a Caroline ao fundo. Quando eu olhei para ela, me emocionei. Ela levantou, não correndo, mas rápido, elegante, em direção ao Lucas que estava andando pela cantina vindo para a nossa mesa. O Bruninho estava pulando tanto no colo dele que ele soltou o menino no chão. Ele no auge de seus dois ou no máximo 3 anos, andou com as perninhas curtas em direção a Caroline. A Carol por sua vez se agachou no caminho do menino e esticou os braços, abrindo-os aguardando o abraço do puto (puto é uma gíria portuguesa para menino). Ele entrou no abraço dela, ela levantou segurando o menino e enchendo ele de beijinhos, na barriga dele e no rosto. Ele gargalhava, dava risada alta, quem estava próximo a eles no restaurante não conseguiu não rir da risada do menino. A Carol ficou emocionada com a situação, o reencontro com o afilhado depois de ficar fora, depois do sequestro, depois desse turbilhão de problemas. Acredito que tenha sido como se reconectar a algo bonito, leve, inocente, pelo menos é assim que eu me sinto quando atendo minhas crianças lá em Urros.
- Bruno, dá beijo em todo mundo. - A Carol que falou isso, colocando o menino no chão. Ele foi de cadeira em cadeira, dando um beijo na Clara e depois em mim. Ele é um garoto bem esperto para a idade dele, aparentemente deve ter bastante estímulo para o desenvolvimento.
- Luc, a Jaque não quis vir? - Carol perguntou ao irmão
- Não, em uma história que não deveria ter dois lados, ela escolheu um. E por não estar aqui, não foi o seu lado - a Carol fez uma cara estranha, mas de quem já esperava isso.
- Ela escolheu a amiga dela, era de se esperar. Não quero que os meus problemas interfiram em vocês, ok?! Deixa quieto que eu me ajeito.
- Não vou deixar interferir, mas você é minha irmã, não vou deixar você na mão. Enfim, ela não quis vir, eu vim e trouxe essa bolota aí, que não para de perguntar de você. - Ela até pediu um cadeirão para colocar o Bruno, mas ele quis mesmo era ficar no colo dela. Eu fiquei o tempo todo observando a interação dos dois, não sei se ela é boa só com o Bruno ou com crianças em geral, mas a cena foi muito bonita.
- Galera, não é por nada não, mas to varada aqui, vamos pedir? To só com uma salada e esse vinho já está subindo aqui. - falou a Carol, enquanto brincava com o Bruno.
- Sim, o que vocês costumam pedir? Eu não conheço a comida daqui. - falei pra eles, queria uma ideia.
- Depende do que você gosta, as vezes pegamos pizza, as vezes um macarrão caseiro. Tem umas outras comidas aí, fogazza, tem risoto, lasanha. - o Lucas começou a explicar - depende mesmo do que você gosta e do quanto quer engordar e entupir suas veias.
- Quase um cardiologista falando. - a Carol começou a fazer piada com ele.
- Acho que vou pegar uma lasanha então, faz anos que eu não como - pensei alto.
- Luc, pega o que pro Bruno? Aquele macarrão e o frango? - A Carol cuidando do afilhado
- Cara, se você pegar pedra ele tá comendo. Esse moleque é uma draga. Tá difícil trabalhar pra pagar a comida dele.
- Que exagerado você Lucas, se tivesse comendo assim iria estar gordo.
- Marmota, olha a barriga dele!
- Aff, sem comentários. Vou chamar o cara pra pegar os pedidos. - Ela mais uma vez, chamou o garçom, de um jeito gracioso e delicado, mas firme, pedindo a dela e do Bruno, e deixando os demais da mesa pedir. Assim que o garçom saiu, a conversa recomeçou - Ele deu uma esticada esse mês que eu fiquei fora, tá grandão de tamanho.
- Vocês são altos, digo você e o Lucas - me intrometi na conversa deles - e a jaqueline é meio alta também. Ele deve ter uma genética legal, tende a ser alto.
- Pronto, agora a pediatra surgiu. - a Carol falou me zoando - Clara, quer dar alguma opinião técnica sobre a refeição ou o desenvolvimento infantil? Não conseguem ficar 10 minutos sem falar de trabalho.
- Ah, se entrar uma grávida aqui você vai ficar de boca calada?
- Sim. A não ser que entre em trabalho de parto.
- Duvido Carol - a Clara entrou na conversa - era capaz de você levantar daqui e ir lá negociar com ela, orientar alguma coisa. Você é viciada também.
A conversa foi fluindo assim na mesa, muita brincadeira, piadas. Eu pude ver uma Carol muito mais despojada, solta, que estava sorrindo, algo difícil de ver depois do sequestro. Ela ficou com o Bruno no colo o tempo todo. Quando a comida chegou, ela colocou ele no cadeirão de crianças, cortou o frango e o macarrão que tinha pedido pra ele, e colocou o prato na frente dele, deixando com que ele comesse sozinho. Ela apenas foi monitorando se ele comia de tudo e se estava comendo mesmo. A noite estava deliciosa, mesmo. Eu estava adorando esse momento com eles, a conversa, a Caroline calma, feliz, leve.
- Lucas, tem uma outra camiseta pro Bruno? Você trouxe? - automaticamente todos olhamos para o menino. ele estava com a blusa cheia de manchas de molho, a boca suja. Não iria me assustar se ele tivesse macarrão no cabelo. Caramba, foi um piscar de olhos de nós da mesa e ele começou a “comer” com as mãos.
- Puta merd*, esse moleque tá tenso.
- Não briga com ele, ele é criança, tem que se sujar. Tem roupa aí?
- Acho que tem, a Jaque que montou a bolsa dele. Deve ter.
- Me dá aqui a bolsa, vou ao banheiro com ele. Ver o que dá pra concertar.
- Não, deixa que eu levo.
- Para Lucas - pediu licença da mesa, pegou o Bruno no colo, passou por mim, me deu um beijinho e saiu, seguindo em direção ao banheiro da cantina.
- Caramba, foi um piscar de olhos - eu comentei.
- Sim, ele está assim, nem dá pra respirar e já cai uma estante nele.
- Uma estante? - Antes dele responder, o garçom que atendia nossa mesa chegou perto de nós.
- Com licença, tem uma moça lá fora, falando que é a esposa da doutora. Ela está bem alcoolizada, quando a Dra retornar o senhor pode avisá-la? Não deixei ela entrar por causa do álcool, ela está gritando lá fora
Imediatamente eu,o Lucas e a Clara nos olhamos. O Lucas agradeceu o garçom, que saiu da mesa, se desculpando pelo incômodo, por mais que obviamente o incômodo é essa mulher louca. O Lucas foi o primeiro a falar:
- Chamo a Carol?
- Não, eu vou lá fora. A Carol já tá estressada demais para lidar com essa louca, ainda mais bêbada.
- Eu vou junto com você, Clara enrola a Carol aí. Não fala nada da Christiane.
- E eu falo o que pra ela? Invento o que?
- Fala que fomos pegar uma blusa pro Bruno!
- Claro que não, vai voltar sem blusa! Fala que uma criança caiu aqui na rua e fomos socorrer. Ah, sei lá, fala qualquer coisa. “Vamo” Lucas, vai.
Peguei rápido minha bolsa e nós dois saímos. Assim que chegamos na porta, a cena foi bem deplorável. A Christiane estava descalça, aparentemente jogou os sapatos contra o recepcionista, já que tinham 2 pés de sapato jogados perto da porta. Um dos seguranças da cantina estava tentando segurar ela, sem contato físico, apenas impedindo o acesso. Ela gritava: Eu sei que ela está aí! Tenho direito de entrar! Ela tá aí! Assim que me viu, automaticamente redirecionou a atenção dela.
- Cadê a Caroline? Não quero falar com você! Cadê ela?
- Para de gritar garota - o Lucas ao meu lado chamou o manobrista e solicitou o carro dele.
- Chris, fica calma. Eu vou te levar até a Carol, mas você precisa se acalmar.
- Cadê ela?! Lucas, cade? - ela ainda gritava, mas aparentemente um pouco mais calma, apesar de ainda bem louca e bêbada.
- Ela está na minha casa. Eu pedi o meu carro. Te levo lá. Mas você precisa ficar calma, sem gritar!
- Lucas, ela não quer falar comigo! Porque a Carol fez isso? Porque? - ela gritou isso com ele e começou a chorar - Ela não pode fazer isso! Ela não pode! - olhou pra mim - A culpa é sua, a culpa é sua! Você fez isso! Você fez a cabeça dela! A Culpa é sua! - E veio na minha direção, a minha sorte foi que o Luc conseguiu segurar ela não sei como, mas ela veio pra me bater. Enquanto o Lucas segurava ela, a Christiane gritava comigo ou pra mim, não sei ao certo- A culpa é sua, você fez isso! A culpa é sua! Vou quebrar você!
O Luc esticou o braço, como que me protegendo dela, mandando eu me afastar. E foi isso mesmo que eu fiz, mesmo que não tenha sido o que ele tenha falado. Ele olhou pra um dos manobristras, como se perguntasse: Cade o carro? Mas a resposta dele veio segundos depois, com o carro executivo sendo estacionado na frente da cantina.
- Fer, vai com ela atras!
- Você estas pirado? Ela vai me matar isso sim! Eu dirijo, vai com ela. - ele concordou e me jogou a chave do carro que estava no bolso. Enquanto eu entrava no carro e arrumava o banco e os vidros, o Lucas tentava quase que sem sucesso colocar a Christiane bêbada, gritando e querendo ainda me bater no carro. Para ela entrar no carro ele teve que infelizmente segurar ela um pouco mais forte e praticamente forçar a entrada. A todo tempo ele falava: Chris,vou te levar até a Carol! Entra aqui! Se você não entrar não dá! Cacete entra logo na porr* do carro! - Quando ele finalmente conseguiu entrar no carro com ela, ainda bem agitada, perguntei pra onde eu deveria colocar o GPS.
- Vai pro hotel! O hotel que você está!
- Ela não vai entrar lá! Não, não!
- Só vai Fernanda, de lá falo o resto do caminho! Vai logo cacete! - eu programei o GPS e segui em direção ao hotel na Vila mariana, imaginei que de lá iriamos pra casa dela, que eu sei que é bem proximo. Durante todo o caminho ela foi chorando, as vezes gritando, sempre com o mesmo bat-canal: Como ela fez isso? Ela não quer falar comigo! A culpa é dessa aí! Ela não vai embora! Não vou deixar! - O cheiro de álcool dela estava me revirando o estômago, não era cheiro de vinho ou algo do tipo, mais leve, era cheiro de pinga, vodka, algo pesado. Chegou uma hora, que de alguma maneira ela deve ter se cansado, a ponto que ela encostou no ombro do Lucas e ficou chorando, chorando de soluçar.
Enquanto eu dirigia para o hotel e depois para a casa dela, eu fui me enchendo de raiva e de desconforto, ficando cada vez mais irritada. Uma sensação que eu conheço muito bem, da época que quase acabei com a minha vida usando drogas. Uma sensação que eu não lembrava a anos, até o dia em que a Caroline foi sequestrada e hoje, aqui, neste maldito carro com essa mulher. Os problemas da Caroline estão afetando meu estado de plenitude emocional de controle do caos.
- Estaciona ali, naquela segunda casa. Para na frente.
- Aqui?
- Isso! Fer, me ajuda a tirar ela do carro! A louca dormiu! - Caraca, não creio nisso. O Lucas desceu do carro e puxou ela pelas pernas, trazendo o corpo da Christiane mais para perto da porta, de um modo que facilitasse nós dois carregar ela, mas a minha raiva e agitação já estavam no limite. Empurrei o Lucas para o lado, afastando ele, me inclinei dentro do carro e sem pensar muito, tentei acordar ela com uns sacolejos, um, dois, tres, sem efeito. Eu me recuso a carregar essa mulher, por mim eu jogava ela na rua, na sarjeta, sem documento. Respirei fundo e entrei no carro mais uma vez, inclinada sobre ela eu meti dois tapinhas no rosto dela, ela mexeu de um lado para o outro e com a sonolência toda do álcool, voltou a apagar. Meu limite superou qualquer patamar que eu conhecia, meti a mão nela, mais uma vez, e dessa vez não foi com cuidado, foi pra acordar morto. Ouvi lá de fora do carro o Lucas gritando comigo, para eu não fazer isso. Mas foda-se já está feito! Meti um tapa que ela acordou assustada, olhou pra mim como se dissesse: O que faz aqui?! Continuei meu “carinho” com ela, puxei aquela louca pela roupa e fiz ela sentar no banco do carro. Apenas olhei para o Lucas, ele entendeu que era o momento dele carregar.
- Vem Chris. Levanta. Vamos entrar. - ele mexeu no bolso da calça social que vestia e tirou um chaveiro com varias chaves, tirou uma anilha, separando 2 chaves e me jogou - A pequena é do portao, a outra é da porta.
Sai andando em direção a casa, abri o portão e fiquei meio que procurando a porta, onde era a entrada, o Lucas gritou que era a esquerda. Abri a porta de madeira e entrei na casa, por mais que eu nunca tenha vindo aqui, essa não é a casa da Caroline, definitivamente. O Lucas entrou com ela apoiada no ombro.
- Que cheiro horrível está aqui, está fedendo esse lugar. - Haviam várias garrafas de bebida caidas no chao da sala, o meu tenis colava a cada passo que dei na casa - Fe, me ajuda a levar ela lá em cima - em automático eu fiz uma cara feia - Me ajuda, vai.
- Por você!
- Sim, pela minha coluna. Não dá pra levar ela sozinho. - Ajudei ele, subimos os degraus quase que puxando ela. A louca estava tão bêbada, tão bêbada, que era incapaz de subir os degraus sozinhos. - Abre essa porta aqui - indicando a porta da direita, que imagino eu fosse o quarto dela, mas o quarto que dividiu com a Caroline. - Dou um banho?
- Sim. Enfia ela embaixo da água! Não precisa dar banho, a água gelada vai ser suficiente para acordar ela. Eu vou ver se acho um café lá embaixo pra fazer.
- Faz um bem forte, sem açúcar. Procura alguma coisa doce, com glicose.
- Sim. Será que tem uma ampola de glicose por aí?
- Acredito que não, mas pode até ser. Aqui no corredor, no segundo quarto é o escritório da Carol, se tiver vai estar lá. - eu avancei mais um pouco na casa, a porta do tal quarto estava meio que travada, com alguma coisa na parte de trás, segurando o acesso. Empurrei com um pouco mais de força e assim que eu entrei senti uma raiva que não cabia em mim. Mesmo que eu nunca tivesse entrado naquele espaço, eu sabia que era o mundo da Caroline. Era possível ver duas bancadas, que estava cheia de roupas jogadas, incluindo vestidos como aquele que ela comprou hoje mais cedo. Diversas prateleiras cheias de livros, separados por cor, tamanho e assunto, claramente era a organização doentia que a Carol tem em tudo, de malas a livros. Me deu raiva porque o chão estava repleto de camisas, calças, roupas que acredito eu ser da Caroline. Puxei rapidamente uma das peças do chão, imediatamente me veio a imagem da gineco, vestida de social, atendendo os pacientes. Não procurei nada no quarto, não me dei a esse trabalho apenas saí de lá.
Desci para a parte de baixo da casa, indo até a cozinha. Olhei rapidamente uma prateleira de bebidas, vazia e mais uma vez pensei na Carol. A bagunça e a sujeira que a casa estava não deixava muito eu associar a imagem dela, mas cada pequeno detalhe tinha de alguma forma a presença dela. Tomei a liberdade de abrir os armários e procurar o maldito café, não foi difícil achar. Eu tenho certeza que preparei o pior café da minha vida, já que além de eu não ter tanta experiência com isso, eu coloquei um balde de pó, bem para ficar forte, intragável e aquela imbecil acordar.
Conheço a Caroline há cerca de dois meses, não mais do que isso, mas a maneira como me envolvi emocionalmente com ela, o modo como ela ganhou significado na minha vida foi instantâneo, incrível, mágico. Por mais que esse tempo seja absolutamente curto, eu vendo essa confusão toda que a vida dela está, parece que eu quero tomar o problema pra mim, tomar a raiva dela como minha. Sei que isso está me fazendo mal, infelizmente já estou sentindo isso, mas nesse momento, eu quero tomar todas as dores dela e guardar em mim. Enquanto a água do café borbulhava na minha frente, veio rapidamente a minha mente o sorriso dela, simples, calmo que eu vi no momento que ela abraçou o Bruno e a leveza com que ela estava na cantina. Me encanta mais uma vez a forma que, apesar dos problemas, ela tem levado a vida, firme, sorridente, essa garota tem uma vida linda para viver, tem o direito de ser feliz, o direito de poder dormir calmamente e o direito de ir em paz para Portugal.
Terminei de fazer o café, enchi uma caneca do líquido fumegante, não adocei. Abri a geladeira, depois um dos armários, procurando algo doce que a louca pudesse comer. Achei uma caixa de chocolate, isso deve resolver o problema. Subi novamente para o quarto, eles ainda estavam no banheiro, olhei pela beiradinha da porta, sem que ela me visse, o Lucas ajudando a garota, já acordada, mas ainda bem bêbada a levantar do “banho que tomou”. Ela estava com a roupa toda molhada, ele deve ter simplesmente colocado ela no chuveiro, direto. Se eu fizesse algo, faria o mesmo. Ele saiu rapidamente do banheiro, acenou pra mim, com uma expressão de “puta merd*”, pegou uma toalha e voltou ao banheiro. Logo em seguida saiu de novo, mexeu em algumas gavetas e tirou duas peças de roupa, voltou ao banheiro e entregou pra ela, deixando ela tirar a roupa molhada e se trocar sozinha.
- Conseguiu fazer o café?
- Sim, sim, achei lá embaixo, não foi difícil. Achei chocolate também.
- Ótimo, isso já deve dar uma ajudada.
- Ela “tá” mais calma?
- Um pouco, está bem bêbada ainda. Chorou o tempo todo chamando a Carol. Acho que de alguma maneira caiu a ficha dela, de que a Carol foi embora, pediu o divórcio, sei lá.
- Vai fazer o quê agora Lu? Vai deixar ela sozinha aqui? Bebada?
- Não, não dá para deixar ela aqui. Ela precisa de ajuda, de um apoio emocional, sei lá. Algo que não cabe a mim. Pensei em ligar para os pais dela, pedir para eles virem aqui. Eu que não vou passar a noite cuidando de bebada. Não mesmo, sem contar que fiz isso pela Carol, por tudo que minha irmã já fez por mim, isso é o mínimo. Mas cuidar de bêbada já passa do meu limite.
- Sim, te entendo. É melhor ligar pra alguém mesmo, não cabe a você ficar aqui cuidando dela.
A porta do banheiro se abriu e a Christiane saiu, toda torta, ainda cambaleando, descabelada, bebada. Imagina o quanto essa garota bebeu para depois de tudo isso ainda não conseguir nem andar direito, bem diz que Deus protege os bêbados, se fosse eu, já teria caído e batido a cabeça. Ela não me viu a primeiro momento, nem reparou na minha presença, enxergou a caneca fumegante ao lado da cama e de primeiro já virou um gole, infelizmente eu só conseguia pensar: “ Devia ter colocado veneno”, mas não sou desse tipo de pessoa. O Lucas foi até ela com a caixa de chocolate.
- Come chocolate Chris, pra ajudar a baixar o álcool.
- Eu não quero. Eu já estou melhor. Liga pra sua irmã. Lu, deixa eu falar com ela. Ela tem que me ouvir, ela tem que me perdoar. Ela não pode ir embora.
- Chris, não vou ligar. Come o chocolate!
- Lucas, me ajuda. Ela tem que me perdoar. Ela não pode me deixar. Lucas.
- Chris, come o chocolate vai. A Carol está seguindo a vida dela. Você tem que respeitar - ele é um ser humano de luz, uma calma.
- Lu, ela tem que me ouvir. Ela não quer me ver. - Eu estava me irritando cada vez mais. Ele está cuidando dela, da maneira como pode, como ele concorda. Ele está protegendo a Caroline de alguma maneira, mas essa história de calma, paz, não é comigo, nem um pouco.
- Chris, se você comer o chocolate eu ligo pra ela, mas tem que se acalmar ok?!
- Lucas, eu não quero essa porr* de chocolate! Eu quero falar com a sua irmã! Com a Caroline - ela falou alto, gritando com ele. Deu pra ver ele perdido, sem saber meio o que fazer, ele é como a irmã dele, calmo, respeitoso, protetor, mas eu não. Eu sou desaforenta, sem limites, sem papas na língua. Eu não fui capaz de pensar, de respirar, contar até 5,10,20. Sai da parede na qual eu estava encostada assistindo aquela cena e fui direto até ela. A Christiane se assustou comigo, ela realmente não tinha me visto - Sai da minha casa! Sai daqui sua pu…
- Sua puta? Termina a frase! Termina - peguei ela pela gola da camiseta, pela parte que fica no peito, segurando pelas duas mãos eu puxei aquela louca. Quase respirando o mesmo ar dela, continuei - Termina a frase, termina! - ouvi ao fundo o Lucas me chamando e eu apenas olhei pra ele com toda a raiva que estava e voltei minha atenção a Christiane - Você não consegue terminar né?! Não é mulher pra isso! Olha seu estado, está toda bebada, vomitada. Acha mesmo que a Caroline ainda quer viver com você? Acha mesmo? Eu faço questão de não deixar você nunca chegar perto dela. Você nunca mais vai incomodar a Caroline! Ela aceitando ou não viver ao meu lado! Tá escutando Christiane? Tá escutando? - Ela arregalou os olhos e tentou começar a falar - Cala a boca! Cala a boca! Não quero ouvir nada que vem dessa sua boca de merd*! Nada! E ainda te digo mais uma coisa - falei puxando ela mais pra perto, olhando nos olhos amedrontados dela, lá no fundo - amanhã você vai ir assinar o divórcio, vai assinar rápido, sem briga, sem ver a Caroline! Se eu souber que você incomodou ela, que ligou, que respirou o mesmo ar que ela, eu mesma volto aqui e te quebro. Te arrebento! Não porque eu estou com ela, mas pela merd* que você é! Me ouviu? Me entendeu? Você me entendeu?
O Lucas chegou perto de mim, calmamente colocou a mão dele nos meus braços, fazendo com que de alguma maneira eu voltasse para minha calma, minha ordem e paciência. Eu apenas olhei pra ele e saiu do quarto, sai dali. Eu não me lembro quando foi a última vez que perdi minha estabilidade assim com alguém. Desci a escada quase que correndo, sem calcular os degraus. Quando percebi eu estava na garagem, encostada na parede, ajoelhada, com as mãos tremendo, respiração ofegante, os olhos embaçados. Daria qualquer coisa nesse momento por uma dose, um tapa, qualquer coisa, qualquer droga que me acalmasse, qualquer uma.
Fiquei um tempo, na mesma posição, tentando acalmar minha respiração, tentando desacelerar meu coração e tentando, tentando e tentando não voltar até aquele quarto e quebrar aquela mulher em duas. Quando eu senti que finalmente eu estava um pouco mais leve entrei na casa e fui até o banheiro, que fica entre a sala colenta de pinga e a cozinha. Tampei a pia, abri a torneira e deixei com que a água enchesse o espaço. Amarrei meu cabelo naquele coque de sempre, respirei fundo e coloquei o rosto na pia, preenchendo o nariz e a boca de água. Me mantive naquele espaço, sentindo a água na minha pele, me concentrando apenas na sensação de presença do meu corpo, sentindo o oxigênio esvair e o corpo exigir uma nova respiração. Quando não mais aguentei levantei a cabeça da água, respirando fundo, puxando todo o ar que eu precisava. Olhei através do espelho, meu rosto todo molhado, vermelho. Estou mais calma, estou melhor. Essa técnica foi o Dr. Braga que me ensinou, em uma das minhas crises de fissura, há 15 anos atrás. A imagem do pai da Carol é algo que me dá paz e calma mesmo após esses anos todos.
Fim do capítulo
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